Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
988/21.8T8TMR.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ÓNUS DA PROVA
CABEÇA DE CASAL
RELAÇÃO DE BENS
Data do Acordão: 04/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O ónus da prova de liberalidades que podem ser inoficiosas, relacionadas pelo cabeça-de casal em seu eventual benefício, compete ao próprio.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.
Neste autos de inventário para partilha das heranças abertas por óbito de AA e BB, que CC, intentou nos termos do disposto nos artigos 2101.º, n.º 1, e 2102.º, n.º 2, do Código Civil (e onde são interessados DD e mulher EE, FF e mulher GG, HH e marido II, JJ e marido KK, LL e marido MM) esta relacionou, entre o mais, duas liberalidades mobiliárias, sob as verbas números 8 e 9, liberalidades essas discriminadas como sendo duas transferências e entregas monetárias, feitas em espírito de liberalidade, entre os anos de 2012 e 2021, pelo falecido BB, em benefício, exclusivo, dos recorrentes, as quais cifrou no montante global nunca inferior a € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros).
Citados os requeridos vieram reclamar da relação de bens apresentada, tendo os mesmos impugnado, sem mais, «por serem falsas e não corresponderem à verdade (…)», as referidas verbas números 8 e 9.
Não foram requeridas quaisquer diligências probatórias pelas partes, nem determinadas pelo juiz.
Em 14.10.22 foi proferida a seguinte decisão (decisão recorrida):
«DECISÃO DA RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
Nos presentes autos de inventário, para partilha de bens por óbito de AA e BB, vieram os interessados DD e mulher EE, FF e mulher GG, HH e marido II, JJ e marido KK, LL e marido MM impugnar e reclamar da relação de bens apresentada, invocando, em síntese, o seguinte:
a) impugnam as transferências e entregas alegadas nas verbas n.º 8 e 9, uma vez que as referidas transferências, entregas e doação nunca tiveram lugar.
b) reclamam a existência de passivo da herança, cujo credor é o interessado DD, juntando documentos.
Notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1105.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a cabeça-de-casal respondeu dizendo que os documentos juntos com os n.º 4, 4-A e 5 a 7 não provam que os pagamentos tenham sido efetuados pelo interessado DD.
***
São aplicáveis à tramitação do processo de inventário as regras previstas nos artigos 1082.º a 1135.º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, e no que ao caso concreto importa, o cabeça-de-casal deve apresentar relação de todos os bens que hão-de figurar no inventário, ainda que a respectiva administração não lhe pertença, de acordo com o preceituado no artigo 1097.º do Código de Processo Civil, o que se traduz na concretização de todos os bens comuns, direitos e obrigações que pertençam ao património da herança.
De harmonia com o disposto no artigo 1098.º do Código de Processo Civil, o cabeça de casal especifica os bens que compõem o património da herança, por meio de verbas, relacionando o passivo existente em separado, indicando os elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica e, ainda, o valor de cada uma das verbas.
Aos interessados no inventário é concedida, nos termos do disposto no artigo 1104.º do Código de Processo Civil, a faculdade de deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações, apresentar reclamação à relação de bens e/ou impugnar os créditos e as dívidas da herança. Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada (artigo 1105.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º (artigo 1105.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Do que acaba de se expor, e considerando a natureza de incidente que a reclamação contra a relação de bens reveste, resulta que a prova a produzir tem um carácter sumário, sendo admissível a prova testemunhal com a limitação de cinco testemunhas, conforme estabelecido para os incidentes processuais.
Como refere Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, vol. I, 5.ª ed., 2006, p.582), daqui vem que tudo deve ser examinado e decidido à luz de um são critério, já para não consentir que no inventário se resolvam questões de alta indagação, já para não excluir as que aí podem e devem obter solução adequada.
Com efeito, conforme anteriormente decidido (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.02.2006, Proc. 06B220, www.dgsi.pt), o critério legal é no sentido de que no processo de inventário devem ser decididas todas as questões de facto de que a partilha dependa, salvo se essa decisão se não conformar com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário e exigir mais ampla discussão no quadro do processo comum.
No caso vertente, atendendo a que a prova indicada se reconduz a prova documental, concluímos ser possível uma resolução das mesmas no âmbito destes autos.
Invocam os reclamantes que “as transferências, entregas e doação alegadas nas verbas n.º 8 e 9 nunca tiveram lugar” e reclamam a existência de passivo da herança, cujo credor é o interessado DD.
Quanto à impugnação das referidas verbas n.º 8 e 9, os reclamantes limitam-se a referir que “estas não existem”, não indicando qualquer meio de prova.
Assim, não tendo os reclamantes logrado produzir qualquer prova do alegado, como lhes competia, atentas as regras de distribuição do ónus da prova, estabelecidas no artigo 342.º do Código Civil, devem as referidas verbas ser relacionadas, mantendo-se as mesmas na relação de bens.
No que respeita ao passivo indicado, da análise dos documentos juntos, verifica-se existirem comprovativos do pagamento, por parte do interessado DD, das despesas referentes a pagamento de IMI (indicadas como verbas n.º 70 a 72 da reclamação), uma vez que, dos referidos documentos, extrai-se que a conta bancária da qual foram feitos os pagamentos está na titularidade do referido interessado.
Porém, quantos aos demais documentos, não é possível concluir o mesmo, já que a junção de uma fatura/recibo, apesar de traduzir a verificação de um pagamento, não permite apurar a identidade da pessoa que efetuou o pagamento ou de que conta foi ordenada a movimentação.
Assim, a prova produzida é insuficiente para se considerar demonstrado o crédito do interessado sobre a herança, pelo que, não tendo os reclamantes logrado produzir qualquer outra prova do alegado, como lhes competia, atentas as regras de distribuição do ónus da prova, estabelecidas no artigo 342.º do Código Civil, não devem as verbas indicadas na reclamação como verbas n.º 73 a 76 ser relacionadas, mantendo-se a relação de bens, nesta parte.
Pelos motivos expostos, decide-se julgar parcialmente improcedente o incidente de reclamação contra a relação de bens e determinar o aditamento a relação de bens das verbas – relativas a passivo – indicadas na reclamação como verbas n.º 70 a 72.
Fixo à causa incidental, o valor do processo de inventário.
Custas do incidente a cargo dos reclamantes e reclamada em partes iguais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigo 7.º, n.º 4 e tabela II do Regulamento das Custas Processuais).
Registe e notifique.
Notifique a cabeça de casal e os interessados para, em 20 dias, proporem a forma da partilha (artigo 1110.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.»
Inconformados com tal decisão, vieram os requeridos interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
«A) Ao processo de inventário em apreço que promoveu e requereu a ora apelada cabeça de casal juntou a relação dos bens destinados à partilha, incluindo duas verbas (nºs 8 e 9) no âmbito das quais alegou terem sido feitas pelo falecido, entre 2012 e 2021 com espírito de liberalidade, transferências entregas monetárias e uma doação aos ora apelantes protestando juntar documentos comprovativos do alegado;
B) Decorrido mais de um ano após o protesto referido apesar da sua particular legitimidade para o efeito (o que natural e obviamente facilita o acesso á sua obtenção) a ora apelada apenas manteve um absoluto e total silêncio nada fazendo, nada juntando nada informando e nada mais dizendo a esse respeito.
C) Donde não ter a apelada como lhe cabia atento o disposto no art. 342º nº 1 do CC feito prova do alegado e consequentemente do direito alegado.
D) pese embora tal circunstância e apesar dos apelantes na impugnação/reclamação que oportunamente apresentaram (arts. 1 e 2) terem referido serem falsas e não corresponderem à verdade as alegadas transferências e entregas e não ter tido lugar a doação invocada pela apelada, o tribunal “a quo”, violando as regras do ónus da prova, entendeu fazer recair tal ónus incorrecta e ilegalmente sobre os apelantes, ordenando a manutenção indevida daquelas verbas na relação de bens referida;
E) Ou seja, apesar da apelada nunca ter feito qualquer prova da constituição do direito que invocou o Tribunal “a quo” considerou, de forma infundada (quiçá prematura) caber aos apelantes essa prova, supostamente de factos impeditivos, modificativos ou extintivos de um direito inexistente, decisão de todo incompreensível;
F) Violando assim designadamente os arts. 342º do CC e 1097º nº 3 al. d) do CPC.
Termos em que, face ao invocado e demonstrado com as legais consequências deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão proferida que infundada e ilegalmente desatendendo aos arts. 1 e 2 da impugnação/reclamação apresentada pelos apelantes e em particular violando as regras do ónus da prova ordenou a manutenção indevida das verbas 8 e 9 na relação de bens em apreço.»
Nas contra-alegações a cabeça de casal conclui da seguinte forma (transcrição):
«1. No douto Despacho sob censura, o Tribunal a quo considerou, e bem, que «Quanto à impugnação das referidas verbas n.º 8 e 9, os reclamantes limitam-se a referir que “estas não existem”, não indicando qualquer meio de prova. Assim, não tendo os reclamantes logrado produzir qualquer prova do alegado, como lhes competia, atentas as regras de distribuição do ónus da prova, estabelecidas no artigo 342.º do Código Civil, devem as referidas verbas ser relacionadas, mantendo-se as mesmas na relação de bens.».
2. Os Apelantes, por via do recurso apresentado, vêm discordar de tal decisão alegando que o ónus da prova da verificação das liberalidades mobiliárias, relacionadas na relação de bens sob as verbas números 8 e 9, cabia às Apeladas nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil.
3. Temos em crer que, salvo melhor e douta opinião, o Despacho aqui recorrido não merece qualquer censura, atento o facto de que o ónus da prova cabia sim aos Apelantes, verificada que está a repartição do mesmo ónus.
4. É verdade que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do C.C. que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.».
5. E, na relação de bens apresentada a Cabeça de Casal, aqui Apelada, protestou juntar aos autos os documentos comprovativos da verificação das liberalidades monetárias relacionadas, sob as verbas números 8 e 9.
6. Tal protesto demonstra a intenção de o fazer, por isso não tinham as Apeladas qualquer prazo para a junção dos documentos, nem muito menos tinham a obrigação de o ter feito.
7. Ademais, caso o Tribunal a quo entendesse por necessária a junção dos referidos documentos teria notificado a Apelada, Cabeça de Casal, para o fazer, ao abrigo do princípio do inquisitório ou teria até diligenciado no sentido de obtenção dos mesmos.
8. As Apeladas refutam o entendimento de que lhes cabia o ónus da prova do alegado e, consequentemente, do direito invocado, uma vez que, tal ónus, com a apresentação a impugnação e reclamação da relação de bens, passou para a esfera jurídica dos Apelantes.
9. Os Apelantes impugnaram as verbas aqui em discussão «Por serem falsas e não corresponderem à verdade (…).» e «(…) por, tanto as transferências como as ditas entregas, bem como a legada doação, nunca terem tido lugar.».
10. Ora, com isso os Apelantes não se limitaram a uma defesa direta, tendo carreado para os autos factos tendencialmente extintivos do direito a que as Apeladas se arrogaram – maxime para a conclusão de inexistência de qualquer liberalidade.
11. Pelo que, o alegado pelos Apelantes terá, indubitavelmente, de ser integrado em sede de defesa indireta, tal como dispõe o normativo inserto no referido artigo 342.º, n.º 2do C.C., logo, cabia àqueles fazer prova de que nunca tinham recebido qualquer transferência ou entrega monetária, em jeito de liberalidade, do seu falecido pai.
12. Mais, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 1104.º do C.P.C., os interessados diretos na partilha podem apresentar reclamação à relação de bens, podendo, por isso, os interessados alegar e provar (tendo o ónus de prova e de alegação) dos bens que deviam constar da relação de bens, e não se encontram relacionados, bem como os bens que não deviam estar na referida relação (por não pertencerem ao de cujus) e foram indevidamente relacionados.
13. Tendo os Apelantes alegado a inexistência de liberalidades mobiliárias, sem mais, ou seja, sem qualquer prova do alegado, não podia o Tribunal a quo decidir como pretendido pelos mesmos…
14. Entendem as Apeladas que o Tribunal a quo não violou nem o disposto no artigo 342.º do Código Civil, nem muito menos o disposto no artigo 1097.º, n.º 3, alínea d) do C.P.C.
15. Nestes termos, consideram as Apeladas que andou bem o Tribunal a quo ao determinar que os Apelantes não lograram produzir qualquer prova da inexistência das liberalidades mobiliárias relacionadas, devendo, por isso, improceder in totum as alegações apresentadas pelos mesmos, confirmando-se o douto Despacho sob recurso.
Nestes termos e nos mais de Direito e sempre com douto suprimento de V/Exas., deverá ser considerado improcedente o presente recurso, confirmando-se o douto Despacho recorrido,
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!»
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos com relevância para a decisão do recurso são os que constam deste relatório.


2 – Objecto do recurso.

Questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC: Saber a quem cabe o ónus da prova relativamente ao teor da relação de bens impugnada.


3 - Análise do recurso.
A decisão recorrida julgou parcialmente improcedente o incidente de reclamação contra a relação de bens, apresentada pela Cabeça de Casal, aqui Apelada, e que determinou o aditamento da mesma, considerando, no que diz respeito às verbas 8 e 9 postas em causa, que os reclamantes se limitam a referir que as verbas não existem, não indicando qualquer meio de prova, como lhes competia, atentas as regras de distribuição do ónus da prova, estabelecidas no artigo 342.º do Código Civil, concluindo assim que estas devem manter-se na relação de bens.
Os recorrentes discordam, alegando que, o tribunal “a quo”, violando as regras do ónus da prova, entendeu fazer recair tal ónus incorrecta e ilegalmente sobre eles, ordenando a manutenção indevida daquelas verbas na relação de bens referida ou seja, apesar da apelada nunca ter feito qualquer prova da constituição do direito que invocou, o Tribunal “ a quo” considerou, de forma infundada (quiçá prematura) caber aos apelantes essa prova, supostamente de factos impeditivos, modificativos ou extintivos de um direito inexistente, decisão de todo incompreensível.
Cumpre decidir:
Quando os inventários eram tramitados segundo as regras do CPC 1966, era afirmação corrente dizer-se que as declarações do cabeça-de-casal, o que se estendia naturalmente à relação de bens, faziam fé em juízo até serem impugnadas por qualquer interessado. Se o fossem, nomeadamente pela impugnação da relação de bens, era também tido como consensual que cabia ao cabeça de casal fazer a prova do que afirmou.
Sendo que, certos factos, exigiam sempre prova documental, como era o caso de haver testamentos, contratos antenupciais, escrituras de doação, etc.
O que também sucedia quando as partes eram remetidas para os meios comuns ou quando o cabeça de cabeça de casal intentava ação de simples apreciação positiva destinada a apurar a existência de certos bens e a pertinência da sua relacionação, aspetos impugnados por outro interessado. O Ac. RP, n.º 974/05.5TBAMT.P2, de 04-03-2013, pronuncia-se expressamente sobre ó ónus de prova nessa situação.
No atual regime, isso não mudou.
A tramitação é algo diferente, mas voltou-se à matriz.
O artigo 1097.º, n.º 3, alínea d), do CPC atual estipula que o cabeça de casal (requerente do inventário) deve juntar a relação de bens acompanhadas das provas que possam ser juntas.
O ónus de prova impende sobre o mesmo.
Se houver reclamação, o reclamante também tem de juntar prova (artigo 1105.º, n.º 2, do CPC) para infirmar o alegado pelo cabeça de casal, fazendo contraprova (artigo 346.º do CPC).
A reclamação contra a relação de bens não inverte o ónus de prova.
No caso, não tendo a cabeça de casal junto prova das transferências, as verbas não podiam ser relacionadas por falta de prova do facto positivo.
Com efeito, tal como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do C.C., «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado»
E, decorre do n.º 2 do artigo 342.º do C.C. que «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.».
Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.». – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 24-05-2018, no âmbito do processo número 318/05.6TVPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, na relação de bens apresentada, a Cabeça de Casal, aqui apelada, protestou juntar aos autos os documentos comprovativos da verificação das liberalidades monetárias relacionadas, sob as verbas números 8 e 9 e justificou o protesto na impossibilidade de obtenção dos documentos comprovativos em tempo útil, atenta a sua natureza, que importaria inúmeras diligências.
As verbas em causa traduzem “transferências e entregas, feitas em espírito de liberalidades, pelo falecido, só aos recorrentes.
Como refere Almeida e Costa, «Noções Dir. Civil» ed. 1980, p. 395 as liberalidades podem ser inoficiosas por ofenderem a legitima dos herdeiros legitimários, o que acontece sempre que o de cujus ultrapasse os limites da quota disponível, através de liberalidades entre vivos ou por morte.
Se assim for, recorre-se à colação, que é o instituto destinado a proteger os co-herdeiros dos beneficiários procurando, garantir uma certa igualação na partilha, - vide A. Varela RLJ 104º p. 348.
Desta forma, a colação pressupõe a restituição à massa da herança dos valores correspondentes às liberalidades- vide Baptista Lopes, Das Doações 1970, p. 199.
Ora, nesta medida, o facto de serem relacionadas as verbas em causa traduz um possível beneficio para a cabeça-de casal, não beneficiário das liberalidades, que alega existirem, pois a consideração das mesmas na partilha (nomeadamente a sua reunião à massa da herança com a finalidade de haver uma igualação de tratamentos, , através da imputação, no sentido de desconto do valor de tais liberalidades recebidas na quota hereditária, ou seja uma eventual redução por inoficiosidade) é à mesma que poderá interessar por isso é à mesma que cabe a sua prova.
As declarações do cabeça-de-casal não beneficiam de qualquer presunção de fidedignidade, apenas fazendo fé em juízo até serem impugnadas.
Uma vez impugnadas, compete ao cabeça de casal fazer a prova do que afirmou, de acordo com as regras da repartição do ónus da prova – cfr. artº 342º do CC.
Donde, uma vez que a cabeça-de casal não logrou produzir qualquer prova da existência das liberalidades relacionadas, deve proceder o recurso com a revogação do Despacho, decidindo-se retirar tais verbas da relação de bens.

4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se retirar as verbas 8 e 9 da relação de bens.

Custas pela recorrida.

Évora, 11.04.24
Elisabete Valente
Maria José Cortes
Maria Adelaide Domingos