Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1337/23.GT8PTG.E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: DECISÃO ADMINISTRATIVA
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos do artigo 50.º, do RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Na fase administrativa, o arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contraordenação, requerer a prática de diligências de prova de forma equiparada às diligências adotadas pela entidade administrativa na fase de inquérito.

Embora o possa requerer, o facto de as testemunhas indicadas pelo arguido não serem ouvidas ou as diligências por aquele sugeridas não serem levadas a cabo, não importa a verificação de qualquer nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção criminal da Relação de Évora:
A Arguida AA, foi condenada, por decisão do IMT – Instituto Mobilidade dos Transportes, I.P, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida no art.º 31º, nº 1 do Decreto-Lei n° 257/07, de 16 de julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n° 136/09, de 5 de junho, na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).

Inconformada, impugnou judicialmente tal decisão, recorrendo para o Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …, o qual, por sentença de 05 de Fevereiro de 2024, julgou improcedente o recurso de contra-ordenação e, em consequência, manteve a decisão administrativa de condenação da arguida pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida no art.º 31º, nº 1 do Decreto-Lei n° 257/07, de 16 de julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n° 136/09, de 5 de junho, na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).

De novo irresignada, interpôs recurso dessa sentença, agora para esta Relação, apresentando motivação que termina formulando as seguintes conclusões:

“1. Na impugnação judicial, o aqui recorrente alegou que a contraordenação em causa estava prescrita porquanto, a mesma foi praticada em 24 de Maio de 2022 e a notificação á arguida da Decisão Administrativa da mesma ocorreu em 06/09/2023. ou seja, já tinha decorrido mais de um ano entre a prática da mesma ê a respetiva decisão, pelo que a mesma se encontra prescrita nos termos da alínea c) do art.º 270 do D.L. 433/82, de 27 de Outubro.

2. O Tribunal assim não entendeu, pois considerou que com a comunicação á arguida do despacho do exercício do direito de defesa, ocorrida em 21/03/2023, se interrompeu o prazo de prescrição e consequentemente se reiniciou novamente com tal notificação.

3. Ora, tal entendimento do Tribunal não é correto quanto á prescrição da contraordenação em causa pois, quando muito a prescrição do procedimento contraordenacional interrompe-se tão só com a notificação da decisão da autoridade administrativa á arguida e não com a notificação a esta do despacho do exercício do direito de defesa, mas quando ocorre a notificação á arguida da decisão da autoridade administrativa, concretamente em 06/09/2023, já a contraordenação estava prescrita, nos termos da alínea c) do arto 27º do D.L. no 433/82, de 27 de Outubro.

4. Assim sendo, a contraordenação em causa está prescrita.

5. A Decisão Administrativa do "IMT — Instituto de Mobilidade dos Transportes, I.P." é NULA porquanto,

6. Não foi permitida á arguida pela entidade administrativa a inquirição de testemunhas por si arroladas, bem como requereu a arguida que fosse junto aos autos certificado de formação do agente autuante para manusear o instrumento de pesagem, pedido este que não só foi negado pela entidade administrativa, como também não apresentou justificação legal para tal.

7. Entendeu aquela entidade que só serão realizadas diligências que se mostrem necessárias para o apuramento da verdade e da boa decisão da causa, sendo que as demais serão de indeferir por supérfluas, inúteis.

8. Argumentou ainda não ser diligência necessária a inquirição de testemunhas face á especificidade da matéria que se propõe provar e que os elementos probatórios juntos aos autos são suficientes e aptos para proferir decisão, mostrando-se de nenhuma, ou de fraca, importância a prova testemunhal sobre o tema dos autos.

9. E o Tribunal entendeu do mesmo modo, seguindo o pensamento da entidade administrativa, acrescentando que as testemunhas foram ouvidas em sede de audiência e julgamento, o que significa que a arguida se prevaleceu do direito que a lei lhe confere de, na fase de recurso, exigir a inquirição da testemunha, direito esse que na fase administrativa não lhe havia sido concedido, sem que isso importe a nulidade da decisão.

10. Ora, não permitindo a entidade administrativa a inquirição das testemunhas na fase de instrução, o direito ao contraditório na sua plenitude foi negado á arguida, razão pela qual a decisão administrativa tinha que ser considerada nula por parte do Tribunal.

11. Por outro lado, a Decisão Administrativa deve ainda ser considerada nula porquanto a mesma padece de falta de factos reveladores do elemento subjetivo e objetivo, porquanto;

12. O nº 3º do art.º 283º do C.P.C. elenca os requisitos que deverá conter a acusação, sob pena de nulidade, entre os quais está a narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente nele esteve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, conforme a alínea b) do nº 3º daquele preceito legal.

13. A violação deste normativo implicará a rejeição da acusação por manifestamente infundada (art.º 311º, no 2º, a), e no 3º, b), do C.P.P).

14. A narração factual é um requisito que reveste especial importância na medida em que é a acusação que fixa o objeto do processo, o qual se irá manter até ao transito em julgado da sentença, protegendo o Arguido contra eventuais alargamentos dos poderes de cognição e decisão do Tribunal, por forma a garantir que uma vez comunicada a acusação ao Arguido este possa conhecer quais os factos e o crime que lhe são imputados, permitindo-lhe, deste modo, preparar e organizar adequadamente a sua defesa.

15. De acordo com o art.º 15º do C.P., para se verificar o tipo de culpa inerente à negligência é necessário que se verifique três elementos: a possibilidade de prever o perigo de realização do tipo, atuação que não observe o cuidado objetivamente requerido e a produção do resultado típico com o qual o agente não se conforma.

16. É necessário que o agente omita um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível, sendo que existe essa previsibilidade quando o agente nas circunstâncias em que se encontrava podia, tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, teria representado como possível o resultado ocorrido.

17.Pelo que a negligencia pressupõe o não uso da diligencia devida, segundo as circunstâncias em concreto, para evitar o resultado, consistindo, pois, a negligencia na omissão de um dever objetivo de cuidado e de diligencia: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligencias necessárias para o evitar.

18.Contudo, o tipo negligente não dispensa a consciência da ilicitude.

19.Pelo que a factualidade vertida na Decisão Administrativa não é suficiente para configurar as contraordenações imputadas á arguida, a qual é insuscetível de suprimento de acordo com a Jurisprudência do Acórdão Uniformizador no 1/2015, publicado no DR no 18/2015, s.l., de 27/01/2015.

20. Não constam da Decisão Administrativa os elementos necessários á aplicação de uma coima/pena, como é a de Arguida ter agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que deveria cumprir as normas legais em causa.

21. E sobretudo não consta da Decisão Administrativa que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

22. Ora, a falta de factos reveladores do elemento subjetivo gera a nulidade da Decisão Administrativa, nos termos do art.º 283º, nº 3, do C.P.P.

23.Não tendo a "IMT — Instituto da Mobilidade e do Transporte, I.P." dado integral cumprimento ao disposto na alínea b) do no 3 do art.º 283º do

24. Pelo que a Decisão Administrativa viola o disposto no art.º 283º, no 3, b), do C.P.P., o que determina a nulidade daquela.

25. Sem conceder,

26. Nunca o Tribunal poderia dar como dar como provado "O arguido era o proprietário do veículo identificado nos autos, que na ocasião era conduzido pelo seu funcionário BB, por sua conta, em sua representação e no interesse do arguido, agiu de forma, livre e voluntária e consciente, prevendo que ao atuar nos termos supra indicados poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei; o arguido, ao transportar mercadorias que excediam o peso autorizado referido, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tinha o dever de cuidado e que tinha a obrigação de o cumprir, sabendo, que não cumprindo com tal dever poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei e, não obstante atuou, confiando que o resultado não se produziria sendo a conduta descrita, proibida e sancionada por lei contraordenacional, atuando assim com negligência"

27. Socorrendo-se tão só para tal da aplicação das regras da experiência comum e lógica abstrata daquilo que é o padrão médio e habitual das diligencias assumidas por um gestor normal bem como de que nem o argumento de que a arguida, mesmo que não pretendesse cometer a infração, tinha, no entanto, a possibilidade de atuar de modo diferente por forma a impedir que ela se verificasse, violando, assim, um dever geral de cuidado, porquanto é exigível aos proprietários de empresas que lidam com o transporte de mercadorias pesadas, que cumpram as regras de circulação rodoviária das referidas viaturas, uma vez, que as mesmas visam acautelar a segurança de bens-jurídicos próprios e alheios.

28. Para dar como provados aqueles factos, nomeadamente os nos 3 e 4 da Fundamentação de Facto da Sentença agora recorrida, teriam que os mesmos terem resultado do depoimento das testemunhas e não por deduções e conclusões do Tribunal, ou seja, nenhuma das testemunhas referiu algo de modo a contribuir para que os mesmos fossem dados como provados.

29. Assim, o Tribunal ao dar como provados tais factos fê-lo sem suporte testemunhal e documental, pelo que tais factos obrigatoriamente tem que ser dados como não provados e, consequentemente a arguida tem que ser absolvida da contraordenação pela qual foi condenada.

30. A Decisão agora recorrida, com base nos fundamentos supra elencados, viola, entre outros preceitos legais, os artigos 270, al c) do D.L. no 433/82, de 27 Outubro, 283º, 311º e 379º do CPP, artigo 250 , no 1, al) b e 39º do RJCOLSS.

NESTES TERMOS, E NO MELHOR DE DIREITO, com o suprimento de V. Exas Senhores Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com as devidas consequências legais, assim se fazendo INTEIRA E SÁ JUSTIÇA COMO SEMPRE.”

O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pela Arguida Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.

Nesta instância, aquando da vista a que se refere o art.416º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.

Efectuada a conferência prevista no art.º 419º do C.P.P., cumpre agora apreciar e decidir.

MATÉRIA DE FACTO FIXADA NA 1ª INSTÂNCIA

1.No dia 24/05/2022, pelas 10h20m, no IP …, Km …, …, comarca de …, nas circunstâncias de modo e lugar constantes no Auto de Contraordenação n° … e respetivo Aditamento, o arguido, AA, portador do número de identificação de pessoa coletiva …, circulava com o veículo pesado de mercadorias com a matrícula …. o referido veículo foi submetido a pesagem pelas balanças Capteis ORA 10, série n.º 1031, com as plataformas nº 1.1084132 e n.º 11084133, aprovadas pela ANSR, através do Despacho n° 13179/2008, de 12.05, com o certificado de aprovação n° CE T6377 e certificado de verificação periódica nº 201.24/22.06791, tendo acusado um peso total de 12220Kg correspondente ao peso registado de 12340 Kg deduzido o valor de erro máximo admissível.

2. O referido veículo tinha o peso bruto autorizado de 12000 Kg, transportando mercadorias (rações para animais) que excediam o peso autorizado em 220 Kg, correspondente a 1,83% em relação ao peso bruto do veículo.

3. O arguido era o proprietário do veículo identificado nos autos, que na ocasião era conduzido pelo seu funcionário BB, por sua conta, em sua representação e no interesse do arguido, agiu de forma livre, voluntária e consciente, prevendo que ao atuar nos termos supra indicados poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei.

4. O arguido, ao transportar mercadorias que excediam o peso autorizado referido, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tinha o dever de cuidado e que tinha a obrigação de o cumprir, sabendo, que não cumprindo com tal dever poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei e, não obstante atuou, confiando que o resultado não se produziria sendo a conduta descrita, proibida e sancionada por lei contraordenacional, atuando assim com negligência.

5. As balanças utilizadas pela entidade fiscalizadora encontravam-se devidamente aferidas, aprovadas e certificadas para as funções desempenhadas, conforme descrição sumária do Auto de Contraordenação n° … e respetivo Aditamento e Certificado de Verificação Periódica nº 201.21/22.06791, emitida pelo laboratório de calibrações da TAP Portugal em 20/04/2022.

6. O arguido é responsável pela infração nos termos do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 257/207 na sua atual redação.

Mais se provou que,

7. A Recorrente é sociedade por quotas com capital social de 2.130.000,00€.

8. O condutor do veículo supra descrito em 1. não se encontra mais a exercer funções ao serviço da Recorrente.

9. Os veículos pesados utilizados ao serviço da arguida são pesados nas próprias instalações desta.

10. A Recorrente apresenta vários prémios aos seus motoristas para mobilizar condutas, nomeadamente, para proceder ao carregamento dos veículos apenas após integral abastecimento do veículo.

11. A Recorrente já foi condenada por decisão administrativa, no pagamento de coimas, em diversos procedimentos contraordenacionais, conforme discriminado pelo IMT, para onde se remete.

FACTOS NÃO PROVADOS

“Discutida a causa, e com relevância para os autos, não houve factos que ficassem por provar.”

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”

§1. A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada dos elementos probatórios produzidos em audiência de julgamento, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas, conjugados com a prova documental constante dos autos, os quais foram apreciados de acordo com as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 41º do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro).

Em particular, o tribunal atendeu ao auto de notícia junto ao processo, elaborado por entidade autuante que veio corroborar o seu teor em sede de audiência de julgamento, bem como da documentação que instruiu o processo contraordenacional, como o talão de pesagem do veículo pesado autuado.

Mais atendeu o Tribunal às declarações prestadas pelas testemunhas CC, DD, ambos militares da GNR, assim como EE e FF, funcionários da sociedade recorrente.

O Tribunal valorou ainda o documento junto aos autos pela testemunha DD, correspondente a um Certificado de Formação profissional emitido pela Unidade Nacional de Trânsito da GNR.

Do teor do auto de notícia resulta que, no dia 24.5.2022, pelas 10h20, na IP… km … no nó de …, foi a viatura de pesados de matrícula … submetida a pesagem, tendo acusado um peso total de 12220Kg correspondente ao peso registado de 12340 Kg deduzido o valor de erro máximo admissível. Peso que pode ser igualmente confirmado pelo talão de pesagem de fls. 3.

O equipamento nos termos do qual se processou a pesagem, assim como a correspondente certificação vêm demonstrados no aditamento ao auto de contraordenação, talão de pesagem e certificado de verificação que o acompanha (fls. 3-5). Assim, resulta por demais provado que a pesagem foi realizada com recurso a balanças Capteis ORA 10, série n.0 1031, com as plataformas nº 1.1084132 e n.0 11084133, aprovadas pela ANSR, através do Despacho n° 13179/2008, de 12 05, com o certificado de aprovação n° CE T6377 e certificado de verificação periódica nº 201.24/22.06791.

Tal documentação permitiu dar como provados os factos 1, 2 e 5.

Estas conclusões e o teor do auto de notícia é igualmente suportado pelo depoimento isento e com conhecimento direto dos factos dos Militares da GNR CC e DD, que ali se encontravam no exercício das suas funções no âmbito de uma fiscalização aleatória e generalizada. Ambos confirmaram não ter qualquer tipo de relação com a sociedade envolvida ou os seus funcionários, apresentando-se na fiscalização e redação do auto sem intuito de prejudicar gratuitamente ninguém, pelo que procuraram descrever com fidelidade aquilo que foi observado e reportado à data.

Assim, CC confirma a circunstâncias de tempo e lugar onde a fiscalização tomou lugar; que os aparelhos de pesagem estavam regularmente montados, cumprindo-se o procedimento de paragem a veículos pesados num raio de 5km. No que respeita ao veículo pesado em concreto fiscalizado nestes autos, foi pelo condutor referido que transportava carga, pelo que foi encaminhado para a balança; que não foi o próprio quem procedeu à pesagem da viatura, por ser o seu colega quem tinha habilitações profissionais para o efeito, sabendo, porém, que a mesma apresentou um excesso de 220kg de carga. Mais confirma que a balança tem certificado de verificação do IPQ.

Este depoimento é corroborado pelo depoimento do militar DD, que de forma isenta, imparcial, espontânea e com manifesto conhecimento dos factos.

A testemunha confirma também as circunstâncias de tempo e lugar da fiscalização realizada; que a balança estava fixada de forma estática (em patamar, pois o terreno não tinha inclinação – “eventualmente 0,5€”, mas também sem que a mesma pudesse ter impacto concreto na pesagem). Porque questionado, refere que já opera com balanças desde 2010, tendo recebido cursos diversificados ministrados pela GNR para o efeito, tendo logrado obter certificado desde 2022 (que juntou aos autos).

Sobre a operação concreta de pesagem refere que a viatura foi ligada a um aparelho, subiu para a balança, um eixo de cada vez, fixando-se o valor do peso uma vez estabilizada a viatura; que a contagem do peso final global do veículo é efetuada pelo próprio equipamento. Pese embora não se recordar de lhe ter sido exibido um qualquer talão de contraprova, que fizesse questionar o peso ali alcançado (que confirma como tendo sido de excesso de 340kg, com uma tolerância de 60kg por eixo), também assevera que se o tivessem feito, ele teria sido confrontado com o mesmo.

Estas declarações, puramente imparciais, corroborantes de tudo o que foi o declarado no auto de notícia e que fundamentou a decisão administrativa de aplicação das coimas aqui presentes, foi contraditado pelo depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente, as quais, porém, não mereceram a melhor credibilidade para demonstração dos factos por parte deste Tribunal, desde logo pelo vínculo funcional-profissional que possuem, mas também porque as mesmas desconhecem, em concreto, o que efetivamente veio a acontecer com a viatura aqui autuada. Senão vejamos.

A testemunha EE, empregada do escritório da sociedade recorrente, confirmando que o veículo autuado é propriedade da arguida, esclarece que o condutor já não é funcionário da empresa. Mais refere que, pese embora não ter funções diretas nos carregamentos e descarregamentos de mercadorias dos veículos, conhece que antes de saírem da empresa as cargas são programadas e planificadas em função do peso que cada viatura pode transportar; que existem balanças na empresa apropriadas para o efeito, desconhece de a pesagem é feita com regularidade a todos os veículos ou apenas em estimativa, desconhece se o veículo com matrícula … foi pesado antes de sair da empresa, assim como desconhece se os condutores se fazem transportar pelos talões das pesagens internas feitas na empresa.

A testemunha FF, encarregado de armazém, confirma que o condutor autuado já não é funcionário da empresa arguida. Mais refere que os camiões são pesados antes de saírem das instalações da empresa e após serem carregados com ração ou farinha; não é o próprio quem procede às pesagens das viaturas, embora as visualize no armazém; não tem a certeza se o veículo em causa foi pesado; não entregam o talão de pesagem interna aos motoristas sempre que saem das instalações. Por último, confrontado com a informação do excesso de peso verificado, afirma que, atendendo aos valores registados, tal diferencial pode dizer respeito a 9 sacos de ração ou um depósito de gasóleo (eventualmente o segundo, que não terá sido atestado antes da realização da pesagem e carregamento do camião).

Com base nestes dois últimos depoimentos o Tribunal deu como provados os factos 8 a 10. Veja-se, porém, que a circunstância de se ter dado como provado que os veículos pesados que transporta as farinhas e rações comercializadas pela arguida serem pesados nas instalações desta, não implica que no dia descrito em 1. o referido veículo não circulasse com excesso de peso admissível. Até porque, a arguida, certamente reconhecendo como possível que as situações de excesso de peso nas viaturas possam ocorrer com frequência, acabou por proceder à emissão de prémios aos motoristas para que, por exemplo, apenas procedam ao carregamento de mercadoria após terem atestado o veículo com combustível na sua totalidade (facto 10).

De resto, o facto 3 é admitido pela própria Recorrente, que não o impugna; mais indiretamente referindo que acabou por despedir o referido trabalhador após os factos praticados.

Compulsada toda prova acima elencada, assim como a credibilidade aposta na apreciação de cada um dos depoimentos envolvidos e prestados, e atendendo às regras da experiência comum e da lógica abstrata, o Tribunal ficou plenamente convencido de que todos os factos descritos da douta decisão administrativa correspondem à verdade, razão pela qual, por isso, os confirma, aqui, em sede de recurso.

Inclusivamente os factos relativos aos elementos subjetivos das infrações aqui descritas, resultam da aplicação das regras da experiência comum e lógica abstrata daquilo que é o padrão médio e habitual das diligências assumidas por um gestor normal; autorizando a conclusão de que a Recorrente, mesmo que não pretendesse cometer a infração, tinha, no entanto, a possibilidade de atuar de modo diferente por forma a impedir que ela se verificasse, violando, assim, um dever geral de cuidado, porquanto é exigível aos proprietários de empresas que lidam com o transporte de mercadorias pesadas, que cumpram as regras de circulação rodoviária das referidas viaturas, uma vez que as mesmas visam acautelar a segurança de bens-jurídicos próprios e alheios.

Por último, dizer que os factos 7 e 11 foram ainda dados como provados com base na informação extraída da certidão permanente da sociedade Recorrente, assim como da informação do IMTT relativamente ao registo de contraordenações existente contra a arguida [ref.ª …].

O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer (Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES (in “Recursos em Processo Penal”, p. 48); GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335); JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES (in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387); e ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362-363) («São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

As questões essenciais suscitadas pela Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:

1) A pretensa avaliação incorrecta da prova produzida.

2) Da eventual ocorrência de prescrição do procedimento contra-ordenacional.

3) Da nulidade da decisão administrativa.

O MÉRITO DO RECURSO

1) A pretensa avaliação incorrecta da prova produzida

No caso, este tribunal ad quem conhece apenas de direito (artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-ordenações [Alterado pelos Decretos-Leis nºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro]), sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades ainda que não invocados ou arguidos pelos sujeitos processuais (artigo 410.º, nºs 2 e 3, do CPP).

Isto significa que este Tribunal apenas poderá tomar em consideração a matéria de facto tida como provada pelo Tribunal recorrido e não qualquer outra a que a Recorrente, por certo inadvertidamente, pretende dar relevância para fundar as suas pretensões.

Decorre do atrás exposto que com o julgamento efectuado no Tribunal de primeira instância, fica definitivamente encerrada a valoração das provas e fixada a matéria de facto, razão pela qual este Tribunal não irá conhecer do recurso da arguida na parte em que a mesma impugna a factualidade provada (por violação do princípio da livre apreciação da prova).

2) Da eventual ocorrência de prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Na tese da arguida/recorrente o procedimento contra-ordenacional contra a mesma, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida no art.º 31º, nº 1 do Decreto-Lei n° 257/07, de 16 de julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n° 136/09, de 5 de Junho, encontra-se extinto por prescrição.

Quid juris?

Dispõe o art.º 31º, nº 1 do citado diploma legal e no que ora releva: «1 - A realização de transportes com excesso de carga é punível com coima de € 500 a € 1500, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. (…)»

Considerando o disposto no Art.º 27º do Regime Geral das Contra-Ordenações, na redacção dada pelo Art.º único da Lei n.º 109/2001 de 24 de Dezembro, impõe-se, de imediato, relevar que:

O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo superior a € 49.879,79; b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79; c) Um ano, nos restantes casos.

Por seu turno, dispõe o Artigo art.º 27º-A do Dec. Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro (na redacção da Lei n.º 109/2001 de 24 de Dezembro):

“Suspensão da prescrição.

1 — A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40. °;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 — Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”

No art.º 28º do mencionado diploma pode ler-se:

“Interrupção da prescrição.

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligencias de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxilio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

Revertendo ao caso em apreço temos que:

No caso sub judicio o ilícito contraordenacional ocorreu no dia 24/05/2022.

Tendo em conta a coima abstracta aplicável à contra-ordenação em questão (coima de € 500 a € 1500), verifica-se que o prazo normal da prescrição ocorre decorrido que seja 1 ano sobre a data da prática dos factos, descontados o período de interrupção e de suspensão.

No dia 21.03.2023 com a notificação da sociedade arguida para o exercício do direito de defesa, ocorreu causa de interrupção da prescrição.

Destarte, tendo os factos ocorrido em 24.05.2022, ocorrendo em 21.03.2023 a notificação da sociedade arguida para o exercício do direito de defesa (causa de interrupção da prescrição), a partir desta iniciou-se novo prazo de prescrição.

Assim, atenta a interrupção a que acima se fez referência, e ressalvado o prazo de suspensão atento o preceituado no art.º 27º-A, al. c) do Dec. Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro (na redacção da Lei n.º 109/2001 de 24 de Dezembro) não se mostra prescrito o procedimento contra- ordenacional em relação aos factos imputados à arguida.

Eis por que o presente recurso irá improceder quanto a esta questão.

3) Quanto à pretensa nulidade da decisão administrativa

Sustenta a Recorrente, que a decisão administrativa está ferida de nulidade porquanto, por um lado, não permitiu a inquirição de testemunhas por si arroladas na fase de instrução, e por outro lado, padece de falta de factos reveladores do elemento subjetivo e objetivo do imputado ilícito contra-ordenacional.

Cumpre desde já referir que este recurso serve e destina-se a sindicar a sentença da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … e não para questionar a primitiva decisão da autoridade administrativa. Ora, no recurso que interpõe para esta Relação da sentença da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …, a recorrente, quanto à questão da nulidade da decisão administrativa, reedita ipsis verbis, a invocação que dirigiu, na impugnação da decisão administrativa, à Exma. Juiz da Comarca, ignorando, sem que se perceba porquê, o que esta expendeu na sua decisão em resposta a essas questões.

Os argumentos aduzidos pelo tribunal “a quo” para fundamentar a improcedência das nulidades arguidas pela arguida/recorrente são irrefutáveis.

Na verdade, como certeiramente notou o Tribunal recorrido “Entende a Recorrente que a entidade administrativa deveria ter procedido à audição das testemunhas arroladas pela recorrente na sua defesa escrita, com isso violando o direito à ampla defesa e contraditório desta.

Há que ter presente que, nos termos do artigo 50.º, do RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

Na fase administrativa, o arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contraordenação, requerer a prática de diligências de prova de forma equiparada às diligências adotadas pela entidade administrativa na fase de inquérito.

Embora o possa requere, o facto de as testemunhas indicadas pelo arguido não serem ouvidas ou as diligências por aquele sugeridas não serem levadas a cabo, não importa a verificação de qualquer nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida.

Cita-se, aqui, porque pertinente, trecho do acórdão proferido pelo TRC sobre a questão:

Efetivamente, como é sabido, as normas ditas de mera ordenação social (que não devem validar a afirmação de que estaremos perante um “direito de bagatelas penais”), não tem a ressonância ética das normas penais. Por isso, a execução da vertente sancionatória pressupõe um processo de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal (que por força da gravosa natureza das sanções que por seu intermédio podem ser aplicadas, exige a observância de apertadas garantidas de defesa).

Ora, no âmbito do processo criminal, a nulidade genérica “insuficiência do inquérito” prevista na primeira parte do artigo 120.º, n.º 2, al. d), apenas ocorre quando é omitida a prática de acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa.

A omissão de diligências de investigação não impostas por lei, inclusive a falta de audição de testemunhas indicadas pelo ofendido/assistente, não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 91.

Mas ainda para quem entenda existir nesse circunstancialismo a nulidade que a arguida arguiu, sempre esse vício estaria sanado - Neste sentido, v.g., Ac. da Relação de Coimbra de 16-11-2006, in www.dgsi.pt..

Em processo de contra-ordenação, a acusação surge apenas com a apresentação ao Juiz dos autos remetidos pelo MP na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa, nos termos do artigo 62.º do RGCO. O mesmo é dizer que, a partir dessa fase, a decisão administrativa deixa de valer como tal e passa a constituir uma acusação que delimita o objecto do processo.

Ora, no caso em apreciação, no julgamento efectuado, a arguida, que na impugnação da decisão administrativa indicou precisamente as duas testemunhas que havia sugerido quando se pronunciou, por escrito, sobre a contra-ordenação que lhe foi imputada, teve oportunidade de fazer valer os seus argumentos, contrariando a prova da acusação.

Aliás, como se verifica da leitura da acta de fls. 69/73, uma das referidas testemunhas (….) foi ouvida, em audiência; quanto à outra, não depôs nessa qualidade apenas pela circunstância de estar legalmente impedida.

A arguida prevaleceu-se, pois, do direito que a lei lhe conferia de, na fase de recurso, exigir a inquirição das testemunhas, direito esse que na fase administrativa lhe fora negado.

Estatui o artigo 121.º, n.º 1, alínea c) do CPP: «Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados se tiverem prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia».

«O fundamento desta causa de sanação de nulidade é claramente a economia processual. Com efeito, se não obstante a nulidade do acto o efeito a que se dirigia vier a ser igualmente produzido, é inútil recomeçar do princípio para não obter nada mais do que o que já foi alcançado» - Germano Marques da Silva, ob. citada, vol. II, pág. 71/72”.[cf. Ac. do TRC de 9.1.2021, proc. n.º 623/10.7T2OBC.C1 (Rel. ALBERTO MIRA), disponível em www.dgsi.pt]

Para cumprir o seu cabal dever de garantia de defesa, tendo em conta as nulidades concretamente arguidas pela recorrente, não se impõe que a entidade administrativa proceda a uma recolha exaustiva de todos os elementos probatórios carreados para os autos pela recorrente (a prova produzida em sede administrativa).

Nos termos do disposto no art.º 340º do Código de Processo Penal, aplicável ao procedimento administrativo em razão do art.º 41º do RGCO, na fase de investigação e instrução, o princípio do inquisitório presidido e comandado pela própria autoridade administrativa, permite a esta que aprecie oficiosamente a bondade e pertinência da produção de prova e diligências para a prolação de decisão final administrativa, excluindo aquela que considerar impertinente, dilatória ou desnecessária para a descoberta da verdade.

Refere nesta matéria PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que “O poder de direcção do processo administrativo inclui o poder da autoridade administrativa praticar ou não os atos de investigação e as diligências probatórias que entender adequadas aos fins de processo contra-ordenacional e, designadamente, de não realizar as requeridas pelo arguido, à imagem e semelhança do que sucede com o Ministério Publico quando dirige o inquérito criminal (…)” [Comentários ao Regime Geral das Contraordenações, pág. 141].

Pese embora as testemunhas em causa não tenha sido inquirida antes da decisão administrativa, vieram a ser ouvidas em sede de audiência de julgamento, o que significa que a arguida se prevaleceu do direito que a lei lhe conferia de, na fase de recurso, exigir a inquirição da testemunha, direito esse que na fase administrativa não lhe havia sido concedido; e sem que isso importe a nulidade daquela decisão.

De qualquer modo, a entidade administrativa tem o direito de não admitir todas as provas que são requeridas por um arguido, desde que fundamente a sua recusa, conforme consta da sentença recorrida, nos termos aqui dados por reproduzidos.”

De resto, a recorrente nem se preocupa, minimamente, em pôr em crise a bondade da linha argumentativa adoptada pela sentença recorrida, limitando-se a reiterar, perante esta instância, enunciações a que o tribunal “a quo” já respondeu proficientemente, em termos tais que não merecem a esta Relação qualquer censura, tão pouco se mostrando sequer necessário aditar, em abono da solução perfilhada pelo Tribunal recorrido, quaisquer novos argumentos.

Alega ainda a arguida/recorrente que a decisão administrativa está ferida de nulidade porquanto não contem os elementos objectivos e subjectivos do ilícito contraordenacional imputado.

Pois bem, percorrida a factualidade constante da decisão administrativa imediatamente se concluiu pela sem razão da recorrente.

Como certeiramente notou, o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal recorrido: “…. Resulta da decisão administrativa o seguinte, “(…) ora, compulsados os factos e o auto de contra-ordenação que lhe serviu de demonstração, resulta que o veículo em causa, que transportava rações para animais, ao ser submetido a pesagem acusou um peso total de pelo menos 12.220 kg, correspondente ao peso registado de 12.340 kg, deduzido o erro máximo admissível; que o veículo tem uma massa máxima autorizada de (MMA) de 12 000 kg, verificando-se um excesso de 220 Kg, inferior a 25% da MMA.”

Mostrando-se assim verificados os elementos objectivos da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto Lei n.º 257/07, de 16 de Julho.

Por seu turno, alega o recorrente que não constam da decisão administrativa os elementos necessários à aplicação de uma coima/pena, como é a de Arguida ter agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que deveria cumprir as normas legais em causa.

No entanto, não assiste razão ao recorrente.

Vejamos o que consta da decisão recorrida.

“(…) Conforme bem concluiu a douta decisão administrativa, dos autos não há indícios do arguido ter agido dolosamente, mas sim com negligência, numa vez que não procedeu da forma diligente como podia e devia ter procedido, não acautelando toda a regular pesagem dos seus veículos antes dos mesmos serem remetidos a circular na via pública e, assim, permitindo que um veículo de sua propriedade e fosse conduzido por um funcionário, com excesso de 1,83% da massa máxima autorizada do veículo, violando o dever de cuidado que as circunstâncias lhe impunham e o fizesse em obediência às normas legais cm vigor, às quais se encontra vinculado.

Resulta, assim, da factualidade provada que a conduta da recorrente acabou por violar o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz de cumprir, o que mais não representa do que a prática da conduta aqui descrita em termos de negligência (art.º 15º, al. a) do Código Penal aplicável ex vi art.º 32º do RGCO e art.º 22º, n.º 2 do Decreto-Lei n° 257/07, de 16 de julho).

Quando o agente factual da infração é um trabalhador por conta de outrem (ligado à empresa ou ao empregador), a responsabilidade por atuação em nome de outrem assenta na culpa in elegendo ou in vigilando.

A arguida, representada pelo seu funcionário, adotou a conduta apta a preencher os elementos típicos de determinada contraordenação.

Ora, conforme resulta do art.º 33º do Decreto-Lei n° 257/07, de 16 de julho “Sem prejuízo do disposto no artigo 25.º, no n.º 2 do artigo 30.º e no n.º 4 do artigo 31.º, as infrações ao disposto no presente decreto-lei são da responsabilidade da pessoa singular ou coletiva que efetua o transporte”. Consideramos que muito bem andou o Tribunal a quo ao considerar que se mostrava verificado o elemento subjectivo.

Com efeito, a estrutura do dolo é composta por um elemento intelectual e um elemento volitivo.

O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável. O elemento volitivo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo a saber: o dolo directo – a intenção de realizar o facto – o dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta – e o dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta.

Ora, a afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do facto. Tal exigência satisfaz-se com a prova e, consequentemente, com a menção no elenco dos factos provados, do conhecimento do agente da ilicitude da sua conduta, seja pela fórmula habitual, e algo conclusiva, de «bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», seja por qualquer outra forma que descreva com objectividade este facto da vida interior do agente. O que não pode acontecer é ter-se por praticado o crime sem a prova da consciência da ilicitude.

Ademais, contrariamente ao alegado pelo recorrente, consta da decisão administrativa e da sentença recorrida o seguinte, “(…) O arguido era o proprietário do veículo identificado nos autos, que na ocasião era conduzido pelo seu funcionário BB, por sua conta, em sua representação e no interesse do arguido, agiu de forma livre, voluntária e consciente, prevendo que ao atuar nos termos supra indicados poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei.

O arguido, ao transportar mercadorias que excediam o peso autorizado referido, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tinha o dever de cuidado e que tinha a obrigação de o cumprir, sabendo, que não cumprindo com tal dever poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei e, não obstante atuou, confiando que o resultado não se produziria sendo a conduta descrita, proibida e sancionada por lei contraordenacional, atuando assim com negligência.”

Destarte, não tendo merecido acolhimento a tese propugnada pela arguida/Recorrente quanto à pretensa nulidade da decisão administrativa e, considerando a factualidade assente como provada na sentença sob censura, é manifesto que a qualificação jurídica dos factos praticados pela arguida, feita na decisão jurisdicional ora sob recurso, não merece qualquer reparo.

Eis por que o presente recurso improcede in totum.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pela Arguida AA, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Évora, 07/ 05 / 2024