Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00522/10.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE;
DISPENSA DO REMANESCENTE;
Sumário:
I. É violado o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 7.º do RCPIT, quando não é apreciado um pedido do contribuinte para que lhe seja concedida uma prorrogação de prazo, quando as condições concretas em que se encontrava o justificariam, tanto mais que dessa prorrogação não resultava prejuízo para o interesse público.

II. O art. 36.º do RCPIT não é violado se os prazos ordenadores nele previstos forem ultrapassados em benefício do contribuinte.

III. A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, e o concreto valor das custas a suportar, calculado sobre a base tributável de montante superior a três milhões de euros a que corresponde o valor da causa, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2022-08-31 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial interposta por [SCom01...], S.A. tendo por objeto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que instaurara contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações de IVA de março a dezembro de 2002, que determinou o pagamento da quantia de EUR 3.184.962,00 e juros compensatórios no valor de EUR 329.477,97, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA de Março a Dezembro de 2002, no valor de € 3.184.962,00, e correspondentes juros compensatórios, no montante de € 329.477,97, peticionando a sua anulação.
B. A sentença, objeto do presente recurso, versou sobre as questões submetidas a juízo, tendo julgado procedente a presente impugnação pelos alegados Vícios das liquidações (pp. 42 ss da sentença), pela desconsideração do direito à dedução do IVA suportado nas aquisições de bens de 2002, por considerar terem sido violados os princípios da proporcionalidade e da justiça, centrando-se, no prazo dado para regularização da contabilidade relativa a 2002.
C. Por brevidade de exposição, e em obediência ao princípio da economia processual, dão-se aqui por reproduzidos, para onde se remete, os factos dados como provados na douta sentença.
Prosseguindo,
D. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública (FP) conformar-se com o doutamente decidido, porquanto discorda das conclusões e respetiva fundamentação, o que conduz a erro de julgamento de facto e de direito determinante da sua revogação e substituição por outra decisão que considere a impugnação judicial improcedente.
Vejamos então.
E. Os atos tributários de liquidação impugnados têm na sua génese o resultado do procedimento inspetivo externo efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., em cumprimento da ordem de serviço n.º ...84, de âmbito geral e incidência sobre o exercício de 2002.
F. Na base das liquidações impugnadas encontra-se uma correção meramente aritmética à matéria tributável de IVA, no valor de € 3.184.962,25, resultante da dedução indevida do imposto por parte da aqui impugnante, face ao não cumprimento por parte da mesma do disposto na al. g) do n.º 1 do art. 28.º (atual, art. 29.º) e 44.º do CIVA, em conjugação com o disposto no n.º 2 do art. 19.º do mesmo diploma.
G. Após duas prorrogações do prazo de procedimento de inspeção tributária nos termos do art. 36.º do RCPIT, foi, no dia 21/10/2004, a impugnante novamente notificada para regularizar a contabilidade referente ao exercício de 2002, e proceder à sua apresentação no dia 08/11/2004, com a advertência de que a não regularização da contabilidade, de forma a possibilitar o controlo claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do IVA, implicaria a consideração como indevida do imposto declarado como dedutível nas declarações periódicas relativas aos vários períodos do ano de 2002 (cfr. Anexo 4 ao relatório, a fls. 57 do PA).
H. Em 05/11/2004, justificou a impugnante que não tinha para apresentar a contabilidade regularizada referente ao exercício de 2002, reconhecendo, no entanto, a sua opção, após entrega de todo o equipamento informático em Maio de 2004, pelo lançamento da contabilidade do ano de 2003, bem sabendo que tinha que cumprir com tal obrigação ao ano de 2002, ano inspecionado, já desde, pelo menos a data de 11/12/2003, data da primeira notificação da impugnante para apresentação da contabilidade referente àquele ano (cfr. Anexo 5 ao relatório a fls. 58 e 58-verso do PA).
I. Face à não regularização da contabilidade de forma a possibilitar o controlo claro e inequívoco, por parte da AT, dos elementos necessários ao cálculo do IVA, foi considerado como indevidamente deduzido o IVA dedutível constante das declarações periódicas de IVA dos meses de Março a Dezembro de 2002, tendo sido a impugnante notificada do projeto de conclusões do relatório da inspeção de forma a que pudesse exercer o seu direito de audição prévia, em cumprimento do art. 60.º do RCPIT e da LGT. Direito esse exercido pela impugnante, cuja análise foi devidamente efetuada e contraditados os argumentos expendidos, com os fundamentos e razões explicitadas no Capitulo VIII do relatório da inspeção, cfr. fls. 49 verso a 53 do PA junto aos autos, tendo-se mantido as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária na elaboração do relatório final de identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária, cuja notificação ocorreu em 25/11/2004, (cfr. fls. 101 do PA junto aos autos).
J. Face à não apresentação de diversos documentos relativos ao apuramento do IVA, bem como de outros lançamentos, a não explicação detalhada de como foram calculados cada um dos valores debitados e creditados nas diversas sub-contas relativos a tais movimentos, o cálculo do pró-rata, e após notificações da impugnante para o efeito, durante o procedimento efetuado, na sequência do pedido formulado em requerimento da impugnante, não existiu uma verdadeira reconstituição da contabilidade, enquanto sistema de informação obrigatório que proporciona o conhecimento da situação económica e financeira de uma entidade, mas tão só um mero arrolamento de documentos com o objetivo de apuramento do IVA, não justificativo do direito à dedução do imposto, já que não foram exibidos todos os documentos e/ou explicados todos os valores relativos aos lançamentos de apuramento do imposto, não tendo então a impugnante cumprido com a exigência do art. 44.º do CIVA: de que a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.
K. Tal como o próprio normativo indica, não são só as operações dos inputs relativamente às quais o sujeito passivo procede à dedução do imposto e das operações de outputs não isentas, que deverão ser objeto de registo, de forma a que a contabilidade se possa considerar como devidamente organizada, tanto mais, que no caso da impugnante se afigura relevante o registo das restantes operações pelo facto da impugnante proceder ao cálculo do pró-rata pela circunstância de desenvolver uma atividade isenta sem direito à dedução (art. 9.º) e uma atividade sujeita e não isenta – prestação de serviços de construção civil, cálculo essencial de verificar em todas as suas vertentes, por ser este um método de dedução do IVA suportado, que a não se encontrar correto e justificado originará IVA dedutível que poderá não se encontrar como devido face às atividades exercidas.
L. Da concatenação dos documentos juntos aos autos bem como da prova testemunhal produzida, cumpre aferir:
M. Foi a impugnante notificada para esclarecer as divergências e situações apuradas e apresentar documentos justificativos, tendo tido oportunidade de se pronunciar, como sejam, nas várias notificações da impugnante efetuadas durante o procedimento efetuado, devidamente explanadas na informação junta ao processo de RG de fls. 213 a 259.
N. Por outro lado, no que concerne às diligências consideradas como pertinentes pela impugnante sempre se dirá que, o dever de investigação da AT deve ser interpretado tendo em atenção que não poderá significar a obrigatoriedade de realizar todas as diligências que sejam requeridas ou mais tarde reclamadas, nem a admissibilidade absoluta e inquestionável de todos os meios probatórios, mas apenas a vinculação da AT à realização das diligências tendentes a alcançar o apuramento da realidade e da verdade dos factos, admitindo e valorando as provas com as quais os interessados podiam razoavelmente confiar como provas atendíveis, para em seguida decidir sobre essa base.
O. De todo o modo, no procedimento de inspeção tributária tem também aplicação o princípio da celeridade. Este princípio confere satisfação aos objetivos da desburocratização e da eficiência da administração pública, a qual a administração tributária integra. Tal princípio que norteia a Administração Tributária na prossecução do interesse público, impede os SIT de praticar atos de inspecção que não tenham qualquer utilidade para o procedimento ou que o retardem desnecessariamente.
P. Por outro lado, o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 7.º do RCPIT determina numa vertente negativa, que as acções integradas no procedimento de inspeção tributária deverão ser estritamente adequadas aos objetivos por elas visadas. Traduzindo-se o mesmo na abstenção da prática quer de atos que não sejam aptos a servir a finalidade da inspeção, quer atos que excedam o âmbito ou a extensão da acção da inspeção.
Q. Ou seja, cabia à impugnante e não à AT apresentar a sua contabilidade devidamente regularizada, o que, não o fez, nem mesmo, reitera-se, após o procedimento inspetivo, pois mesmo com outro procedimento inspetivo, na sequência do requerido pela impugnante nos termos do art. 71.º do CIVA, tais irregularidades continuavam, como seja, a não apresentação de uma contabilidade regularizada, uma vez que face aos documentos posteriormente apresentados e analisados pela AT, confirmou-se não se mostrarem cumpridos a al. g) do n.º 1 do art. 28.º e art. 44.º do CIVA (cfr. informação a fls. 330 a 340 do processo de RG).
R. Acresce que, a AT está vinculada ao princípio da legalidade, pelo que, face ao incumprimento por parte da impugnante da al. g) do art. 28.º e do art. 44.º do CIVA, impunha-se as correções efetuadas, nada mais restando à AT do que considerar esse IVA como indevidamente deduzido, pelo que, nenhum vício pode ser assacado às liquidações efetuadas.
Pois,
S. A AT tem o dever, por imperativo legal, de efetuar a liquidação de imposto que corresponda exatamente aos pressupostos normativos, sob pena de violar a indisponibilidade da obrigação tributária, estando a manter um ato que se mostra lesivo do princípio da legalidade e implica para a impugnante um tratamento mais favorável do que o dado aos demais contribuintes em idênticas circunstâncias.
T. Ou seja, é lícito à AT desconsiderar a dedução do IVA efetuado pela impugnante perante a não apresentação dos livros (ou contabilidade devidamente elaborada e organizada), ainda para mais, como no caso dos presentes autos, em que a impugnante exerce uma atividade isenta sem direito à dedução (art.º 9.º) e uma atividade sujeita e não isenta (prestação de serviços de construção civil), o que implica que nas deduções efetuadas tenha que ter em conta o pró-rata calculado e para o cálculo desse pró-rata, é essencial e de relevância crucial, o registo de todas as operações (inputs e outputs), o que só se consegue com a contabilidade devidamente organizada, sendo manifestamente insuficiente a junção de alguns documentos.
U. De toda a prova carreada para os autos fica claro que a impugnante fez uma opção – a de não reconstituir a contabilidade de 2002 – opção devidamente ponderada já que, quer no decurso do procedimento inspetivo, quer em sede de recurso hierárquico, a impugnante apenas foi apresentando alguns documentos, alegando reiteradamente que lhe era impossível reconstituir a sua contabilidade, por força do arresto efetuado em Julho de 2003 e do estado em que ficaram as pastas com os documentos bem como, a forma como ficou o sistema informático.
V. O arresto foi efetuado em Julho de 2003 – cfr. documentos juntos aos autos e depoimento das quatro testemunhas que efetuaram depoimento testemunhal. O sistema informático ficou indisponível entre Julho de 2003 e Março de 2004, sendo que nesta altura, os técnicos da [SCom01...] tiveram acesso ao sistema mas não conseguiram recuperar a informação.
W. Face a essa impossibilidade, e dado estarem já em 2004, e de modo a renovarem o alvará de construção (que tem periodicidade anual), que é o mais elevado do setor, deram prioridade às contas de 2003, em prejuízo das contas de 2002, uma vez que o alvará não podia ser renovado sem que as contas fossem apresentadas (depoimento das testemunhas «AA» e «BB»).
X. As pastas que não foram levadas, ficaram “a monte” – depoimento de «CC», sendo que apesar do sistema de segurança se encontrar no próprio bastidor dos computadores, existiam “tapes” com as cópias de segurança (depoimento de «DD»), mas as mesmas desapareceram depois do arresto – note-se, aqui, que a primeira testemunha («AA») afirmou que não havia cópias de segurança. Contudo, como a primeira testemunha foi o gestor judicial e não se encontrava presente no memento do arresto, a informação proferida por «DD» é mais fidedigna por ser quadro da empresa e encontrar-se presente no momento do arresto.
Y. Assim concluiu-se que a impugnante, apesar de ter perdido toda a informação contida no sistema informático até Julho de 2003, conseguiu refazer a contabilidade e apresentar as suas contas. E se conseguiu para o ano de 2003, também o conseguiria em tempo útil para o ano de 2002.
Z. Esta conclusão estriba-se no facto de em ambos os exercícios a impugnante não dispor de informação, quer do sistema informático, quer da informação documental contida nas pastas – como se disse no depoimento testemunhal, as pastas ficaram “a monte”.
Ora,
AA. A sentença funda-se essencialmente na tese de que a inspeção violou o princípio da proporcionalidade e da justiça material.
BB. Segundo o Tribunal a quo, a AT ignorou que a impugnante não tinha culpa no facto de não conseguir apresentar a contabilidade e a IT não lhe concedeu o prazo adequado para reconstituir a mesma, entendimento com o qual a FP não se pode conformar.
CC. Com efeito, sendo a atuação da AT estritamente vinculada à Lei, a inspeção tributária não podia deixar de solicitar a contabilidade, embora não desconhecesse as dificuldades da impugnante, porque tal lhe era exigido, designadamente, em cumprimento dos normativos constantes dos arts. 75.º e 88.º da LGT e art.º. 44.º do CIVA.
DD. Antes lhe cabia – como foi feito – dar prazo à contribuinte para a regularização da contabilidade.
EE. A inspeção entendeu que, a partir do momento em que foram devolvidos à impugnante os elementos necessários à organização da escrita, ela dispôs de tempo suficiente para pôr em dia a contabilidade (cerca de quatro meses), como aliás decorre, nomeadamente, da prova testemunhal produzida, tendo aquela optado por não o fazer, como supra sindicado.
FF. Mas ainda que se entenda que esse prazo era insuficiente, a verdade é que, mesmo depois de ter desconsiderado o IVA dedutível e feito as correspondentes liquidações, a AT não recusou reanalisar os documentos entretanto trazidos pela [SCom01...] em sede de reclamação graciosa, antes aceitou esses documentos e diligenciou pela sua verificação.
GG. Porém, da análise efectuada não permitiu concluir pela possibilidade de aceitar as deduções do IVA, uma vez que os elementos entregues pela contribuinte eram insuficientes.
HH. A atuação da AT foi assim adequada e proporcional uma vez que se procurou conciliar os deveres decorrentes do princípio da legalidade com a satisfação do interesse do contribuinte.
II. Note-se que a insuficiência dos elementos trazidos à RG demonstra bem que se tornava inútil a concessão de prazos mais alargados para reconstituição da contabilidade.
JJ. Do mesmo modo, também não se justificava estender a ação inspetiva para lá dos prazos previstos no art.º 32.º do RCPIT uma vez que, com elevada probabilidade, o resultado final seria o mesmo.
KK. No que toca ao corte integral das deduções do IVA nos períodos de março a dezembro de 2002, a IT não podia deixar de o fazer, ainda que a atuação do contribuinte em períodos anteriores tivesse sido regular e correta.
LL. Com efeito, não é possível inferir de uma atuação anterior a regularidade dos períodos seguintes. Para lá do exposto, o corte do direito à dedução não envolve qualquer julgamento ou apreciação da legalidade e justeza das deduções efetuadas.
MM. Ela resulta, apenas e tão somente, da impossibilidade total de controlar essas deduções de forma eficaz. Também neste campo, a atuação da IT não podia ser diversa da que foi adotada, face ao disposto no art. 44.º do CIVA.
Ou seja,
NN. Em vista do exposto, a atuação da AT não podia ser diversa da que foi, até porque nos encontramos num domínio de total vinculação da AT ao princípio da legalidade.
OO. E esta limitou-se a reconhecer a impossibilidade do controlo do direito à dedução, não fazendo qualquer juízo quanto à correção e justeza das deduções efetuadas.
PP. Acresce que, embora tenha procedido ao corte integral do direito à dedução, a AT esteve sempre disposta a efetuar a reanálise da situação em sede da RG, pelo que desenvolveu as diligências necessárias para apurar a verdade material quanto às deduções do IVA de 2002 e tal só não foi conseguido porque a contabilidade da impugnante nunca foi devidamente regularizada, como supra referido, por opção sua.
QQ. Perante as opções tomadas, e tendo em conta o quadro jurídico legal aplicável ao caso em apreciação, corroborado pela jurisprudência acima citada, apenas se pode concluir pela improcedência da presente impugnação judicial, devendo manter-se na ordem jurídica as liquidações ora controvertidas.
Deste modo,
RR. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada, por erro de julgamento de direito, em violação do disposto nos artigos 7.º, 32.º e 36.º do RCPIT, 75.º e 88.º LGT e 19.º, 28.º, n.º 1, al. g), 44.º e 71 do CIVA, e substituída por decisão que considere legais as correções efetuadas e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida.
Termina pedindo:
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que considere legal as correções efetuadas e julgue improcedente a presente impugnação judicial
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos do parecer prolatado pelo Digno Magistrado do M.º Público junto do STA.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III – Fundamentação:
Factos provados:
1. No dia 23 de Julho de 2003, foi efectuado arresto à impugnante, à ordem do proc. n.º ...0/03.4TBMTS, do ... Juízo Cível do Tribunal de Comarca e Família e Menores de Matosinhos, tendo sido levado das suas instalações todo o mobiliário e respectivo conteúdo, bem como os computadores e equipamento informático, os quais continham a informação contabilística que era processada pela impugnante (facto não controvertido e doc. 4 junto com a p.i.).
2. Pela ordem de serviço n.º ...84, foi ordenada a realização de inspecção tributária à impugnante, de âmbito geral, externa, para o ano de 2002, iniciada em 27.11.2003, na sequência do qual, em 19.11.2004, foi elaborado relatório de inspecção, constante do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, de onde se extrai, entre o mais:
“(…)
2 - ÂMBITO INCIDÊNCIA TEMPORAL
O procedimento inspectivo surgiu na sequência de uma denúncia anónima de um possível conluio entre a [SCom01...], S.A. e [SCom02...], Lda ([SCom02...]), NIPC ...17.
A denúncia foi dirigida ao Sr. Director Geral dos Impostos por funcionários da empresa, tendo dado origem ao Despacho do Director-Gera1 de 2003-07-30, que foi remetido à Direcção Finanças ... através do ofício n.º ...14, de 2003-08-05, da direcção de Serviços de Estudos, Planeamento Coordenação da Prevenção e Inspecção Tributária.
(…)
C – Diligências efectuadas junto da [SCom01...]
Em 2003-12-11, ouvido em Auto de Declarações (Anexo 1) o director financeiro / técnico oficial de contas (Dr. «EE») do sujeito passivo afirmou o seguinte:
(…)
Foi-nos possível verificar que não se encontrava nenhum empregado a trabalhar naquelas instalações. Constatámos que muitas das pastas se encontravam espalhadas pelo chão e à excepção do servidor, que se encontrava lacrado, não existia equipamento informático nas instalações.
Em 2004-01-09, deu entrada na direcção de Finanças ... (no entanto, só nos chegou às mãos em data posterior a 2004-01-12) um ofício enviado pelo advogado do sujeito passivo (Dr. «FF»), que sumariava as razões pelas quais era totalmente impossível ao sujeito passivo exibir os livros da contabilidade, bem como todos os documentos e registos referentes à actividade exercida no ano de 2002:
- Em 2003-07-23, a [SCom01...] foi objecto de uma providência cautelar de arresto (decretada pelo ... Juízo Cível do Tribunal de Matosinhos), mercê da qual foram removidas das suas instalações todos os computadores, com excepção do servidor central que entretanto foi desligado.
- Foi já requerido o levantamento do arresto, mas ainda não tinha havido decisão.
- Os computadores foram desligados sem acompanhamento de um técnico, pelo que não era certo que fosse possível refazer toda a informação.
(…)
Em 2004-07-09, foi notificado o sujeito passivo, na pessoa do seu director financeiro, para no prazo de oito dias prestar os seguintes esclarecimentos:
- Esclarecer qual o critério utilizado para a contabilização das vendas das fracções dos imóveis que transacciona. Nomeadamente se os valores registados na conta de Vendas correspondem ao valores pelos quais são celebradas as escrituras de compra e venda;
- Preencher os quadros anexos à notificação, indicando relativamente aos imóveis que já foram vendidos, o respectivo preço de venda, a data de celebração da escritura, o Cartório Notarial em que esta se celebrou e a identificação do adquirente.
Em 2004-07-23, deu entrada nesta Direcção de Finanças um ofício remetido pelo sujeito passivo, anexo ao qual era remetido um quadro relacionando todas as fracções vendidas pela [SCom01...] no ano de 2002, indicando o respectivo preço, data de escritura e comprador.
(…)
Os documentos relativos à actividade desenvolvida pela empresa no ano 2002 encontram-se actualmente no estaleiro da empresa em .... Trata-se de um número muito elevado de pastas, cuja análise se torna impossível sem acesso aos registos informáticos. As operações realizadas por esta empresa são demasiado numerosas e complexas para poderem ser analisadas unicamente através da análise de documentos. A [SCom01...] constrói em consórcio com outras empresas, tem uma actividade isenta de IVA (construção para venda) e actividades sujeitas (realização de empreitadas). Liquida IVA à taxa reduzida, pois tem como clientes cooperativas de habitação, autarquias locais e CDH Contratos de Desenvolvimento de Habitação.
Dado que não nos foi possível analisar a contabilidade do sujeito passivo, não foi possível determinar se os factos descritos na denúncia são ou não verdadeiros, nem analisar os reembolsos de IVA referentes aos períodos 02-09 e 02-10.
Em 2004/10/21, o sujeito passivo foi notificado (Anexo 4) para regularizar a contabilidade referente ao exercício de 2002. A não regularização de forma a possibilitar o controlo claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do Imposto sobre o Valor Acrescentado, implicaria a consideração indevida do IVA dedutível constante das declarações periódicas respeitantes a todos os períodos de 2002.
Em 2004/11/05, deu entrada nesta Direcção de Finanças um fax (Anexo 5), no qual o sujeito passivo afirma ser-lhe impossível apresentar nos prazos estipulados os elementos solicitados. O sujeito passivo optou por começar por regularizar a contabilidade de 2003, afirmando que agora vai dar prioridade à recuperação da contabilidade de 2002. O sujeito passivo solicita que lhe seja concedido um prazo compatível com a complexidade do trabalho a executar.
Foi-nos exibido o livro de Balanços que se encontrava elaborado até ao Balanço de 2002/12/31. Relativamente aos outros livros selados, foi-nos afirmado que a empresa não sabe onde estes se encontram. Tendo-nos deslocado ao Tribunal de Vila Nova de Gaia verificámos que os livros selados não se encontravam naquele tribunal.
D – Elementos juntos pela Inspecção Geral de Finanças
(…)
III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
(…)
2. IVA dedutível
Em 2004/10/21, o sujeito passivo foi notificado para regularizar a contabilidade referente ao exercício de 2002. Em 2004/11/05, deu entrada nesta Direcção de Finanças um fax, no qual o sujeito passivo afirma ser-lhe impossível apresentar nos prazos estipulados os elementos solicitados, solicitando que lhe seja concedido um prazo compatível com a complexidade do trabalho a executar. No entanto, o sujeito passivo não indica qual o prazo que necessita para regularizar a contabilidade de 2002.
Refira-se que os equipamentos informáticos foram disponibilizados ao sujeito passivo há cerca de meio ano, não tendo o sujeito passivo até à presente data regularizado nem a contabilidade de 2002 nem a de 2003.
Não tendo o sujeito passivo regularizado a sua contabilidade de forma a possibilitar o controlo claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do Imposto sobre o Valor Acrescentado, iremos considerar como indevidamente deduzido o IVA dedutível constante das declarações periódicas de IVA respeitantes a todos os períodos de 02-03 a 02-12, dado que não possível verificar se o preenchimento das mesmas reflecte os elementos constantes da contabilidade, contrariando o disposto no n.º 1 do artigo 44.º do Código do IVA.
Não será considerado como indevidamente deduzido o IVA constante das declarações periódicas do IVA dos períodos 02-01 e 02-02, pois o sujeito passivo foi já objecto de uma acção de fiscalização que abrangeu estes dois períodos.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
VIII - Direito de audição
Em 2004-11-09, foi notificado pessoalmente o sujeito passivo, na pessoa do seu técnico oficial de contas, do projecto de conclusões de relatório, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e no artigo 60.º do RCPIT.
Em 2004-11-17, deu entrada nesta Direcção um ofício do sujeito passivo através do qual este vem exercer o direito de audição
O sujeito passivo começa por referir um facto que lhe suscitou dúvidas, solicitando que lhe seja informado se a denúncia foi mesmo anónima ou se existe identificação dos denunciantes, pois no Projecto de Relatório é afirmado que o procedimento inspectivo surgiu na sequência de uma denúncia anónima e depois é afirmado que a denúncia é feita por funcionários da empresa.
Efectivamente a denúncia é anónima, dado que não vem assinada. É do nosso conhecimento que a denúncia terá sido feita por funcionários da [SCom01...], apenas porque na denúncia os denunciantes afirmam que trabalham há anos na [SCom01...], no entanto, não se identificam.
Relativamente às correcções propostas no Projecto de Relatório o sujeito passivo afirma o seguinte:
(…)
4. Quanto às correcções de IVA, o sujeito passivo recorda que a inexistência de contabilidade não foi de sua culpa, afirmando que depois de completo o processo de regularização da contabilidade de 2003, seguir-se-á a regularização da contabilidade do ano de 2002, para a qual estimam um prazo que não ultrapassará os noventa dias.
O sujeito passivo solicita que seja suspenso o processo de acção inspectiva pelas seguintes razões:
- os problemas que estiveram na origem da necessidade de reconstituição dos registos não serem da sua responsabilidade, não sendo justo vedar-lhes o direito à dedução de IVA suportado;
- não terem recebido resposta ao requerimento entregue em 9 de Janeiro solicitando a concessão de prazo razoáve1 para regularizar a contabilidade de 2002;
- não haver problema no atraso da finalização do processo de inspecção, dado que o prazo de caducidade do exercício de 2002 apenas se verifica no início de 2006.
Face à exposição feita pelo sujeito passivo no exercício de direito de audição e aos elementos enviados, temos a dizer o seguinte:
(…)
4. Quanto às razões evocadas pelo sujeito passivo para solicitar que lhe seja dado um prazo para regularizar a contabilidade, temos a dizer o seguinte:
- Se poderá ser verdade que os problemas que estiveram na origem da necessidade de reconstituição dos registos não foram da responsabilidade do sujeito passivo, é verdade que pelo menos desde Maio (há mais de seis meses) que o sujeito passivo dispõe do seu informático, tendo conhecimento da necessidade de reconstituir a sua contabilidade.
- Quanto ao facto de afirmarem que não receberam resposta ao requerimento entregue em 9 de Janeiro, solicitando a concessão de um prazo razoável para regularizar a contabilidade de 2002, conforme se pode comprovar pelo documento do anexo 14, o documento remetido a esta Direcção não se trata de um requerimento a solicitar qualquer prazo. Trata-se somente de um documento no qual o sujeito passivo justifica a não exibição da sua contabilidade no dia e hora marcado na notificação que lhe foi efectuada em 2003-12- 11.
- É de também de referir que sendo verdade que ainda falta muito tempo para a caducidade do ano de 2002 (como afirma o sujeito passivo), o presente procedimento inspectivo teve início há quase um ano (em 2003-11-27), estando a terminar o prazo previsto nos números 2 e 3 do artigo 36.º do RCPIT.
Face ao exposto não é possível prolongar por mais tempo o prazo deste procedimento inspectivo.
Considerando tudo o que foi exposto neste ponto, concluímos não existirem razões para alterar as correcções proposta no Projecto de inspecção Tributária.
(…)”
(cfr. relatório de inspecção constante do PA).
3. No dia 11.12.2003, a impugnante foi notificada para, no dia 12.1.2004, exibir os livros de contabilidade, bem como os documentos e registos referentes ao exercício da actividade em 2002 (anexo 2 ao RIT, fls. 149 do PA).
4. Em 9.1.2004, a impugnante apresentou requerimento junto da direcção de Finanças ..., com o teor do doc. n.º 9, junto com a p.i., dando conta do arresto dos computadores, com excepção do servidor central, desconhecendo se o servidor teria sofrido danos ou desvio de informação, dado os computadores terem sido desligados sem acompanhamento técnico, requerendo que se considere justificado o não cumprimento na notificação (doc. 9 junto com a p.i. e anexo 14 ao RIT).
5. No dia 12.1.2004, foi lavrado auto de diligências, em que o TOC, «EE», informou do arresto dos equipamentos informáticos e que, das diligências efectuadas, ainda não fora possível recuperar os computadores (anexo 3 ao RIT).
6. Contra a impugnante, em 31.3.2003 foi requerido processo especial de recuperação de empresa, a que coube o n.º ...4/03.5TYVNG, do ... Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 8.10.2007 (doc. 2 junto com a p.i.).
7. Em 3.6.2004, «AA», gestor judicial nomeado no processo de recuperação, enviou carta ao conselho de administração da impugnante, com o seguinte teor:
Para os efeitos tido como convenientes pelo Conselho de Administração da [SCom01...], S.A., informa-se que, no âmbito das funções de Gestor Judicial, tomei conhecimento de que:
a) A [SCom01...], S.A. não dispõe de contabilidade organizada actualizada, nomeadamente porque o sistema informático que suportava a contabilidade foi objecto de um arresto judicial e ficou indisponível entre Julho de 2003 e Março de 2004, não tendo neste período sido efectuado qualquer registo de natureza contabilística no sistema existente à data do arresto;
b) Após autorização judicial para acesso ao sistema informático, obtida em Março de 2004, os serviços técnicos da [SCom01...], S.A., não conseguiram recuperar a informação relativa ao sub-sistema da contabilidade (nem a outros sub-sistemas de informação), o que impede a [SCom01...], S.A. de apresentar de imediato ou a curto prazo quer as contas de 2002 (para efeitos de registo/depósito), quer as contas de IRC (quer para efeitos de registo/depósito, quer para efeitos fiscais em sede de IRC).
O referido em a) e b) impedem que a [SCom01...], S.A. tenha as suas obrigações declarativas de natureza comercial e fiscal em dia, não se prevendo que tal venha a ser tecnicamente possível nos próximos meses. Esta realidade provoca constrangimentos funcionais ao Conselho de Administração, ao Gestor Judicial, à Comissão de Credores e aos Credores, mas, e dado que a [SCom01...], S.A. continua com a sua actividade de construção civil e obras públicas em curso, todas as entidades com as quais o Conselho de Administração se relaciona devem ter uma postura de colaboração no sentido de permitir que, até decisão da Assembleia de Credores e do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, .... Juízo, as empreitadas decorram dentro das limitações impostas por lei para situação de incumprimento.
Mais se informa que este tipo de informação já foi remetido para o processo judicial acima identificado, de forma que seja do conhecimento geral a situação extremamente difícil que a [SCom01...], S.A. vive em termos de acesso e prestação de informação de natureza contabilística e fiscal. (...) (doc. 11 junto com a p.i.).
8. A 17.6.2004, «DD», técnico informático da impugnante, elaborou um relatório, dando conta do estado do sistema informático, junto com a p.i., sob o doc. n.º 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de onde se extrai:
(…)
Praticamente todos os dados, quer em forma de ficheiros, quer os armazenados em bases de dados, assim como grande parte das aplicações desenvolvidas internamente, residiam nos servidores centrais da empresa, que foram dimensionados para atender a tais exigências, optando-se por um elevado nível tecnológico, de forma a reduzir o custo total da manutenção do sistema.
No arresto atrás referido, as acções de remoção começaram precisamente pela sala de informática, sendo os servidores desmontados enquanto estavam ainda ligados e em processamento, por indivíduos sem qualquer qualificação técnica para o fazer, não obstante os nossos alertas para o problema que estavam a criar, o que parece tê-los motivado ainda mais. Quando o advogado da [SCom01...] (Dr. «FF») chegou, apenas conseguiu que os componentes desmontados dos servidores não fossem removidos para fora das instalações, ficando fechados na sala dos servidores à guarda do Tribunal.
(…)
Recentemente, quando foram devolvidos os equipamentos informáticos, verificou-se que alguns foram alvo de invasão e remoção de componentes, nomeadamente memórias, discos e placas de rede. Estes computadores estavam a funcionar no momento em que foram removidos no arresto, pelo que se encontravam evidentemente em perfeito estado. Mais ainda, foram entregues dois equipamentos que claramente não eram pertença desta empresa, dado que são de marcas nunca adquiridas, o que valida os rumores de que alguns equipamentos foram danificados no transporte, havendo afirmações que outros haviam sido deixados no passeio e recolhidos por desconhecidos, Contudo, o inventário e estado dos equipamentos devolvidos não se encontram totalmente apurados, dado que tem sido privilegiada a reactivação do sistema central de apoio à contabilidade.
Quando foi autorizado o acesso ao sistema central, e dado que as instalações da sede não dispõe das condições mínimas de trabalho, foram adaptados outros postos no estaleiro central, para onde foram transportados os servidores e iniciada então a sua montagem.
Uma vez correctamente montado, apenas se conseguiu o arranque de um dos servidores Windows que disponibilizava os serviços de rede. Quanto ao que dispunha o sistema operativo Unix e programa integrado de gestão Genium da Adinfo, que inclui os módulos de contabilidade, não foi possível o seu arranque, o mesmo acontecendo com os restantes servidores e sistema de armazenamento de dados das várias aplicações, nomeadamente a contabilidade, repositório de ficheiros de rede, correio electrónico e das aplicações e bases de dados desenvolvidas internamente para a gestão da actividade, que se encontravam localizados numa Área de Armazenamento de Dados (SAN), formada por múltiplos discos rígidos em “espelho”, cuja segurança e tolerância a falhas era assegurada por tecnologia RAID nível 5.
A origem e justificação do problema da reactivação do sistema informático remonta ao acto de desmontagem dos servidores — essencialmente no que toca aos discos removíveis — por duas ordens de razões:
- A eventual e muito provável existência de dados corrompidos, atendendo à desmontagem forçada dos discos, arrancados sem preparação, com o sistema ligado e em actividade;
- A semelhança fisica entre os discos originalmente localizados nos servidores — que continham os sistemas operativos - e os que residiam na SAN — contendo os dados e aplicações, assim como a falta de identificação da posição que ocupavam no “Array”, fazendo com que a sequência de montagem dependesse grandemente do factor acaso, não tendo o sistema de gestão dos discos RAID reconstruído correctamente.
(…)
Após várias tentativas e combinações, não foi possível reactivar com sucesso os sistemas descriminados anteriormente, sendo a reinstalação a única solução possível para a sua continuidade.
No que respeita às cópias de segurança, há algum tempo que estavam a ser efectuadas e guardadas nos discos da Área de Armazenamento de Dados, uma vez que o dispositivo de armazenamento em fita magnética apresentava avarias repetidas que diminuíam a sua disponibilidade e fiabilidade.
Cumulativamente, as fitas que continham dados históricos do sistema e que poderiam auxiliar a reintrodução de dados, não foram encontradas, o que não constitui surpresa, uma vez que se encontravam na sala dos Sistemas de Informação, de onde desapareceram desde placas de rede avariadas a máquinas fotográficas digitais, software, licenças e manuais, à semelhança do que se passou nas restantes áreas das instalações. De salientar ainda que, em diversas ocasiões anteriores ao arresto, as instalações foram invadidas por elementos estranhos à empresa, que causavam desacatos, importunavam os funcionários, destruíam objectos, tendo-se ainda verificado o desaparecimento de bens - tudo isto sobejamente conhecido e constante das inúmeras participações às autoridades.
Assim sendo, a única solução para retomar a normalidade do sistema passou pela reinstalação de raiz dos sistemas operativos, motor de base de dados, aplicações e cópias de segurança, seguida da parametrização da aplicação GENIUM, de forma a poder dar inicio à introdução dos documentos contabilísticos.
9. No dia 21.10.2004, a impugnante foi notificada para regularizar a contabilidade e apresentá-la no dia 8 de Novembro, com a advertência de que, não o fazendo, tal poderá implicar a desconsideração do IVA constante das declarações periódicas de 2002 (apenso 4 ao RIT – fls. 146 do PA).
10. No dia 8.11.2004, em resposta à notificação referida em 9., a impugnante apresentou requerimento aos serviços de inspecção, com o seguinte teor:
“(…) Relativamente à notificação em referência, vimos pela presente informar V.E” de que, pelos motivos já expostos anteriormente, e que se relacionam com o arresto de todo oequipamento informático, com levantamento do mesmo, torna-se impossível de momento apresentarmos, no prazo estipulado os elementos solicitados.
Igualmente, e como é do conhecimento de V.Exas, dado os nossos pedidos junto do Tribunal, parte do equipamento informático, foi-nos disponibilizado, tendo os nossos Técnicos verificado, que se perdeu toda a documentação existente naquele equipamento, motivada pela actuação inexplicável, dos colaboradores do Fornecedor que procederam à remoção de todo o material, perante a passividade do Representante Judicial A partir do momento em que nos libertaram o equipamento, optamos por começar a lançar a contabilidade, do ano de 2003, a qual está, neste momento, praticamente encerrada.
Esclarecemos V.Exa de que o 1.º Trimestre de 2002, já foi fiscalizado em termos de IVA.
Muito embora, o encerramento do ano de 2002 tenha sido feito, e entregue a Declaração Mod. 22 e respectiva Declaração Anual nessa Direcção Geral, e pelo facto de se ter perdido toda a documentação contabilística, pelos motivos já anteriormente expostos, vamos de imediato dar prioridade à sua recuperação, pelo que solicitamos nos seja concedido um prazo compatível com a complexidade do trabalho a executar.‖ (doc. n.º 16 junto com a p.i.).
11. No dia 25.11.2005, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IVA de Março a Dezembro de 2002, emitidas na sequência da inspecção, onde refere, além do mais, no art. 26.º, do requerimento inicial: “Neste espaço de tempo que mediou entre a conclusão da acção inspectiva e a presente data a requerente desenvolveu um esforço gigantesco conseguindo recuperar a contabilidade do ano de 2002, estando neste momento todos os documentos comprovativos as deduções de IVA a que tem direito, devidamente relevados nos extractos de contabilidade e respectivos livros selados, designadamente todos aqueles que se referem ao IVA dedutível a que a requerente tem legítimo direito.” (RG apensa ao PA).
12. No requerimento inicial referido em 11., mais refere a reclamante que, no dia 12.4.2005, efectuou uma exposição aos serviços de administração do IVA, para que fosse reavaliada a correcção ao imposto dedutível constante das declarações periódicas (art. 33.º do requerimento inicial de fls. 11 do PA).
13. No dia 8.8.2006, foi elaborado projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que consta a fls. 203 a 205 do PA e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Notificada do projecto, a reclamante exerceu o direito de audição prévia, que aqui se dá por reproduzido (fls. 208 a 211 do PA).
15. No dia 4.9.2006, foi elaborada Informação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na sequência do Despacho n.º DI2005.......8, da Direcção de Serviços do IVA, que solicitou aos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., a análise dos elementos apresentados por [SCom01...], S.A., com o seguinte âmbito: “Consulta, recolha e cruzamento de elementos – recolha de elementos com vista à apreciação do pedido efectuado pelo sujeito passivo de validação do imposto dedutível constante das declarações periódicas de IVA relativas aos períodos de Março a Dezembro de 2002” (fls. 213 a 259 do PA).
16. Da Informação referida em 15., consta, além do mais:
(…)
4. Conclusão
Em face do relatado ao longo do presente documento, será de resumir as principais conclusões obtidas:
- conforme foi referido no ponto 2., no decurso do procedimento inspectivo efectuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...84, e após ter sido devidamente notificada para o efeito, a entidade inspeccionada não procedeu à regularização e apresentação da contabilidade, respeitante ao exercício de 2002.
- conforme foi referido no ponto 3.2., tendo em atenção os elementos recolhidos no presente procedimento inspectivo e que já se deram conta ao longo deste documento, nomeadamente, a existência de um movimento de regularização de final de exercício (envolvendo montantes avultadíssimos e que, será de se presumir, terá tido como objectivo “acertar” os valores constantes das várias rubricas patrimoniais e de resultados apurados aquando da “tentativa” de regularização da contabilidade e os valores constantes das peças contabilísticas e fiscais anteriormente elaboradas), a não apresentação de diversos documentos relativos ao apuramento do IVA em vários períodos de 2002, bem como de outros lançamentos, a não explicação detalhada de como foram calculados cada um dos valores debitados e creditados nas diversas subcontas relativos a tais movimentos, tendo em atenção o facto de em diversos períodos se ter verificado que várias subcontas não ficaram saldadas no final do período, e o próprio cálculo do pro-rata, verifica-se isso sim, que a entidade inspeccionada se limitou a proceder à reconstituição de todos os lançamentos que deram origem à dedução do IVA e simultaneamente à reconstituição dos lançamentos que originaram o IVA Liquidado. “Ora, tal não se nos afigura como uma reconstituição da contabilidade, enquanto sistema de informação que proporciona o conhecimento da situação económica e financeira de uma entidade, mas antes um mero arrolamento de documentos com o objectivo de apurar o valor do IVA em cada um dos períodos relativos ao ano de 2002, sendo certo que nem assim tal se encontra devidamente relevado, já que não foram exibidos os documentos e/ou explicados os valores relativos aos lançamentos de apuramento do imposto. Assim sendo, e no nosso entendimento, não tendo o sujeito passivo dado cumprimento ao disposto no artigo 44.º do Código do IVA, não poderia ter deduzido imposto no valor constante das declarações periódicas por si apresentadas relativas aos meses de Março a Dezembro de 2002, no valor total de € 3.184.962,25.
- no caso de ser superiormente entendido que se verificou uma efectiva “reconstituição” da contabilidade, da análise documental, verificou-se que, no que diz respeito, ao imposto deduzido relativo a aquisições de existências, o sujeito passivo inspeccionado não poderia ter deduzido, por um lado, o montante de €92.177,96 (ver Anexo n.º 16), uma vez que, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 20.º do Código do IVA, só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e, por outro lado, o montante de €12.853,17 (ver Anexo n.º 30), respeitante a IVA regularizado a favor da empresa contido em notas de crédito por si emitidas, sem que tenham sido exibidos os comprovativos a que se refere o n.º 5 do artigo 71.º do Código do IVA.
- a entidade inspeccionada procedeu a dedução de imposto relativo a aquisições de outros bens e serviços, tendo por suporte facturas ou documentos equivalentes que não se encontram passados em forma legal, uma vez que não contém explicitamente as quantidades elou valores unitários dos serviços prestados, ou referem uma menção genérica do tipo de serviços prestados, tal como prescreve o número 2 do artigo 19.º do Código do IVA. Esse montante ascende a €784.698,85, relativo a aquisições de outros bens e serviços no território nacional, (ver Anexo n.º 23) e a €44.999,25, relativo a aquisições de outros bens e serviços na Região Autónoma dos Açores (ver Anexo n.º 29).
- no caso de ser superiormente entendido que a não referência expressa das quantidades ou valores unitários dos serviços prestados na própria factura ou documento equivalente possa ser suprida por uma remissão explícita para um documento anexo que contenha tais elementos, dever-se-á expurgar do montante referido no parágrafo anterior, o valor €132.647,19, resultante do somatório de €127.342,70 e €5.304,49 (ver Anexo n.º 23), e o valor de €243,85 (ver Anexo n.º 29).
- o Anexo n.º 31 espelha o conjunto de situações detectadas e que se deram conta ao longo dos parágrafos anteriores.”
17. A Direcção de Serviços do IVA – Divisão de Concepção enviou ofício datado de 23.8.2007, aos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., com o seguinte teor (fls. 261 do PA):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
18. Em resposta ao ofício referido em 15., foi elaborada a informação constante de fls. 270 a 274 do PA, cujo teor se por integralmente reproduzido.
19. A informação referida em 16., foi sancionada por despacho do Chefe de divisão, precedido do seguinte parecer (fls. 269 do PA):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
20. No dia 23.4.2008, a Direcção de Serviços do IVA indeferiu o pedido de apreciação, formulado pela impugnante, no sentido de considerar correctamente deduzido nas declarações periódicas, o IVA de 2002, conforme teor de fls. 331 a 340 do PA, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
21. No dia 17.12.2008, pela Direcção de Finanças ..., foi a reclamação graciosa apresentada pela impugnante indeferida, nos seguintes termos (fls. 341 a 342 do PA):
“(…)
Em 2006-08-08 (fls.205) foi proferido projecto de despacho, no sentido do indeferimento do pedido, o qual veio a ser notificado ao reclamante pelo ofício n o......92/0403 de 2006-08-08, sob o registo no RM ..........4 0 PT (fis.207), para efeitos do exercício do direito de audição prévia prevista no art. 60.º da Lei Geral Tributária (LCT).
Em exercício desse direito, o reclamante veio informar que, entretanto havia requerido ao Serviço de Administração do IVA, ao abrigo do disposto no art. 71.º do CIVA, a reavaliação da situação relativa ao IVA dedutível com referência ao exercício de 2002 (meses de Março/Dezembro), no que se refere ao IVA suportado e sua dedutibilidade tendo em conta as disposições contidas no Código do IVA (arts. 19.º 20.º 21.º 23.º e 35.º).
Tendo-se confirmado que, efectivamente, que deu entrada na Direcção de Serviços de IVA - Divisão de Concepção, a exposição relativa ao IVA suportado e à sua dedutibilidade, com referência ao ano de 2002, com base na qual foi remetida aos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... a fim de aferir da veracidade dos factos relativa à situação aqui em crise.
Do relatório elaborado pelos serviços de Inspecção Tributária (SIT), cuja cópia se encontra incorporada nos autos, a fls. 269 a 325, e cujo teor se dá aqui por reproduzido, paratodos os efeitos legais, constam discriminados os factos detectados no decurso da referida acção inspectiva, que permitiram concluir que o reclamante não deu cumprimento ao disposto na alínea g) do n.º 1 do art. 28.º e art. 44.º ambos do CIVA, pelo que não poderia ter deduzido o imposto no valor constante das declarações periódicas por si apresentadas relativas aos meses de Março a Dezembro de 2002, no valor total de € 3 184 962,25.
E, nesta sequência, foi solicitada à Direcção de Serviços de IVA (fls.259,326,327,328 e 329 dos autos), informação acerca da matéria em causa.
Face ao solicitado, foi pela Direcção de Serviços de IVA- Divisão de Concepção, prestada a informação n.º ...23, de 2008-03-25, incorporada nos autos, a fls. 330 a 340, sobre a qual recaiu em 2008-04-03, despacho de indeferimento.
Nos termos e com os fundamentos da citada informação que se anexa, INDEFIRO o pedido. (…)
22. No dia 15.1.2009, a impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão da reclamação graciosa, nos termos e com os fundamentos de fls. 350 a 362 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23. No dia 7.9.2009, foi indeferido o recurso hierárquico, com o teor de fls. 822 a 834 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde se extrai, entre o mais:
(…)
37. No caso sub judice, pelas irregularidades descritas no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, as quais se dão aqui, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidas, estavam verificados os pressupostos que permitiram à Administração Fiscal recorrer a correcções técnicas, meramente aritméticas, considerando como indevidamente deduzido o imposto dedutível constante das declarações periódicas respeitantes aos períodos de 0203 a 0212, uma vez que o sujeito passivo, regularmente notificado para apresentar os livros da sua escrita, bem como todos os elementos que lhe serviram de base, não apresentou quaisquer dos elementos solicitados.
38. Alega, ainda, a recorrente que tendo sido objecto de uma acção inspectiva anterior aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2002 e que “...desta acção de fiscalização (...) não resultaram quaisquer correcções, sinal evidente que a requerente até à data do incidente estava a cumprir com todas as exigências de escrituração o que permitiu aos serviços de fiscalização confirmar serem válidas as deduções de IVA efectuadas naqueles dois períodos”.
39. Acontece que, aquando da acção inspectiva, não foi considerado como indevidamente deduzido o imposto dedutível constante das declarações periódicas dos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2002 em virtude de os mesmos não terem sido objecto de análise, face a acção inspectiva anterior.
40. No entanto, o argumento de que nestes dois períodos a requerente estava a cumprir todas as exigências de escrituração não é fundamento suficiente para provar que os períodos seguintes também estariam regularizados, até porque da análise de todos os elementos apresentados os serviços de inspecção concluíram por indevidamente deduzido o IVA constante das declarações periódicas dos períodos de Março a Dezembro de 2002, por violação dos artigos 29.º, 36.º e 44.º, todos do Código do IVA.
41. Alega, ainda, a recorrente a falta de audição prévia antes do despacho da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, uma vez que apenas foi ouvida para se pronunciar sobre o projecto de despacho, invocando que os novos factos agora vertidos no teor do despacho de indeferimento deveriam ser alvo de novo direito de audição, nomeadamente, os constantes da informação nº ...23, de 2008.03.25, da Direcção de Serviços do IVA.
42. A citada informação resulta de uma exposição da recorrente onde é solicitado que o imposto considerado como indevidamente deduzido no relatório da inspecção e que consta como causa de pedir da reclamação graciosa, seja considerado como correctamente deduzido e que sejam consideradas sem efeito as liquidações adicionais postas em crise nos presentes autos.
43. Ora, a Constituição da República Portuguesa, no n.º 5 do art. 267.º impõe que o processamento da actividade administrativa assegure, aos cidadãos, o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhe digam respeito.
44. Não se concretizando nesta norma constitucional a forma como deve ser assegurada a tal participação, o art. 60.º da LGT veio dar a concretização a este direito no domínio do procedimento tributário, enunciando as situações em que é obrigatória a audiência dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito.
45. A falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício do procedimento tributário, susceptível de conduzir à anulação da decisão que nele for tomada, o que não é o caso dos autos. O que a recorrente censura não é a inexistência do direito deaudição mas, o facto de depois de se ter pronunciado sobre o projecto de decisão, não lhe ter sido dada nova oportunidade de se pronunciar, desta vez, sobre a versão final do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
46. A não audição da requerente violaria o princípio do contraditório e violaria uma das garantias de defesa e de participação que a lesa. No entanto, resulta do probatório que esta foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa, exerceu esse direito, não existindo, por isso, preterição de formalidades essências ou vícios que possam inquinar o acto decisório da administração.
47. O direito de audição prévia tem que ser adaptado ao princípio da proporcionalidade e da celeridade, não esquecendo que este direito, a ser sucessiva e indiscriminadamente usado, iria não só fazer com que fossem repetidos (desnecessariamente) os argumentos inicialmente invocados em sede de reclamação graciosa, como duplicariam os direitos de defesa que a requerente já dispõe em cada procedimento, transformando esse procedimento administrativo (que deve ser célere) num verdadeiro processo judicial.
48. Pelo que, uma vez que já tendo, a ora recorrente, sido ouvida sobre os factos relevantes, designadamente sobre os factos que sustentaram o projecto de decisão, nomeadamente, a não regularização da contabilidade e, consequentemente, ter sido considerado como indevidamente deduzido o imposto dedutível constante das declarações respeitantes aos períodos em causa, não tinha que ser novamente ouvida antes do despacho da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, cujos fundamentos são os mesmos
49. Conclui-se, face ao exposto, que se deve desatender a pretensão invocada pela recorrente, propondo-se que seja negado provimento ao presente recursos hierárquico, devendo ser mantido o acto de indeferimento da reclamação graciosa.
VII - CONCLUSÕES
50. Tendo em consideração o exposto, somos de parecer que o recurso hierárquico em apreço deve ser indeferido na totalidade.
51. Tendo em conta as instruções sobre o direito de audição veiculadas através do no 3 da Circular no 13, de 1999.07.08, da Direcção de Justiça Tributária, tendo em conta que o recorrente já foi chamado a exercer o seu direito de audição sobre a situação em apreço, em fases anteriores do processo, somos de parecer que é de dispensar nova audição ao recorrente.
24. O alvará de construção da impugnante era dos mais elevados do sector, carecendo de ser renovado anualmente, para o que era necessário apresentar as contas do ano anterior, bem como demonstrar situação regularizada perante o fisco e a segurança social.
25. À impugnante, no âmbito do processo de recuperação n.º ...4/03.5TYVNG, foi aplicada uma medida da reestruturação financeira, continuando em laboração.
26. A medida de reestruturação financeira aplicada no processo implicava a apresentação de contas aos credores.
Factos Não Provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
Os factos acima foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, tal como indicado ao longo do elenco de factos provados, concatenados com a prova testemunhal produzida, a cuja audição se procedeu.
«AA», prestou um depoimento isento, credível, sustentado pela razão de ciência que lhe advém de ter sido gestor judicial nomeado no processo de recuperação. Confirmou o teor do doc. 11 junto com a p.i., informando que o equipamento informático da impugnante tinha sido arrestado, encontrando-se selado pelo tribunal que ordenou o arresto, pelo que o acesso à contabilidade não era viável, facto que deu a conhecer à administração da impugnante, no exercício das suas funções, sendo que a impugnante apenas teve acesso aos computadores durante o ano de 2004.
Confirmou que a impugnante era uma sociedade de construções com um alvará muito alto, que era renovado todos os anos, para o que tinha de apresentar as contas do ano anterior, sendo que se a empresa não tivesse alvará, não poderia continuar as obras que tinha em curso, nem cumprir a medida de reestruturação financeira que foi negociada.
Referiu que o «DD» era o técnico informático contratado para recuperar a contabilidade, porém, não o conseguiu fazer, uma vez que o sistema de segurança ficou comprometido. Confirmou que era impossível refazer a contabilidade sem o sistema informático e que a impugnante não tinha meios humanos para fazer tal trabalho na altura, já que o arquivo da sociedade era caótico, porque os móveis tinham sido removidos e as pastas deixadas ao acaso.
Não sabe se a contabilidade de 2003 foi toda refeita, sabe apenas que as contas de 2003 foram apresentadas, acrescentando que uma parte da contabilidade de 2003 foi feita com base nas reclamações de créditos apresentadas no processo de falência.
«BB», contabilista, assessor financeiro da sociedade impugnante, desde 1989 até 2013, prestou um depoimento credível e conhecedor da matéria em causa nos autos. Confirmou que os computadores foram desligados sem cuidado, aquando do arresto, tendo-se perdido o acesso à contabilidade, ficando, igualmente, as pastas de arquivo desorganizadas. Perdeu-se a base de dados da contabilidade, tendo sido feita a reconstituição da contabilidade desde o início. Confirmou que a [SCom01...] tinha um alvará de classe elevada, que tinha de ser renovado periodicamente, mediante a apresentação de contas e situação regularizada perante o fisco e a segurança social. As contas de 2002 foram fechadas e apresentadas em tempo e renovado o alvará. Crê que as contas de 2003 foram apresentadas com atraso. Deram prioridade a 2003, por causa da regularização perante a AT e por causa do processo de recuperação, dado que era necessário apresentar contas aos credores. Referiu, ainda, que foi contratado pessoal externo para reconstituir a contabilidade e entende que, em Novembro de 2004, aquando do exercício do direito de audição do RIT, precisaria de 90 dias para terminar a reconstituição da contabilidade de 2002. Acrescentou que a impugnante tinha certificação legal de contas e nunca os ROC colocaram dúvidas ou ênfases relativamente à organização das contas.
Quanto à reconstituição da contabilidade de 2002, referiu que a mesma foi feita com ênfase na parte de todos os documentos necessários para efeitos dos movimentos que se relacionassem com o IVA, o que implica todas as operações financeiras por causa do cálculo pro rata, admitindo que alguns valores possam ter sido por aproximação.
Quanto ao arresto, confirmou que as pastas, foram carregadas de qualquer maneira, sem cuidado nenhum, juntamente com os móveis, para camiões, tendo ficado algumas nas instalações e outras abandonadas na rua.
«DD», trabalhou, como trabalhador dependente, na impugnante desde 1997 até Julho de 2003, na área informática. Identificou as instalações da impugnante aquando do arresto, onde estava todo o equipamento informático. Esteve presente nas instalações durante parte do decurso do arresto, que se prolongou por mais de um dia. Referiu que desligaram os servidores, que estavam em bastidores, sem qualquer cuidado e desmontaram-nos. Tentou e conseguiu que os servidores se mantivessem nas instalações e lá ficaram, embora selados, sem que a impugnante lhes pudesse aceder. As pastas de arquivo, algumas foram carregadas em camiões, outras ficaram na sede e algumas ficaram na rua.
Informou que a [SCom01...] tinha cópias de segurança até 3 ou 4 meses antes. Houve uma avaria num equipamento e passaram a fazer cópias em unidades de disco, que foram removidos sem cuidado. Em Março de 2004, quando os equipamentos foram devolvidos, essas cópias não apareceram, assim, como outros equipamentos. E até foram entregues equipamentos que não pertenciam à [SCom01...]. Alguns foram abertos e retirados componentes, como memórias e outros. Toda a informação estava centralizada e como a desmontagem não foi feita devidamente, não foi possível fazer a montagem pela mesma sequência da desmontagem, o que implicou a perda de informação. Perdeu-se também informação sobre obras e projectos que estavam em curso, com excepção de um ou outro desenho que estava nos computadores pessoais, bem como os emails, pelo que não foi apenas afectada a contabilidade.
«CC», advogado, foi funcionário da impugnante desde 1996 até 2006, actualmente continua a prestar alguns serviços. Confrontado com as fotografias que constituem os doc. 5 a 7 juntos com a p.i., referiu que era o espaço ocupado pelos funcionários da contabilidade. Estava presente durante o arresto, que se estendeu por mais de um dia, e foi levado quase tudo. As pastas que não foram levadas, ficaram atiradas pelo chão e, no final do dia, algum material ficava na rua.
Estes depoimentos, providos de razão de ciência, em virtude as funções que exerceram, quer na empresa quer no processo de recuperação, mostraram-se isentos, estando em consonância com os documentos juntos com a p.i. e constantes do PA, confirmando o seu teor, pelo que mereceram credibilidade, sustentando, além do mais, os factos n.º 24 e ss e reforçando a fiabilidade dos documentos apresentados e levados ao probatório.
*

II.2. Aditamento oficioso da fundamentação de facto:
Atento o disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT e a prova documental produzida nos autos, procede-se ao aditamento à fundamentação de facto, nos termos que se passam a enunciar:
20A. O despacho de indeferimento referido no ponto anterior, foi exarado sobre a informação n.º ...23, datada de 2008-03-25, elaborada pelos serviços da Divisão de Conceção da Direção de Serviços do IVA, com o seguinte teor (cf. doc. 8, anexo à PI, a fls. 163 a 172 dos autos, na numeração do SITAF):
Tendo por referência o pedido apresentado em 2005.04.12 pela sociedade [SCom01...], SA, cumpre-me prestar a seguinte
INFORMAÇÃO
I - OPEDIDO
1. A [SCom01...] foi constituída em 1977.05.27 e, desenvolve a sua actividade na área de construção de edifícios e realização de empreitadas.
2. Foi objecto de uma acção de inspecção com referência ao exercício de 2002, a qual teve início em 2003-11-27 e terminou em 25 de Novembro de 2004.
3. Em 2003.07.23, foi objecto de uma providência cautelar de arresto (decretada pelo ... Juízo Cível do Tribunal de Matosinhos), de acordo com a qual foram removidos das suas instalações todos os computadores, com excepção do servidor central que entretanto foi desligado.
4. Foi-lhe de todo impossível no decurso da acção de inspecção reconstituir todos os elementos de contabilidade do ano de 2002 (ano base de análise).
5. Em 2004.01.09., comunicou à Direcção de Finanças ... os motivos pelos quais lhe era impossível exibir os livros de contabilidade, bem como os extractos de contas e documentos comprovativos devidamente ordenados.
6. Foi já requerido o levantamento do arresto, mas ainda não houve decisão. Os computadores foram desligados sem acompanhamento de um técnico, pelo que não era certo que fosse possível refazer toda a informação.
7. Foi requerida a falência da empresa por um seu fornecedor, a requerente deduziu oposição, tendo proposto um processo especial de recuperação da empresa.
8. Em 2004.10.21, foi notificada para regularizar a contabilidade referente ao exercício de 2002, sendo que, a sua não regularização implicaria a consideração indevida do IVA dedutível, constante das declarações periódicas de IVA respeitantes a todo o exercício de 2002.
9. Solicitou que lhe fosse dado um prazo mais alargado em face da complexidade da operação.
10. Em 2004.11.09, é notificada do projecto de relatório para efeitos do art. 60º da LGT, onde entre outras correcções no âmbito de outros impostos, são apuradas correcções ao IVA dedutível motivadas pela não organização da contabilidade no prazo que lhe foi consignado (90 dias). no montante de € 3 184 962,25.
11. Face ao exposto, solicita que:
11.1. O IVA considerado como indevidamente deduzido nas declarações periódicas dos períodos de Março a Dezembro de 2002, seja considerado correctamente deduzido, e que sejam consideradas sem efeito as liquidações adicionais que vierem a ser emitidas em resultado da acção inspectiva.
11.2 Que as infracções cometidas sejam consideradas como uma situação de erro não censurável, sobre a ilicitude da conduta e como tal as coimas que lhe vierem a ser fixadas podem ser afastadas a título excepcional.
11.3 Que lhe selam anulados as respectivos juros compensatórios que lhe vierem a ser notificados para pagar, pelas mesmas razões antes invocadas, sendo certo que nestas e nas situações anteriores merece especial relevância o facto da não existência de prejuízo para a Fazenda Nacional.
II -ANÁLISE EFECTUADA PELOS SERVIÇOS DE INSPECÇÃO - D. F. ...
12. O procedimento inspectivo teve como origem o pedido efectuado pela Direcção de Serviços do IVA através do Oficio nº ...41, de 2005.07.29, (na sequência do requerimento apresentado pela requerente) pelo qual se solicitava a análise dos elementos apresentados pela requerente, no que respeita ao IVA suportado e sua dedutibilidade, com referência ao exercício de 2002 (meses de Março/Dezembro) tendo em conta as disposições contidas no Código do IVA. Arts. 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 35.º.
13. Os objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva, são os constantes da ordem de serviço nº ...84, na qual se refere que é de âmbito “Geral” e de extensão o exercício de 2002, os procedimentos externos tiveram o seu início em 2003.11.24 e o seu fim em 2004.11.08.
14. Relativamente à regularização da contabilidade, refira-se que, de acordo com a alínea g) do número 1 do art. 28.º do Código do IVA, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do nº 1 do art. 2.º são obrigados a dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto. O art. 44.º do referido código dispõe que a contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto. O artigo n.º 44.º do referido Código dispõe que a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto, devendo ser objecto de registo, nomeadamente, as transmissões de bens e prestações de serviço efectuadas ao sujeito passivo no quadro da sua actividade empresarial.
No aspecto particular das transmissões de bens e prestações de serviço efectuadas ao sujeito passivo no quadro da sua actividade empresarial, o nº 3 do referido normativo obriga que tais operações deverão ser registadas de forma a evidenciar:
a) O valor das operações cujo imposto é total ou parcialmente dedutível, líquido deste imposto;
b) O valor das operações cujo imposto é totalmente excluído do direito à dedução;
c) O valor das aquisições de gasóleo;
d) O valor do imposto dedutível, segundo a taxa aplicável.
15. De acordo com o art. 52.º do CIVA, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 472/99, de 8 de Novembro, os sujeitos passivos são obrigados a arquivar e conservar em boa ordem durante 10 anos civis subsequentes todos os livros, registos e respectivos documentos de suporte, incluindo, quando a contabilidade é estabelecida por meios informáticos, os relativos à análise; programação e execução dos tratamentos.
16. No decurso do procedimento inspectivo verificou-se a existência dos livros de inventário e balanços, diário e razão, sendo certo que os mesmos se encontravam registados relativamente ao exercício de 2002.
17. Quanto ao livro “Diário-Razão”, os termos de abertura e de encerramento têm a data de 2005.03.23, sendo que, na segunda folha deste livro se encontra registado o mês de abertura do ano de 2002, pelo que se conclui que este livro só foi utilizado após a conclusão do procedimento inspectivo.
18. No entanto, analisados os montantes constantes no livro de “Inventário e Balanços” referentes a 2002.12.31 e os montantes constantes no livro “Diário-Razão” no mês de Apuramento de Resultados Correntes do ano de 2002, verificaram-se algumas diferenças, nomeadamente:
Contas-POC
21 -Clientes-(€ 8.537.961,77 - € 9 314.463,23) = (€ 776.501,46)
22 - Fornecedores – (€ 23.959.941,58)-(€ 22.320.992,81) = (€ 1.638.948,77)
26 -Outros devedores e credores - (€ 1.585.554,27) - (€ 32.232.249,61) = € 1.638.948,77
19. Da análise dos registos efectuados, constatou-se a existência de um lançamento nº 1301, efectuado no “Diário 8 - Operações Diversas”, relativamente aos movimentos de regularização de final de exercício de 2002 e contendo num total de € 118.883.445,40 (valores a débito) e € 118.883.445,40 (valores a crédito).
Uma vez que não se encontravam arquivados os documentos de suporte dos registos efectuados, foi notificada em 2006.05.04, para que explicasse por escrito, no dia 26.05.23, como foram apurados cada um dos valores debitados e creditados em cada uma das várias subcontas, relativas ao referido lançamento, apresentado o respectivo documento de suporte.
20. Depois de na data fixada, ter declarado que não era possível dar cumprimento à referida notificação, solicitando que a resposta à mesma fosse efectuada numa data posterior a acordar, apenas em documento datado de 2006.07.21, a sociedade veio a apresentar um documento onde, depois de uma introdução onde refere as causas para a não exibição da contabilidade aquando da realização do procedimento inspectivo, alegou que “... procedeu-se à reconstituição de todos os lançamentos que deram origem à dedução do IVA e simultaneamente à reconstituição dos lançamentos que originaram o IVA Liquidado. Todos os lançamentos que não estavam ligados à movimentação das contas do IVA, não foram reconstituídos, até porque o que estava em causa, era apurar a veracidade do IVA dedutível. Nesta Sequência, os movimentos a débito e a crédito em cada uma das sub-contas, cujo suporte é o documento nº 1301 efectuado no diário 8, mais não foram que lançamentos de regularização, tendo em vista o acerto contabilístico entre os saldos do Balancete de Dezembro de 2002 e o dos saldos iniciais de 2003. Com efeito, estes lançamentos conforme se disse em nada interferiam nas contas do IVA regularizado e contabilizado”. O documento de suporte apresentado é o do extracto do registo do referido lançamento no “Diário 8 - Operações Diversas”.
21. São de salientar dois aspectos: por um lado, a magnitude dos valores relativos a tal lançamento (€ 118.883.445,42), tanto mais que os valores acumulados dos lançamentos efectuados até ao mês de Dezembro de 2002, inclusive, ascendiam a € 147.691.372,38, conforme se verifica através da análise do Balancete analítico relativo ao mês de Dezembro de 2002; por outro lado, o facto de nesse lançamento terem sido relevados valores relativos a proveitos referentes a vendas e prestações de serviços. Este último aspecto é muito importante dado que, tal como se verificou da análise aos elementos ao dispor e como referiu a requerente em documento datado de 2006.07.21, o “IVA dedutível respeitante ao sector comum, era calculado em função de uma percentagem de 93,64% calculado em função do volume de negócios do ano anterior; tendo sido feita a rectificação no final de 2002 na declaração mensal de Dezembro, em função de um pro-rata definitivo, obtido através dos valores de vendas e serviços do ano de 2002, já definitivos, originando IVA regularizado a favor do Estado, dado a nova percentagem ser de 66,05% conforme mapa anexo e documento 6409 do Diário do Mês de Dezembro.”
22. Analisados os elementos constantes do documento designado por “CALCULO PRO RATA - 2002”, e, mais concretamente os valores relativos a cada uma das subcontas de proveitos obtidos naquele ano, não conseguiram identificar, por um lado, as subcontas movimentadas através do lançamento nº 1301, efectuado no “Diário 8 - Operações Diversas”. relativamente aos movimentos de regularização de exercício de 2002 e contendo como discriminativo “Mov.Regular.sa”, os quais necessariamente teriam que ter reflexos no cálculo do prorata daquele ano.
23. Por outro lado, analisados os registos efectuados ao longo do ano de 2002, verifica-se a movimentação das subcontas “711112 - Vendas Merc.lVA TN”, “71131 - Vendas Merc (Exp)”, “721111 - Prest. Serviços MN”, “737 -Outros Prov. Suplementares” e “738- NÃO ESPC. INEREN. A”, não tendo sido possível identificar as mesmas no documento relativo ao cálculo do prorata daquele ano.
Não foi percetível a forma como foi calculado o prorata definitivo para o ano de 2002, nem verificar se foram levados em linha de conta os valores registados nas subcontas atrás referidas.
24. Foi também notificada para, no dia 2006.05.23, apresentar os documentos de suporte de diversos lançamentos, bem como de quaisquer outros lançamentos relativos ao apuramento do IVA em cada um dos períodos do ano de 2002, e explicar. detalhadamente, como foram calculados cada um dos valores debitados e creditados nas diversas subcontas, tendo em atenção o facto de em diversos períodos se ter verificado que várias subcontas não ficaram saldadas no final do período. Aquela notificação respondeu em 2006.06.27, apresentando parte dos documentos solicitados. Assinale-se que a sociedade não apresentou os documentos solicitados relativos aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2002.
25. Pelo que ficou referido no ponto anterior, uma vez que as subcontas não foram saldadas no final do período, apesar de lhe ser solicitado como foram calculados cada um dos valores debitados, não houve qualquer explicação, de que resulta a diferença verificada entre os valores constantes do balancete analítico antes e após o apuramento de resultados.
26. Em sede de IVA, e no que respeita ao seu enquadramento, desenvolveu uma actividade sujeita e não isenta (prestação de serviços de construção civil).
A administração fiscal impôs, a partir de 1 de Janeiro de 1990, para o exercício do direito à dedução o método da afectação real de todos os bens ou serviços utilizados às operações imobiliárias, por despacho de 23 de Maio de 1989, transmitido pelo ofício circulado nº 79.713, de 18 de Julho de 1989, da Direcção de serviços do IVA.
27. Foi solicitado à [SCom01...] no dia 2006.05.25, que explicasse por escrito, qual o método utilizado no exercício do 2002. Indicar, no caso de ter sido o método da percentagem de dedução prorata, o valor utilizado provisoriamente ao longo do exercício, bem como o valor do prorata definitivo, apresentando os documentos suporte do cálculo desses montantes, bem como do lançamento de regularização efectuado eventualmente no final do exercício, tendo em atenção que no mês de Dezembro de dois mil e dois foi efectuado o lançamento nº 6409 no Diário 8, contendo a seguinte descrição “Reg. IVA PRO RATA 02”
28. Em documento datado 2006.07.21, esclareceu que “Prática seguida até meados de 2002: Todas as aquisições de materiais davam entrada nos Armazéns Gerais, sendo movimentada a conta IVA dedutível, apenas contabilisticamente, sendo o respectivo valor inscrito na Declaração Periódica, se, face à requisição dos materiais, este fosse afecto a obras de empreitada, ou seja o sector que lhe conferia o direito à dedução. Nesta conformidade, verifica-se assim que a Empresa utilizava o método da afectação real, deduzindo o IVA apenas quando os bens se destinavam à actividade tributada, em função de documentos internos. (…) Nesta conformidade, a Empresa começou desde meados de 2002 a deduzir o IVA constante nas facturas dos fornecedores, a partir do momento que recepcionava as mesmas, e sendo o seu destino desde logo indicado na factura (actividade sujeita ou actividade isenta).
Acrescentou ainda que “quanto ao IVA dedutível respeitante ao sector comum, era calculado em função de uma percentagem de 93,64% calculado em função do volume de negócios do ano anterior, tendo sido feita a rectifícação no final de 2002 na declaração mensal de Dezembro, em função de um prorata definitivo, obtido através dos valores de vendas e serviços do ano de 2002, já definitivos, originando IVA regularizado a favor do Estado, dado a nova percentagem ser de 66,05% conforme mapa anexo e documento 6409 do Diário 8 do Mês de Dezembro.”
29. Efectivamente, e como já foi referido, analisados os elementos constantes do documento designado por “CALCULO PRORATA-2002”, e mais concretamente, os valores relativos a cada uma das subcontas de proveitos obtidos, não foi possível identificar por um lado, as subcontas de proveitos obtidos naquele ano, por outro lado, as subcontas movimentadas através do lançamento nº 1301, efectuado no “Diário 8 - Operações Diversas”, relativamente aos movimentos de regularização de final de exercício de 2002 e contendo como discriminativo “Mov.Regular.sa”, os quais necessariamente teriam que ter reflexos no cálculo do prorata daquele ano.
Analisados os registos efectuados com referência às subcontas de proveitos, não foi possível identificar o documento relativo ao cálculo do prorata daquele ano.
30. Será de salientar que, de acordo com o procedimento adoptado pela sociedade relativamente à dedução do imposto suportado, tomam-se relevantes os documentos Internos, uma vez que diz que “… a Empresa utilizava o método de afectação real, deduzindo o IVA apenas quando os bens se destinavam à actividade tributada, em função de documentos internos.”
Tendo sido notificada para apresentar os relativos aos meses de Janeiro a Maio de 2002, os mesmos não foram exibidos.
31. Após análise documental com referência “IVA dedutível (2432), Regularizações a favor da empresa (24341), IVA deduzido respeitante a existências, IVA deduzido respeitante a outros bens e serviços, IVA deduzido respeitante a operações localizadas nos Açores IVA regularizado a favor do sujeito passivo”, os Serviços de Inspecção Tributária concluíram o seguinte:
31.1. A [SCom01...], após ter sido devidamente notificada para o efeito (Ordem de Serviço n.º ...84) não procedeu à regularização e apresentação da contabilidade, respeitante ao exercício de 2002.
31.2. Tendo em atenção os elementos recolhidos no procedimento inspectivo, nomeadamente, a existência de um movimento de regularização de final de exercício (envolvendo montantes avultadíssimos e que, será de se presumir, terá tido como objectivo “acertar” os valores constantes das várias rubricas patrimoniais e de resultados apurados aquando da “tentativa” de regularização da contabilidade e os valores constantes das peças contabilísticas e fiscais elaboradas), a não apresentação de diversos documentos relativos ao apuramento do IVA em vários períodos de 2002, bem como de outros lançamentos, a não explicação detalhada de como foram calculados cada um dos valores debitados e creditados nas diversas subcontas relativos a tais movimentos;
31.3. Tendo em atenção o facto de um dos diversos períodos se ter verificado que várias subcontas não ficaram saldadas no final do período, e o próprio cálculo do prorata, verifica-se isso sim, que a sociedade se limitou a proceder à “... reconstituição de todos os lançamentos que deram origem à dedução do IVA e simultaneamente à reconstituição dos lançamentos que originaram o IVA Liquidado”. Tal não se afigura como uma, reconstituição da contabilidade, enquanto sistema de informação que proporciona o conhecimento da situação económica e financeira de uma soceidade, mas antes um mero arrolamento de documentos com o objectivo de apurar o valor do IVA em cada um dos períodos relativos ao ano de 2002, sendo certo que nem assim se encontra devidamente relevado, já que não foram exibidos os documentos e/ou explicados os valores relativos aos lançamentos de apuramento do imposto.
31.4. Assim sendo, não tendo o sujeito passivo dado cumprimento ao disposto no artigo 44º do Código do IVA, não poderia ter deduzido o imposto no valor constante das declarações periódicas por si apresentadas relativas aos meses de Março a Dezembro de 2002, no valor total de € 3.184.962,25.
31.5. No caso de superiormente se entender que se verificou uma efectiva “reconstituição” da contabilidade, da análise documental, verificou-se que, no que diz respeito, ao imposto deduzido relativo a aquisições de existências, o sujeito passivo inspeccionado não poderia ter deduzido, por um lado, o montante de € 92.177,96, uma vez que, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 20.º do Código do IVA, só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e, por outro lado, o montante de € 12.853, 17 respeitante a IVA regularizado a favor da empresa contido em notas de crédito por si emitidas, sem que tenham sido exibidos os comprovativos a que se refere o nº 5 do art. 71º do Código do IVA.
31.6. Procedeu à dedução de imposto relativo a aquisições de outros bens e serviços, tendo por suporte facturas ou documentos equivalentes que não se encontram passados em forma legal, uma vez que não contém explicitamente as quantidades e/ou valores unitários dos serviços prestados, ou referem uma menção genérica do tipo de serviços prestados, tal como prescreve o número 2 do art. 19” do Código do IVA. Esse montante ascende a € 784.698,85, relativo a aquisições de outros bens e serviços no território nacional e a € 44.999, 25, relativo a aquisições de outros bens e serviços na Região Autónoma dos Açores.
III- DIREITO À DEDUÇÃO
32. O Imposto sobre o valor acrescentado nos diversos Estados Membros da Comunidade obedece a um modelo comum uniforme de tal tipo de imposto, delimitado a nível comunitário em nome da harmonização fiscal, tendo em vista o objectivo mais vasto da construção do mercado Interno.
33. A disposição que, no CIVA, corresponde à citada norma da 6ª Directiva (agora reformulada pela Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006), é a do art. 20.º nº 1 que refere que só poderá deduzir-se o IVA suportado para a realização de “transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”·bem como de transmissões de bens e prestações de serviços referidas nas diferentes subalíneas da respectiva alínea b).
34. Com a referida disposição pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços, só é dedutível se o custo desses bens e serviços foi repercutido nas receitas objecto de tributação a jusante.
No caso de operações não abrangidas pelo campo de incidência do IVA ou, em geral, outras receitas, não tributadas, é nítido que se trata de operações que não cumprem os requisitos do art. 20.º do CIVA.
35. Refere o nº 1 do·art. 23.º do CIVA que “quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem direito à dedução”.
36. Esta regra geral, normalmente conhecida por “método de percentagem de dedução” (prorata), poderá ser afastada por aplicação, nos termos do nº 2 e 3 do mesmo art. 23º, do chamado “método de afectação real”, que consiste na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a actividades que dêm lugar a dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.
38. A razão de escolha do método “prorata” como regra geral na limitação do direito à dedução, prende-se com o facto de ser muitas vezes impraticável uma separação dos inputs comuns, principalmente quando não se trata de actividades económicas distintas. Este método, apesar de relativamente grosseiro, é bastante mais prático tendo sido o adoptado pela 6ª Directiva.
39. Por sua vez, o n.º 4 do art. 23.º do CIVA refere que a percentagem de dedução referida no nº 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do art. 19 e nº 1 do art. 20.º e, no denominador, montante anual, imposto excluído de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo de imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
40. A opção por um destes métodos de dedução deve constar da declaração de início de actividade ou, caso se verifique alteração à opção inicialmente tomada, deverão os sujeitos passivos entregar a respectiva declaração no serviço de finanças competente, tal como prevê o art. 31.º do Código do IVA.
41. Com a publicação do Decreto-lei nº 323/98, de 30/10, foi dada nova redacção ao nº 2 do art. 23.º do CIVA através da qual se suprimiu a obrigação de comunicar à Direcção-geral dos Impostos. sempre que os sujeitos passivos passassem a utilizar o método da afectação real para efeitos do direito à dedução.
42. Esta alteração assentou no facto de, por um lado, se considerar questionável a exigência da comunicação prévia para permitir a opção por este método. uma vez que a sua opção obriga a procedimentos a seguir no domínio contabilístico, visando proporcionar um correcto apuramento e controlo do Imposto, por outro, o facto de o sujeito passivo, de acordo com o nº 1 e 2 do art 31.º do CIVA, se encontrar obrigado a comunicar no prazo de 15 dias as alterações a qualquer dos elementos constantes da declaração de início de actividade.
43. No entanto, no caso em concreto não era uma opção, dado que, pelo ofício-circulado nº 79 913 de 18 de Julho de 1989, é imposto a partir de 1 de Janeiro de 1990, aos sujeitos passivos que realizem operações imobiliárias a obrigatoriedade da utilização para efeito do exercício do direito à dedução o método da afectação real consagrado no nº 2 do art 23º do Código do IVA (CIVA).
44. O cálculo da parte do imposto dedutível segundo o método de afectação real, implica métodos de cálculo que passarão por:
a) Identificação específica dos custos dos bens e serviços com as actividades que: conferem direito a dedução e que não conferem direito a dedução e respectiva imputação;
b) Para os custos comuns em que se verifique impossibilidade prática de determinar o destino de tais despesas, deverá a imputação ser efectuada de acordo com o prorata geral da actividade.
45. A obrigação de dispor de de contabilidade organizada adequada ao apuramento e fiscalização do imposto decorre da alínea g) do nº 1 do art. 28º, cuja organização, conforme se determina no art. 44.º, deve possibilitar o conhecimento exacto de todos os elementos necessários ao cálculo do imposto e ao preenchimento correcto da declaração periódica.
46. O nº 1 do art. 44.º do CIVA estabelece que a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.
47. Conforme resulta da conjugação das alíneas c) do nº 2 com as alíneas a) b) e d) do nº 4 do mesmo normativo, as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas ao sujeito passivo no quadro da sua actividade empresarial, devem estar registadas de forma a evidenciar o valor do imposto dedutível, segundo a taxa aplicável, o que não se verifica.
48. Pelo que antecede, parece-me ser de indeferir a pretensão da requerente no sentido da anulação das liquidações adicionais num total de € 3.184.962,25, uma vez que face aos documentos analisados pelos Serviços de Inspecção não se mostram cumpridos a alínea g) do nº 1 do art. 28.º e art. 44.º ambos do CIVA.
(…)
II.2. Fundamentação de Direito
Tal como se deixou sumariado acima, a Recorrente imputa à sentença erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos arts. 7.º, 32.º e 36.º do RCPIT, 75.º e 88.º LGT e 19.º, 28.º, n.º 1, al. g), 44.º e 71.º do CIVA.
Vejamos se tem razão.
Tal como resulta da fundamentação de facto da sentença recorrida, a sociedade Recorrida foi objeto de uma inspeção tributária externa ao exercício de 2002, de âmbito geral, na sequência da qual foram emitidas as liquidações de IVA referentes ao período de 02-03 a 02-12, com fundamento na não regularização da sua contabilidade no prazo que lhe foi concedido para o efeito, motivo pelo qual os serviços de inspeção tributária consideraram “indevidamente deduzido o IVA dedutível constante das declarações periódicas de IVA respeitantes a todos os períodos de 02-03 a 02-12, dado que não possível verificar se o preenchimento das mesmas reflecte os elementos constantes da contabilidade, contrariando o disposto no n.º 1 do artigo 44.º do Código do IVA” no montante de EUR 3 184.962,25 (cf. ponto 2, da fundamentação de facto).
Subsequentemente, a Recorrida interpôs reclamação graciosa tendo por objeto as liquidações de IVA em questão, na qual alegou, além do mais ter “conseguido recuperar a contabilidade do ano de 2002” (cf. ponto 11, da fundamentação de facto) reclamação essa que foi indeferida por remissão para “(…) a informação n.º ...23, de 2008-03-25, incorporada nos autos, a fls. 330 a 340, sobre a qual recaiu em 2008-04-03, despacho de indeferimento(sendo certo que a referência ao despacho proferido em “2008-04-03” resulta de um lapso manifesto, visto que o mesmo foi exarado em 2008-04-23), da qual resulta que tal indeferimento se sustentou no facto de “(…) uma vez que face aos documentos analisados pelos Serviços de Inspecção não se mostram cumpridos a alínea g) do nº 1 do art. 28.º e art. 44.º ambos do CIVA(cf., respetivamente, pontos 21, 20 e 20A da fundamentação de facto, no caso deste último, aditada).
Por fim, e não se conformando com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Recorrida interpôs recurso hierárquico da mesma, que veio a ser, também ela, indeferida, com fundamento na não organização e apresentação da contabilidade no prazo concedido para o efeito (cf. ponto 23, da fundamentação de facto).
Por sua vez, a sentença recorrida assenta a decisão de julgar procedente a impugnação judicial na seguinte fundamentação, que se passa a reproduzir no extrato pertinente:
(…)
Das liquidações de IVA de Março a Dezembro de 2002:
Quanto às liquidações impugnadas, que se traduzem na desconsideração do direito à dedução do IVA suportado nas aquisições de bens durante o ano de 2002, dos meses de Março a Dezembro, alega a impugnante que perdeu toda a contabilidade do ano de 2002 devido a um arresto de que foi alvo, em que foi removido o mobiliário e o equipamento informático, sendo que os computadores e servidores foram desligados sem cuidado e sem assistência de um técnico, perdendo-se informação de diversa natureza, pelo que não foi por sua culpa que não logrou apresentar a contabilidade, tal como lhe foi solicitado pelos serviços de inspecção.
Do relatório de inspecção (levado ao probatório), dimana que o procedimento inspectivo foi ordenado na sequência de uma denúncia anónima de um possível conluio entre a [SCom01...] e outra sociedade, [SCom02...], tendo a [SCom01...] contabilizado facturas falsas, dado que das facturas constam quantidades de produtos muito superiores às quantidades efectivamente gastas, tendo sido efectuadas transferências bancárias da conta de um dos donos da Suíça para uma conta de um banco nacional.
Decorre, igualmente, que a AT notificou a impugnante para apresentar a contabilidade e, como a impugnante não o fez, ficaram os serviços de inspecção impedidos de analisar os movimentos em sede de IVA, pelo que decidiram desconsiderar todo o IVA dedutível, declarado nas declarações periódicas ao longo do ano de 2002.
Vejamos.
O apuramento da obrigação de entrega de Imposto sobre o Valor Acrescentado ao Estado estrutura-se no princípio da dedução, segundo o qual o sujeito passivo tem a faculdade de deduzir, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou, o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de tal imposto, tudo reportado ao mesmo período de tributação.
Assim, para cada período de tributação, o sujeito passivo está, simultaneamente, numa situação de devedor ao Estado, pelo montante de IVA que factura sobre o valor das vendas ou serviços prestados, e, em contrapartida, numa situação de credor do Estado, pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços que confiram direito à dedução. É o que decorre do teor dos artigos 19.º e 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Estes preceitos concretizam, na ordem jurídica interna, o direito à dedução em sede deIVA que consubstancia uma das principais características deste tributo, como decorre, desde logo, do disposto no artigo 1.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28.11.2006 – Relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – que estabelece o seguinte:
¯Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.‖
Atento o seu carácter basilar, designadamente em termos de neutralidade do imposto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia vem afirmando que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.
Com o propósito de garantir que existe tal relação directa entre as despesas suportadas e as operações tributadas, o legislador nacional consagrou um conjunto de requisitos formais e de obrigações contabilísticas de cujo cumprimento depende, portanto, a efectivação do direito à dedução.
Assim, enquanto no já citado artigo 19.º se consagram os requisitos formais dos quais depende a efectivação do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços – existência de factura ou documento equivalente em nome e na posse do sujeito passivo, emitido na forma legal –, no artigo 44.º descrevem-se as obrigações contabilísticas que o legislador considera necessárias para garantir um controlo efectivo da correcção dos valores de imposto declarados pelos sujeitos passivos, designadamente no que respeita ao exercício do direito à dedução.
Pelo exposto, conclui-se que, para o exercício do direito à dedução do IVA é necessário, além da detenção e exibição da respectiva factura, que o sujeito passivo cumpra as respectivas obrigações contabilísticas e de registo.
Só com o cumprimento simultâneo e conjugado destas duas obrigações é possível demonstrar e verificar efectivamente a correcção do montante de imposto que o sujeito passivo pretende ver deduzido no período em causa.
Por outro lado, o artigo 266º, nº 1 da CRP, estabelece que a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, enquanto o nº 2, prescreve que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”.
O artigo 55º da LGT reafirma estes princípios no procedimento tributário em geral, estabelecendo que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.
E o art. 5º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, na redacção vigente à data dos factos, refere que “o procedimento de inspecção tributária obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação”.
E é este o quadro principiológico que deve nortear o procedimento de inspecção tributária, à luz do qual devem decorrer os actos de inspecção. No específico âmbito do direito tributário, em que são raros e pouco relevantes os casos de atribuição de poderes discricionários, a aplicação daqueles princípios constitucionais, reafirmada pelo artigo 55º da LGT, cumulativamente com o princípio da legalidade, impõe que os princípios devem ser ponderados e aplicados concomitantemente com as normas que regulam a actuação da AT.
Assim, na aplicação das leis tributárias, as normas que regulam uma determinada situação específica não podem ser encaradas isoladamente, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, em que se englobam aqueles princípios, que também fazem também parte do bloco normativo aplicável e são também definidores da legalidade.
Em primeiro lugar, o princípio da legalidade assume especial destaque e relevância, em sede de garantias dos contribuintes, funcionando como o maior entrave à actuação do Estado em matéria da tributação, estabelecendo os direitos e as legítimas expectativas dos contribuintes em relação aos sacrifícios que lhe são exigidos, face a um Estado que necessita de arrecadar receitas para prosseguir os fins a que está adstrito.
Na verdade, para que o Estado garanta a satisfação das suas necessidades financeiras e a adequada repartição dos encargos tributários, tem forçosamente de se intrometer de forma abusiva na esfera pessoal e patrimonial dos cidadãos. Esta intromissão exige por isso o estabelecimento de garantias para os contribuintes, cuja consagração vem prevista no artigo 103.º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que visa precisamente evitar que a pressão da arrecadação de receitas possa colocar em causa e sacrificar de forma arbitrária e discricionária direitos e legítimas expectativas dos contribuintes (cfr. “RCPIT Anotado e Comentado”, Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, 1ª edição, Coimbra Ed., p.34 e 35).
Também com consagração no artigo 266º nº 2 da CRP, o princípio da imparcialidade deve pautar a actuação dos órgãos e agentes administrativos no exercício das suas funções, constituindo dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito.
Este princípio implica que a administração tributária, no exercício da sua actividade, norteie a sua actuação sempre de acordo com critérios de isenção, impondo, ainda, que todas as actuações da Administração tributária, no âmbito do procedimento tributário, tenham que decorrer de boa fé.
“Este princípio, embora não tenha consagração expressa no RCPIT, e que mesmo na LGT a sua abordagem seja feita no âmbito do princípio da colaboração, não significa, bem pelo contrário, que o mesmo não assuma um papel relevante no procedimento tributário, designadamente no procedimento tributário de inspecção” (cfr. Freitas da Rocha e Damião Caldeira, op. cit., p. 37.
Por outro lado, segundo Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 235-236) apesar de o artigo 55.º da LGT não fazer referência expressa a este princípio da boa fé a sua aplicação é imposta pelo artigo 266º da CRP, sendo que a própria LGT supõe a sua observância no âmbito do princípio da colaboração entre a administração tributária e os contribuintes e concretiza a sua aplicação.
Mesmo que assim não fosse, quer o artigo 266º da CRP, quer o artigo 10º (anterior art. 6º-A) do CPA seriam mais do que suficientes para obrigar a aplicação deste princípio ao procedimento tributário. Este princípio exige que a Administração se relacione com os particulares como pessoa de bem, obedecendo a padrões éticos de boa conduta e criando um clima de confiança e previsibilidade, sem quebra das expectativas legítimas dos administrados.
A referência que é feita na LGT à exigência de boa fé no domínio da colaboração entre contribuintes e Administração tributária tem concretização no artigo 48.º do CPPT, que prevê os deveres de colaboração da Administração com os contribuintes, estabelecendo:
1 - A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem.
2 - O contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso.
A boa fé impõe, assim, que a Administração não possa retirar vantagens das omissões ou erros manifestos dos contribuintes, assumindo este aspecto particular relevância na medida em o mesmo exclui, por exemplo, que da ignorância, incompetência ou inércia do contribuinte se possa presumir, sem mais, uma conduta fraudulenta. Por outro lado, o princípio da cooperação, previsto no artigo 59º da LGT e artigos 9º e 48º do RCPIT, dirige-se a todos os intervenientes no procedimento que estão sujeitos a um dever mútuo de cooperação: inspecção tributária, sujeitos passivos e outros obrigados tributários. Este dever de cooperação que incide sobre o sujeito passivo e até de terceiros tem consagração legal expressa nos vários diplomas que compõem a legislação tributária.
Este dever recíproco de cooperação encontra-se igualmente ligado ao princípio da boa fé que deve presidir às relações entre contribuintes e Administração Fiscal.
Refere Diogo Leite de Campos: «Dir-se-ia mesmo que a realização plena do Direito/Justiça em cada caso só é possível através do apelo à boa fé; que, neste sentido, o respeito pela lei exige o recurso à boa fé; e que esta contribui para transformar a fiscalidade em Direito fiscal, e o Direito Fiscal num direito como os outros. Aplicada por um intérprete diligente, a boa fé, revelada e concretizada por múltiplos princípios (são paradigmas os da confiança e da previsibilidade), vem reforçar a segurança jurídica.» (“Boa fé e segurança jurídica em direito tributário”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, Volume I, Lisboa, Ordem dos Advogados, 2008, pág. 138).
De referir, ainda, que o princípio da boa fé coincide, em determinados aspectos com o princípio da proporcionalidade, pois uma actuação desproporcionada é contrária às exigências de boa fé.
Veja-se, ainda, o acórdão do STA, de 21.9.2011, proc. nº 0753/11, em cujo sumário de lê:
“I - O princípio da boa fé, na sua vertente de tutela da confiança, visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem.
II - No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.
III - A violação pela administração tributária dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei.
(…)
À luz dos considerandos tecidos, vejamos agora, o caso dos autos.
É indubitável que a AT pode proceder a acções de fiscalização, exigindo-se que os contribuintes tenham na sua posse os elementos contabilísticos necessários a comprovar a sua situação tributária, sob pena de, tal não se verificando, sofrerem as consequências de tais faltas. Por outro lado, o direito à dedução do IVA suportado advém da menção do imposto em factura ou documento equivalente, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova da apresentação dos documentos que lhe conferem o respectivo direito, bem como a respectiva relevação contabilística.
Para o efeito, a AT exigiu à impugnante a exibição da contabilidade e respectivos documentos, a fim de aferir da rectidão das deduções efectuadas, no entanto, a impugnante não logrou satisfazer a exigência da AT. Como resulta da materialidade assente, a impugnante, em Julho de 2003, foi alvo de um arresto requerido por um credor, em execução do qual foram levados das instalações da impugnante, computadores, demais equipamento informático, bem como pastas com documentos que se encontravam no mobiliário. Durante o arresto, os computadores foram desligados por indivíduos sem qualificação técnica e transportados em camiões para fora das instalações; foram desmontados os servidores enquanto estavam ainda desligados e os que não foram removidos ficaram selados e inacessíveis, à guarda do tribunal que ordenou o arresto. Tal conduta levou a que se perdesse a informação armazenada, em que se inclui a contabilidade.
Resulta, igualmente dos factos, que a AT, na sequência de uma carta anónima que dava conta da eventual participação em conluio envolvendo facturas falsas, iniciou uma acção inspectiva, em Novembro de 2003, notificando a impugnante para apresentar, em 12.1.2004, os livros de contabilidade, bem como os documentos subjacentes ao exercício da actividade. Porém, a impugnante apenas recuperou o equipamento informático em Junho de 2004, tendo, em 17.6.2004, o técnico informático da impugnante elaborado um relatório, dando conta da perda definitiva de grande parte da informação contida no sistema, concluindo que a única solução passou por reinstalar de raiz os sistemas operativos, de forma a poder dar início à introdução dos documentos contabilísticos (cfr. facto nº 8.).
Em 21.10.2004, a impugnante foi novamente notificada para apresentar a contabilidade no dia 8 de Novembro, tendo, nesta data, esclarecido a AT que, a partir do momento em que foi disponibilizado o equipamento informático, optaram por começar a organizar a contabilidade de 2003, o que bem se compreende, já que as contas de 2003 eram necessárias para renovação do alvará de construção, sem o qual a impugnante não poderia continuar as obras que tinha em curso. Mais requereram um prazo compatível com a complexidade do trabalho a realizar.
Ora, tendo em conta o que resultou provado, importa concluir que a falta da contabilidade não pode ser imputável à impugnante, sendo que não se nos afigura razoável esperar que a impugnante reformulasse toda a contabilidade do ano de 2002 entre os meses de Junho e Novembro de 2003.
Na verdade, não é da sua responsabilidade que o arresto tenha sido efectuado nas condições em que o foi, com o desligamento ao acaso dos computadores e servidores, o que determinou a perda da informação neles contida, designadamente a contabilidade, sendo que os lançamentos contabilísticos tiverem de ser refeitos relativamente a todo o ano de 2002.
Os próprios serviços de inspecção reconheceram a dificuldade da tarefa de reconstituição da contabilidade, pois deixaram exarado no relatório que os documentos relativos à actividade desenvolvida pela impugnante, durante o ano de 2002, “encontram-se num número muito elevado de pastas, cuja análise é impossível sem acesso aos registos informáticos”.
O que significa que a AT, durante a inspecção, nem tentou verificar as deduções de IVA através da análise das facturas onde o IVA é mencionado, concluindo que tal exercício seria impossível sem acesso aos registos informáticos. Apesar disso, a impugnante apresentou o livro de balanços, elaborado até final do ano de 2002.
Torna-se, assim, claro, que a impugnante não tinha como satisfazer a exigência(legítima) da AT, de exibir os registos contabilísticos de 2002, tendo em conta que o sistema informático tinha sido destruído, tendo de se efectuar todos os registos novamente.
É certo que a os serviços de inspecção notificaram várias vezes a impugnante para apresentar os livros contabilísticos, porém, nunca atenderam ao pedido da impugnante para conceder prazo razoável para regularizar a contabilidade, não tendo avaliado a sua concreta situação de facto e estimado um tempo considerado adequado para regularização da contabilidade, como impunha o princípio da colaboração.
Ademais, a impugnante fora sujeita a um processo de recuperação de empresas, tendo poucos funcionários ao seu serviço que pudesses dedicar-se em exclusividade a refazer a contabilidade de um ano inteiro, mais parte de ano de 2003, sem olvidar que a empresa continuava em laboração, pelo que os lançamentos diários contabilísticos de 2004 e seguintes não podiam suspender-se.
De notar que os serviços de inspecção estavam cientes da situação da impugnante, do que, aliás deram conta no relatório de inspecção (sem todavia retirar qualquer consequência), tendo sido informados pelo administrador judicial da perda da contabilidade, tendo consultado o processo de arresto no Tribunal, tendo conhecimento do relatório do técnico de informática, tendo visitado as instalações da impugnante e constatado que não havia funcionários e que as pastas estavam espalhadas pelo chão e reconhecendo que a quantidade de documentos constantes das pastas era imensa, tornando impossível a sua análise.
Mesmo assim, a AT decidiu, então, considerar como indevidamente dedutível o IVA constante das declarações periódicas de IVA referente aos meses de Março a Dezembro de 2002, como que presumindo que todo o IVA seria indevido, isto mesmo após a impugnante ter apresentado as declarações periódicas de IVA e IRC, que foram aceites, e ter até sido inspeccionada relativamente ao IVA de Janeiro de Fevereiro de 2002, tendo a sua situação sido considerada regular.
Esta actuação da AT é claramente desproporcional, deixando a impugnante numa situação insustentável, não tendo condições para exercer cabalmente o seu direito de defesa. Impunha-se, assim, que a AT analisasse as reais condições de que a impugnante dispunha para refazer a contabilidade, fazer os necessários lançamentos nos diários, tendo em conta os recursos materiais, tecnológicos e humanos acessíveis, avaliando qual o tempo razoável que seria necessário despender para que a contabilidade pudesse ser regularizada e exibida, bem como os documentos que se encontravam nas pastas de arquivo e, após essa análise, deveria ser estimado e concedido à impugnante um período de tempo para cumprir as exigências da AT.
Aliás, a comprovar a dificuldade, morosidade e complexidade da tarefa de regularização da contabilidade, está a tentativa que foi feita aquando do procedimento aberto ao abrigo do art. 71º do CIVA (que não é objecto deste processo). Aí se verificou que, não obstante o tempo decorrido, mesmo assim, a impugnante apenas logrou efectuar os lançamentos relevantes para justificar as operações relevantes em sede de IVA.
A actuação da AT viola assim, como se referiu, o princípio da proporcionalidade, previsto, além do mais, no art. 7º do RCPIT, onde se refere que “as acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos deinspecção tributária”.
Do teor do relatório de inspecção, levado ao probatório, resulta que a impugnante havia já sido alvo de inspecção externa, levada a cabo entre 10.5.2002 e 2.10.2002, para análise de um pedido de reembolso de IVA, que abrangeu os períodos de 2000, 2001 e Janeiro e Fevereiro de 2002, não tendo a AT dado conta que qualquer irregularidade na contabilização do IVA. Consta igualmente do relatório, que a presente acção de inspecção foi desencadeada por uma denúncia anónima, cuja proveniência a AT desconfia vir de funcionários da empresa, tendo, por isso, solicitado a repetição do procedimento inspectivo (cfr. pág. 3 do RIT).
Ora, não se afigura proporcional, exigir a exibição da contabilidade, bem sabendo que a mesma não existia por motivo não imputável à impugnante, bem como a consequente liquidação de IVA, desconsiderando todo o IVA dedutível de 10 meses do ano de 2002, apenas com base em factos relatados numa denúncia anónima, cuja autoria é, portanto, desconhecida, sendo que a AT não dispunha de quaisquer outros elementos que levassem a supor que a contabilidade apresentava irregularidades, tais como, indícios decorrentes do cruzamento de dados de outros contribuintes, prova recolhida em outras acções de inspecção, factos conhecidos por troca de informações com autoridades fiscais estrangeiras ou outros elementos objectivos, baseando-se apenas num relato constante de uma carta anónima, sem quaisquer elementos de prova que pudessem sustentar os factos relatados, sendo que, até ao momento, e mesmo depois de ter existido uma inspecção no ano de 2002, não havia qualquer suspeita de simulação de facturas, omissão de proveitos ou outras irregularidades.
Na verdade, o princípio da proporcionalidade encontra-se associado à ideia de justiça, podendo o mesmo ser visto como uma desvantagem a suportar pelo indivíduo a favor do interesse público ou como um obstáculo ao arbítrio, ou seja, como um equilíbrio entre o excesso de poder e a garantia do respeito pelos direitos fundamenais entre os fins a atingir e os valores a proteger.
Acresce que a existência de inspecções repetidas e continuadas ao mesmo contribuinte, abrangendo os mesmos períodos, coloca em causa o princípio de proporcionalidade e igualdade.
Neste sentido, embora focando-se na necessidade de fundamentação da decisão de proceder à inspecção, o STA pronunciou-se, no acórdão de 9.3.2022, proc. nº 01683/12.4BEBRG, da seguinte forma:
“(…) Acresce, o art. 27.º n.º 1 als. a) e b) do RCPIT exigia que a identificação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar no (em cada) procedimento de inspeção tivesse por base, entre outros, ¯A aplicação dos critérios objectivos definidos no PNAIT para a actividade de inspecção tributária;‖ ¯A aplicação dos critérios que, embora não contidos no PNAIT, sejam definidos pelo director-geral dos Impostos, de acordo com necessidades conjunturais de prevenção e eficácia da inspecção tributária ou a aplicação justificada de métodos aleatórios;‖.
Confrontados com este conjunto normativo, sem prejuízo de nele descortinarmos/identificarmos, em primeira linha, um conjunto de diretrizes (poderes/deveres), do legislador, dirigidas à operacionalidade e atuação, dentro da legalidade, dos serviços de inspeção da autoridade tributária e aduaneira (AT), não podemos deixar de, no mesmo, encontrar, também, traduzida particular preocupação com uma matéria sensível, potencialmente, geradora de conflitualidade, a merecer, por parte dos concretos agentes da AT, uma atenção particular e um tratamento consentâneo com as atuações, casuísticas, junto das pessoas/entidades a inspecionar. Por outras palavras, dos arts. 23.º a 27.º do RCPIT, além do mais, emergia, na nossa ótica, um apontamento, do legislador, dirigido aos órgãos da AT, no sentido de serem, especialmente, cuidadosos com a seleção/escolha dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que, em cada ano civil, se sujeitariam a procedimentos de inspeção tributária, impondo-lhes, expressamente, que divulgassem os ¯critérios genéricos‖ definidos e acolhidos, bem como, para nós, implicitamente, que, se necessário, em alguns casos, fossem incisivos, inequívocos, na fundamentação, individualizada e reforçada, da decisão de inspecionar determinado sujeito/obrigado com recurso a critérios mais restritos, subjetivos (que fossem, em alguma medida, para lá da objetividade definida no PNAIT), isto é, usassem um antídoto, contra qualquer dúvida, razoável, sobre a imparcialidade/aleatoriedade da inclusão num plano de inspeções.
E, é, precisamente, com este derradeiro modo de entender que temos de buscar e ditar, a solução da situação, privativa, dos, aqui, inspecionados.
Mesmo descartando a, mais que provável ocorrida, omissão de divulgação dos critérios genéricos de seleção para, pelo menos, os anos de 2008 a 2010, sendo certo que aqueles, entre 1990 e 2010 (21 anos), foram fiscalizados/inspecionados, pelos serviços competentes da AT, em 17 anos (só não, nos de 1994, 2004, 2005 e 2006), julgamos, dada a natureza, incomum, da repetição, anual (entre 1995 e 2003, foram 9 anos seguidos), da respetiva sujeição a inspeção, no âmbito do IRS, que se impunha, aos serviços da AT (especificamente, da Direção de Finanças ...), uma exigência acrescida na fundamentação dos atos (ordem de serviço e carta-aviso) respeitantes à decisão de submete-los a procedimento inspetivo, abrangendo os anos de 2008, 2009 e 2010, ou seja, a circunstância da pretérita repetição, anual, dessa sujeição, mais que justificava, obrigava, na medida do possível (sem prejudicar os objetivos prosseguidos), a indicar, aos destinatários, os critérios, motivos, da seleção/escolha para verem a sua situação tributária sujeita a inspeção, por mais um triénio.
Ademais, não podemos desvalorizar o facto de, no final do ano de 2009, os inspecionados terem sido selecionados e avisados de que iriam ser sujeitos a inspeção externa, relativa ao ano de 2008 – pontos 6) e 7) dos factos provados, de cariz parcial (Cf. campo 4, do documento reproduzido em 6).), que, aparentemente, não tendo sido efetivada, foi transmutada em inspeção externa geral (Cf. campo 4, do documento reproduzido em 8).), no mês de dezembro de 2011, sem qualquer justificação adicional, específica. (…)”
Além disso, a AT, no relatório de inspecção, invocou o esgotamento do prazo previsto no art. 36º do RCPIT, como justificação para a impossibilidade de prolongar o procedimento inspectivo, ao que a impugnante defendeu que o prazo de caducidade do direito à liquidação ainda estaria longe.
Na verdade, o art. 36º, nº 2 e 3, do RCPIT previa que o procedimento de inspecção deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses, em determinadas circunstâncias. Por outro lado, caso o procedimento se inicie dentro do prazo de quatro anos (art. 36º, nº 1), este facto tem a virtualidade de suspender o prazo de caducidade, nos termos do artigo 46º nº 1 da LGT.
Mas qual é a consequência para o incumprimento do prazo previsto no art. 36º nº 2 e 3 do RCPITA?
Embora o procedimento de inspecção deva ser célere e eficaz, de forma a que a situação tributária do sujeito passivo inspeccionado seja definida com certeza e segurança no mais curto prazo possível, de forma a assegurar os direitos e garantias daquele, a verdade é que não está prevista na lei, nomeadamente no RCPIT e na LGT, qualquer ilegalidade que possa resultar da inobservância do prazo de duração da inspecção, consagrado no art. 36º do RCPITA.
Quanto à jurisprudência, esta tem sido pacífica e uniforme quanto à única consequência a retirar do incumprimento de tal prazo, que é a de que, uma vez que o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende com o início do procedimento, cessa este efeito suspensivo, contando-se o prazo desde o início, como se a mesma não tivesse ocorrido.
Ou seja, a única consequência é a de não suspensão do prazo de caducidade, nos termos do nº 1 do art. 46º da LGT, não tendo esse incumprimento qualquer outra sanção, nomeadamente em termos de vício que possa afectar a própria liquidação, não tendo qualquer efeito invalidante sobre esta.
Veja-se, por exemplo, o acórdão do STA de 29.11.2006, processo n.º 0695/06, onde se refere que “tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspecção, correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão”. (neste sentido, Freitas da Rocha e Damião Caldeira, op. cit., pp. 198 a 200).
De acordo com os factos assentes, o prazo de 6 meses, para conclusão do procedimento de inspecção já havia sido prorrogado duas vezes, pelo que o prazo estava realmente a esgotar-se. Como dissemos, o prazo de duração da inspecção, pese embora o que se referiu quanto à consequência para o seu incumprimento, não deve ser ultrapassado, pois constitui uma inobservância de uma norma legal.
Porém, há que atender ao princípio da justiça (arts. 266º, n.º 1 e 2, da CRP e art. 55º da LGT).
Em concretização do princípio da justiça, a administração tributária deverá, nomeadamente, abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto.
Ora, no caso em apreço, o cumprimento estrito do art. 36º, do RCPITA levaria a um resultado injusto, traduzido na impossibilidade da real situação tributária da impugnante, o que reforça a conclusão a que chegamos supra. Acresce que, na situação vertente, o prazo de caducidade das liquidações de IVA só terminaria em Dezembro de 2006, pelo que esse risco não estava em causa.
Assim, a actuação da AT mostra-se ilegal, pelo que as liquidações não se podem manter.
(…)
Alega agora a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de facto e de erro de julgamento de direito por “violação do disposto nos artigos 7.º, 32.º e 36.º do RCPIT, 75.º e 88.º LGT e 19.º, 28.º, n.º 1, al. g), 44.º e 71 do CIVA”.
Vejamos se tem razão.
Quanto ao alegado erro de julgamento de facto, o que se constata é a que Recorrente se limita a enunciar a sua existência em abstrato, sem que densifique a sua alegação nesta matéria.
Recordando, o erro de julgamento de facto verifica-se quando é feita uma incorreta avaliação de um concreto meio de prova, ou seja, “sobre os factos que estão representados num dado meio de prova”, configurando um erro na apreciação da prova -, ou quando ocorre uma “incorreta subsunção da factualidade dada como representada nos meios de prova a um juízo de realidade ou não realidade da factualidade”, configurando um erro na fixação dos factos materiais da causa (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 31), estando o Recorrente que o invoca obrigado, além do mais, ao preenchimento dos ónus elencados no art. 640.º, do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
Ora, da leitura da sua alegação o que se retira é que a invocação do erro de julgamento de facto assenta num equívoco, pois o que a Recorrente pretende, é que na sentença é feita uma incorreta aplicação do direito aos factos provados, o que, ao contrário de que alega, é causa para o erro de julgamento de direito, na sua vertente de erro de estatuição, ou de interpretação, ou de aplicação stricto sensu (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 27), e não para o alegado erro de julgamento de facto.
Assim sendo, e porque não é, em boa verdade, invocado qualquer erro de julgamento de facto, não há que proceder há respetiva apreciação.
Quanto aos erros de julgamento de direito invocados pela Recorrente, antes de mais, e atendendo a que o que manifestamente resulta da fundamentação de facto é que tanto as liquidações adicionais de IVA referentes ao período entre 02-03 e 02-12 aqui em causa, como os indeferimentos da reclamação graciosa e do recurso hierárquico interpostos pela Recorrida se sustentaram, única e exclusivamente, na circunstância de a mesma não ter organizado e apresentado a sua contabilidade em tempo, não se vislumbra em que é que o (então) art. 71.º do CIVA (atualmente, art. 78.º), referente a regularizações, resulta violado pela decisão sob recurso.
Com efeito, e, não obstante nas informações constantes no procedimento de reclamação graciosa se terem tecido considerações sobre o (in)cumprimento do disposto nos arts. 71.º e 19.º do CIVA (cf. pontos 15 e 16, da fundamentação de facto) - não deixando de impressionar que a Administração fiscal ali pondere, relativamente a uma mesma situação concreta, que a pretensão da Recorrida poderia ser indeferida porque a mesma não lograra reconstituir a sua contabilidade, ou porque, de acordo com essa mesma contabilidade, não teriam sido cumpridos os requisitos constantes nos art. 71.º e 19.º do CIVA… – o que claramente resulta do teor da fundamentação das várias informações que suportaram o indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico é que, como já se referiu, os respetivos indeferimentos se sustentaram na violação do disposto na alínea g) do n.º 1 do art. 28.º (atualmente, art. 29.º) e n.º 1 do 44.º, ambos do CIVA, por a Recorrida não ter organizado e apresentado a contabilidade referente ao período em questão no prazo que lhe foi atribuído para o efeito (cf. pontos 21, 20, 20A e 23 da fundamentação de facto).
Com efeito, então como agora, o que resultava do disposto na alínea g) do n.º 1 do art. 28.º (atualmente, art. 29.º) é que os sujeitos passivos de IVA devem dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto e o que resultava do disposto no n.º 1 do art. 44.º do CIVA, é que a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.
Não se vê, por isso, em que é que a interpretação do direito em que se sustentou a sentença sob recurso possa ter assentado numa incorreta leitura do preceituado no então art. 71.º do CIVA, no qual se regulavam os requisitos para as regularizações de imposto.
O mesmo se diga relativamente ao art. 19.º do CIVA, respeitante aos requisitos da dedução do imposto.
Com efeito, a decisão recorrida assentou no entendimento de que, e em síntese, a Administração tributária, ao não conceder à Recorrida um prazo razoável para refazer a sua contabilidade, atentas as circunstâncias concretas em que a mesma se encontrava, violou o princípio da proporcionalidade, ou seja, a fundamentação da sentença sustentou-se numa questão logicamente anterior à de saber se no caso em apreço se preencheram os requisitos impostos pelo então art. 71.º do CIVA, ou pelo art. 19.º do CIVA, aspetos que, e atendendo a que o Tribunal a quo se encontrava adstrito à apreciação da concreta fundamentação dos atos administrativos tributários praticados, não poderia, sequer, apreciar, uma vez que, repita-se, as decisões proferidas nos procedimentos administrativos em causa não se fundamentaram na violação de qualquer uma desta disposições.
Assim, o que se considerou na sentença sob recurso, e como claramente resulta da respetiva fundamentação, que se deixou transcrita no excerto pertinente, é que a Administração fiscal violou o princípio da proporcionalidade.
Com efeito, em causa não está, como refere a Recorrente nas suas alegações de recurso, pretender-se que deveria ter inferido “de uma atuação anterior a regularidade dos períodos seguintes”, mas antes que deveria ter ponderado a circunstância de as declarações de IVA até então apresentadas pela Recorrida, enquanto teve condições para manter a sua contabilidade organizada, terem sido aceites, e de, não obstante ter sido alvo de inspeção externa para análise de um pedido de reembolso de IVA, que abrangeu os períodos de 2000, 2001 e janeiro e fevereiro de 2002, a ATA não ter dado conta de qualquer irregularidade na contabilização do IVA.
Sucede que se entende aqui, e, aliás, secundando também a posição assumida nos autos nos pareceres exarados, respetivamente, pelo Procurador Geral Adjunto junto do STA e pelo Procurador Geral Adjunto junto deste TCAN, que a sentença fez uma correta interpretação e aplicação ao caso do princípio da proporcionalidade, nada havendo a censurar ao julgamento de direito ali efetuado.
Não procede, por isso, também, o alegado erro de julgamento de direito por incorreta interpretação do disposto no art. 7.º do RCIPT, norma da qual resulta que as ações integradas no procedimento de inspeção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objetivos de inspeção tributária.
O mesmo se diga do alegado erro de julgamento na interpretação do disposto no art. 36.º do RCPIT, designadamente no que diz respeito ao prazo de duração do procedimento inspetivo.
Com efeito, e como é corretamente referido na sentença sob recurso, os prazos ali consignados para além de assumirem um caráter ordenador, têm por objetivo único o de proteger os contribuintes dos inconvenientes associados à extensão temporal de uma situação de incerteza, que acarreta o condicionamento da sua atividade normal (cf. neste sentido ROCHA, Joaquim Freitas da; CALDEIRA, João Damião - Regime complementar do procedimento de inspeção tributária (RCPIT) anotado e comentado. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pág. 114-115).
Ora, no caso, a pretendida prorrogação tinha como objetivo permitir à Recorrida que, e atentas as circunstâncias excecionais que ditaram o atraso na organização da sua contabilidade, a mesma a pudesse refazer de acordo com as exigências legais, donde a rácio da norma, manifestamente, não era passível de ser afetada pela ultrapassagem dos prazos ali consignados.
E, recorde-se, que essas circunstâncias excecionais se pretenderam com o facto de a Recorrida ter sido objeto de um arresto, durante o qual os seus computadores foram desligados por indivíduos sem qualificação técnica e transportados em camiões para fora das instalações, os servidores foram desmontados enquanto estavam ainda ligados levando a que se perdesse a informação ali armazenada, em que se incluía a contabilidade, e os que não foram removidos ficaram selados e inacessíveis, à guarda do tribunal que ordenou o arresto; de apenas ter recuperado o equipamento informático em junho de 2004, tendo, em 17 de junho o seu técnico informático elaborado um relatório, dando conta da perda definitiva de grande parte da informação contida no sistema, concluindo que a única solução passou por reinstalar de raiz os sistemas operativos, de forma a poder dar início à introdução dos documentos contabilístico.
Mais está em causa o facto de os serviços da ATA terem sido informados pelo administrador judicial da perda da contabilidade, tendo consultado o processo de arresto no Tribunal, tendo conhecimento do relatório do técnico de informática, tendo visitado as instalações da Recorrida e constatado que não havia funcionários e que as pastas estavam espalhadas pelo chão e reconhecendo que a quantidade de documentos constantes das pastas era imensa, tornando impossível a sua análise, e de os próprios serviços de inspeção terem reconhecido a dificuldade da tarefa de reconstituição da contabilidade, pois deixaram exarado no relatório que os documentos relativos à atividade desenvolvida pela Recorrida, durante o ano de 2002, “encontram-se num número muito elevado de pastas, cuja análise é impossível sem acesso aos registos informáticos”.
Está igualmente em causa a circunstância, também ponderada pelo Tribunal a quo, de a Recorrida ter sido sujeita a um processo de recuperação de empresas, tendo poucos funcionários ao seu serviço que pudessem dedicar-se em exclusividade a refazer a contabilidade de um ano inteiro, mais parte de ano de 2003, sem esquecer que a empresa continuava em laboração, pelo que os lançamentos diários contabilísticos de 2004 e seguintes não podiam suspender-se.
Acresce que dos autos resulta provado que a Recorrida optou por começar a organizar a contabilidade de 2003, atendendo a que as contas deste exercício eram necessárias para renovação do alvará de construção, sem o qual a não poderia continuar as obras que tinha em curso, circunstância que foi, também ela, considerada pelo Tribunal a quo.
E sendo certo que, como se refere na sentença, os serviços de inspeção notificaram várias vezes a Recorrente para apresentar os livros contabilísticos, a verdade é que nunca atenderam ao seu pedido para que lhe fosse concedido um prazo razoável para regularizar a contabilidade, não tendo avaliado a sua concreta situação de facto e estimado um tempo considerado adequado para regularização da contabilidade, como impunha, também, o princípio da colaboração.
Em face disto, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que com esta atuação a Recorrente violou o princípio da proporcionalidade, do qual decorre que na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.
Ora, e como é corretamente sustentado na sentença, a atuação da Administração tributária no caso em apreço, em que a concessão de uma extensão do prazo não contendia com a caducidade do direito à liquidação, não tendo qualquer consequência perniciosa para o interesse público, se revelou “(…) claramente desproporcional, deixando a impugnante numa situação insustentável, não tendo condições para exercer cabalmente o seu direito de defesa (…)” impondo-se que “…a AT analisasse as reais condições de que a impugnante dispunha para refazer a contabilidade, fazer os necessários lançamentos nos diários, tendo em conta os recursos materiais, tecnológicos e humanos acessíveis, avaliando qual o tempo razoável que seria necessário despender para que a contabilidade pudesse ser regularizada e exibida, bem como os documentos que se encontravam nas pastas de arquivo e, após essa análise, deveria ser estimado e concedido à impugnante um período de tempo para cumprir as exigências da AT”.
Assim sendo, e em face da constatação de que a Recorrente violou o princípio da proporcionalidade, no caso, plasmado no art. 7.º do RCPIT, ao não conceder à Recorrida um prazo razoável, para que, e em face das circunstâncias concretas do caso, que reconstituisse a sua contabilidade, e assim pudesse cumprir o disposto nos arts. 28.º e 44.º do CIVA, não há que considerar que a sentença tenha feito uma errada interpretação do disposto nos arts. 75.º e 88.º da LGT, ou 32.º do RCPIT.
Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado improcedente.
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Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, pelo que as situações a que a lei concretamente se refere são meramente exemplificativas.
No caso a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se atendendo a que conduta processual das partes na presente instância de recurso não é merecedora de qualquer censura ou reparo, sendo que o concreto valor das custas a suportar calculado sobre a base tributável de EUR 3.514.440,22 a que corresponde o valor da causa, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
Em face do exposto, deverá o remanescente da taxa de justiça ser desconsiderado nas custas do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. É violado o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 7.º do RCPIT, quando não é apreciado um pedido do contribuinte para que lhe seja concedida uma prorrogação de prazo, quando as condições concretas em que se encontrava o justificariam, tanto mais que dessa prorrogação não resultava prejuízo para o interesse público.
II. O art. 36.º do RCPIT não é violado se os prazos ordenadores nele previstos forem ultrapassados em benefício do contribuinte.
III. A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, e o concreto valor das custas a suportar, calculado sobre a base tributável de montante superior a três milhões de euros a que corresponde o valor da causa, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça na presente instância recursiva.
Porto, 22 de fevereiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Conceição Soares – Paulo Moura.