Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00333/11.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2013
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:BOLSA DE DOUTORAMENTO
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
BAIXA PARA PRODUÇÃO DE PROVA
Sumário:Não constando do processo todos os elementos probatórios que permitam ao Tribunal Central a reapreciação de um concreto ponto da matéria de facto, alegadamente errado, pode esse Tribunal «ad quem» anular, mesmo oficiosamente, a respectiva decisão de facto da 1ª instância, bem como o julgamento de direito que a repercuta, e ordenar que esse ponto da matéria de facto seja devidamente instruído e proferida, na sequência do novo julgamento de facto, um novo julgamento de direito.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PCG(...)
Recorrido 1:Fundação para a Ciência e Tecnologia, IP.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
PCG(...) - cidadão irlandês, com domicílio profissional na rua Larga, Departamento de Física da Universidade de Coimbra, cidade de Coimbra – interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [TAF] - em 11.09.2012 - que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial [AAE] em que ele demandou a Fundação para a Ciência e Tecnologia, IP - nessa AAE o ora recorrente pede ao TAF que condene a ré a pagar-lhe uma indemnização, por danos patrimoniais e morais, de montante não inferior a 25.000,00€, e ainda que anule o acto administrativo de recusa da sua candidatura no âmbito do concurso de 2010 para atribuição de bolsas individuais de investigação, e condene a ré à prática do acto legalmente devido, ou seja, admiti-lo ao referido concurso e conceder-lhe a Bolsa de Doutoramento em causa.
Conclui assim as suas alegações:
1- O presente recurso vem interposto do douto acórdão do TAF de Coimbra, que julgou totalmente improcedente a AAE intentada pelo autor, ora recorrente, na qual se peticionava, cumulativamente, a condenação da ré, ora recorrida, ao pagamento de uma indemnização por danos morais e patrimoniais, ex vi nº3 do artigo 3º da Lei nº67/2007, de 31.12, e a anulação do acto administrativo de recusa da candidatura do ora recorrente, no âmbito do concurso para atribuição de bolsas individuais de investigação de 2010, com a consequente admissão ao concurso e concessão da bolsa de doutoramento em causa [ver alínea a) do nº2 do artigo 47º do CPTA];
2- Dando como assente a factualidade concreta fixada no ponto 15 da fundamentação de facto, o TAF incorreu em erro manifesto do julgamento de facto, não logrando, sequer, pronunciar-se sobre o mérito da causa;
3- De acordo com o aludido ponto 15, o TAF parte, erradamente, do pressuposto de que, em nenhuma das candidaturas, o autor, ora recorrente, havia obtido o reconhecimento - nem o respectivo registo - da respectiva licenciatura estrangeira;
4- Sucede, porém, que o ora recorrente dispõe de elementos probatórios irrefutáveis [documentais e testemunhais] que atestam a existência do processo de registo/reconhecimento do respectivo diploma estrangeiro, elementos que remontam a data bastante anterior à da instauração da AAE;
5- No entanto, tais elementos probatórios nunca chegaram ao conhecimento do TAF, não sendo parte integrante dos PA’s, nem dos documentos juntos, nem dos articulados das partes;
6- E tal inexistência de elementos probatórios nos autos recorridos é perfeitamente justificável, porquanto a aludida matéria do reconhecimento/registo do diploma estrangeiro do ora recorrente nunca foi objecto de discussão na causa «sub judice», até porque não constava dos requisitos de candidatura a nenhum dos concursos postos em crise na AAE;
7- Ou seja, em nenhum momento, foi tal questão suscitada pelas partes, e nem poderia ter sido, pois que, tal como conclui o TAF a folha 8 do douto acórdão recorrido: “A ré diz que, magnanimamente, tem seguido a prática de admitir candidaturas e conceder bolsas de doutoramento sem exigir o reconhecimento e o registo dos graus académicos cujos diplomas os candidatos alegam e apresentam para esse feito”;
8- Certo é, todavia, que não tendo tal factualidade carácter notório, nem sendo de conhecimento oficioso, nunca podia o TAF considerá-la matéria assente, sem a submeter, necessariamente, ao contraditório das partes em litígio;
9- Não o tendo feito, preteriu o TAF regras processuais e de ónus probatório, com o consequente erro no julgamento de facto, erro que é tanto mais grave quanto acarretou o não conhecimento do mérito da causa;
10- E nem se diga que podia tal erro ter sido corrigido em sede de saneamento processual, porquanto, nessa fase, não foi, sequer, dado a conhecer às partes quais os concretos factos que iriam ser levados à factualidade assente, limitando-se o despacho saneador a decidir não haver matéria de facto controvertida, sendo a questão a decidir meramente de direito;
11- Razão pela qual, por todo o expendido, fica demonstrado que o TAF julgou com base num manifesto défice instrutório, o que, ademais, impede este Alto Tribunal de reapreciar a matéria de facto;
12- Impõe-se, pois, que seja possibilitada a produção de prova acerca da factualidade supra referida, devendo, em consequência, anular-se todo o processado desde a prolação do despacho saneador, que ordena a notificação do ora recorrente para apresentar alegações escritas;
13- Assim, e sem prejuízo do disposto no artigo 149º do CPTA, deverá este Venerando Tribunal, ex vi nº4 do artigo 712º do CPC [por remissão dos artigos 1º e 140º do CPTA], revogar o douto acórdão recorrido, devido ao imputado défice instrutório, e ordenar a baixa dos autos ao TAF, cumprindo-se em conformidade com as diligências instrutórias que se reputem úteis e necessárias à ampliação da matéria de facto, para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir novo acórdão que leve em consideração a factualidade que, entretanto, resultar apurada.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, a anulação de todo o processado a partir do saneador, e a baixa dos autos ao TAF com vista à fixação da matéria de facto carente de instrução.
A ré Fundação para a Ciência e Tecnologia [FCT] contra-alegou, concluindo deste modo:
1- Neste sentido, veja-se o AC STA de 25.06.2009, Rº732/07-12, em que se decidiu que “não existe dever de pronúncia do tribunal relativamente a questões cujo conhecimento deva considerar-se prejudicado pela solução jurídica encontrada para a causa [ver 668º, nº1 alínea d), do CPC]”;
2- Tendo sido encontrada uma solução jurídica que passou por julgar improcedente a acção, quanto a ambos os pedidos formulados, dado que a recusa da candidatura teria as mesmas consequências, não poderá ser imputado ao acórdão recorrido o vício de erro de julgamento na matéria de facto, por não ter analisado todos os argumentos do recorrente relativos ao fundo da causa;
3- Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido não padece de nenhum dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, pelo que deverá ser mantida.
Termina pedindo a manutenção do acórdão recorrido.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso jurisdicional [artigo 146º, nº1, do CPTA].
O recorrente reagiu a esta pronúncia, reiterando, fundamentalmente, a tese das suas alegações.
De Facto
São os seguintes os factos considerados provados no acórdão recorrido:
1- O autor é estudante e reside desde 2008 em Coimbra, sendo doutorando na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra [FCTUC];
2- No ano de 2008, em sede do «Concurso para atribuição de Bolsas Individuais 2008» promovido pela ré, o autor apresentou-se como candidato a uma «Bolsa de Doutoramento»
[BD];
3- A ré, ao tempo, fazia-se reger, na atribuição dos diferentes tipos de bolsas no referido concurso, pelo seu «Regulamento da Formação Avançada e Qualificação de Recursos Humanos» [RFAQRH-2008], cuja cópia consta a folhas 157 e seguintes dos autos [papel];
4- Segundo o artigo 20° deste regulamento, a avaliação das candidaturas teria em conta o mérito intrínseco do candidato, do programa de trabalhos e das condições de acolhimento, entre outros critérios a fixar no edital do respectivo concurso;
5- Nos termos do edital do concurso competia ao «painel de avaliação de cada domínio científico principal» apreciar as candidaturas, de acordo com um «Guião de Avaliação», ponderando os elementos de apreciação e produzindo uma lista ordenada de candidatos;
6- É cópia desse guião o documento nº1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá como reproduzido;
7- Dizia o ponto 5 desse guião, sob a epígrafe “Base de referência para a classificação do mérito de cada candidato”:
“De forma a procurar reduzir discrepâncias entre as classificações do mérito dos candidatos por diferentes Painéis de Avaliação, a FCT definiu a seguinte base de referência para os candidatos a BD com as adaptações consideradas razoáveis para o novo DL nº74/2006, de 24 de Março, que concretiza o Processo de Bolonha, e para os outros tipos de bolsas:
- Candidatos com classificação de licenciatura superior ou igual a 17, ou 16 com Mestrado [Muito Bom ou Aprovado] 4,5
- Candidatos com classificação de licenciatura de 16 ou 15 com Mestrado [Muito Bom ou Aprovado] 4,0
- Candidatos com classificação de licenciatura de 15 ou 14 com Mestrado [Muito Bom ou Aprovado] 3,5
- Candidatos com classificação de licenciatura de 14, ou 13 com Mestrado [Muito Bom ou Aprovado] 2,5
- Candidatos com classificação de licenciatura inferior ou igual a 13 - 1,5
Adicionalmente:
Candidatos - com trabalhos científicos publicados em revistas especializadas ou actas de congressos, ou com curriculum profissional de grande interesse, deverão beneficiar de uma pontuação adicional até + 2,5. A decisão quanto à bonificação a atribuir deve ser devidamente fundamentada.
Solicita-se aos Painéis de Avaliação que, partindo desta base de referência, analisem o conjunto dos elementos que integram cada candidatura e as valorizem de acordo com o julgamento global sobre o mérito do candidato.
No caso de candidatos com formação académica realizada no estrangeiro o Painel de Avaliação deverá procurar estabelecer uma equivalência entre a classificação obtida pelo candidato e o sistema de classificação em vigor em Portugal;
8- O painel de avaliação deliberou atribuir ao diploma «Bsc in computer Applications» do autor a equivalência a uma licenciatura portuguesa de 12 valores;
9- Este factor concorreu para que a candidatura do autor - de 2008 - obtivesse uma nota final de 2, insuficiente para que lhe fosse atribuída a bolsa;
10- Em audiência prévia e em reclamação o autor manifestou o seu desacordo com tal classificação, mas a ré manteve a decisão de recusa da bolsa, do que o autor foi notificado em 20.07.2009;
11- Já no ano de 2010, em sede do «Concurso para atribuição de Bolsas Individuais 2010» promovido pela ré, o autor apresentou-se, novamente, como candidato a uma «Bolsa de Doutoramento»;
12- Na atribuição dos diferentes tipos de bolsas no referido concurso a ré passara a reger-se pelo «Regulamento da Formação Avançada e Qualificação de Recursos Humanos de 2010» [RFAQRH-2010], publicado em anexo ao aviso nº11258/2010 do DR 2 série;
13- Desta vez, mercê da apresentação de uma declaração datada de 05.06.2010, subscrita pelo presidente do conselho científico da FCTUC segundo a qual o mesmo conselho científico, sob parecer do coordenador da Licenciatura em Engenharia Informática, subscrito pelo director do departamento, considerava dever ser atribuído ao autor o reconhecimento de habilitações ao nível da licenciatura em engenharia informática com 16 valores para fins académicos, o «painel da avaliação», na consideração do mérito do candidato, considerou a licenciatura com 16 valores, o que, juntamente com os demais factores, conduziu a uma classificação final de 4 valores;
14- Sem embargo a bolsa viria a ser recusada conforme projecto de decisão datado de 06.01.2011 [folha 2 do PA de 2010], confirmado por decisão e comunicação via e-mail de 1 de Março seguinte, conforme folha 5 do mesmo PA, que aqui se dá como reproduzida;
15- Em qualquer das candidaturas o autor não tinha obtido o reconhecimento - nem o respectivo registo - do grau académico objecto do diploma mencionado supra no artigo 8, fosse por universidade, fosse por instituto politécnico Portugueses, fosse pela Direcção Geral do Ensino Superior.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA.
II. O autor da AAE faz dois pedidos ao TAF: - o pedido de condenação da entidade ré a indemnizá-lo por danos patrimoniais e morais [mínimo de 25.000,00€]; e o pedido de condenação da entidade ré a praticar acto legalmente devido, isto é, a conceder-lhe a «bolsa de doutoramento» referente ao ano de 2010.
O pedido de indemnização é alicerçado em conduta ilícita e culposa levada a cabo pelos serviços da entidade ré, que teriam indeferido ilegalmente pedido de «bolsa de doutoramento» por ele formulado no âmbito do concurso aberto, para esse efeito, no ano de 2008 [artigo 3º da Lei nº67/2007 de 31.12].
Essa «ilegalidade», que supõe poder ser qualificada de «ilicitude», terá consistido em a entidade ré, através do «painel de avaliação do respectivo domínio científico principal» ter feito equivaler, ao abrigo do ponto 5 do «Guião de Avaliação», o seu diploma «Bsc in Computer Applications» a uma licenciatura portuguesa de 12 valores.
No entender do autor, esta actuação do «painel de avaliação» só pode ser nula, por falta absoluta de competência para estabelecer equivalências relativas a habilitações estrangeiras [DL nº283/83, de 21.06, na redacção dada pelo DL nº341/2007, de 12.10; DL nº152/2007, de 27.04, e Portaria nº550/2007, de 30.04; e artigos 133º, nº2 alínea b), e 134º, nº2, do CPA], sendo que foi esta nulidade que conduziu ao «indeferimento» da sua pretensão a obter a «bolsa de doutoramento» em 2008, e lhe causou danos patrimoniais e morais.
O pedido de condenação à prática do acto devido, que emerge da recusa na atribuição da «bolsa de doutoramento» ao autor no ano de 2010, alicerça-se na falta de fundamentação dessa decisão administrativa [artigos 124º, alínea a), e 125º, nº1, do CPA].
O TAF, em sede de despacho saneador, considerou, além do mais, «não haver matéria de facto controvertida relevante para a decisão da causa».
E em sede de acórdão final, após ter fixado o resultado do seu julgamento de facto, proferiu o seguinte julgamento de direito:
[…]
O autor, embora não o alegue expressamente, funda o seu pedido de indemnização por danos patrimoniais na ilicitude da recusa da bolsa de 2008.
Na verdade, para haver responsabilidade civil da ré pelos danos inerentes à falta da bolsa de investigação almejada, necessário se torna alegar e provar que a recusa foi ilícita, por contrária à ordem jurídica, culposa, por censurável, e que causou os danos alegados.
Entendemos, de um ponto de vista de favor litis, que a invocação da anulabilidade do acto, dos prejuízos e danos morais ocasionados pela falta da bolsa - supostamente devida - e do artigo 3º da Lei nº64/2007, bastam para se ter por alegados todos aqueles elementos da causa de pedir.
Porém, no entender do Tribunal, ao acto administrativo da recusa da bolsa de 2008 falta inexoravelmente o determinante elemento da ilicitude. Vejamos:
Elemento determinante da alegada ilicitude da recusa da bolsa de 2008 era a ré, ou o painel de peritos independentes por ela encarregados de avaliarem as candidaturas, ter incorrido em vício de incompetência ao arrogar-se competência para, por si ou através do painel de peritos, proceder ao reconhecimento de graus estrangeiros e suas classificações para efeito da avaliação do mérito intrínseco dos candidatos, desta feita violando o disposto nos artigos 11º a 13º do DL nº341/2007, de 12.10.
Efectivamente este diploma, nos expressos termos do seu artigo 1º, aprova o regime jurídico do reconhecimento de graus académicos superiores estrangeiros.
Convém destacar e transcrever, pelo menos os artigos 4º e 11º a 14º:
RECONHECIMENTO
Artigo 4º
Reconhecimento
1- Aos titulares de graus académicos conferidos por instituição de ensino superior estrangeira cujo nível, objectivos e natureza sejam idênticos aos dos graus de licenciado, mestre ou doutor conferidos por instituições de ensino superior portuguesas, é reconhecida a totalidade dos direitos inerentes à titularidade dos referidos graus.
2- Para os efeitos do disposto no número anterior, são considerados de nível, objectivos e natureza idênticos aos dos graus de licenciado, mestre ou doutor:
a) Os graus académicos conferidos por instituições de ensino superior estrangeiras que, por deliberação fundamentada da comissão de reconhecimento de graus estrangeiros a que se refere o capítulo III, sejam como tal qualificados;
b) Os graus académicos conferidos por instituições de ensino superior estrangeiras de um Estado aderente ao Processo de Bolonha, na sequência de um 1º, 2º ou 3º ciclo de estudos organizado de acordo com os princípios daquele Processo e acreditado por entidade acreditadora reconhecida no âmbito do mesmo Processo.
3- O elenco de graus a que se refere a alínea b) do número anterior é fixado, ouvida a comissão de reconhecimento de graus estrangeiros a que se refere o capítulo III, por despacho do director-geral do Ensino Superior, publicado na 2ª série do Diário da República e no sítio da Internet da Direcção-Geral do Ensino Superior.
[…]
REGISTO
Artigo 10°
Sujeição a registo
1- A produção dos efeitos do reconhecimento depende do registo prévio do diploma.
2- O processo de registo é definido por portaria do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Artigo 11º
Entidade competente para o registo
O registo a que se refere o artigo anterior é feito:
a) Para qualquer grau:
i) Numa universidade pública portuguesa, à escolha do interessado, sendo entidade competente para o acto o reitor;
ii) Na Direcção-Geral do Ensino Superior, sendo entidade competente para o acto o director geral do Ensino Superior;
b) Para os graus de licenciado e de mestre, num instituto politécnico público português, à escolha do interessado, sendo entidade competente para o acto o presidente.
Artigo 12°
Prazo
O registo é realizado no prazo máximo de um mês.
Artigo 13°
Recusa do registo
O registo só pode ser recusado:
a) Se o requerente não provar ser titular do grau académico cujo registo requer;
b) Se o grau académico de que o requerente é titular não estiver reconhecido nos termos do presente decreto -lei.
Artigo 14º
Fixação da classificação
1- A fixação da classificação na escala de classificação portuguesa é feita no acto de registo, pela entidade que procede ao mesmo, através da aplicação do disposto no n°2 do artigo 6°.
2- O director-geral do Ensino Superior aprova, ouvida a comissão de reconhecimento de graus estrangeiros a que se refere o capítulo III, as regras técnicas para a aplicação do disposto na alínea b) do n°2 do artigo 6°.
3- O despacho a que se refere o número anterior é publicado na 2ª série do Diário da República
e no sítio da Internet da Direcção-Geral do Ensino Superior.
4- Com base em manifestas diferenças de distribuição estatística entre as classificações atribuídas pela instituição de ensino superior estrangeira e as classificações atribuídas pelas instituições de ensino superior portuguesas na mesma área, o titular do grau ou a entidade competente para o registo podem requerer, excepcional e fundamentadamente, ao director-geral do Ensino Superior, a fixação de uma classificação diferente da resultante da aplicação das regras a que se refere o n°2, sem prejuízo do respeito pelo princípio geral da conversão proporcional.
A Ré diz que, magnanimamente, tem seguido a prática de admitir candidaturas e conceder bolsas de doutoramento sem exigir o reconhecimento e o registo dos graus académicos cujos diplomas os candidatos alegam e apresentam para esse feito. E que por os seus RFAQH serem omissos quanto às equivalências das classificações é que determinou, no seu «guião», que o painel procurasse estabelecer em cada caso essa equivalência de graus e notas.
Porém, em parte alguma daquele diploma ou de qualquer outro da mesma ou superior hierarquia enquanto fonte de direito, designadamente na lei orgânica da ré [DL nº152/2007 de 27.04] ou no Estatuto do Bolseiro [Lei nº40/2004 de 18.08] se encontra disposição de onde se possa concluir que para efeitos de atribuições de bolsas de investigação pela FCT, IP, se dispensa o reconhecimento e o registo, em Portugal, nos sobreditos termos, dos graus académicos exigidos para a candidatura.
Pelo contrário, é inequívoco o artigo 30º nº1 do DL nº74/2006 de 24.04 [diploma que implementa o «Processo de Bolonha»] ao exigir para o acesso ao grau de doutoramento, entre outras alternativas, o grau de licenciado. E, coerentemente, o artigo 6º dos RFAQRH de 2008 e de 2010 dispõe que pode candidatar-se a bolsa de doutoramento quem satisfaça essa legal condição. Evidentemente, para satisfazer essa condição em Portugal, carece o candidato de obter o reconhecimento da habilitação alegada, nos termos legais acima transcritos.
Portanto, quer o «guião» gizado pela ré para uso dos seus painéis de peritos, quer o RFAQRH para 2008, na medida em que relevavam do pressuposto da não exigência daqueles reconhecimento e registo, eram ilegais e, como assim, não podiam servir de fundamento à admissão da candidatura do autor, nem muito menos podiam, por maioria de razão, fundamentar a consideração de qualquer nota de licenciatura para efeito de apreciação do mérito do candidato.
Daqui resulta que a candidatura do autor não deveria sequer ter sido ser admitida. E assim, o acto da recusa da mesma, se bem que motivado na invocação de um fundamento ilegal, não deixou de ser o legalmente devido.
Se foi o legalmente devido, ainda que mal motivado, não se pode dizer que tenha sido ilícito. Aliás, de um ponto de vista do nexo de causalidade, se a recusa teve exactamente as mesmas consequências da não admissão da candidatura, que se impunha - ou seja, ver-se o autor sem a bolsa que almejava - não se pode dizer que tenha dado causa a qualquer dano patrimonial ou moral na esfera jurídica do mesmo Autor.
Nestes termos terá de improceder o pedido de indemnização pela recusa pelos danos inerentes à não obtenção da bolsa de 2008.
Embora alegue motivos concretos pelos quais entende que a sua candidatura de 2010 devia ter sido classificada acima da alegada linha de corte [4,17 valores], designadamente que tinha um mestrado que lhe devia ter valido mais 4 pontos, e uma experiência que lhe devia valer a pontuação adicional de 2.5, o autor apenas invoca o vício de falta de fundamentação, consistente, se bem entendemos, no facto de à sua pronúncia prévia - naqueles termos - a ré apenas ter respondido com a confirmação do projecto de indeferimento da candidatura, sem qualquer alusão aos seus argumentos.
É certo que a omissão de qualquer referência aos argumentos aduzidos pelo interessado em sede de audiência prévia pode bem consistir em falta de fundamentação, na medida em que o destinatário normal ficar sem perceber porque é que aqueles não procederam [ver artigos 124° e 125° do CPA].
E também o é que, a ser assim, o acto é anulável, nos termos do artigo 135º do CPA.
Porém, é obvio que da invalidade de um qualquer acto administrativo por falta de fundamentação não decorre, sem mais, a vinculação legal da prática do acto de sentido oposto!
Aliás:
Provado que ficou que tão pouco em 2010 o autor tinha obtido o reconhecimento e o registo do seu diploma estrangeiro e respectiva classificação em Portugal, forçoso é reconhecer que a candidatura sempre deveria ter sido recusada. Assim, a ilegalidade da alegada falta de fundamentação da recusa da bolsa de 2010 resulta inócua: utile per inutile non viciatur.
Não se pense que supria a falta de reconhecimento e registo do diploma do autor essa declaração do Presidente do Conselho Científico da FCTUC, referida supra nos factos provados. Com efeito, ela não só não contém a pretensão de ser acto de deferimento do «registo» da habilitação, como não se coaduna com a exigência legal da intervenção do Reitor da Universidade [ver supra].
Terá, assim, de improceder também o pedido de anulação da recusa da bolsa de 2010.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram este Colectivo em julgar improcedente a acção, quanto a ambos os pedidos cumulados.
[…]
O autor, ora como recorrente, vem discordar deste acórdão somente no que concerne ao julgamento de facto, e, neste, apenas naquilo que respeita ao ponto 15 do provado.
O julgamento de direito apenas é posto em causa, pelo recorrente, na medida em que emerge daquele errado julgamento de facto.
III. Do erro de julgamento de facto: ponto 15 do provado.
Defende o recorrente que a solução dada pelo TAF às suas pretensões de condenação da entidade ré a pagar indemnização por danos derivados da sua conduta ilícita e culposa relativa ao ano de 2008, e da sua condenação à prática do acto legalmente devido relativo ao ano de 2010, foi determinada por errado julgamento da matéria de facto consignada no ponto 15 do provado.
Nesse ponto 15, lembramos, deu o TAF como provado que «Em qualquer das candidaturas», ou seja, nas candidaturas de 2008 e de 2010, «o autor não tinha obtido o reconhecimento – nem o respectivo registo – do grau académico objecto do diploma mencionado supra no artigo 8, fosse por universidade, fosse por instituto politécnico Portugueses, fosse pela Direcção Geral do Ensino Superior».
Este julgamento será errado, na tese do recorrente, porque a dita falta de reconhecimento e de registo do seu diploma «Bsc in Computer Applications», ao tempo de ambas as candidaturas, não foi alegada pelas partes, nem resulta dos procedimentos administrativos e restantes documentos juntos aos autos, nem se trata de facto notório que se ostentasse ao tribunal. E porque se trata de um facto novo, cuja prova logicamente não tinha sido providenciada pelas partes, e nomeadamente pelo autor, o tribunal não poderia dá-lo como provado sem lhe ter proporcionado essa prova, em regime de contraditório.
Nesta linha, insiste o nosso recorrente que «dispõe de elementos probatórios, documentais e testemunhais, que remontam a data muito anterior à instauração da AAE, e que comprovam, inequivocamente, ter sido efectuado o registo/reconhecimento do seu diploma junto da Direcção Geral do Ensino Superior e, bem assim, da Universidade de Coimbra, nos termos exigidos pelo DL nº341/2007 de 12.10», sendo certo que tais documentos não constam dos autos «porque nunca foram exigidos pela entidade ré quer no âmbito do PA quer desta acção, dado que o reconhecimento/registo de diplomas estrangeiros nem sequer era requisito de nenhum dos concursos» aqui em causa.
Cremos assistir razão ao ora recorrente.
Na verdade, de uma leitura atenta do acórdão recorrido, sobretudo do seu arrazoado de direito, facilmente se conclui que a improcedência do requisito da «ilicitude», e até do «nexo de causalidade», indispensáveis à responsabilização da entidade ré no tocante ao primeiro pedido, tem a ver com o entendimento aí sufragado sobre a ilegalidade quer do «Guião» gizado pela entidade ré para uso dos seus painéis de peritos, quer do RFAQRH para o ano de 2008, sendo que tal ilegalidade brotará do facto desses dois regulamentos pressuporem a dispensa do «reconhecimento e registo» do grau académico superior estrangeiro do ora recorrente para efeitos de atribuição de bolsa de doutoramento. Verdade é que este entendimento, visto agora não da perspectiva dos ditos regulamentos mas antes da do acto de indeferimento relativo a 2008, com base numa equivalência e classificação do diploma irlandês do autor feita pelo «painel de avaliação», não poderá deixar de significar a procedência do vício de incompetência por ele invocado a título de ilicitude.
Só que o TAF desfaz esta consequência jurídica porque o autor, segundo aquilo que deu como provado, «não tinha obtido o reconhecimento/registo do grau académico» objecto do seu diploma irlandês, daí resultando que «a sua candidatura não deveria sequer ter sido admitida. E assim, o acto da sua recusa, se bem que motivado na invocação de um fundamento ilegal, não deixou de ser o legalmente devido». E deste modo se destrói a relevância da alegada «ilicitude» e até do imprescindível «nexo de causalidade»: «Se foi o legalmente devido, ainda que mal motivado, não se pode dizer que tenha sido ilícito. Aliás, de um ponto de vista do nexo de causalidade, se a recusa teve exactamente as mesmas consequências da não admissão da candidatura, que se impunha - ou seja, ver-se o autor sem a bolsa que almejava - não se pode dizer que tenha dado causa a qualquer dano patrimonial ou moral na sua esfera jurídica».
Por sua vez, a improcedência do pedido de condenação à prática do acto legalmente devido dever-se-á, na perspectiva do TAF, não à improcedência do vício de falta de fundamentação invocado pelo autor, que até entende ocorrer, mas antes porque desta falta «não decorre, sem mais, a vinculação legal à prática do acto em sentido contrário», mas mais, é que «provado que ficou que tão pouco em 2010 o autor tinha obtido o reconhecimento e o registo do seu diploma estrangeiro e respectiva classificação em Portugal, forçoso é reconhecer que a candidatura sempre deveria ter sido recusada. Assim, a ilegalidade da alegada falta de fundamentação da recusa da bolsa de 2010 resulta inócua: utile per inutile non viciatur».
Como se vê, ambos os pedidos sucumbem por via, fundamentalmente, do que consta do ponto 15 do provado.
O erro de julgamento de facto pode traduzir-se numa errada, excessiva, ou deficiente selecção da matéria de facto tida como relevante para «a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida» [artigo 511º, nº1, do CPC, ex vi 1º CPTA], e pode traduzir-se na errada apreciação da prova produzida, dando-se como provado o que não está, e vice-versa [artigo 712º do CPC ex vi 140º do CPTA – ver AC TCAN de 14.03.2013, Rº00531/07, de que fomos também Relator].
Temos para nós que o recorrente acaba por invocar erro de julgamento de facto que envolve estes dois tipos. Por um lado vem alegar que a falta que lhe é atribuída, falta de reconhecimento e de registo do seu diploma estrangeiro ao tempo de ambas as candidaturas à bolsa de doutoramento, respeita a facto que não foi alegado pelas partes, nem resulta dos procedimentos administrativos e restantes documentos juntos aos autos, nem se trata de facto notório que fosse legítimo ao tribunal conhecer. Por outro lado, alega não haver do mesmo prova nos autos, razão pela qual lhe deveria ter sido proporcionada a possibilidade de fazer prova de que tinha esse reconhecimento e registo, o que, segundo alega, efectivamente acontece.
A este respeito assistir-lhe-á, a nosso ver, parcial razão.
A consideração da falta de obtenção do reconhecimento e registo do grau académico titulado pelo diploma estrangeiro releva de uma boa aplicação da lei, por imposição do dever de atender às várias soluções plausíveis da questão de direito, e por via disso podia o tribunal atender e relevar, como fez, esse facto, independentemente de ter sido expressamente articulado pelas partes, porque ele contende e decorre de forma implícita da «equivalência e classificação» tida como ilegal e feita pelo «painel de avaliação» [artigo 664º do CPC ex vi 1º CPTA]. Decorre da indagação e aplicação da lei considerar se a candidatura à bolsa em questão se bastava com aquela «equivalência e classificação» ou se exigiria a «oficial», e, concluindo, como se concluiu, pela segunda hipótese, verificar se no caso a exigência era cumprida. A referida falta surge, assim, como facto decorrente da indagação e aplicação da própria lei, a que o tribunal não estará limitado pelas articulações das partes.
Todavia, se entendemos que o TAF, na senda da interpretação e aplicação da pertinente lei, podia levar em conta a existência ou não de pressuposto legal que considerou ser indispensável à candidatura à «bolsa de doutoramento», já teremos de conceder razão ao recorrente no tocante à falta de prova da «falta» desse requisito, isto é, à falta de prova de que o autor, aquando das suas duas candidaturas, «não tinha obtido o reconhecimento nem o registo do grau académico objecto do diploma» irlandês.
Perante tal falta de prova de requisito legal que teve como indispensável, falta que nesta segunda instância constatamos, o tribunal de primeira instância não deveria ter surpreendido as partes, mormente o autor, ao relevar facto que não lhe deu possibilidade de contradizer, nomeadamente fazendo prova de que o mesmo não ocorria. É que, com isso, não só incorreu num erro de julgamento de facto, considerando provado facto negativo em total ausência de prova, mas também desrespeitou o estruturante «princípio do contraditório» [artigo 3º, nº3, CPC, ex vi 1º CPTA].
O TAF deveria, pelo menos, ter convidado o autor a juntar aos autos prova documental do «reconhecimento e registo» do seu diploma académico irlandês, e submeter os elementos eventualmente apresentados a contraditório.
Temos, assim, como provado, facto negativo que o não está, por carência de prova. O erro de julgamento de facto invocado pelo recorrente, e que deve ser dado por procedente, mostra-se insusceptível de resolução por este tribunal superior pois que não dispõe de elementos de prova que lhe permitam manter ou alterar esse juízo.
Nos termos do artigo 712º, nº4, do CPC, aqui supletivamente aplicável ao abrigo do artigo 140º do CPTA, não constando do processo todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação do «julgamento da matéria de facto», «pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão».
E é assim, ancorados neste poder legal, que entendemos dever anular o julgamento de facto do acórdão recorrido no tocante ao ponto 15 da matéria de facto nele dada como provada, e bem assim o seu consequente julgamento de direito, a fim de ser permitido ao autor, em regime de contraditório, fazer prova de que aquando das suas candidaturas à bolsa de doutoramento, em 2008 e em 2010, tinha obtido o reconhecimento, e o registo, do grau académico objecto do diploma mencionado no artigo do provado.
O restante julgamento de facto manter-se-á, sem prejuízo da ressalva do nº4 do referido artigo 712º do CPC.
Neste sentido se decidirá.
DECISÃO
Nestes termos, decidem, em conferência, os Juízes deste Tribunal Central, o seguinte:
- Conceder provimento ao recurso jurisdicional, anular o «ponto 15» da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, e revogar este no que concerne ao julgamento de direito;
- Ordenar que o TAF de Coimbra faculte às partes a prova da matéria de facto integrada no ponto factual agora anulado, e, atento o resultado dessa prova, profira de novo julgamento de direito, caso nada mais obste a tal.
Custas pela entidade recorrida – artigos 446º do CPC, 189º do CPTA e regras do RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] com Tabela I-B a ele anexa.
D.N.
Porto, 03.05.2013
Ass.: José Veloso
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Isabel Soeiro