Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
39/23.8PESTB-A.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
MANDADO JUDICIAL
PRESENÇA DO BUSCADO
PRESENÇA DE DEFENSOR
NULIDADE
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O mandado judicial de busca domiciliária não constitui uma decisão judicial, sendo antes a corporização num documento da referência à autorização/ordem judicial, o qual se destina a ser entregue aos afetados pelo ato, no qual se identifica a ordem de realização de busca numa residência determinada e apreensão dos objetos e instrumentos relacionados com a prática delituosa indiciada – com as indicações precisas de localização, de identificação do buscado, identificando o juiz ordenador e o tribunal ou o serviço onde corre o processo respetivo. Devendo ainda dele constar a data de emissão, a assinatura do juiz e o limite temporal para a realização da diligência ordenada/autorizada.
II. As buscas domiciliárias judicialmente ordenadas ou autorizadas, como mero meio de obtenção de prova que são, relacionadas com os indícios da prática de certos tipos de crime, não carecem na presença do buscado no domicílio nem de nomeação ou presença de defensor; não cominando a lei como nulidade (ou sequer irregularidade) o facto de se proceder a tais buscas sem a presença do buscado e/ou de defensor.

III. A lei não comina com nulidade a realização de busca domiciliária ordenada/autorizada judicialmente, na ausência do buscado e sem a presença do seu defensor.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
a) No processo de inquérito n.º 39/23.8PESTB, da Procuradoria da República de …, o arguido AA, nascido a …1972, de nacionalidade…, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso do despacho da Sr.ª Juíza de Instrução Criminal, proferido no âmbito do 1.º interrogatório de arguido detido (no qual veio a ser foi determinada a prisão preventiva deste) que lhe indeferiu requerimento em que suscitou a nulidade do mandado de busca domiciliária à residência do arguido (alegadamente por não estar fundamentado); e a nulidade da própria busca domiciliária (alegadamente por ter sido realizada sem a presença de defensor do arguido).

b) Inconformado com a decisão que indeferiu as nulidades suscitadas, recorre o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1.ª O Mandado de Busca foi fundamentado apenas com base na mera enunciação do tipo penal, tendo sido o arguido informado que sobre ele recaiam suspeitas da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

2.ª Não é válida, á luz do comando ínsito no n.º 2 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa bem como no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ex vi n.º 3 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa, uma interpretação do n.º 1 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, que permita fundamentar um mandado de busca domiciliária com a mera enunciação do tipo penal, sem comunicar ao arguido a concreta conduta que encorpa a suspeita que sobre si recai, ou seja, sem a mínima descrição dos factos que preencherão a tipicidade objectiva do crime que esteja em causa.

3.ª Neste panorama, parece-nos que o Despacho com a referência … é nulo, por violação do disposto nos artigos 177.º, n.º 1, e 97.º, n.º 5, do Código do Processo Penal.

4.ª Para além de estrangeiro, o arguido é analfabeto e, para tais circunstâncias, salvo melhor opinião, parece-nos ser de chamar à colação a regra ínsita na al. d) do n.º 1 do art. 64.º do Código do Processo Penal, segundo a qual, os actos processuais que se desenvolvam na necessária presença do arguido hão de contar sempre com a assistência de advogado.

5.ª A realização da busca ao arguido que desconhece a língua portuguesa e é analfabeto, sem que lhe tivesse sido assegurada a assistência de advogado (art. 64.º, n.º1, al. b) do Código do Processo Penal) inquina a busca com a nulidade absoluta prevista na al. c) do art. 119.º do Código do Processo Penal.

6.ª Fora de determinadas circunstâncias, a entrada num espaço habitacional reservado compreenderá sempre uma violação da reserva da intimidade da vida privada.

7.ª A prova recolhida através da Busca Domiciliária realizada à casa do arguido é prova proibida, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 126.º do Código do Processo Penal.

Pelo exposto e ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Venerando Senhores Juízes Desembargadores desta Tribunal da Relação de Évora, deverá a decisão recorrida ser revogada e a busca considerada nula, com prova recolhida a ser, no seguimento, declarada proibida.

Porquanto, só assim farão Justiça.»

c) Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência e concluindo do seguinte modo:

«(…)

- Os mandados de busca em causa foram emitidos por 30 dias e devidamente fundamentados por despacho judicial que os precedeu.

No despacho constam as razões de factos e de direito que determinaram a emissão das buscas domiciliárias, no qual se conclui que os factos em investigação nos autos integram um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, bem como se concluiu pela existência de fortes indícios de que na residência dos suspeitos pudessem estar objetos relacionados com a prática de crime.

- Deste modo, em nosso entender, o despacho que determinou a emissão de mandados de busca não violou o disposto no art. 97º nº5 do CPP nem o art. 177º nº1 do mesmo diploma legal, encontrando-se devidamente fundamentado no que concerne às razões de factos quer as de direito.

- Não exige o preceito legal invocado que conste dos mandados emitidos, nem do despacho que o precede, a descrição da concreta factualidade que determinou a sua emissão. Não cremos que o preceito exija uma narração descritiva dos factos constitutivos do tipo de crime indiciado, bastando-se com uma referência genérica, que seja compreensível pela generalidade das pessoas.

- A indicação da expressão “prática do crime trafico de estupefaciente” é compreendido pela sociedade e por qualquer pessoa, ainda que analfabeta, como no caso do recorrente, não existindo dúvidas quanto aos factos que integram tal crime, ou seja, a compra e venda de “drogas”.

- Da leitura do despacho do Mmº Juiz de Instrução que ordenou as buscas domiciliária não nos ficam dúvidas quanto aos motivos de facto e de direito que a fundamentaram. O mesmo se dirá quanto aos mandados de busca propriamente ditos.

- O facto de o Mmº Juiz de Instrução não ter explanado no despacho que determinou a emissão dos mandados de busca (não obstante ter remetido para despacho que os elencou), os concretos factos imputados ao arguido não consubstanciam qualquer vicio processual.

- Com efeito, teremos de concluir que os mandados de busca domiciliária foram emitidos pelo Mmº Juiz de Instrução, com respeito por todas as formalidades a que aludem os arts. 174º e 177º do Código de Processo Penal, não padecendo de qualquer nulidade ou irregularidade.

- No caso dos autos não estamos perante uma busca domiciliária na sequência do consentimento do visado, como parece referir o recorrente.

- No caso de busca domiciliária ordenada por despacho judicial, como é o caso dos autos, não é necessária a presença do suspeito ou arguido e, por maioria de razão, do seu defensor, desde logo por não se tratar de um ato processual.

- Não assiste ainda razão ao recorrente quando alega que a busca foi efetuada ao abrigo do disposto no art. 174º nº5 alínea c) do Código de Processo Penal, porquanto não foi efetuada por órgão de policia criminal mas em cumprimento de mandado emitido por despacho judicial.

- Não podemos ainda, no caso dos autos, invocar as formalidades previstas no art. 176º nº 1 do CPP, que estabelece que antes de proceder a busca é entregue a quem tiver a disponibilidade do lugar em que se realizada diligência, cópia do despacho que a fundamentou, porquanto não foi esse o caso dos autos.

- Não estamos perante uma busca realizada por Órgão de Policia Criminal na sequência da prática de crime em flagrante delito, como afirma o recorrente, mas uma busca domiciliária precedida de despacho judicial que a ordenou, pelo que não se aplicam as formalidades invocadas pelo recorrente.

- Não se aplica, ainda no caso, o disposto o art. 64º nº1 alínea d) do Código de Processo Penal, pelo que a circunstância de não ter sido assegurada a presença de Defensor ao suspeito estrangeiro e analfabeto não determina a nulidade da busca domiciliária.

- Tratando-se de busca domiciliária executada na sequência de mandado judicial não é necessária nem exigida a presença do arguido ou suspeito, não se verificando assim qualquer vicio processual por não ter sido assegurada a presença de Defensor

- Cabe ainda referir que os mandados foram executados em cumprimento do prazo de 30 dias e cumpridas todas as exigências legais. Os mandados foram emitidos em 15.12.2023 e a busca executada no dia 03/01/2024. AA foi constituído arguido nessa data.

- Deste modo, nem o mandado emitido nem a busca se mostram feridos de qualquer nulidade, pelo que em nada se mostra afetada a prova recolhida na sequência da mesma.

- A prova recolhida e as apreensões efetuadas no seguimento da busca foram devidamente validadas, pelo que a mesma é licita não estando inquinada de qualquer invalidade.»

d) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu entendimento no sentido da improcedência do recurso, por no mandado de busca domiciliária não terem que estar descritos os factos concretos que constam do processo; cabendo a autorização desta ao juiz justamente para proteção da reserva da vida privada do buscado.

e) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi exercido o direito de resposta. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II – Fundamentação

A. Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer. De acordo com as conclusões do recurso em apreço, verificamos que as questões aportadas ao conhecimento desta instância de recurso são as seguintes:

- Nulidade do despacho judicial autorizador da busca;

- Nulidade do mandado de busca;

- Nulidade por preterição de defensor na realização da busca por o buscado ser estrangeiro e não conhecer a língua portuguesa;

- Valor da prova recolhida.

B. O despacho recorrido, de 15dez2023, tem o seguinte teor:

«Investigam-se nos autos factos suscetíveis de consubstanciarem a prática, ademais, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

Existem fortes indícios de que se encontram na residência dos suspeitos JBB e de AA objetos e instrumentos relacionados com a prática delituosa indiciada nos autos.

Dão-se por reproduzido os fundamentos constantes da promoção de folhas 359 e seguintes - que se acolhem e dão por reproduzidos - concluindo-se pela necessidade, para o apuramento dos factos sob investigação, da realização de buscas àquelas residências.

Assim, e ao abrigo do disposto nos artigos 174.°, n.° 2, 3 e 4, 176.°, 177.°, n.° 1, 178.° e 269.°, n.° 1 alínea c) do Código de Processo Penal, determina-se:

a. que se proceda a buscas àquelas residências, sitas em:

— RUA … (residência de AA mas também utilizada por este)

— PRACETA … (residência de AA)

— LARGO … (residência utilizada por AA)

— RUA … (residência de BB)

b. bem como, a todos os seus logradouros, anexos, arrecadações e/ou garagens;

c. se necessário com recurso a arrombamento ou escalamento, administração de substâncias tranquilizantes adequadas à neutralização de animais, desativação de sistemas de vigilância mecânicos ou eletrónicos existentes nesses locais.

Prazo: 30 dias.»

C. Apreciando

C.1 Da nulidade do despacho judicial autorizador da busca domiciliária

Sustenta o recorrente que o despacho judicial que autorizou a busca domiciliária realizada e posta em crise no recurso, é nulo, por violação do disposto nos artigos 177.º/1 e 97.º/5 do CPP. Pronunciando-se sobre esta matéria refere o Ministério Público que o dito despacho judicial refere os motivos de facto e as razões de direito que fundamentaram a decisão de autorizar a busca domiciliária que veio a ser realizada e que está posta em crise.

Dispõe o artigo 97.º, § 5.º CPP, que: «Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»

E preceitua o artigo 177.º, § 1.º do mesmo código, que:

«A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efetuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena da nulidade.»

Considera o recorrente, que o despacho judicial é nulo por não conter a fundamentação justificadora da autorização de busca domiciliária à sua residência. O que na circunstância é imperativo, na medida em que se tratou de autorização que implica uma contração do direito fundamental da inviolabilidade do domicílio (artigo 34.º da Constituição).

Pois bem.

O direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, previsto no citado retábulo normativo, giza justamente limitar, com largo espectro, a possibilidade de violar a intimidade das pessoas que ali habitam. Mas é a própria Constituição que acautela a possibilidade de restrição a esse direito, designadamente por ordem da autoridade judicial, nos casos previstos na lei. (§ 2.º do artigo 34.º da Constituição).

No concernente à decisão judicial autorizadora da entrada num dado domicílio, exige-se-lhe, entre o mais, que a mesma seja fundamentada, nos termos da lei.

Com efeito, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, tem consagração expressa no artigo 205.º, § 1.º, da Constituição.

O princípio da fundamentação das decisões judiciais integra, em processo criminal, as garantias de defesa do arguido, nos termos previstos no artigo 32.º, § 1.º da Lei Fundamental.

«A fundamentação dos atos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina.» (1)

No âmbito deste princípio, estabelece o artigo 97.º, § 5.º CPP, que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Como qualquer despacho, até por imperativo constitucional (artigos 32.º, § 1.º e 205.º da Constituição), a decisão que autoriza uma busca domiciliária tem de ser fundamentada, cumprindo-se, por seu intermédio, simultaneamente, uma função de caráter objetivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões – e uma função de carácter subjetivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários. (2)

Ou, como refere Germano Marques da Silva, o objetivo de tal dever de fundamentação é permitir «a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando, por isso como meio de autodisciplina». (3)

Nas circunstâncias do caso presente, ao invés do que sustenta o recorrente, o despacho recorrido autorizador da busca domiciliária à sua residência, não se limitou a «meramente enunciar o tipo penal»!

Ao contrário disso: a decisão impugnada contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão. Isto é, mostra-se fundamentada, legal e faticamente, sendo esclarecedora das premissas em que se sustenta, explicitando em termos lógicos a razão pela qual o Tribunal decidiu, nos termos plasmados no dito despacho, autorizar a busca domiciliária aqui em referência.

É certo que no despacho recorrido não reproduz totalmente – nele próprio - as indiciadas premissas de facto, mas isso não torna a decisão judicial arbitrária, nem imotivada nem incontrolável. Porquanto aquelas mostram-se feitas por remissão expressa e concretizada para os «fundamentos constantes da promoção de folhas 359 e seguintes - que se acolhem e dão por reproduzidos». Sendo essa remissão legítima, na medida em que integra tais fundamentos no exercício da ponderação própria, feita pelo juiz. E, por assim ser, tal remissão não vulnera o direito que o recorrente questiona, talqualmente vem aliás considerando o Tribunal Constitucional. (4)

Com efeito, não só as razões que estiveram na base da decisão judicial ora sob impugnação, se mostram totalmente apreensíveis para o cidadão afetado pela decisão (o recorrente); como para qualquer terceiro interessado; permitindo do mesmo passo a este Tribunal superior sindicar os respetivos fundamentos e justiça, mostrando-se neste conspecto amplamente compreensível e justa a ponderação efetuada.

Não se verificando, pois, a apontada nulidade. Pelo que improcede este fundamento do recurso.

C.2 Da nulidade do mandado de busca

O recorrente afirma que também o mandado de busca é nulo, mas não só não levou esse tema às conclusões (e são estas que delimitam o objeto do recurso – artigo 412.º, § 1.º CPP – e acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 - Fixação de Jurisprudência -, publicado no DR, I-A, de 28/12/1995), como não concretiza a razão pela qual assinala tal putativa nulidade, não indicando igualmente o seu fundamento legal! Sempre se dirá que contrariamente ao que parece pressupor o recorrente, o mandado de busca domiciliária não é ele próprio uma decisão judicial. Ele é apenas o documento que corporiza a autorização/ordem de cumprir a decisão judicial respetiva. A sua base é, pois, o despacho judicial autorizador da busca domiciliária (a que nos referimos supra). Materialmente o mandado deve identificar a ordem dada pelo juiz (na circunstância ordem para realizar busca numa residência determinada e apreensão dos objetos e instrumentos relacionados com a prática delituosa indiciada – com as indicações precisas de localização), identificar o buscado e o próprio juiz, bem assim como o Tribunal ou o Serviço onde corre o processo respetivo - onde consta a decisão fundamentada de emissão daquela ordem (que o mandado corporiza). Deverá ainda conter a data da sua emissão, a assinatura do juiz e o limite temporal do seu cumprimento. Noutro plano importará lembra que no direito processual penal português vigora o princípio da tipicidade ou da legalidade e da taxatividade das nulidades, aludindo a tal propósito o artigo 118.º CPP, que:

«1. A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei.

2. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular.

3. As disposições do presente do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.»

Do cotejo dos artigos 119.º, sob o título «Nulidades insanáveis», 120.º, sob o título «Nulidades dependentes de arguição» temos por certo que a invalidade que o recorrente alega padecer o «mandado», não se verifica. Não se constatando também qualquer «irregularidade» (artigo 123.º CPP).

Pelo que improcede também este fundamento do recurso.

C.3 Da nulidade por preterição de defensor na realização da busca - por o buscado ser estrangeiro e não conhecer a língua portuguesa

Refere o recorrente que sendo o arguido estrangeiro e não conhecer a língua portuguesa, a busca domiciliária só poderia decorrer com a presença do arguido e este contar com a assistência de advogado, nos termos da al. d) do § 1.º do artigo 64.º CPP, o que não tendo acontecido determina a nulidade da busca domiciliária realizada, nos termos do artigo 119.º, al. c) CPP). Por seu turno, na sua resposta ao recurso, refere o Ministério Público que no caso de busca domiciliária ordenada por despacho judicial, não é necessária a presença do suspeito ou arguido nem, por maioria de razão, do seu defensor, não se tratando de um ato processual. O recorrente não tem razão. Preceitua a al. d) do § 1.º do artigo 64.º CPP: «É obrigatória a assistência de defensor: em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.» E preceitua a al. c) do artigo 119.º CPP, que constitui nulidade insanável: «a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.» A obrigatoriedade de assistência de defensor, a que se reporta a citada alínea do artigo 64.º CPP, reporta-se aos atos processuais nos quais o arguido seja interveniente necessário. O que, evidentemente, não abarca as situações de busca domiciliária autorizada judicialmente, uma vez que esta diligência (a busca domiciliária), quando realizada no cumprimento da ordem/autorização de realização, prescinde (não carece) da presença do arguido, conforme decorre do artigo 177.º CPP. Do que se trata aqui não é, pois, de praticar qualquer ato processual com o arguido (que exija a participação ou sequer da presença do arguido), antes do simples exercício da recolha de prova – configurando-se a busca domiciliária como mero meio de obtenção de prova, com relação aos indícios da prática de crime (relativamente a certo tipo de crimes). (5)

Improcede, portanto, igualmente, este fundamento do recurso.

C.4 Do valor da prova recolhida

O recorrente alinha como último fundamento do seu recurso o valor da prova recolhida, o que é, em boa verdade, o efeito que gizava com os argumentos anteriores. Os quais, como se viu, soçobraram integralmente. Claro está que a prova recolhida no âmbito da diligência de busca domiciliária judicialmente autorizada, não enferma de nenhum vício, não ofendendo nenhum direito fundamental do arguido nem assentando em qualquer método proibido de prova (artigo 126.º CPP). Antes pelo contrário, a diligência policial realizada foi-o no exercício de uma autorização e ordem judicial, que previamente ponderou sobre a restrição ao direito fundamental da inviolabilidade do domicílio do arguido face aos interesses da investigação. Termos em que o recurso não é merecedor de provimento.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente o decidido no despacho recorrido.

b) Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Évora, 7 de maio de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Laura Goulart Maurício

Jorge Antunes

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1 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 3.ª Edição, Editorial Verbo, 2009, pp. 289.

2 Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2018, Univ. Católica Editora, pp. 71.

3 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1993, 2.ª edição, Verbo, pp. 294.

4 Neste sentido tem decidido o Tribunal Constitucional, cf. p. ex. acórdãos n.º 391/2015, n.º 684/2015, n.º 412/2019; n.º 714/2022, todos in https://www.tribunalconstitucional.pt/

5 Sendo este o sentido corrente da jurisprudência: cf. acórdão TRÉvora, de 6fev2024, proc. 247/23.1GCSTB-A.E1, Desemb. Carlos Lobo; acórdão TRLisboa, de 15jun2021, proc. 5/19.8ZCLSB-C.L1-9, Desemb. Filipa Costa Lourenço; acórdão TRGuimarães, de 18dez2017, proc. 45/15.6GAMLD.G1, Desemb. Ana Teixeira; acórdão do TRPorto, de 29mar2017, proc. 256/19, Desemb. Renato Barroso.