Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2195/20.8T8PTM.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: DELIBERAÇÃO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 04/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1- A ampliação do pedido traduz-se numa modificação objetiva da instância, constituindo, em prol da economia processual, um desvio à regra da estabilidade da instância (artigo 260.º do CPC), correspondendo a um acrescento admissível, não havendo acordo da parte contrária, nos termos restritivos previstos no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, ou seja, quando «a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».
2- A fundamentação da requerida ampliação não pode ser modificada em sede de recurso por constituir, desse modo, uma questão nova, insuscetível de ser apreciada apenas nessa fase processual.
3- De qualquer modo, no caso, não sendo o pedido de demolição das obras levadas a cabo pelo Réu um acrescento ou aditamento em relação a qualquer dos pedidos formulado, nem um desenvolvimento do que foi antes pedido, porquanto nos referidos pedidos nada é pedido em relação às obras realizadas, a ampliação não pode ser admitida.
4- A arguição de nulidade, ainda que parcial, do título constitutivo do regime de propriedade horizontal por violação do disposto no artigo 1415.º do CC, nos termos do artigo 1416.º, n.º 2, do CC, é um direito conferido aos condóminos, cuja vontade coletiva se traduz na prévia deliberação nesse sentido, competindo ao administrador do condomínio executá-la instaurando a respetiva ação judicial em representação do condomínio.
5- Não tendo a assembleia de condóminos emitido deliberação nos termos referidos e 4., e tendo sido intentada ação pelo Condomínio onde se pede a anulação parcial do título constitutivo do regime de propriedade horizontal e consequências conexas com essa nulidade em termos registais, deve o Réu ser absolvido do pedido.
6- A ata da assembleia constitui um requisito essencial, uma formalidade, para uns, ad substantiam para a validade da deliberação, para outros, uma formalidade ad probatitionem de que depende a eficácia da deliberação, mas não se confunde com a deliberação. Ou seja, a função da ata é a de dar forma à deliberação, conferindo-lhe certeza e segurança jurídica, permitindo, outrossim, ao administrador que a execute, podendo a sua falta ser suprida, com a respetiva junção, se efetivamente existiu a deliberação que a mesma formaliza.
7- Não existindo a deliberação, não se encontra na órbita dos poderes oficiosos do tribunal mandar suprir tal falta.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 2195/20.8T8PTM.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ C..., ... – J...
Apelante: ... sito na QUINTA ..., ...
Apelado: AA

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
... SITO NA QUINTA ..., ..., localizado na ... ..., intentou ação declarativa condenatória comum, contra AA, formulando os seguintes pedidos cumulados (A., B., C. e F.) e subsidiários (D. e E.):
A. Ser declarada a nulidade parcial da constituição de propriedade horizontal do prédio urbano denominado Lote ..., situado na Urbanização ..., em ..., freguesia ..., concelho ..., descrita na matriz predial competente sob o art. ...93.º, e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...25, com referência à fração autónoma designada pela letra ..., por afrontar o disposto nos artigos 1414.º, 1415.º, e 1416.º do Código Civil (CC);
B. Ser declarada como pertencente às partes comuns do mencionado prédio urbano a fração autónoma indicada no pedido antecedente, que se encontra registada a favor do Réu;
C. Ser declarado e ordenado o cancelamento do registo da fração autónoma designado pela letra ..., junto da Conservatória do Registo Predial ..., relativamente ao prédio urbano identificado no ponto primeiro da presente p.i, passando tal área do prédio a integrar as partes comuns do edifício, em conformidade com os pedidos antecedentes;
D. Ser o Réu condenado, sobre o prédio identificado no artigo 1.º da p.i., em constituição de servidão legal de passagem, com a área de 25 m2, pela zona de receção daquela fração autónoma; ou, assim não se entendendo;
E. Ser o Réu condenado na execução especifica do contrato de promessa, constante no doc. nº ... anexo, na constituição de servidão de passagem, com a área de 25 m2, pela zona de receção junto à entrada do prédio, integrada naquela fração autónoma, em conformidade com o contratualmente estabelecido pelas partes;
F. Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de €25.000,00, a título de cláusula penal, pelo incumprimento definitivo da promessa constante no doc. nº ....

Para o efeito, em suma, alegou que o Réu é proprietário da fração autónoma designada pela letra ... do condomínio supra identificado.
No dia 02-07-2019, Autora e Reu celebraram um contrato denominado «Contrato Promessa de Coisa Futura e Constituição de Obrigação», obrigando-se o Réu a constituir sobre o imóvel em apreço um ónus de constituição de uma servidão voluntária de passagem para todos os utilizadores do edifício, a título permanente, com as medidas e área constante e melhor identificada na citada planta – zona de atendimento - e em não proceder à venda, após a sua aquisição, a terceiros, do supra mencionado imóvel, sem antes se encontrar devidamente constituído o ónus a que se obrigaram pelo presente contrato.
O incumprimento do acordo estava sujeito a uma clausula penal de €25.000,00.
Apesar de ter adquirido a fração ..., o Réu não diligenciou pela constituição do ónus através de escritura pública, mesmo depois de interpelado para tal.
Também transformou uma área livre numa zona de acesso fechado, após as obras que realizou, sem licença, correndo processo administrativo.
Os condóminos tinham acesso ao exterior através dessa passagem. A fração ..., pelo menos a área da receção, está numa área comum, pelo que o título de propriedade horizontal é nulo, nessa parte.

Citado, o réu contestou, no que ora releva para o presente recurso, a existência de um acordo em que lhe bastaria garantir a passagem para todos os utilizadores do edifício, a título permanente, com as medidas e área de 25 metros quadrados, mais alegando que o não cumprimento do acordo não lhe pode ser imputável, pois o que sucedeu é que não foi possível constituir a servidão através de escritura.
Também pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé.

Na Audiência Prévia, o Autor invocando o alegado nos artigos 15.º a 35.º da p.i., e ao abrigo do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, requereu a ampliação do pedido formulado sob a alínea F., nos seguintes termos: «condenar-se o réu a demolir as obras realizadas na fração visada na petição inicial, após a sua compra por aquele, por ilegais, repondo assim o statu quo ante do imóvel em conformidade com a respetiva planta e projeto urbanístico.»
O Réu opôs-se, alegando para tanto que o Autor não havia alegado quaisquer factos que fundamentassem o novo pedido de demolição das obras.
Em 18-10-2021 (ref.ª ...16) foi proferido despacho que indeferiu a requerida ampliação do pedido por «O pedido de demolição das obras não se subsum[e] à previsão que alude o art. 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pois que, agora, o autor formula outro pedido, não podendo defender-se que se trata do desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo ou de qualquer dos pedidos formulados.»
O Autor interpôs recurso autónomo, em separado, deste despacho intercalar, que não veio a ser conhecido por se ter decidido nesta Relação que o recurso não era admissível nos termos em que tinha sido interposto, só o podendo ser com o recurso que viesse a ser interposto da decisão que ponha termo à causa (cfr. decisão singular proferida em 17-02-2022, no Apenso A).

Foi realizada perícia singular cujo Relatório foi junto aos autos em 09-05-2022.
Em sede de audiência de julgamento foi realizada uma inspeção judicial ao local (cfr. fls. 151-152v).
Foi proferida sentença constando da sua parte dispositiva o seguinte:
«a) Condenar o réu AA a efetuar as diligências necessárias com vista à constituição da servidão sobre a fração ... do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve) a favor de todas as frações autónomas que integram o mesmo prédio do ... SITO NA Quinta ..., com a área de 25 m2 (vinte cinco metros quadrados), área essa contada da porta de entrada do edifício até à interceção com o corredor do lado esquerdo;
b) Absolver o réu do restante pedido;

c) Absolver o autor do pedido de condenação como litigante de má fé.»



Inconformado, apelou o Autor, apresentando Conclusões que sintetizou do seguinte modo:
«A) Ser declarada a nulidade da sentença nos termos alegados na presente apelação, por violação do disposto no art. 615º nº 1, al. c) do CPC;
B) Ser admitido o pedido de ampliação dos pedidos aduzidos pelo recorrente na sua PI, aditando-se aos mesmos a al. F-1, conforme consta na acta de audiência prévia de 16.9.2021;
C) Ser integralmente revogada a sentença recorrida, e, subsequentemente, ser o Réu condenado nos pedidos constantes nas als. a) a c) do petitório do recorrente, e, ainda, cumulativamente, a proceder de imediato à demolição das obras realizadas na fração visada na petição inicial, após a sua compra por aquele, por ilegais, repondo assim o statu quo ante do imóvel em conformidade com a respetiva planta e projeto urbanístico e melhor id no teor do relatório pericial junto aos autos;
D) Ser o R condenado a pagar ao A a quantia de 25.000 Euros, a título de cláusula penal, pelo incumprimento definitivo da promessa constante no doc. nº ... junto com a PI;
E) Ser o R condenado em custas.»

Não foi apresentada resposta ao recurso
O recurso foi admitido por despacho de 05-12-2023 e foi dado cumprimento ao disposto no artigo 641.º, n.º 7, do CPC.
Foram colhidos os vistos.

II- OBJETO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Se deve ser admitida a ampliação do pedido
- Nulidade da sentença
- Reapreciação jurídica da causa

III- OS FACTOS
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
FACTOS PROVADOS
«1. Por ato de escritura pública, datada de 22.5.1990, o edifício visado na PI foi constituído em regime de propriedade horizontal – fls. 23 v. (art.37.º da petição inicial)
2. Na citada escritura pública de constituição do edifício em regime de propriedade horizontal declarou o promotor perante notário o seguinte: “Que o referido prédio, a que atribuem o valor de trinta milhões e setenta mil escudos, satisfaz os requisitos legais para nele ser constituído o regime de propriedade horizontal, sendo composto por vinte e sete frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si e com saída própria para as partes comuns do prédio e para a via pública.” – fls. 23 v. (art.38.º da petição inicial)
3. O documento complementar, elaborado de acordo com o nº 3, do art. 78º do C.N. à data vigente, pressupunha que a fração autónoma designada pela letra ..., denominada por receção, era composta por: - receção, gabinete, arquivo e pequena casa de banho, com a área coberta de sessenta e cinco metros quadrados e descoberta de oito metros quadrados – fls. 25 v. (art.39.º da petição inicial)
4. Em 02.02.1990 foi emitido pela C.M. ... certidão atestando que o prédio melhor identificado no ponto primeiro da presente petição obedece aos requisitos do disposto no art. 1415º do CC – fls. 27 v. (art.40.º da petição inicial)
5. A sobredita certidão, emitida pela CML, atestava ainda que o prédio era composto por 27 frações autónomas, entre elas a fração ... (Rés do Chão, Receção), composta por receção, gabinete, arquivo e w.c., com a área coberta de sessenta e cinco metros quadrados e descoberta de oito metros quadrados (art.41.º da petição inicial)
6. A fração autónoma designada pela letra ..., no citado prédio, composta por receção abrange, pois, uma área onde se dá a entrada por um corredor de acesso dos condóminos para as suas frações autónomas quando estes vêm do exterior para o interior e vice-versa (art.42.º da petição inicial)
7. De acordo com o teor do doc. nº ...4 que ora se junta para os legais efeitos, planta do R/C do prédio em referência, a fração ... é composta pela receção, gabinete, arquivo e w.c., onde, na zona de receção da fração, ocorre a entrada dos condóminos e demais utilizadores para o interior do edifício (art.44.º da petição inicial)
8. Os condóminos, seus visitantes, entre outros, não detêm no edifício qualquer outra zona de entrada comum que dê acesso às respetivas frações autónomas da rua para o prédio e vice-versa (art.45.º da petição inicial)
9. Os condóminos do prédio urbano em apreço, pelas características deste, somente, entram no seu interior pela porta que dá acesso imediato à receção (fração autónoma ...), seguindo um corredor, para deste ponto prosseguirem para as demais frações que compõem o prédio (art.46.º da petição inicial)
10. O acesso ao edifício dá-se, necessariamente, pela denominada zona de receção descoberta (art.47.º da petição inicial)
11. Desde a constituição da propriedade horizontal ocorrida em 1990 que os demais condóminos no edifício utilizam a zona de receção pertencente à fração autónoma em apreço na presente PI para procederem à entrada para as respetivas frações autónomas (art.68.º da petição inicial), utilização esta que ocorre à vista de quem quer que seja desde a data acima (art.71.º da petição inicial)
12. O Condomínio Autor já anteriormente intentou uma ação judicial com igual pedido e causa de pedir que os presentes autos. Correu termos ação neste ... – Juiz ..., com o nº 1573/17...., sendo Autor daquela Ação o Condomínio agora Autor nestes autos, e Ré a “Massa Insolvente de Legiocasa – Compra, Venda, Gestão e Administração de Imóveis, Lda.”, tendo o ora Réu sido chamado àqueles autos como Interveniente Principal. Foi igualmente chamada como Interveniente Principal BB (arts. 2.º a 5.º da contestação)
13. Na referida ação judicial, o autor pedia que viesse a ser declarada a nulidade parcial da constituição da propriedade horizontal do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve), com referência à fração autónoma designada pela letra ... por afrontar o disposto no art. 1414.º, 1415.º e 1416.º do CC; b)seja declarada como pertencente às partes comuns do mencionado prédio, a fração autónoma designada pela letra ... que se encontra registada a favor da R; c) seja declarado e ordenado o cancelamento do registo da mencionada fração autónoma, passando tal área a integrar as partes comuns do edifício em conformidade com os pedidos antecedentes; subsidiariamente: d), seja a R. condenada, sobre o prédio identificado na alínea a),a constituição de servidão legal de passagem, com a área de 25,09 m2, pela zona de receção da mencionada fração autónoma. A ação terminou com sentença homologatória, tendo a autora desistido do pedido, o que foi aceite pela então Ré, e pelos intervenientes principais chamados aos autos, incluindo o ora Réu contestante proferida. A sentença foi em 4 de outubro de 2019 – fls. 53 (arts. 6.º a 10.º da contestação)
14. Foi o Sr. CC, co- Administrador do Condomínio Autor, e o Advogado DD que sugeriram ao ora Réu que este comprasse a fração autónoma designada pela letra ... do prédio em causa, a qual corresponde ao rés do chão – receção e que o condomínio não estava interessado na aquisição (art. 29.º da contestação e art. 5.º do Código de Processo Civil)
15. Assim, após negociações mantidas com a Administração do Condomínio Autor, o Advogado DD como representante daquele e o Administrador da Insolvência da sociedade proprietária da fração autónoma (art. 31.º da contestação)
16. Previamente à outorga daquela Escritura de Compra e Venda, e, a pedido, o Réu pagou 7 500 € a este, referente a despesas de condomínio que estavam em dívida pela anterior proprietária da fração autónoma em causa (art. 34.º da contestação)
17. Sempre foi explicado ao Réu pela Administradora do Condomínio Autor EE, pelo seu pai – CC, co-administrador do Condomínio e pelo Advogado do Condomínio, que tal Acordo era uma mera formalidade para apresentar aos condóminos do Aldeamento e que a única obrigação que o ora Réu assumia era continuar a permitir a passagem para todos os utilizadores do edifício, a título permanente, com as medidas e área de 25 metros quadrados (arts. 36.º a 38.º da contestação), não podendo, assim, obstruir o livre e fácil acesso aos utilizadores do prédio (art. 39.º da contestação)
18. Confiando no que lhe foi transmitido pelos Administradores do Condomínio e pelo Advogado, o Réu assinou tal Acordo, tendo cerca de um mês depois outorgado a Escritura de Compra e Venda, como infra se exporá (arts. 40.º e 41.º da contestação)
19. O Mandatário do Condomínio ora Autor foi igualmente Mandatário do ora Réu nos autos de Processo nº 1573/17...., tendo elaborado em representação do ora Réu o Requerimento apresentado aos autos em 14-10-2019, de adesão à desistência do pedido – fls. 54 (arts. 70.º e 71.º da contestação)
20. O Réu aceita expressamente que a área de 25 m2 sempre foi e é uma passagem (art. 44.º da contestação)
21. O R é dono e legitimo possuidor da Fração Autónoma designada pela letra ..., sita na Urbanização ..., Lote ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrita na matriz predial competente sob o art. ...93º, e inscrita na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve) sob o nº 488 – fls. 10 v. (art.1.º da petição inicial)
22. A fração ... está integrada no edifício denominado Lote ..., situado na Urbanização ..., em ..., em parte, na zona de entrada do edifício, assim descrita receção, composto por receção, gabinete, arquivo e casa de banho – área coberta de 65 m2 e descoberta de 8 m2 – fls. 10 v./120/151 (arts.2.º e 48.º da petição inicial)
23. No dia 2.7.2019 entre o A e o R foi celebrado um contrato a que as partes denominaram de “Contrato Promessa de Coisa Futura e Constituição de Obrigação” – fls. 11 v. (art.3.º da petição inicial)
24. Naquele acordo escrito, o R obrigou-se perante o A. a, no prazo de 60 dias após a aquisição registral da fração ... se encontrar inscrita em seu nome, constituir e obrigar-se nos seguintes encargos: Que o R ali na qualidade de segundo contratante/outorgante declarou, prometeu e obrigou-se em.
“A) Considerando que a citada fração autónoma indicada na cláusula primeira é integrada numa área comum de entrada para o interior do edifício, o que os contratantes ora aceitam e reconhecem;
B) Sendo que a supra mencionada entrada é de acordo com a planta que ora se anexa ao presente contrato, sendo a zona em apreço devidamente identificada em tal desenho como zona de atendimento;
C) O segundo contratante, na respetiva qualidade de futuro possuidor do acima citado imóvel, compromete-se, perante o primeiro contratante, a constituir sobre o imóvel em apreço um ónus de constituição de uma servidão voluntária de passagem para todos os utilizadores do edifício, a título permanente, com as medidas e área constante e melhor identificada na citada planta – zona de atendimento - que faz parte integrante do presente contrato;
D) A citada servidão de passagem não impede a utilização dos ocupantes da fração em escopo de utilizarem a zona em questão, não podendo, porém, impedir o livre e fácil acesso pelos demais utilizadores;
E) Mais compromete-se, o segundo contratante, em não proceder à venda, após a sua aquisição, a terceiros, do supra mencionado imóvel, sem antes se encontrar devidamente constituído o ónus a que se obrigaram pelo presente contrato, sob pena de resolução justificada do presente acordo pelo primeiro contratante, conforme planta anexa – fls. 11 v. (art.4.º da petição inicial)
25. Mais se obrigou o R em indemnizar o A, no montante de € 25.000, a título de cláusula penal, caso incumprisse, em definitivo, o acordo - clª 4ª al. c) (art.5.º da petição inicial)
26. Ficou consignado que se considerava incumprimento definitivo do contrato acima mencionado, entre outros, a não marcação de escritura ou documento particular dentro dos aludidos prazos constantes no presente contrato – cl. 4.ª, a) (art.6.º da petição inicial)
27. No dia 5/3/2020 o imóvel acima id., ficou, em definitivo, inscrito a favor do R na respetiva Conservatória do Registo Predial, por o ter adquirido por compra à então insolvente “Legiocasa – Compra e venda, gestão e administração de imóveis, S.A.” pelo preço declarado de € 17 500 – fls. 10 v. (art.7.º da petição inicial)
28. O R não procedeu à marcação da escritura ou documento particular (art.8.º da petição inicial)
29. Em 10.9.2020 o A, por intermédio de mandatário, expediu ao R carta registada, interpelando este, conforme fls. 13 v./14, para comunicar ao A para comparecer para a realização de escritura com vista à prometida constituição do ónus de servidão voluntária de passagem, sem sucesso (arts.9.º a 11.º da petição inicial)
30. Após a compra do Imóvel descrito, o que ocorreu no dia 5 de agosto de 2019, o mesmo logo começou a realizar obras na fração visada - fls. 60 v. (art.15.º da petição inicial)
31. As obras consistiram na demolição do balcão de atendimento existente na zona da receção, execução de paredes divisórias em pladur na zona de atendimento na receção e que se encontrava como espaço aberto (à esquerda) e execução de divisórias em pladur, destinadas a arrumos, no lado direito, junto à entrada do edifício; abertura de vãos nas paredes divisórias efetuadas, colocação de janela de correr, de duas folhas, em alumínio, com persiana; colocação de janela/porta de correr, de duas folhas, em alumínio; colocação de porta de vidro com perfil de alumínio; colocação de três portas de madeira nos vãos abertos nas divisórias efetuadas junto à entrada, lado direito; remodelação geral do interior da fração, com a substituição de pavimentos e execução de cozinha, destinando-a a uso habitacional – fls. 120 e 151 – fls. 15 a 16, 120 e 151 e ss. (arts.16.º e 18.º da petição inicial)
32. As obras não respeitam o projeto de arquitetura aprovado – fls. 120 (art.17.º da petição inicial)
33. E transformaram a área descoberta da fração num corredor como o exibido na fotografia de fls. 151 v. com 1,70 m de largura e cerca de 4,08 m de comprimento que, inferior aos 25 m2, ainda assim, permite a passagem de pessoas – cfr. as fotografias e cálculo a partir da contagem dos mosaicos no pavimento (arts. 19.º da petição inicial e 51.º da contestação)
34. No dia 11.10.2019, foi realizada assembleia geral de condóminos com vista a dirimir aquele conflito – fls. 20 (art.20.º da petição inicial)
35. Naquela AG foi declarado, estando o R presente, a situação acima relatada e alegada (arts. 21.º, 22.º da petição inicial)
36. De seguida, a AG aprovou as seguintes deliberações (art.26.º da petição inicial): a primeira em autorizar a administração do prédio em comunicar à edilidade as obras ilegais e não autorizadas praticadas pelo R no prédio (art.27.º da petição inicial); a segunda em propor ação judicial com vista à condenação do R a repor a situação edificada pelo R na fração descrita no ponto 1º da PI, na situação em que se encontrava antes das obras/trabalhos realizados por aquele (art.28.º da petição inicial)
37. Em 14.10.2019, a administração do A, apresentou na CML queixa relativamente aos trabalhos, ilegais, praticados pelo R no mencionado imóvel – fls. 21 (art.29.º da petição inicial)
38. A CML concluiu então, após fiscalização ao local, em dezembro/2019, em interpelar o R para se pronunciar sobre a intenção de a Câmara praticar o respetivo ato definitivo e executório, em momento posterior – reposição do espaço junto (…) – fls. 17 (arts.30.º e 31.º da petição inicial)
39. Em março de 2020, a fiscalização camarária dirigiu-se ao local para verificar a situação e solicitando visita ao interior da fração, foi-lhe a mesma negada pelo R – fls. 19 v. (art.32.º da petição inicial)
40. Ao que, em junho de 2020, a CML comunicou ao R o teor constante de fls. 19 (art.33.º da petição inicial)
41. Reiterando-se, que, presentemente, a situação administrativa com a CML por parte do R encontra-se por resolver (art.34.º da petição inicial)
42. O réu não procedeu à demolição das obras levadas a cabo na mencionada fração D (art.35.º da petição inicial).»

IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO
1. Ampliação do pedido
Como consta do antecedente Relatório, ao abrigo do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, o Autor requereu a ampliação do pedido formulado sob a alínea F., nos seguintes termos: «condenar-se o réu a demolir as obras realizadas na fração visada na petição inicial, após a sua compra por aquele, por ilegais, repondo assim o statu quo ante do imóvel em conformidade com a respetiva planta e projeto urbanístico.»
Para o efeito invocou o alegado nos artigos 15.º a 35.º da p.i.
O Réu opôs-se e o tribunal a quo, por despacho de 18-10-2021, não admitiu a ampliação por não se verificarem os pressupostos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC.
O Autor, na sequência do decidido no Apenso A, vem, agora, suscitar a apreciação do despacho que não admitiu a ampliação do pedido.
Invocando, em suma, que a ampliação do pedido é uma decorrência dos pedidos primitivos formulados nas alíneas A. e D., porquanto: (i) a causa de pedir é a mesma; (ii) na alínea A. pede-se a declaração de nulidade da propriedade horizontal no que concerne à fração ..., passando a mesma a integrar as partes comuns, donde as obras realizadas, não autorizadas e ilegais, não podem subsistir; (iii) na alínea D. pede-se subsidiariamente o cumprimento da promessa de constituição de uma servidão de passagem com determinada área ocupando as obras a área acordada na promessa, pelo que, também o que foi construído, tem de ser demolido.
Vejamos, então.
Em primeiro lugar, por o despacho recorrido poder modificar a sentença recorrida, se for revogado, o mesmo deve ser apreciado antes do recurso interposto da decisão final (artigo 660.º do CPC).
Sendo assim, cumpre sublinhar, antes de mais, que o Autor pediu a ampliação do pedido apenas e só por referência ao pedido formulado na alínea F.
O pedido assim formulado diz respeito a «Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de €25.000,00, a título de cláusula penal, pelo incumprimento definitivo da promessa constante no doc. nº ....»
Verifica-se, pois, que o ora Apelante, em sede de recurso, altera a fundamentação da ampliação do pedido.
Sabendo que no nosso sistema os recursos são meios de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não se destinando a alcançar decisões novas - exceto se estiverem em causa situações de conhecimento oficioso, o que não ocorre no caso presente – sob pena de violação do princípio do contraditório e do direito de defesa da parte contrária, os fundamentos agora alegados não podem ser atendidos apenas em sede de recurso.[1]
O que, só por si, determina a improcedência do recurso por não se poder conhecer da pretensão da recorrente por ser uma questão nova.
Sem embargo, sempre se dirá que, mesmo em relação aos pedidos formulados nas referidas alíneas A. e D. do pedido, a ampliação não é admissível.
A ampliação do pedido traduz-se numa modificação objetiva da instância, constituindo, em prol da economia processual, um desvio à regra da estabilidade da instância (artigo 260.º do CPC). Corresponde a um acrescento admissível, não havendo acordo da parte contrária, nos termos restritivos previstos no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, ou seja, quando «a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».
Embora a lei não forneça uma noção do que seja o «desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo», encontra-se consolidada, desde há muito tempo, na doutrina e na jurisprudência, seguindo-se os ensinamentos do Prof. ALBERTO DOS REIS, que «(…) a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial», distinguindo-se, dessa forma, as situações de «ampliação» das de «cumulação» de pretensões. Ou seja, e como também explicava o I. Prof., a ampliação pressupõe que «(…) dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso».[2]
Recorrendo-se, em regra, à ideia de que a ampliação já era uma decorrência do que estava alegado na petição inicial em termos de causa de pedir complexa, embora não se arrede absolutamente a possibilidade da factualidade justificativa da ampliação poder ser superveniente[3], o que, no caso em apreço, não ocorre.
Em suma, e no que ora releva, o pedido ampliado tem de se encontrar contido virtualmente no pedido primitivo, consubstanciando um acrescento ou desenvolvimento desse pedido inicial, mantendo com o mesmo total conexão.
Ora, quer no pedido formulado sob a alínea A., quer o formulado sob a alínea D. (o que, aliás, se aplica a todas as demais alíneas do petitório), o pedido de demolição das obras levadas a cabo pelo Réu não são um acrescento ou aditamento, nem um desenvolvimento do que foi antes pedido, porquanto nos referidos pedidos nada é pedido em relação às obras realizadas.
Na alínea A. o que está em causa é a nulidade (parcial) do título constitutivo da propriedade horizontal por classificar como fração autónoma um espaço que, no entender do Autor, é um espaço comum.
Assim sendo, a realização das obras, ditas ilegais no entender do Apelante, é um ato ou facto autónomo e distinto da alegada nulidade, porquanto, sendo ilegais, sempre se colocaria a questão da sua demolição seja o espaço comum ou não, haja ou não nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal.
Na alínea D. o que está pedido é a condenação do Réu a constituir uma servidão de passagem com a área de 25m2, pela zona de receção da fração autónoma ....
Do mesmo modo, a realização das obras é um ato ou facto autónomo e distinto em relação àquele em que se funda este pedido, pois a constituição da dita servidão, é um ato jurídico e não material, pelo que a ampliação não corresponde a uma modificação para mais do pedido primitivo. Se a servidão de passagem não puder ser constituída por estar ocupado o espaço destinado à mesma, o que ocorre é o incumprimento da obrigação do Réu referente a esse pedido. Ou seja, o pedido de destruição da obra impeditiva da servidão de passagem é sempre um ato ou facto diverso daquele em que assente o pedido primitivo formulado em D.
O que igualmente sucede com o pedido formulado na alínea E. por corresponder à execução específica da obrigação prometida e referida no pedido formulado sob a alínea D.
Finalmente, e quanto à alínea F. do pedido, em relação à qual o Autor solicitou a ampliação aquando do respetivo requerimento, a mesma também não é admissível, porquanto a pretensão ali formulada apenas corresponde ao acionamento de uma cláusula penal pelo incumprimento das obrigações assumidas pelo Réu referente à promessa de constituição da servidão de passagem.
Nestes termos, improcede o recurso em relação à impugnação do despacho interlocutório recorrido que indeferiu a ampliação do pedido.

2. Nulidade da sentença
Invoca o recorrente que a sentença é nula por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, alegando, em suma, que o tribunal a quo fundamentou os factos provados 14 e 17.º na «(…) prova produzida, mormente, por meio de declarações de parte e testemunhas, que o tribunal a quo fez constar na fundamentação da sua decisão ora impugnada, não resulta, em momento algum, daquele teor, ressalvado por quem quer que seja que os administradores CC e/ou EE, ou ainda o advogado DD, foram quem propuseram ao Réu a compra da fração D, ou ainda, que o acordo/contrato constante nos autos significasse tão só uma mera formalidade.
Dado que, em momento algum, na fundamentação da sentença decorre a existência de qualquer indício ou ressalva sobre tais factos provados, não fazendo o tribunal a quo, em qualquer momento, qualquer indicação donde a prova decorresse a tal respeito, claramente temos que os fundamentos da sentença estão em oposição com a matéria dada como provada.»
Vejamos.
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 615.º, do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, primeira parte, que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Já a segunda parte prescreve que a sentença é nula quando for ambígua ou obscura de tal modo que a torne ininteligível.
Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão. Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (error in judicando), mas não nulidade da decisão.
Já a ambiguidade ou obscuridade da sentença reporta-se à sua parte decisória e apenas ocorre quando um gera ininteligibilidade, ou seja, quando um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.
No caso, a sentença não enferma do vício apontado.
Desde logo, porque o mesmo foi reconduzido a uma errada valoração dos meios de prova, situação que não consubstancia tal vício como acima dito. E também porque a sentença se encontra devidamente fundamentada de facto (nos meios de prova que invoca) e de direito, não existindo oposição lógica entre uns e outros.
Por outro lado, também é claríssima e de fácil interpretação a parte decisória da sentença, pelo que também não ocorrem as circunstâncias previstas na parte final do normativo.
Nestes termos, improcede a arguida nulidade da sentença.

3. Reapreciação jurídica da decisão recorrida
O recorrente vem questionar juridicamente a sentença em relação à improcedência dos pedidos formulados sob as alíneas A. a C., que invoca ter violado os artigos 1436.º, n.º 1, alínea i), e 1437.º, n.º 2, do CC, ao considerar que não dispunha de título que lhe permitisse a formulação de tais pretensões.
Na sentença recorrida a improcedência daqueles pedidos assentou no seguinte: (i) o pedido formulado de nulidade de constituição da propriedade horizontal, com a consequente de declaração de pertencer às partes comuns a fração autónoma ..., bem como cancelamento do registo da fração como fração autónoma, «não se inscreve em qualquer das funções prevista no art. 1436.º, n.º 1, al. i) do Código Civil»; (ii) a assembleia não deliberou que viesse a ser proposta ação com vista a obter a declaração de nulidade do titulo; (iii) inadmissibilidade do exercício do direito exercido pelo Autor por ter agido com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprio (artigo 334.º do CC), porquanto «(…) primeiro propõe ação contra o anterior proprietário, contacta o autor para comprar a fração (que o Condomínio não pretendeu adquirir) e desiste dessa ação e depois põe em causa essa mesma aquisição através do mecanismo mais radical, o pedido de declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal do edifício…)».
Contrapõe o recorrente que a ata da assembleia de condóminos junta aos autos (doc. ...0 da p.i.) confere poderes ao administrador para propor a presente ação. De qualquer modo, acrescenta, se o tribunal entendesse que assim não era, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CPC, tinha o dever de ofício de notificar a parte para sanar a falta, obtendo a ata que lograsse a regularização da instância.
Ademais, se o recorrente não tinha título bastante para os pedidos A. a C., também não os detinha para formular o pedido subsidiário de deferimento da constituição da servidão legal de passagem que foi julgado procedente.
E, finalmente, que ocorreu erro na aplicação do instituto do abuso de direito, por a sua aplicação para fundamentar a improcedências dos pedidos formulados em A. a C. constituir uma decisão surpresa por não ter sido invocado pelo recorrido em relação a essas pretensões, mas sim ao pedido de litigância de má-fé do Autor, para além de não se verificarem os respetivos pressupostos.
Vejamos, então, se assiste razão ao Apelante.
O Autor fundamentou os pedidos formulados sob as alíneas A. a C. na nulidade (parcial) do título constitutivo da propriedade horizontal, por violação do artigo 1415.º do CC, alegando que a qualificação da fração ... naquele instrumento jurídico como fração autónoma, correspondendo a mesma a uma receção, gabinete, arquivo e pequena casa de banho, com a área coberta de 75m2 e descoberta de 8m2 (cfr. factos provados 1 a 3), viola o disposto no artigo 1451.º do CC, que dispõe do seguinte modo: «Só podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, para além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.»
No caso, e como ficou provado nos pontos 8 a 10 dos factos provados, os condóminos apenas acedem às suas frações e delas à via pública, necessariamente através da zona descoberta da referida zona de receção, seguindo um corredor, ou seja, através de uma zona que a lei qualifica como zona comum (artigo 1421.º, n.º 1, alínea c), do CC) e que, no caso, foi qualificada no título de constituição da propriedade horizontal como fração autónoma.
Por conseguinte, a referida fração ... não cumpre os requisitos da autonomia isolamento e acessibilidade das frações exigidos no artigo 1415.º do CC ao definir o objeto da propriedade horizontal, o que determina a nulidade (ainda que parcial) do título constitutivo da mesma como prescreve o n.º 1 do artigo 1416.º do CC.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1416.º do CC, é conferido aos condóminos (para além do Ministério Público nas circunstâncias ali previstas) a legitimidade para instaurar a ação onde seja arguida a nulidade do título.
Tem sido admitido na jurisprudência, que este normativo não impõe uma situação de litisconsórcio necessário ativo[4], ou seja, que todos os condóminos sejam parte ativa na respetiva ação de nulidade[5], assistindo ao condomínio resultante da propriedade horizontal personalidade judiciária e legitimidade para interpor ações nos termos que resultam da conjugação dos artigos 12.º, alínea e), do CPC, e 1437.º, n.º 1 e 2, do CC.
No domínio condominial, o legislador instituiu um determinado grau de organização no desenvolvimento da atividade juridicamente relevante dos interesses coletivos subjacentes ao uso, fruição e conservação das partes comuns, instituindo um órgão deliberativo que exprime essa vontade coletiva (assembleia de condóminos) e um órgão executivo e representativo (o administrador do condomínio).[6]
As funções do administrador encontram-se elencadas no artigo 1436.º do CC, a que se somam as demais que lhe sejam atribuídas pela assembleia de condóminos (artigo 1437.º, n.º 2, do CC). Entre elas, encontra-se o dever de executar as deliberações da assembleia (artigo 1436.º, n.º 1, alínea i), do CC).
A arguição de nulidade, ainda que parcial, do título constitutivo do regime de propriedade horizontal por violação do disposto no artigo 1415.º do CC[7], nos termos do artigo 1416.º, n.º 2, do CC, é um direito conferido aos condóminos, cuja vontade coletiva se traduz na prévia deliberação nesse sentido, competindo ao administrador do condomínio executá-la instaurando a respetiva ação judicial em representação do condomínio, como decorre da conjugação dos preceitos que vêm sendo citados, mormente do artigo 1416.º, n.º 2, 1437.º, n.º 1 e 2, do CC, e artigo 12.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
No caso dos autos, a deliberação tomada pela assembleia de condóminos, para além de aprovar a comunicação à edilidade camarária as obras realizadas pelo Réu na fração ..., foi a de «propor ação judicial com vista à condenação do R a repor a situação edificada pelo R na fração descrita no ponto 1º da PI, na situação em que se encontrava antes das obras/trabalhos realizados por aquele» (ponto 36 dos factos provados).
Por conseguinte, nada foi deliberado no sentido de propor a ação a pedir a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, ou seja, não existe deliberação da assembleia de condóminos que sustente a instauração da presente ação e da formulação dos pedidos A. a C. da petição inicial.
Donde decorre que o administrador em representação do condomínio não podia executar a deliberação tomada nos termos em que o fez, deduzindo aquelas pretensões, por não existir o pressuposto substantivo que lhe permite agir em juízo em representação dos condóminos. Não está em causa, salvo o devido respeito, a falta de legitimidade ad causam, ou seja, pressuposto processual, cuja falta enforma uma exceção dilatória (artigos 30.º, 576.º, n.º 1s 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º do CPC), a apreciar oficiosamente, cujo procedência determina a absolvição da instância.
O que está em causa é a legitimação do condomínio, representado em juízo pelo administrador, para agir em juízo sem estar munido de autorização da assembleia de condóminos em relação a assuntos que exorbitam a sua competência, mas se enquadram na competência da assembleia.
Sendo, assim, a falta da correspondente deliberação da assembleia para o condomínio intentar ação para obter a declaração de nulidade (parcial) do título de constituição de propriedade horizontal determina a improcedência de tal pedido, bem como daqueles conexionados e decorrentes de tal pretensão.
Nestes termos, atento o teor da deliberação, não se pode corroborar o entendimento do Apelante quando defende que a deliberação da assembleia de condóminos plasmada na ata junta como documento ...0 da p.i. confere poderes ao administrador para propor a presente ação e formular as pretensões que constam das alíneas A. a C. do pedido.
Nem tão pouco se pode corroborar o entendimento do Apelante quando alega que competia ao tribunal a quo, no âmbito dos poderes de gestão processual previstos no artigo 6.º, n.º 2, do CPC, providenciar oficiosamente pela junção da ata em falta.
Como é bom de ver, não está em causa a falta da junção de um documento, mas sim da deliberação em si mesmo, cuja emissão depende da livre vontade dos condóminos, não cabendo nos poderes do tribunal diligenciar, seja de que maneira for, pela obtenção dessa deliberação que suportaria os pedidos formulados pela parte.
Efetivamente, a ata da assembleia constitui um requisito essencial, uma formalidade, para uns, ad substantiam para a validade da deliberação, para outros, uma formalidade ad probatitionem de que depende a eficácia da deliberação, mas não se confunde com a deliberação. Ou seja, a função da ata é a de dar forma à deliberação, conferindo-lhe certeza e segurança jurídica, permitindo, outrossim, ao administrador que a execute, podendo a sua falta ser suprida, com a respetiva junção, se efetivamente existiu a deliberação que a mesma formaliza.
Não existindo a deliberação, não se encontra na órbita dos poderes oficiosos do tribunal mandar suprir tal falta.
Referindo-se, ademais, tendo em conta a argumentação do Apelante, que em relação ao pedido subsidiário formulado sobre a alínea C., que também inexiste deliberação da assembleia de condóminos.
Todavia, a Apelada conformou-se com a decisão de procedência desse pedido, pelo que se encontra vedado a este Tribunal Superior proferiu uma decisão desfavorável à parte recorrente quando a parte vencida se conformou com a mesma.
Quanto ao abuso de direito, a apreciação da questão encontra-se prejudicada, porquanto a falta de deliberação que autorize o condomínio a agir em juízo para obter a declaração de nulidade (parcial) do título de constituição da propriedade horizontal improcede, como acima dito, bastando um motivo de improcedência para confirmar o decidido (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Em face de todo o exposto, improcede a apelação, confirmando-se o sentido decisório da sentença recorrida.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

V- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida nos termos supra expostos.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 14-11-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Maria José Cortes (1.ª Adjunta)
Maria João Sousa e Faro (2.ª Adjunta)
_________________________________________________
[1] AMÂNDIO FERREIRA, “Manual dos Recurso em Processo Civil”, Coimbra: Almedina, 7.ª ed., 2006, p. 155; RIBEIRO MENDES, “Recursos em Processo Civil”, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 51; LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES, “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra: Coimbra Editora, 2,ª ed., Vol. 3.º, p. 8.
[2] ALBERTO DOS REIS, “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, p. 94.
[3] Cfr. neste sentido Ac. RL, de 18-02-2020, proc. 37/19.6TNLSB-A.L1-7, em www.dgsi.pt
[4] Neste sentido, cfr. ABÍLIO NETO, 2Manual da Propriedade Horizontal”, Lisboa: Ediforum, 4.ª ed., 2015, pp. 71-72.
[5] Ao contrário da previsão do artigo 1419.º, n.º 1, do CC, a lei não se refere a «todos os condóminos», mas apenas «aos condóminos», sendo que, na verdade, a ação de nulidade ao poder ser intentada contra algum dos condóminos (como é caso em apreço) sempre teria de ser interpretado no sentido da não intervenção de todos os condóminos na parte ativa da lide.
[6] Cfr. SANDRA PASSINHAS, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Coimbra: Almedina, 2.ª ed., pp. 172-174, 185 ess
[7] Não se curando aqui das nulidades quanto ao conteúdo do título executivo previstas no artigo 1418.º do CC por não terem sido invocadas.