Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6308/22.7T8VNG-B.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: DESPACHO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- O despacho que determina a uma parte que junte determinados documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias, ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador, tem assento legal no art.º 590º nº 2, al. c), constituindo um despacho vinculado para o juiz e não uma decisão proferida no uso de um poder discricionário.
2- E por se tratar de decisão sobre meios de prova, ainda que oficiosamente determinada, aquele despacho é imediata e autonomamente recorrível, nos termos do art.º 644º nº 2, al. d) do CPC.
3- Se o documento ordenado juntar contiver indicações pessoais dos associados da autora, o tribunal deve determinar que o acesso ao processo é limitado, tendo em conta o que dispõem o art.º 164º nº 3 do CPC e a Lei 58/2019, de 08/08, bem como o Regulamento (EU) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/04/2016.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I-RELATÓRIO

1- CV – CAA e Autores Populares instauraram acção popular contra, N Comunicações, formulando 22 pedidos, alguns com subalíneas, nos termos seguintes:
A. deve a ré ser condenada a reconhecer que fazer pender a venda de um serviço aos autores populares da aquisição de outro serviço funcionalmente independente por parte destes é uma prática restritiva da concorrência e proibida por lei;
B. deve a ré ser condenada a reconhecer que antes de os consumidores, os aqui autores populares, ficarem vinculados pelo contrato ou oferta, a ré devia obter o consentimento expresso dos autores populares para qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal do profissional;
C. deve a ré ser condenada a reconhecer que se não tiver obtido o consentimento expresso dos consumidores, os aqui autores populares, mas o tiver deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os consumidores, autores populares, deva recusar para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito ao reembolso do referido pagamento;
D. deve a ré ser condenada a reconhecer que apesar de não ter obtido o consentimento expresso dos autores populares para qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal do profissional, faturou e cobrou a estes pagamentos adicionais;
E. deve a ré ser condenada a reconhecer que agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos em §3, seja quanto aos autores populares;
F. deve a ré ser condenada a reconhecer que violou qualquer um dos artigos 8 e 9 (d) da diretiva 2005/29/CE, do artigo 22 da diretiva 2011/83/EU, dos artigos 100 e 107 da diretiva 2018/1972/EU, da garantia dos direitos fundamentais da CDFUE e os princípios gerais do direito da União Europeia (ex vi artigo 100 (1) da Diretiva 2018/1972/UE, do artigo 102 TFUE, dos artigos 9 (6) e 9- A (1) (2) (3), da lei 24/96, dos artigos 15, 16, 18 a 22 do decreto-lei 446/85, do artigo 11 (d) do decreto-lei 57/2008 e dos artigos 3, 5 (1), 6, 7 e 11 (2, d) do decreto-lei 57/2008.
G. deve a ré ser condenada a reconhecer que o comportamento supra descrito em
qualquer um dos pedidos anteriores e tido com os autores populares, é ilícito;
H. deve a ré ser condenada a reconhecer que com a totalidade ou parte desses comportamentos lesaram gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;
I. deve a ré ser condenada a reconhecer que em resultado do comportamento supra descrito no §3, provocou os danos patrimoniais e não patrimoniais referidos no §3;
J. deve a ré ser condenada a reconhecer que os consumidores de serviços de comunicações e serviços conexos, entre os quais os ora autores populares, tem o direito o direito a recusarem contratar serviços adicionais de comunicações, nomeadamente, mas não exclusivamente, serviços de internet extra planfond do contra principal;
K. deve a ré ser condenada a reconhecer que os consumidores de serviços de comunicações e serviços conexos, entre os quais os ora autores populares, o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido;
L. que a ré seja impedida de deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que os consumidores, os aqui autores populares, consentiram a prestação dos serviços adicionais de comunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços adicionais;
M. que seja declarada a nulas as cláusulas contratuais gerais supra referidas, nomeadamente as cláusulas 2.3, 7.3 e 7.4 das Condições Gerais para prestação de serviço de comunicações eletrónicas e serviços conexos ou outras com o idêntico conteúdo (mesmo animus contrahendi) que integrem contratos anteriores ao supra mencionado mas que se apliquem ao universo de autores populares, nos termos do artigo 16 (1) da lei 24/96 e do artigo 12 do decreto-lei 446/85, podendo os consumidores, autores populares, optar pela manutenção do contrato, sem a cláusula de ativação automática dos serviços 65 / 81 adicionais, ou pela nulidade de todo o contrato por ser contrário à lei (cf. artigo 280 do CC). e em consequência, para o caso de qualquer um dos pedidos supra proceder:
N. deve ser reconhecido a todos os autores populares, consumidores de serviços de comunicações e serviços conexos, o direito a não pagarem os serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido, que se desdobra nos seguintes direitos:
a. o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações;
b. o direito a não pagarem por esses serviços quando não os tenham solicitado e/ou quando os tenham expressamente recusado;
c. o direito a que as operadoras de serviços de comunicações e serviços conexos (como a ré) não possam deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu na prestação dos serviços adicionais de comunicações, por falta de recusa expressa dos mesmos;
d. o direito a que não possam estas empresas ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras.
O. deve a ré ser condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita aos pagamentos adicionados causados pelas práticas ilícitas, em montante global:
a. a determinar nos termos do artigo 609 (2) do CPC;
b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos pagamentos adicionais;
c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal,
P. Subsidiariamente ao ponto anterior ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou dos pagamentos adicionais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em €3.146.000 (três mil cento e quarenta e seis milhões de euros) a ser dividido pelo número de clientes de voz móvel (5.038) ou outro que o tribunal considere mais adequado em resultado da pericial colegial requerida.
b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço;
c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.
Q. Deve a ré ser condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, mas nunca em valor inferior a 100 euros por autor popular, independente da data de contração dos serviços e do valor dos pagamentos adicionais
b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;
c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.
R. deve a ré ser condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:
a. nos termos do artigo 9 (2) da lei 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada;
b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;
c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.
S. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente teve ou
venha ainda a ter com o processo, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do CPC como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para a autora e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que eventualmente venha obter por via de celebração de um contrato para esse efeito, sendo que de momento todo o litígio está a ser financiado pelos membros dos órgãos sociais da autora e simpatizantes com a causa, os quais pretende, no final, caso a ação vença, serem ressarcidos desses valores.
T. porque o artigo 22 (2) da Lei 83/95 estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CV - CAA, agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2) do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.
U. requer-se ainda que Vossa Excelência decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14 infra, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido.
V. requer-se também que Vossa Excelência decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido.

Alegou, em síntese, de resto feita pelos autores na petição inicial:
A CV - CAA é uma associação que tem como fim a defesa dos consumidores na União Europeia, seus associados, e dos consumidores em geral que sejam cidadãos da União Europeia ou que sejam cidadãos de Estados terceiros residentes na União Europeia (cf. artigo 2 dos Estatutos, que se junta como documento 1), que na prossecução dos fins referidos, pode praticar todos os atos jurídicos adequados para o efeito, nomeadamente, mas não exclusivamente: a) promover e intentar ações judiciais, incluindo o recurso ao direito de ação popular ou ações coletivas, nomeadamente os direitos conferidos pela Diretiva (EU) 2020/1828 e todas as que a sucedam, ou a meios alternativos de resolução de litígios, para defesa dos direitos e interesses individuais homogéneos e/ou coletivos e/ou difusos dos consumidores; b) intervir como terceiro interessado em processos administrativos ou judiciais que afetem os interesses e direitos dos consumidores; c) chegar a acordos extrajudiciais com pessoas que tenham violado os direitos e/ou interesses individuais homogéneos e/ou coletivos e/ou difusos dos consumidores, com vista à garantia do cumprimento da lei e/ou à indemnização dos danos sofridos por estes; d) candidatar-se e ser beneficiária de financiamento público ou privado; e) exercer qualquer outra competência que lhe seja atribuída por normas da União Europeia ou dos seus Estados- membros.
1. A ré obriga os autores populares a efetuarem pagamentos adicionais sem a sua
aceitação pelos autores populares e sem lhes dar a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais;
2. A quando a contratação dos serviços de comunicações e serviços conexos dos autores populares com a ré, esta remete para o seu sítio da internet para mais informações e pressupõe um consentimento genérico, meramente formal, prestado no momento da adesão aos serviços, geralmente em pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não permitindo aos autores populares uma escolha consciente e a obtenção de uma vontade esclarecida;
3. A ré não permite que os autores populares se oponham a ativação automática de serviços adicionais, nomeadamente, mas não exclusivamente, de pacotes extra de internet para além da tarifária base contratado, ativando os mesmos automaticamente, assim que esgotado o plafond previsto no tarifário base contratado e cobrando por isso pagamentos adicionais.
4. Desta forma, a ré onera os autores populares com os custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar e por forma a obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.

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2- A ré, N Comunicações veio contestar.
Por excepção invocou, além do mais, a ilegitimidade activa da autora CV - CAA, porque não demonstra ter, pelo menos, 3 000, 500 ou 100 associados, como é exigido pelo art.º 17º nº 2 da Lei de Defesa do Consumidor.
Impugnou, ainda, que o pedido deduzido sob a alínea S do pedido, não tem cabimento legal.

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3- Após vicissitudes várias, que aqui não relevam para a questão em causa nos autos, com data de 28/10/2023, foi proferido o seguinte despacho:
Para a realização de audiência prévia com os objectivos a que se refere o art.º 591º nº als. a) a g) do C.P.C., designo o dia 14.10.2024 às 14 horas.—
D.N..—
*
Tendo em consideração a argumentação expendida na contestação, notifique a autora para:
- juntar aos autos o comprovativo do número de associados inscritos à data da apresentação da petição inicial
- juntar aos autos os comprovativos e documentos relacionados com o financiamento da presente acção pelos seus órgãos sociais e “simpatizantes com a causa”, mencionados no pedido S da petição inicial.”

4- Inconformados, os autores interpuseram recurso dessa decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. Os recorrentes, autores populares, interpõe o presente recurso por entenderem que o tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação do direito e dos factos ao admitir um meio de prova.
2. O presente recurso é de apelação (autónoma) e é feito nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 629 (1), 631 (1), 637, 638 (1) e 644 (2, d), todos do CPC), para o VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, o qual subirá de imediato [cf. artigo 644 (2, d), do CPC] e com efeito meramente devolutivo (cf. artigo 647 (1), do CPC).
3. Os autores têm legitimidade para interpor o presente recurso acompanhado das respetivas alegações sob a matéria de direito e de facto (cf. artigo 631, do CPC) e estão em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC), pelo que com o presente requerimento, os ora recorrentes juntam as respetivas alegações de recurso.
4. A questão a resolver prende-se com a decisão do tribunal a quo, que decidiu requerer (admitir) um meio de prova, designadamente prova documental em posse da representante da classe CV - CAA.
5. A prova documental ordenada a ser junta aos autos diz respeito ao comprovativo do número de associados inscritos na CV - CAA e do financiamento da presente ação.
6. Pelas razões sustentadas nos §§ 1 a 4 supra, para onde se remete, por forma a evitar umas conclusões prolixas e manifestamente desproporcionais que mais não seria uma repetição do aqui contido, entendem os autores populares que a prova apresentada não é admissível por impertinente e sem interesse para a decisão da causa [cf. a contrario, artigo 429 (2), do CPC].
7. Isto porque, a prova relativamente ao número de associados da CV - CAA destina-se a provar a sua legitimidade ativa enquanto representante da classe.
8. A prova do financiamento de contencioso requerida pelo tribunal a quo, por sua vez, não pode ser produzida, porquanto a presente ação ainda não é financiada – está a ser suportada pelas contribuições e promessas de contribuições de associados e simpatizantes à associação para o desenvolvimento da sua atividade e não necessariamente dirigidas a estes litigo.
9. Acontece, como e pelas razões defendidas supra em §3, que aqui se dão como inteiramente reproduzidas, que a prova do número de associados não é necessária, porquanto tudo depende da interpretação que há a extrair do direito aplicável, designadamente da lei 83/95 e do direito constitucional que a suporta.
10. Mas que, evitando umas prolixas e fastidiosas conclusões, sempre se resumirá ao facto de que a prova requerida é irrelevante perante a apreciação da legitimidade ativa da CV - CAA, como representante da classe, quer no âmbito subjetivo como objetivo, derivado: da apreciação da personalidade jurídica da autora (cf. artigo 17, da lei 24/96 e artigo 3, da lei 83/95); não ter a autora fins lucrativos, atento ao disposto no artigo 17 (3), da lei 24/96; não exercer a autora qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais, como impõe o artigo 3, da lei 83/95; ter a autora pelo menos de 3.000 associados, atento ao disposto no artigo 17 (2), da lei 24/96; ter a autora como objeto principal a proteção dos direitos consumidores em geral ou dos consumidores seus associados, atento ao disposto no artigo 17 (1), da lei 24/96; e incluir a autora expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate, tal como impõe o artigo 3, da lei 83/95.
11. Porquanto é inequívoca a personalidade jurídica da autora, porquanto é uma pessoa coletiva, privada, organizada na forma de associação (cf. artigo 157, do CC), criada por decisão tomada por pessoas individuais, constituída por escritura pública [cf. artigo 158 (1), do CC] e que visa a prossecução de fins próprios, dispondo para o efeito de capacidade de exercício, sendo titular de direitos e sujeitando-se ao cumprimento de obrigações.
12. O mui ilustre Professor Doutor José Lebre de Freitas, no parecer supra referido em §3.1, conclui doutamente que [a]s associações de defesa dos consumidores, genéricas ou específicas e constituindo ou não associações de consumidores, têm legitimidade ativa paras as ações populares.
13. Bem como esclarece, o mui ilustre Professor, que: [n]ão é para tanto necessário que a associação preencher as exigências do art.º 17, nºs 2 e 3, da LDC para a generalidade das atuações das associações de consumidores, as quais não constituem requisitos constitutivos nem se compaginam com a atribuição do direito de ação popular a qualquer cidadão isolado, ainda que não afetado pela violação em causa.
14. A admissão desta prova viola, inclusivamente, o regulamento (EU) 2016/679, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.
15. Isto porque, a produção dessa prova obrigaria a CV - CAA a juntar aos presentes autos, de natureza pública (consultáveis por qualquer pessoa coletiva ou singular), os nomes e endereços de correio eletrónicos dos seus 1703 associados em violação do regulamento (UE) 2016/679, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, sem prejuízo do artigo 23 (1, j) do retro aludido regulamento, desde que tal constitua uma medida necessária e proporcionada para o fim visado – o que não é manifestamente o caso, como supra se demonstrou.
16. Por fim, a representante da classe declara que tem 1.707 associados, portanto, abaixo dos 3.000 associados a que o artigo 17 (2), da lei 24/96, se refere, pelo que perante tal confissão, resta apenas extrair as consequências legais dai derivadas.
17. Diferente, seria, se a representante da classe declarasse ter mais de 3.000 associados e que estaria em compliance com o artigo 17 (2), da lei 24/96, situação em que, eventualmente, poderia ser necessário fazer prova do facto declarado e apenas depois de um juízo preliminar, fundamentado e recorrível de que a lei 24/96 é determinante para aferir a legitimidade ativa de uma associação de consumidores numa ação popular.
§6. Pedido
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão e substituída por outra que não admita a prova requerida e por conseguinte fique a representante da classe CV - CAA dispensada de juntar aos autos os documentos ordenados pelo tribunal a quo, nomeadamente os comprovativos e documentos relacionados com o financiamento do presente litigo, os quais não existem.

***
5- A ré contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª — O recurso interposto pela Autora deve improceder por não terem fundamento as objeções levantadas pela Autora à ordem de junção dos documentos.
2.ª — O que justifica a junção aos autos do documento comprovativo do número de associados da Autora e de documentos sobre o financiamento da acção pelos seus órgãos
sociais e “simpatizantes com a causa” não é uma qualquer tomada de posição do Tribunal
a quo sobre a interpretação a fazer da lei aplicável à legitimidade da autora, em particular em matéria de número mínimo de associados da Autora ou em matéria de existência de financiamento por terceiros; o Tribunal a quo não tomou ainda posição sobre essa matéria
nem ela é, por conseguinte, objecto do presente recurso.
3.ª — A decisão proferida pelo Tribunal recorrido é outra e situa-se a montante da discussão que a Autora pretende adiantar: o que foi decidido foi antes que, tendo sido suscitada pela Ré na contestação uma excepção dilatória de ilegitimidade activa da CV - CAA e/ou da inadmissibilidade da acção popular, e porque cabe ao Tribunal pronunciar-se sobre essa excepção, devem ser juntos aos autos os documentos sobre o número de associados e sobre o financiamento da acção que habilitem o Mmo. Juiz a quo
a dela conhecer.
4.ª — Assim, e desde logo, o que justifica a decisão de ordenar a junção aos autos de documento comprovativo do número de associados da Autora é o facto de que, tendo sido
suscitada pela Ré a questão da ilegitimidade da Autora por não dispor do número mínimo de associados, o Tribunal está constituído na necessidade de sobre ela tomar posição; ora,
para o efeito, deve obviamente dispor da informação que lhe permita apurar e fixar o facto necessário a uma decisão esclarecida, que aqui é o número de associados que a Autora teria à data em que propôs a acção.
5.ª — Na contestação, a Ré alegou que a Autora, sobre quem recai o ónus de demonstrar a sua legitimidade processual activa, não faz qualquer referência na petição inicial ao número de associados que teria à data em que intentou a acção e que, de todo o modo, resulta da escritura de constituição da Autora, datada de 14 de Dezembro de 2021, que, à
data da respectiva constituição, a Autora tinha apenas dois associados, pelo que se imporá sem mais reconhecer que a Autora não goza de quaisquer dos direitos conferidos às associações de defesa dos consumidores, incluindo o direito de acção popular, não tendo
legitimidade para intentar a presente acção em representação de todos os consumidores residentes em Portugal no período em causa.
6.ª — No douto despacho recorrido, porém, a Mma. Juíza a quo não partilhou este entendimento e não se bastou com o facto de não terem sido alegados pela Autora nos articulados factos que satisfizessem minimamente o ónus da alegação que sobre a Autora recaía em matéria de legitimidade activa, tendo antes decidido fazer uso dos seus poderes
de gestão processual dirigidos à apreciação da regularidade da instância, conforme previsto no artigo 590.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., determinando a prática dos actos que a habilitassem a tomar posição sobre a excepção dilatória de ilegitimidade invocada.
7.ª — A essa luz, é plenamente justificada a ordem de junção aos autos de documentos comprovativos do número de associados efectivos da Autora à data da propositura da acção.
8.ª — Engana-se também a Autora quando defende que não interessa à averiguação da legitimidade activa da CV - CAA a informação sobre o número de associados à data da propositura da acção.
9.ª — A este respeito, reitera-se antes de mais o que acima se afirmou: não está em causa neste recurso decidir sobre a legitimidade da Autora e, para o efeito, apreciar se a Autora reúne ou não o mínimo de associados exigível ou se é lícito o modo como a Autora se financia; o que está em causa é, tão-somente, apurar se o Tribunal a quo andou bem ao ordenar à Autora a junção aos autos de dados documentos que permitam ao Tribunal tomar posição sobre a excepção dilatória de ilegitimidade activa invocada na contestação.
10.ª — Sempre se dirá, porém, que, atento o disposto no artigo 17.º, n.º 2, da Lei de Defesa do Consumidor, a Autora, para se poder afirmar como associação de defesa dos consumidores de âmbito nacional e gozar dos correspondentes direitos, incluindo o direito de acção popular, teria de ter pelo menos 3.000 associados.
11.ª — O número mínimo de associados exigido pela Lei de Defesa do Consumidor e as correspondentes restrições geográficas definem e delimitam o poder de representação da associação de defesa dos consumidores e visam assegurar que esta goza de efectiva representatividade material ou de representatividade material considerada suficiente para prosseguir o seu objecto estatutário, a defesa dos interesses dos consumidores, com o intuito de evitar abusos de representação colectiva — o que leva a que não lhes possa ser
reconhecida legitimidade processual activa numa acção popular destinada à protecção de
interesses de consumidores se essa representatividade não existir.
12.ª — Nas suas alegações, a Autora vem declarar que a CV- CAA tem 1.707 associados e assumir que não cumpre o requisito estabelecido no artigo 17.º, n.º 2, da Lei
de Defesa do Consumidor. Regista-se a admissão, mas, como é manifesto, não é a mera declaração da Autora que a dispensa de dar satisfação à ordem da Mma. Juíza a quo, nem os autos do recurso são o meio próprio para o fazer — sendo que, em qualquer caso, importaria saber qual o número de associados da Autora à data da entrada da petição inicial e não em data posterior.
13.ª — A Autora insurge-se também contra a ordem de junção aos autos dos comprovativos e documentos relacionados com o financiamento da presente acção pelos seus órgãos sociais e “simpatizantes com a causa”, mencionados no pedido S da petição inicial, dizendo que “a prova do financiamento do contencioso requerida pelo tribunal a quo (…) não pode ser produzida, porquanto a presente ação ainda não é financiada — está a ser suportada pelas contribuições e promessas de contribuições de associados e simpatizantes à associação para o desenvolvimento da sua atividade e não necessariamente dirigidas a estes litigo”.
14.ª — Parece patente que não é esta justificação que pode dispensar os Autores do cumprimento do ordenado, tendo em conta que o que se determinou no douto despacho recorrido foi que se juntasse aos autos comprovativos do financiamento da acção pelos associados da Autora e “simpatizantes da causa”, e a Autora vem expressamente reconhecer que a acção está a ser suportada — ou seja, financiada — por contribuições de associados e simpatizantes, pelo que é exactamente o comprovativo de tal financiamento que haverá de ser apresentado.
15.ª — A Autora alonga-se na sua alegação a procurar justificar a admissibilidade, em geral, do recurso ao financiamento por terceiros e a discorrer sobre as razões pelas quais, alegadamente, não terá ainda celebrado acordos de financiamento relativamente ao presente litígio, mas não é isso que está aqui em causa: o que está em causa, a partir do momento em que foi concretamente reconhecido pela Autora o financiamento da presente acção por terceiros, sejam eles seus simpatizantes ou não, é apurar em que termos o mesmo é feito, de modo a, uma vez mais, o Tribunal dispor de todos os elementos de facto que lhe permitam tomar posição sobre a excepção de ilegitimidade activa invocada
pela Ré.
16.ª — Aliás, a própria Autora reconhece existir um dever de revelação nesta matéria (págs. 33 a 37 das alegações), e — sem conceder minimamente quanto à admissibilidade do financiamento no contexto de acções populares, designadamente em acções populares
pendentes — é também nesse sentido que aponta o artigo 10º do projecto de decreto-lei que visa a transposição da directiva EU 2020/1828, a que a Recorrente alude nas suas alegações (pág. 31).
Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar-se o douto despacho recorrido.

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6- Por despacho proferido pela 1ª instância a 12/12/2023, foi decidido:
O despacho relativamente ao qual os autores interpõem recurso, diferentemente do que alegam, não decide nos termos do art.º 644º nº 2 al. d) do C.P.C.-
O despacho foi proferido no exercício da faculdade conferida pelo art.º 6º nº 1 do C.P.C.-
Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 630º nº 1 e 641º nº 2 al. a) do C.P.C., indefiro o recurso interposto.”

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7- Notificados desse despacho, vieram os autores apresentar reclamação, nos termos do art.º 643º do CPC e, por decisão do ora relator, proferida a 25/01/2024, foi deferida a Reclamação e determinou-se:
II- DECISÃO.
Em face do exposto e na procedência da reclamação, decide-se revogar a decisão reclamada e, em consequência, admite-se o recurso, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.”

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II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:

- Se a decisão sob recurso deve ser revogada em termos de não ser ordenada a junção dos elementos de prova constantes do despacho.

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2- Factualidade Relevante.

Para a análise da questão importa ter em consideração a factualidade mencionada no Relatório supra.

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3- A questão enunciada: se a decisão sob recurso deve ser revogada em termos de não ser ordenada a junção dos elementos de prova referidos no despacho.

Os autores defendem que a prova cuja junção foi ordenada – documento comprovativo do número de associados inscritos na CV - CAA à data da instauração da acção e, comprovativos e documentos relacionados com o financiamento da presente acção pelos seus órgãos sociais e “simpatizantes com a causa”, mencionados no pedido “S” da petição inicial – é inadmissível porque impertinente.
Relativamente à junção de documento comprovativo do número de associados inscritos defendem que não é aplicável aos autos o art.º 17º nº 2 da Lei 24/96, mas, antes, a lei 83/95. Além disso, advogam, que a indicação dos nomes e demais elementos pessoais de cada um dos seus associados violaria o Regulamento (EU) 2016/679, relativo à protecção de dados pessoais de pessoas singulares, dado que o presente processo é público e susceptível de qualquer pessoa poder aceder a esses elementos.
Quanto aos comprovativos do financiamento dos custos deste litígio, alegam que estão a ser suportados pela representante da classe com base nas contribuições que os seus associados, membros dos órgãos sociais e simpatizantes que fazem ou prometeram fazer essas contribuições.
Terão os autores razão?
Em primeiro lugar impõe-se salientar a seguinte nota: o objecto do recurso não consiste em saber, rectius, decidir se os autores têm ou não legitimidade para instaurar a presente acção e, por isso, não é questão que importe apreciar se a legitimidade para o litígio se afere em face da Lei 24/96, ou, à luz da Lei 83/95. O que se discute nos autos é, tão somente, saber se a 1ª instância devia, ou não, ter proferido o despacho em causa: (i) determinar a junção aos autos de documento comprovativo do número de associados inscritos à data da apresentação da petição inicial; e, (ii) a junção aos autos dos comprovativos e documentos relacionados com o financiamento da presente acção pelos seus órgãos sociais e “simpatizantes com a causa”, mencionados no pedido S da petição inicial.
Vejamos.
Conforme se escreveu no despacho que deferiu a reclamação (do art.º 643º CPC) e, por consequência, admitiu o recurso, “…o despacho que determina a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias, ou ao conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador, tem assento legal no art.º 590º nº 2, al. c). Como refere Paulo Pimenta (Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 270) “Está aqui em causa a preocupação de evitar que, por meras razões documentais, seja relegada para a sentença a decisão de matérias que o juiz poderia conhecer já na fase intermédia do processo.” (No mesmo sentido, Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 703, nota 24).
Quer dizer, o que a 1ª instância pretendeu alcançar, ao proferir o despacho ora em crise, foi munir-se dos elementos de prova, nos termos em que lho determina o art.º 590º nº 2, al. c), que lhe permitam vir a apreciar a excepção dilatória de ilegitimidade activa, fazendo aportar aos autos os meios de prova que lhe facultem decidir essa excepção de ilegitimidade de entre as várias soluções plausíveis do ponto de vista da questão jurídica desta excepção. Ou seja, como bem refere a ré, o despacho que ordenou a junção dos documentos relativos ao número de associados à data da instauração da acção, coloca-se a montante da decisão da excepção dilatória de ilegitimidade e, mais não visa que facultar ao juiz os elementos que lhe possibilitem a decisão dessa excepção. Se o faz, rectius, irá fazer à luz da Lei 24/96 ou da Lei 24/96 é questão que a este recurso não interessa apreciar ou pronunciar-se. Em síntese, pretende-se obter os factos para que se aplique o direito (da mihi factum et dabo tibi ius).

Quanto ao alegado “risco” de os dados pessoais dos associados ficarem disponíveis ao público.
Importa referir que o art.º 163º do CPC estabelece regras sobre a publicidade do processo, rectius, sobre o acesso ao processo pelas partes e por terceiros.
No nº 1, 1ª parte, é estabelecida a regra de publicidade do processo para as partes e para terceiros: por princípio, em processo civil não há segredo de justiça.
No entanto, a 2ª parte do nº 1 do art.º 163º, prevê que o direito de acesso ao processo admite as excepções previstas no art.º 164º. O nº 2 do art.º 163º dispõe que o direito de acesso ao processo inclui o direito de exame e consulta do processo (artºs 165º e segs) e o direito de obtenção de cópias e certidões (artºs 170º e segs). E esses direitos de exame e consulta e de obtenção de cópias e certidões podem ser exercidos tantos pelas partes, por mandatários judiciais, ou por quem o possa exercer e, por terceiros. No entanto, os terceiros, somente têm acesso ao processo se forem titulares de um “interesse atendível” e, compete a esse terceiro alegar/demonstrar, ainda que por meio de mera justificação, ser titular de um “interesse atendível”.
Por outro lado, decorre do art.º 164º nº 3 do CPC que “O acesso a informação do processo também pode ser limitado, em respeito pelo regime legal de protecção e tratamento de dados pessoais, quando, estando em causa dados pessoais constantes do processo, os mesmos não sejam pertinentes para a justa composição do litígio”. Ou seja, o juiz do processo pode limitar o acesso aos dados pessoais dos associados da CV - CAA, tendo em conta o que dispõe o art.º 164º nº 3 do CPC e a Lei 58/2019, de 08/08, bem como o Regulamento (EU) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/04/2016.
Do que se expôs, somos a concluir que a junção aos autos de documento comprovativo do número de associados inscritos à data da apresentação da petição inicial não é impertinente e, por isso, mantém-se o despacho que ordenou a junção desses documentos.

Quanto à a junção aos autos dos comprovativos e documentos relacionados com o financiamento da presente acção pelos seus órgãos sociais e “simpatizantes com a causa”, mencionados no pedido S da petição inicial.
Pois bem, os autores, no ponto 4.1 da sua alegação, reconhecem existir o dever de revelação quanto às condições de financiamento do litígio; não obstante invocam que no caso dos autos não ocorreu, melhor, ainda não ocorreu acordo de financiamento de contencioso com terceiros e, o financiamento do litígio tem sido suportado pela representante da classe com base nas contribuições que os seus associados, membros dos órgãos sociais e simpatizantes que fazem ou prometeram fazer essas contribuições.
Ora bem, o que a 1ª instância determinou no seu despacho foi, justamente, a junção da documentação relativa ao financiamento desta acção pelos seus órgãos sociais e simpatizantes com a causa. Nesse despacho não se determina a junção aos autos de qualquer acordo de financiamento com terceiros.
Á luz do que os próprios autores alegaram - o financiamento tem sido suportado pela representante da classe com base nas contribuições que os seus associados, membros dos órgãos sociais e simpatizantes – a autora, CV - CAA, está em condições de juntar documentação relativa ao financiamento dos custos desta acção pelos seus órgãos sociais e simpatizantes com a causa, documentação essa com relevância para a apreciação da pretensão, rectius, pedido formulado pelos autores na al. S) do petitório.

A esta vista, não encontramos fundamento para revogar o despacho da 1ª instância.

Em suma: o recurso improcede.

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III-DECISÃO

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantém a decisão sob impugnação.

Custas, neste recurso: seriam pelos autores, mas, estando isentos do pagamento de custas, aplica-se, assim, o art.º 26º nº 2 do RCP.

Lisboa, 09/05/2024
Adeodato Brotas
Anabela Calafate
Nuno Lopes Ribeiro, (com declaração de voto que segue)
Declaração de voto

Votei vencido, na medida em que discordo da solução adoptada pela maioria do colectivo, pelas razões que sintetizo da seguinte forma:
A previsão de recurso imediato e autónomo contra o despacho que admite ou rejeita um articulado ou meio de prova responde à necessidade de atenuar os riscos da eventual inutilização do processado, como refere Abrantes Geraldes, Recursos…, 5ª edição, pg. 210.
Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma”, vol. II, 2014, págs. 68 e 69. “há que se distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada (…). Há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”.
Neste sentido, vejam-se as seguintes palavras do Tribunal da Relação de Guimarães, em Ac. de 25/5/2016, disponível em www.dgsi.pt:
“Para efeitos de subsunção na alínea d), do nº 2, do art.º 644º, do CPC, ou seja, para que concreta decisão seja passível de apelação autónoma, importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que, apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade.”
Acrescentando o mesmo Tribunal da Relação, em aresto de 23/9/2021 (Jorge Teixeira), disponível na mesma base de dados:
Consequentemente, como se pondera no dito aresto desta Relação, para efeitos de subsunção da rejeição de articulado ou meio de prova na al. d), do n.º 2 do art.º 644º do CPC, ou seja, para indagar se aquela concreta decisão que não admitiu o articulado ou o meio de prova requerido é ou não passível de apelação autónoma, “importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”.
Quando o tribunal rejeita o articulado ou o meio de prova, não com fundamento exclusivo na inadmissibilidade dos mesmos por claudicação dos respectivos pressupostos formais para a apresentação desse articulado ou para a apresentação/requerimento do meio de prova, mas com fundamentos substanciais, isto é apreciando o conteúdo desse articulado ou a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida ou sobre a relação processual, então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do art.º 644º do CPC, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do art.º 644º do CPC, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final” (3).
No caso, os recorrentes assentam a sua discordância relativamente ao despacho proferido, na acepção de que a prova apresentada não é admissível por impertinente e sem interesse para a decisão da causa.
Pelo que a sua oposição à admissão do meio de prova não tem como fundamento a inadmissibilidade por claudicação dos respectivos pressupostos formais para a apresentação do meio de prova, mas antes apresenta fundamentos substanciais, isto é, aprecia a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida.
Então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do art.º 644º do Código de Processo Civil, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do art.º 644º do mesmo Código, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final.
Tanto basta, pois, para concluir que o despacho recorrido não pode ser objecto de recurso imediato, ficando a sua impugnabilidade sujeita ao regime do art.º 644º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil e, bem assim, às condições gerais de recorribilidade.
Nuno Lopes Ribeiro