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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01350/09.6BELSB 0389/18
Data do Acordão:05/02/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:HELENA MESQUITA RIBEIRO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RISCO
ACIDENTE
FERROVIARIO
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE POR ACIDENTE
CÁLCULO DE INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário:I-Em matéria de acidentes em que sejam intervenientes veículos de circulação terrestre, onde se inserem os de circulação ferroviária, não logrando o lesado provar a culpa efetiva ou presumida do condutor do veículo, impõe-se que quem tenha a direção efetiva daquele e o esteja a utilizar no momento do acidente no seu interesse, ainda que por intermédio de comissário, ou seja, normalmente o seu proprietário, tenha de responder pelas consequências danosas emergentes do acidente para os terceiros, a título de risco (art. 503º do CC), salvo se alegar e provar que o acidente é de imputar ao próprio lesado, a terceiro, ou que resultou de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (art. 505º do CC).
II-Não havendo culpa, efetiva ou presumida do lesado em acidente ferroviário nem se provando que este se deveu a facto culposo de terceiro, ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, situamo-nos no campo da responsabilidade pelo risco, ainda que o lesado não identifique o risco concreto que originou o acidente.
III-Tendo os danos sofridos pela Autora resultado de esta, quando subia para o comboio, se ter desequilibrado e caído na linha, tendo ficado entalada entre a carruagem e o muro do cais adjacente, onde permaneceu até que a composição se deslocou e afastou, considerando que um “desequilíbrio” pode ter na sua génese múltiplas razões, nomeadamente, fatores atinentes à própria pessoa que se desequilibra (a Autora) ou a terceiros (outros passageiros, funcionários ou agentes da CP), mas não se tendo provado qual a concreta causa/razão que levou ao desequilíbrio da Autora, subsiste inteiramente a responsabilidade da Ré pelo risco próprio do veículo/comboio.
IV-O dano biológico, originado numa lesão corporal, traduz-se numa afetação da capacidade funcional de uma pessoa, quer na vertente psicológica, quer na vertente física, declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica. Este dano tem sido entendido como dano-evento, relativo a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele resultar ou não perda ou diminuição de proveitos laborais.
V-Não é de exigir uma efetiva perda de rendimentos decorrente da incapacidade permanente para que se reconheça ao lesado o direito a indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial. O agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de quaisquer funções que impliquem a utilização do corpo, justifica o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
VI- Em sede de reparação do dano patrimonial futuro decorrente de lesão corporal que determine uma incapacidade parcial permanente para o lesado, o critério para a sua aferição por parte dos tribunais é a equidade. O uso de fórmulas matemáticas constitui também um indicador precioso para orientar o juiz na fixação da indemnização a conceder mesmo quando se esteja apenas perante o dano biológico com consequências ao nível da exigência de esforços complementares ao lesado, sem que daí resulte uma perda imediata na sua capacidade de ganho, constituindo um parâmero objetivo e como tal potenciador de uma maior igualdade no arbitramento das indemnizações a fixar a esse título.
VII-Tendo a Autora, com 21 anos de idade, à data do acidente, ficado a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 26%, considera-se adequada uma indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes do acréscimo de esforço que terá de consumir para desempenhar uma atividade profissional no valor de 105.000,00€, para um salário médio mensal de €989,00 por mês, e uma esperança média de vida de 83 anos e 6 meses.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Nº Convencional:JSTA000P32180
Nº do Documento:SA12024050201350/09
Recorrente:CP – CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, EP E OUTRAS
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento: