Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00067/19.8BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
TAXA DE PORTAGEM, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO;
PRAZO; ARTIGO 33.º, N.º 2 DO RGIT;
Sumário:
I - Às contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, de 30/06, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. o seu artigo 18.º

II - E, assim sendo, a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, na Lei n.º 25/2006, de 30/06, para conhecer a prescrição do procedimento contra-ordenacional, em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, é de fazer apelo ao disposto no artigo 33.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, com as necessárias adaptações.

III - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

IV - A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.

V - Estando em causa a aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias ex vi artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06.

VI - Nesses casos, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” - cfr. artigo 7.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 25/2006, de 30/06.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 03/10/2023, que declarou extintos, por prescrição do procedimento, determinando o arquivamento dos processos de contra-ordenação n.º ...03 e demais 53, na sequência de recursos das respectivas decisões de aplicação de coima, interpostos por [SCom01...], Lda., contribuinte fiscal n.º ...96, com sede na Travessa ..., em ..., ..., pela falta de pagamento de taxas de portagem, durante os anos 2013, 2014 e 2017, pela alegada transposição, com os veículos de matrícula ..-..-LG, SE-..-.., ..-IG-.., ..-..-TQ, ..-IB-.., **-**-AP, **-**-XC, ..-..- HV, ..-..-SP, ..-..-RO e ..-..-CQ, das barreiras de vias rodoviárias sujeitas a portagem, em violação do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de junho, infração considerada punida pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal.
O objecto do recurso reconduz-se às infracções cometidas no decurso do ano de 2017, relativas aos procedimentos de contra-ordenação com os n.ºs ...61, ...87, ...95, ...26, ...50, ...85, ...77, ...69, ...17, ...09, ...41, ...33, ...06, ......150, ...30 e ...14.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida, em 03/10/2023, que decidiu julgar extintos, por prescrição, os procedimentos de contra-ordenação com os n.ºs extintos, por prescrição, os procedimentos de contra-ordenação com os n.ºs ...61, ...87, ...95, ...26, ...50, ...85, ...77, ...69, ...17, ...09, ...41, ...33, ...06, ......150, ...30 e ...14, respeitantes a infracções registadas em 2017 e, em consequência, determinar o seu arquivamento.
2. Para tanto, considerou o douto Tribunal “a quo” que o prazo de prescrição dos procedimentos contraordenacionais em causa, é o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, correspondente ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, que é de quatro anos, contados a partir da data em que terminou o prazo para cumprimento da obrigação tributária, nos termos previstos no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
3. Ressalvado o respeito devido, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, pelas razões que de imediato se passam a expor:
4. Os referidos processos de contraordenação foram instaurados por falta de pagamento de taxas de portagem devidas pela utilização de vias portajadas, em violação do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho [diploma referente ao regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias, em que seja devido o pagamento de taxas de portagem], punível pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal, nos dias: 17, 24, 27, 31 de Janeiro de 2017, 3, 4, 7, 9, 18, 20, 21, 23, 24 e 27 de Fevereiro de 2017, 3, 6, 8, ,9, 10, 15, 17,23, 28 e 30 de Março de 2017, 12, 19, 21 e 27 de Abril de 2017, 3, 5, 10, 16, 26 e 30 de Maio de 2017 e 2, 9 e 21 de Junho de 2017.
5. Atenta, a data em que alegadamente foram praticadas as infracções, o regime da prescrição do procedimento contraordenacional é o que decorre do artigo 33.º do RGIT, por remissão expressa do artigo 18.º da dita Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho, bem como, no que aquele for omisso, do RGCO por força da remissão do artigo 3.º, alínea b) do RGIT.
6. O artigo 33.º do RGIT, com a epígrafe “Prescrição do procedimento”, estabelece que: “1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. 2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. 3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”
7. Do referenciado preceito legal resulta, em primeiro lugar, a estatuição de um prazo geral de prescrição do procedimento por contra-ordenação de cinco anos e, em segundo lugar, a estatuição de um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, sendo que este prazo é aplicável quando a infracção depender da liquidação do tributo, isto é, sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende do valor daquela prestação pois é a liquidação o meio de determinar esse valor.
8. No n.º 3 do artigo 33.º do RGIT remete-se para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contraordenacional previstas no RGCO, concretamente, o artigo 27.º-A e artigo 28.º, respetivamente.
9. A suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42. °, no artigo 47.º e no artigo 74. °, todos do RGIT, bem como no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento, sendo que, nenhuma destas situações se verifica no caso em apreço.
10. Na contagem do prazo de prescrição há ainda que ter em conta a suspensão da contagem de prazos introduzida pelas medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID19, introduzida pela Lei nº 1-A/2020, de 19/03, pelas Leis n.º 4-A/2020, de 06/04, n.º 16/2020, de 29/05, n.º 4-B/2021, 01/02 e n. º13-B/2021, de 05/04, donde resulta uma suspensão do prazo de prescrição de 86 dias seguida de uma outra de 74 dias, perfazendo um período global de suspensão de 160 dias.
11. A suspensão distingue-se da interrupção na medida em que aquela impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja, o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão, já a interrupção implica que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. A renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra a Recorrida.
12. Em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se no RGCO um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção implica um novo decurso da totalidade do prazo, através da norma do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, aplicável, subsidiariamente, ao procedimento contra-ordenacional tributário, ex vi o disposto na alínea b) do artigo 3.º do RGIT, na qual, expressamente, se consagra que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”
13. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que as infracções ao disposto no artigo 5.º, n.º 2 da lei n.º 25/06, de 30 de Junho (falta de pagamento de taxa de portagem), punível pelo disposto no artigo 7.º da mesma Lei, é aplicável o prazo (geral) de prescrição do procedimento contraordenacional de cinco anos previsto no n.º 1 do artigo 33.º do RGIT, na medida em que a taxa de portagem não tem subjacente uma liquidação da prestação tributária.
14. O artigo 7.º da Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho, o qual tem por epígrafe “Determinação da coima aplicável e custas processuais”, na redacção dada pela Lei n.º 51/2015, de 08 de Junho, ainda vigente, dispõe nos seus números 1 e 2, o seguinte: “1 - As contraordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, sempre que for variável a determinação da taxa de portagem em função do percurso percorrido e não for possível, no caso concreto, a sua determinação, é considerado o valor máximo cobrável na respetiva barreira de portagem ou, no caso de infraestruturas rodoviárias, designadamente em autoestradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança eletrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respetivo local de deteção de veículos para efeitos de cobrança eletrónica de portagens.”
15. Do teor do referido preceito legal, resulta que, a infração em causa não depende da liquidação da respetiva prestação tributária, pois a liquidação da respetiva prestação tributária não é o meio (único) de determinar tal valor.
16. Ou seja, não existe, antes da liquidação da respetiva prestação tributária (taxa de portagem), a (absoluta) impossibilidade de determinar o tipo de infração cometida ou o montante da coima aplicável.
17. Ou, dito de outro modo, a infração não está absolutamente dependente do ato de liquidação, porque está em causa o não pagamento de um valor a pagar pela prestação de um serviço regulado por um contrato de direito privado, resultante do uso de uma via sujeita a pagamento pelos utentes, que varia de acordo com o percurso realizado pelo infractor, valor esse que não está sujeito a liquidação, porque está previamente fixado e é devido a partir do momento em que o utente entra na via portajada, devidamente assinalada como sujeita a pagamento pelo seu uso.
18. Sendo possível determinar o tipo de infração cometida e/ou o montante da coima aplicável, independentemente da liquidação da respetiva prestação tributária (taxa de portagem), tendo presente, apenas, a (s) Portaria(s) que fixa(m) tal (ais) taxa (s) de portagem por referência a determinado lanço de auto-estrada ou ponte, as características próprias do veículo infrator (classe I, classe II, etc.) e a distância percorrida por este entre pórticos/barreiras de portagem.
19. Sendo aplicável o prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º do RGIT, o procedimento extingue-se, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos, considerando-se como tal, no caso de infrações omissivas, a data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários (cfr. o n.º 2 do artigo 5.º do RGIT).
20. Por conseguinte, iniciando-se o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional de cinco anos, previsto no n.º 1 do artigo 33.º do RGIT no dia 17/01/2017, quanto à infracção mais antiga, se não se verificassem causas interruptivas nem suspensivas. terminaria, em 17/01/2022.
21. No entanto, verifica-se que a prescrição do procedimento contraordenacional se interrompeu:
‐ Com a notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 70.º do RGIT [causa de interrupção prevista na alínea c) do artigo 28.º do RGCO].
‐ Com a decisão que procede à aplicação da coima [causa de interrupção prevista na alínea d) do artigo 28.º do RGCO].
‐ Com a notificação desta decisão à Recorrida [causa de interrupção prevista na alínea a) do artigo 28.º do RGCO].
22. Consequentemente, ao referido prazo de cinco anos, acrescerá metade, ou seja, mais dois anos e meio nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, aplicável subsidiariamente às infrações tributárias por via da alínea b) do artigo 3.º do RGIT.
23. Assim, o prazo máximo de prescrição será de sete anos e meio a contar do dia 17/01/2017 (quanto à infracção mais antiga) e terminaria, em 17/07/2024, ressalvado o período de suspensão.
24. No caso em apreço, verificaram-se as seguintes causas suspensivas:
‐ A prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO, conforme resulta dos autos, o procedimento esteve pendente (durante anos) a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso [sentença ora em análise], sendo que nos termos do n.º 2 do citado artigo, tal suspensão não pode ultrapassar os seis meses.
‐ A que vigorou, por força da pandemia gerada pela doença covid-19, entre 09/03/2020 a 02/06/2020, [por força da lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (artigos 7.º, n.º 3 e 4 e 10.º da lei), decreto-lei 10-A/2020, de 13-03 (artigo 37.º) e da lei 16/2020, de 29 de maio (artigo 6.º)], ou seja, 86 dias e a suspensão que vigou, pelas mesmas razões, entre 22/01/2021 a 05/04/2021, [por força da lei n.º 4-B/2021, de 01-02, que alterou a lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (artigo 6.º-B da lei 1-A, e artigo 4.º da lei 4.º-B) e da lei n.º 13-B/2021, de 05/04 (artigo 5.º e 7.º), ou seja, 74 dias [o prazo de prescrição esteve suspenso por um total de 160 dias e seis meses].
25. Atendendo ao que foi referido, é de se concluir, tomando como referência a data mais antiga das infracções praticada, o dia 17/01/2017, e o prazo máximo de sete anos e meio, conforme artigo 33.º, n.º 1 do RGIT e artigo 28.º n.º 3 do RGCO, acrescido dos mencionados períodos de suspensão, que na data em que foi proferida a sentença recorrida (03/10/2023), o procedimento contraordenacional não se mostrava prescrito, por não ter decorrido o prazo de prescrição.
26. Consequentemente, por maioria de razão, não se encontra prescrito os procedimentos contraordenacionais, respeitante às demais infrações praticadas em datas posteriores àquela.
27. Neste contexto, entende a Fazenda Publica, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o douto Tribunal “a quo” ao considerar que os procedimentos contraordenacionais se mostram prescritos, incorreu em erro de julgamento.
28. Atento o exposto, deverá a sentença objecto de recurso ser revogada, e substituída por outra que mantenha as coimas aplicadas nos mencionados processos de contraordenação, pela prática das contraordenações previstas e punidas nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho.
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Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, não ser julgado extinto, por prescrição os procedimentos contraordenacionais contra a recorrida, revogando-se a douta sentença recorrida, mantendo-se as coimas aplicadas, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça.”
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Os restantes intervenientes processuais não responderam.
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Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado revelou concordância com as alegações da Autoridade tributária e Aduaneira.
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Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, sendo que importa apreciar o invocado erro de julgamento na decisão que conheceu a prescrição dos procedimentos contra-ordenacionais referentes às infracções cometidas em 2017 e, consequentemente, determinou o arquivamento dos respectivos processos de contra-ordenação.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“A) FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa julgam-se provados os factos que infra se indicam:
1. Nas datas indicadas na tabela, um Agente de Fiscalização da Sociedade Concessionária lavrou autos de notícia contra a ora Recorrente por violação do disposto no artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de junho, punível pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal, por alegadas infrações praticadas nos dias referenciados, por ter transposto “local(ais) de deteção de veículos numa infra-estrutura rodoviária que apenas dispunha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, sem ter procedido ao pagamento da taxa de portagem devida(…)”, e a Administração Tributária, através de comunicação eletrónica ViaCTT, entregou “notificação da decisão de aplicação de coima”, indicando que lhe foi aplicada coima nas circunstâncias seguintes:
[imagem no original, cujo teor aqui se tem por reproduzido]
2. Nas datas indicadas na tabela, um Agente de Fiscalização da Sociedade Concessionária lavrou autos de notícia contra a ora Recorrente por violação do disposto no artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de junho, punível pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal, por alegadas infrações praticadas nos dias referenciados , por ter transposto “local(ais) de deteção de veículos numa infraestrutura rodoviária que apenas dispunha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, sem ter procedido ao pagamento da taxa de portagem devida(…)”, a Administração Tributária através de comunicação eletrónica Via CTT, entregou “notificação da decisão de aplicação de coima”, com a “Decisão da Fixação da Coima”, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças ... -4, na data referenciada, condenando ao pagamento de coima, no valor indicado, pela prática da contraordenação referida anteriormente e punida pelo artigo 7º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, acrescida de custas, nas seguintes circunstâncias:
[imagem no original, cujo teor aqui se tem por reproduzido]
3. Em 12.11.2018, a Recorrente apresentou, no Serviço de Finanças ... – 4, recurso das decisões de aplicação de coima mencionadas (cfr. fls. 5 do processo físico).
4. Em 30.01.2019, o DMMP proferiu despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima (cfr.fls. 419 do processo físico).
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos. Motivação: O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes, tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objeto de impugnação, provados e, bem assim, no posicionamento das partes conforme referido em cada um dos pontos dos factos indicados.”

2. O Direito

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conforma com a decisão de arquivamento dos processos de contra-ordenação, referentes às infracções praticadas em 2017, proferida pelo tribunal recorrido, que julgou verificar-se prescrição dos respectivos procedimentos contra-ordenacionais, com os seguintes fundamentos:
“(…) Independentemente dos vícios imputados pela recorrente à decisão administrativa de aplicação de coima impugnada nos autos, considera este Tribunal que se, impõe, antes de tudo, e tendo por base a factualidade dada como assente, o conhecimento oficioso da prescrição do procedimento contraordenacional. No caso vertente estão em causa infrações previstas e punidas pelos artigos 5.º, n.º 2, 5.º, alínea a), e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, diploma referente ao regime sancionatório aplicável às infrações que resultam do não pagamento ou do pagamento adulterado de taxas de portagem em infraestruturas rodoviárias. De harmonia com o artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, com as alterações realizadas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, consagrou-se que o regime subsidariamente aplicável às visadas contraordenações seria o RGIT.
O artigo 33.º do RGIT dispõe que: “1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. 2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação. 3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.
Deste modo, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, mas reduz-se ao prazo da caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação – artigo 33.º, n.º 1 e 2 RGIT. As coimas objeto do presente recurso dependem de liquidação da taxa de portagem, porquanto o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, na redação à data da infração, determinava que a “coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quádruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias.” Ademais, determina o n.º 2 do sobredito artigo que “sempre que for variável a determinação da taxa de portagem em função do percurso percorrido e não for possível, no caso concreto, a sua determinação, é considerado o valor máximo cobrável na respetiva barreira de portagem ou, no caso de infraestruturas rodoviárias, designadamente em autoestradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança eletrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respetivo local de deteção de veículos para efeitos de cobrança eletrónica de portagens”.
Resulta do exposto que a determinação da sanção aplicável depende do valor da taxa de portagem, sendo o procedimento de liquidação da taxa o meio próprio para permitir o seu apuramento. Logo, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional terá de ser reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação das taxas de portagem, ou seja, quatro anos da prática das infrações – artigo 45.º, n.º 1 e 4, da LGT.
Na verdade, considerando a natureza omissiva das infrações, as mesmas consideram-se praticadas na data em que terminou o prazo para o cumprimento da obrigação tributária -artigo 5.º, n.º 2, do RGIT, ou seja, a data que corresponde à transposição das barreiras sem o respetivo pagamento. Esta data marca o início da contagem da prescrição.
Ora, à Recorrente estão imputadas diversas infrações, por falta de pagamento da taxa de portagem, nos anos de 2013, 2014 e 2017, sendo que a data da infração mais antiga corresponde a 16 de março de 2013 e a data da infração mais recente a 17 de junho de 2017 – cfr. Pontos 1 e 2 do Probatório.
Com efeito, sendo o prazo de prescrição de quatro anos, e no caso de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, contado o prazo desde 16.03.2013, o procedimento contraordenacional prescreveria em 17.03.2017 e a infração mais recente, praticada em de 21.06. 2017, prescreveria em 22.06.2021. - Pontos 2 e 3 do Probatório.
Todavia, cumpre verificar se existem causas de interrupção ou de suspensão da prescrição. Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 3, do RGIT, “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74. º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”
Não se verificando, no caso, a existência de qualquer uma das situações concretamente elencadas no artigo 33.º, n.º 3º, do RGIT, importa avaliar se existe causa de suspensão ou de interrupção do procedimento nos termos previstos na lei geral, mormente nos artigos 27º-A e 28º do RGCO.
O artigo 28.º do RGCO determina que “1-A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”
Em regra, a interrupção provoca um efeito instantâneo, que determina a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional contado a partir de então– cfr. artigo 121.º, n.º 2 do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do RCGO, por remissão do artigo 33.º, n.º 3 do RGIT. Sem prejuízo, em certas situações a prescrição pode ter efeitos duradouros, caso da citação em processo executivo, que determinam que o início da contagem do novo prazo de prescrição só ocorre após o termo do processo onde foi praticado ao to interruptivo. Não obstante, a norma prevista no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO limita o efeito duradouro de uma eventual interrupção, estabelecendo um prazo máximo (ressalvando/acrescendo o tempo das suspensões) de prescrição do procedimento de contraordenação.
Note-se, porém, que a aplicação do referido limite apenas se verifica quando, no caso concreto, estivermos perante uma situação em que, devido a factos interruptivos, se exceda aquele prazo máximo de prescrição normal (4 anos).
O artigo 27.º-A do RGCO, dispõe o seguinte: “1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”.
Relativamente à suspensão, junta-se o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão ao tempo decorrido após a cessação da causa da suspensão, sendo que na esfera do procedimento contraordenacional a suspensão tem a duração máxima de 6 meses nas situações enunciadas no artigo 27.º- A, n.º 1, alíneas b) e c), do RGCO.
Na contagem do prazo de prescrição importa, ainda, considerar a suspensão prevista nas declarações de Estado de Emergência, na situação epidemiológica da doença COVID-19, designadamente, no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, que se manteve com a entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020, de 6.04, que previa que: “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”. O mencionado período de suspensão do prazo de prescrição, vigorou entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 (artigo 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio). E, posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 1, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, de 22 de janeiro de 2021 a 5 de abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), donde resulta uma suspensão do prazo de prescrição de 86 dias seguida de uma outra de 74 dias, o que perfaz um período global de suspensão de 160 dias.
Volvendo ao caso concreto, (…) Por sua vez, no que concerne às infrações registadas em 2017, a infração mais ocorreu em 21.06.2017, no âmbito do processo de contraordenação n.º ...14, tendo a notificação da decisão de aplicação da coima sido emitida em 15.10.2018, o que consubstancia causa interruptiva do procedimento de contraordenação, de acordo com o previsto no artigo 28.º, n.º 1, al. a) do RGCO, data em que se reinicia a contagem do prazo de prescrição de 4 anos.
Também neste caso a Recorrente apresentou recurso da decisão de aplicação da coima em 12.11.2018, que foi objeto de exame preliminar que culminou com despacho exarado em 30.01.2019. Assim, verificou-se a suspensão do processo durante 78 dias, nos termos do disposto no artigo 27.º-A, n.º 1, al. c), do RGCO
Ao adicionar os quatro anos e setenta e oito dias à data em que se reiniciou o prazo de prescrição (15.10.2018) conclui-se que o prazo de prescrição se completaria em 03.01.2023. A este, acrescem ainda mais 160 dias de suspensão como vimos supra. Desta forma, em 11.06.2023, ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional. O que implica a extinção do mesmo. Do mesmo modo, encontram-se prescritos os processos referentes às demais infrações do ano 2017, cujas causas de interrupção, embora ocorram em dias diferentes, como se verifica na tabela infra, conduzem ao mesmo resultado: (…)
Por maioria de razão, encontram-se prescritos os processos referentes às demais infrações do ano, cujas causas de interrupção e suspensão são coincidentes com o processo analisado. Em consequência, os processos de contraordenação referentes a infrações praticadas no ano de 2017 encontram-se prescritos, o que implica a extinção dos respetivos procedimentos de contraordenação n.º ...85, ...77, ...69, ...50, ...26, ...61, ...87, ......150, ...95, ...41, ...33, ...17, ...09, ...30, ...14 e ....... 06.
Assim, o Tribunal considera verificada a prescrição dos procedimentos contraordenacionais e determina a procedência da exceção de prescrição, obstando ao julgamento da matéria de mérito, por ser causa de extinção do procedimento de contraordenação fiscal, de acordo com o artigo 61º, al. b) do RGIT. (…)”
Como resulta das conclusões das alegações de recurso, a Recorrente defende não ter decorrido o prazo de prescrição dos procedimentos, relativos às infracções cometidas em 2017, na medida em que não há lugar, em situações desta natureza, a qualquer liquidação tributária, não tendo, assim, aplicação o previsto no artigo 33.º, n.º 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), uma vez que o valor a pagar é do conhecimento do utente da via no momento em que deve proceder ao seu pagamento.
Concretiza, dizendo que a infração não está absolutamente dependente do acto de liquidação, porque está em causa o não pagamento de um valor a pagar pela prestação de um serviço regulado por um contrato de direito privado, resultante do uso de uma via sujeita a pagamento pelos utentes, que varia de acordo com o percurso realizado pelo infractor, valor esse que não está sujeito a liquidação, porque está previamente fixado e é devido a partir do momento em que o utente entra na via portajada, devidamente assinalada como sujeita a pagamento pelo seu uso.
As questões suscitadas nos presentes autos coincidem com as apresentadas pelo Ministério Público no processo n.º 96/18.9BECBR e aí apreciadas, no âmbito de recurso jurisdicional, por acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 04/04/2019.
Assim, tendo em vista a aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) e por economia de meios, transcrevemos, por com ela inteiramente concordarmos, dado que aí interviemos na qualidade de relatora, a fundamentação de direito acolhida no mencionado acórdão, com as necessárias adaptações:
“(…) Efectivamente, o artigo 33.º do RGIT estabelece um prazo geral de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais, aduaneiras e não aduaneiras, de cinco anos, mas estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
O artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06, diploma referente ao regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, indica o direito subsidiário, estabelecendo que às contra-ordenações previstas nessa lei, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias.
Assim, o Ministério Público insurge-se quanto à aplicabilidade às situações dos autos deste prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, que, no caso, sem qualquer elemento no processo que indique outra circunstância, sempre seria de quatro anos, por força da regra geral prevista no artigo 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Quanto à natureza jurídica da prestação em causa, não residem dúvidas que a taxa de portagem não tem subjacente uma liquidação de natureza tributária.
Como é consabido, as auto-estradas integram o domínio público do Estado. No entanto, por força dos contratos de concessão que celebrou com as respectivas concessionárias, o Estado cedeu o uso desse bem público para que estas o explorem por sua conta e risco e por um determinado prazo, havendo, em regra, uma aplicação de capital privado na execução da actividade concessionada sendo que esse investimento acaba amortizado, primacialmente, pelas taxas cobradas directamente ao utente desses eixos viários – Cfr. Pedro Gonçalves in “A Concessão de Serviços Públicos”, pág. 140 e seguintes, e Mário Aroso de Almeida in “Parcerias público privadas”, pág. 177.
Como assim, o Estado, não se despojando embora da titularidade do objecto da concessão (portanto não se privando da propriedade da auto-estrada, que permanece no domínio público), transfere o encargo de prestar o serviço para o concessionário particular, sendo este o responsável por esse serviço e relacionando-se este “directamente” com o utente, posto que o Estado lhe outorgou contratualmente poderes para agir “por sua conta própria”. Estamos perante um “modelo concessionário, caracterizado pela existência de uma relação directa entre o parceiro privado e os utentes finais e pelo facto de o parceiro privado cobrar o pagamento de taxas aos utentes – receitas à qual acresce o pagamento de subvenções pelo Estado Português” – cfr. Diogo Freitas do Amaral in Direito Administrativo, vol. III, pág. 294 e seguinte.
Daí que, conforme se vem entendendo, a concessão não atribui ao concessionário uma função executiva ou operacional, no contexto de uma colaboração secundária com a Administração concedente. Pelo contrário, ele assume a responsabilidade de gerir um serviço público, sendo que, em resultado da celebração do contrato de concessão, são-lhe atribuídos poderes, prerrogativas e deveres de autoridade típicos dos atributos do Estado, nomeadamente de aplicar taxas de portagem e coimas – cfr. Pedro Gonçalves, in obra citada, pág. 139.
É, por conseguinte, o concessionário que ao explorar o eixo viário se relaciona, como se referiu, directamente com o respectivo utente (e não o Estado), estabelecendo-se entre ambos uma relação jurídica de natureza privada (diferente da relação contratual de direito público que, por força do contrato de concessão, se estabelece entre concedente e concessionário), nos termos da qual aquele fica autorizado a cobrar portagens aos utentes da auto-estrada, sendo que tais receitas, na sua totalidade, reverterão para si e não para o Estado.
Deste modo, as portagens (enquanto contrapartida pecuniária paga pelo utente da auto-estrada pela sua utilização) não têm natureza tributária, já que está em causa o pagamento do serviço prestado ou do fornecimento efectuado pelo concessionário. A este propósito, o STA vem considerando que os referidos créditos não assumem natureza tributária – cfr., inter alia, Acórdãos de 27/02/2013 (processo n.º 01242/12), de 03/04/2013 (processo n.º 1262/12), de 17/04/2013 (processo n.º 1297/12) e de 18/06/2013 (processo n.º 1184/12).
Nesse caso, na linha do defendido pelo Ministério Público no presente recurso, essa contrapartida tem antes a natureza de um preço, isto é, de um valor a pagar pela prestação de um serviço regulado por um contrato de direito privado. Consequentemente, sendo de direito privado as relações de prestação constituídas entre concessionário e o utente, não faz sentido “sustentar a natureza fiscal da contrapartida, que é justamente um dos elementos essenciais da relação contratual” – cfr. Pedro Gonçalves in obra citada, pág. 319 e seguinte.
A taxa de portagem correspondendo apenas a um preço pago pelo utente ao concessionário, constitui, pois, uma receita exclusiva deste no âmbito da relação jurídica de direito privado em que o Estado não é parte.
As taxas de portagem e os seus juros, os custos administrativos, as coimas e os seus encargos fazem parte do activo do concessionário, constituem um recurso deste, uma receita, um benefício económico que o mesmo usufrui por permitir, não só mas também, a circulação de viaturas dos utentes por eixos viários sobre os quais possui exclusividade. O Estado assume a função de mero cobrador dessas receitas, mas a titularidade das mesmas mantém-se na esfera jurídica do concessionário – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1749/14.GTBVCT-B.G1.
Portanto, embora as portagens (enquanto contrapartida pecuniária paga pelo utente da auto-estrada pela sua utilização) não tenham natureza tributária, o legislador quis que fosse o Estado a cobrar estas receitas, através de processo de execução fiscal, por força do estabelecido no artigo 17.º-A, aditado à Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro:
“1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover a cobrança coerciva dos créditos relativos à taxa de portagem, dos custos administrativos e dos juros de mora devidos, bem como da coima e respectivos encargos.”
Por outro lado, o serviço de finanças da área do domicílio fiscal do agente de contra-ordenação é competente para a instauração e instrução dos processos de contra-ordenação a que se refere a Lei n.º 25/2006, de 30/06, bem como para aplicação das respectivas coimas – cfr. o seu artigo 15.º, n.º 1.
Tudo isto para concluir que, não obstante a liquidação da taxa de portagem não ser de cariz fiscal ou tributário, correspondendo apenas a um preço pago pelo utente ao concessionário, como sustenta o Recorrente, não significa que a norma aplicada na sentença recorrida – o artigo 33.º, n.º 2 do RGIT – não tenha lugar no presente circunstancialismo.
Isto porque, à semelhança da intenção subjacente à cobrança coerciva de créditos, bem como à instauração, instrução dos processos contra-ordenacionais e aplicação de coimas, conforme previsto nos artigos 15.º, n.º 1 e 17.º-A, n.º 1, respectivamente, da Lei n.º 25/2006, de 30/06, também o legislador quis revogar o regime da prescrição do procedimento e da prescrição das coimas e das sanções acessórias - que estava previsto nesta mesma Lei que aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, nos artigos 16.º-A e 16.º-B respectivamente, - e remeter para o direito subsidiário, como havíamos referido.
Lembramos que às contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. o seu artigo 18.º
E, assim sendo, a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, para conhecer a prescrição do procedimento contra-ordenacional teremos que fazer apelo, como se indica na sentença recorrida, ao disposto no artigo 33.º do RGIT.
Insurge-se, especificamente, o Recorrente contra a aplicação do n.º 2 do artigo 33.º do RGIT. Todavia, como veremos, é nossa convicção que tal normativo deve ser aplicado às portagens, com as devidas adaptações, como é próprio da aplicabilidade de direito subsidiário – ex vi artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06.
Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2008, Áreas Editora, página 320.
Apontam-se como exemplos de casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos artigos 108.º, n.º 1, 109.º, n.º 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.º 1, do RGIT. Neste último caso, a contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária na medida em que o montante das coimas depende de haver ou não imposto a liquidar.
Ora, a situação em apreço tem, manifestamente, paralelismo com os casos indicados, dado que a decisão da fixação da coima alude à cominação prevista no artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 /06, na redacção dada pela Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho:
“1 - As contra-ordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias. (…)”
Portanto, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” (cfr. artigo 7.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 25/2006).
Nesta conformidade, é inequívoco que a sanção aplicável depende do valor da respectiva taxa de portagem. Por isso, bem andou a sentença recorrida ao considerar aplicável o disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT à situação, que estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, como é o caso.
Entendemos ser irrelevante que esteja em causa um preço resultante do uso de uma via sujeita a pagamento pelos utentes, pois a norma, de aplicação subsidiária em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, deverá ser lida com as necessárias adaptações:
Reiteramos que a sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação da taxa de portagem o meio de determinar este valor.
Em face de todo o contexto descrito supra, compreende-se que não estejamos perante uma liquidação em termos fiscais, como afirma o Recorrente. Contudo, não deixa de se verificar uma liquidação de um preço pelo uso da auto-estrada, que varia com o percurso efectivamente realizado pelo infractor, sendo tal variação que determinará o valor da coima aplicável ao mesmo. A interpretação que fazemos permite um perfeito paralelismo do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT com as situações previstas no artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06. (…)”
Nestes termos, como se julgou na sentença recorrida, os procedimentos contra-ordenacionais referentes às infracções praticadas no ano de 2017 estão prescritos, pois, ao adicionar os quatro anos e setenta e oito dias (estes de suspensão) à data em que se reiniciou o prazo de prescrição (notificação da decisão de aplicação da coima em 15/10/2018), acrescendo, ainda, 160 dias de suspensão (COVID 19), em 11/06/2023 ocorreu o decurso do prazo previsto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT.
Pelo exposto, confirma-se o julgamento realizado na primeira instância, na parte recorrida, na medida em que o que fica dito se mostra suficiente para a improcedência do recurso, restando prejudicado o conhecimento das outras questões colocadas no mesmo.
Impõe-se, por isso, negar provimento ao recurso.

A Recorrente Fazenda Pública, pese embora não tenha obtido provimento no recurso, não é responsável pelas custas, uma vez que em processo de contra-ordenação tributária não existe norma legal que preveja a sua condenação (nesse sentido, vide, acórdãos do STA de 24/02/2016, P. 01408/15, de 23/11/2016, P.01106/16, de 13/09/2017, P. 0702/17, de 13/09/2017, P. 0702/17, de 17/01/2018, P. 0616/17, de 24/01/2018, P. 01089/17, de 31/01/2018, P. 01239/17, de 07/02/2018, P. 01353/17, de 28/02/2018, P. 01151/17 e de 14/03/2018, P. 01355/17, de 10/10/2018, P. 0221/17.7BEMDL, de 25/09/2019, P. 02584/15.0BELRS).

Conclusões/Sumário

I - Às contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, de 30/06, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. o seu artigo 18.º
II - E, assim sendo, a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, na Lei n.º 25/2006, de 30/06, para conhecer a prescrição do procedimento contra-ordenacional, em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, é de fazer apelo ao disposto no artigo 33.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, com as necessárias adaptações.
III - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
IV - A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.
V - Estando em causa a aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias ex vi artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06.
VI - Nesses casos, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” - cfr. artigo 7.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 25/2006, de 30/06.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Porto, 22 de Fevereiro de 2024

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais