Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00731/22.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC; ANULAÇÃO DE VENDA;
INTEMPESTIVIDADE; ANULAÇÃO DO ATO RECLAMADO;
EXCESSO DE PENHORA; DEVER DE PRONÚNCIA;
Sumário:
I – A anulação do despacho reclamado, com base em erro quanto à intempestividade do requerimento, apenas implicaria que, em execução do julgado, o OEF tivesse de emitir pronúncia sobre o mérito do pedido de anulação de venda.

II – Se o OEF, apesar de, erradamente, julgar o requerimento intempestivo, também apreciou o seu mérito, deve o Tribunal conhecer dos restantes vícios apontados a esta parte da decisão reclamada.

III - O excesso de penhora é um vício próprio do ato de penhora, e não já não do ato de venda, pelo que só poderia ser apreciado em sede de reclamação contra o ato de penhora.

IV - O dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no nº 2 do artigo 56º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...] UNIPESSOAL LDA., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 21.11.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada improcedente a reclamação deduzida contra o despacho proferido pela Sra. Diretora Adjunta da Direção de Finanças ..., datado de 27/09/2022, que indeferiu o pedido de anulação de venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...27, fração “FL”, da freguesia ..., concelho ....

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. Da tempestividade: A Recorrente requereu, no âmbito da reclamação, que o ato reclamado fosse anulado e, em consequência, a aceitação por parte da Autoridade Tributária, porque tempestiva, da reclamação com pedido de anulação.
B. Assim, analisou e bem o Tribunal a quo quanto à tempestividade, concluindo que o pedido de anulação de venda apresentado pela reclamante é claramente tempestivo, contrariamente ao que resulta do ato reclamado.
C. No entanto, face ao erro manifesto e grosseiro da Autoridade Tributária na apreciação da tempestividade, independentemente de uma apreciação sumária e não devidamente fundamentada do pedido, outra não poderia ser a decisão senão a anulação do ato.
Da entrega voluntária de montantes, penhora e excesso da mesma:
D. O Tribunal a quo limitando-se a uma posição estritamente positivista vem apenas alegar para justificar a sua decisão que “com vista a assegurar o pagamento da dívida exequenda, a Autoridade Tributária pode praticar atos de penhora sobre os bens do executado, retirando-os da sua disponibilidade, evitando, deste modo, a sua dissipação”, mais referindo que “todo o património do executado é passível de responder pelas dívidas, sendo que, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para o pagamento da dívida, a execução prosseguirá para a penhora de outros bens do executado”.
E. O que ora se transcreve é verdade, a Autoridade tem de facto esse poder de penhorar os bens do executado e não é isso que se coloca em causa!
F. Contudo, terá o julgador que ter em conta os factos provados e o espírito das normas tributárias que determinam que, no que concerne a penhoras, existe o princípio de prioridade de penhora de bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente.
G. Aqui é exigido um juízo de adequação, que não se verificou, existe apenas a transcrição de normas do CPPT para fundamentar uma decisão.
H. Na verdade, como ficou provado, os valores em causa não seriam suficientes para saldar a dívida, contudo, não ficou muito longe disso!
I. Feitas as contas, vendeu-se, em leilão eletrónico, um imóvel que, independentemente de ser considerado ou não “casa de família” para os termos e efeitos do nº 2 do artigo 244º do CPPT, é efetivamente a casa de família da gerente da Recorrente, pelo valor de € 95.200,00 para saldar uma dívida, à data, de € 1.854,99.
J. Face à prova e às conclusões do Tribunal a quo, este deveria dar razão à Recorrente quando esta alega que a Autoridade Tributária atuou com excesso de penhora, má-fé, de forma abusiva, pois até se tinha disponibilizado junto da Autoridade Tributária para proceder ao pagamento.
K. De facto, existiram pagamentos - pagamentos esses que conforme a matéria provada podem ser confirmados:
Assim, se “em 06/11/2020 foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal nº ...............060 e apensos, cuja quantia exequenda ascende a € 51.167,17, o prédio urbano inscrito na matriz pre4dial urbana sob o artigo ...27, fração” FL”, da freguesia ..., concelho ...” e
“em 08/10/2021 foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal nº ...50 e apensos, cuja quantia exequenda ascende a € 57. 544,84”, estamos a falar num imóvel que foi alvo de duas penhoras cuja quantia ascende a € 108.712,01.
L. Pela matéria assente na sentença com os pagamentos e com as penhoras, na data da venda o valor em débito era de € 1.854,99, pelo que, face a esta prova, facilmente o Tribunal teria concluído que de facto existiram diversos pagamentos e que o valor em causa seria também voluntariamente pago se não fosse a atuação excessiva, abusiva e desproporcional da Autoridade Tributária.
M. A avaliação do excesso deverá ser feita através do escrutínio do princípio da proporcionalidade.
N. O princípio da proporcionalidade significa a proibição do excesso, o que quer dizer que a ingerência da ação administrativa na esfera jurídica da Recorrente está sujeita ao cumprimento rigoroso da referida proibição.
O. Por outras palavras, através do mencionado princípio veda-se a ingerência inidónea, desnecessária ou desproporcionada.
P. Mais, também não se poderá aceitar a conclusão da douta sentença da qual ora se recorre que afirma sem mais que “nada impedia a reclamante de proceder ao pagamento integral da dívida e acrescido junto dos órgãos de execução fiscal “.
Q. Pois nem sequer questionou a flexibilidade dos serviços para dar as informações corretas sobre o valor em dívida e para fazerem os pedidos de transferência dos montantes penhorados e receberem os pagamentos para saldar o valor em dívida.
Omissão de decisão
R. Alegou a Recorrente que existe uma clara omissão na decisão, porquanto, a mesma não explica, como devia, quais os valores que foram penhorados junto da entidade bancária à ordem do processo executivo em causa, nem o porquê de os mesmos não terem sido transferidos para a Autoridade Tributária, tal como solicitado pela reclamante por diversas vezes.
S. Alega o Tribunal a quo que, no caso, “verifica-se que a Autoridade Tributária decidiu, como lhe competia, todas as questões colocadas pela reclamante no seu pedido de anulação de venda.
T. Uma vez mais, não poderá a Recorrente concordar com as conclusões do Tribunal a quo – existe de facto uma clara omissão de decisão e pronúncia por parte da Autoridade Tributária tanto no despacho reclamado como em todo o processo executivo que culminou com a venda.
U. O despacho apenas se pronuncia de forma resumida sobre alguns dos pontos da reclamação.
Termos em que ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Venerandos Desembargadores, farão
JUSTIÇA!».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.


1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de ser confirmada a sentença recorrida, por concordar com a respetiva fundamentação.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por não: (i) ter anulado o despacho reclamado, quando reconheceu que este padecia de erro ao considerar intempestivo o requerimento de anulação de venda, (ii) considerar que ocorreu excesso de penhora e (iii) considerar que a decisão reclamada não se pronunciou sobe todas as questões suscitadas.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«1.1) FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos que infra se indicam:
1) Entre março de 2020 e maio de 2021 foram instaurados no Serviço de Finanças ..., contra a aqui reclamante, para cobrança coerciva de dívidas fiscais no total de € 69.011,57, o PEF n.º ...50, cuja quantia exequenda ascende a € 855,00, e 24 apensos que melhor se especificam infra: (cfr. fls. 831 e ss do SITAF)
i) PEF n.º ...53, cuja quantia exequenda é de € 36.892,73;
ii) PEF n.º ...90, cuja quantia exequenda é de € 680,07;
iii) PEF n.º ...38, cuja quantia exequenda é de € 396,00;
iv) PEF n.º ...55, cuja quantia exequenda é de € 102,81;
v) PEF n.º ...10, cuja quantia exequenda é de € 396,00;
vi) PEF n.º ...76, cuja quantia exequenda é de € 396,00;
vii) PEF n.º ...70, cuja quantia exequenda é de € 396,00;
viii) PEF n.º ...00, cuja quantia exequenda é de € 396,00;
ix) PEF n.º ...60, cuja quantia exequenda é de € 38,33;
x) PEF n.º ...50, cuja quantia exequenda é de € 2.411,57;
xi) PEF n.º ...11, cuja quantia exequenda é de € 626,00;
xii) PEF n.º ...39, cuja quantia exequenda é de € 306,40;
xiii) PEF n.º ...48, cuja quantia exequenda é de € 626,00;
xiv) PEF n.º ...70, cuja quantia exequenda é de € 7.025,35;
xv) PEF n.º ...01, cuja quantia exequenda é de € 120,00;
xvi) PEF n.º ...25, cuja quantia exequenda é de € 626,00;
xvii) PEF n.º ...12, cuja quantia exequenda é de € 626,00;
xviii) PEF n.º ...03, cuja quantia exequenda é de € 1.467,05;
xix) PEF n.º ...33, cuja quantia exequenda é de € 170,03;
xx) PEF n.º ...02, cuja quantia exequenda é de € 61,00;
xxi) PEF n.º ...45, cuja quantia exequenda é de € 13.831,99;
xxii) PEF n.º ...11, cuja quantia exequenda é de € 388,00;
xxiii) PEF n.º ...78, cuja quantia exequenda é de € 127,60;
xxiv) PEF n.º ...90, cuja quantia exequenda é de € 49,64;
2) Em 06/11/2020 foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ................060 e apensos, cuja a quantia exequenda ascende a € 51.167,17, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...27, fração “FL”, da freguesia ..., concelho .... (cfr. fls. 14-20 do PEF apenso)
3) Em 08/10/2021 foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos, cuja a quantia exequenda ascende a € 57.544,84, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...27, fração “FL”, da freguesia ..., concelho .... (cfr. fls. 14-20 do PEF apenso; cfr. fls. 825-830 do SITAF).
4) O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...27, fração “FL”, da freguesia ..., concelho ..., situa-se na Praça ..., ...../....., ..., ..., e está afeto a serviços. (cfr. fls. 822-824 do SITAF).
5) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças ..., datado de 11/03/2022, proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos, foi determinada, em conformidade com o disposto no artigo 248.º, n.º 2 do CPPT, a venda judicial do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...27, fração “FL”, da freguesia ..., concelho ..., na modalidade de leilão eletrónico, conforme estipulado na Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho, para o dia 13/04/2022, pelas 10h30m, sendo o valor base a anunciar o correspondente a 70% do valor base determinado/fixado nos termos do artigo 250.º do CPPT, ou seja, € 68.881,81 (cfr. fls. 08 do documento 005093163 do SITAF).
6) Através do ofício n.º ...87 do Serviço de Finanças ..., datado de 17/03/2022, foi remetida para a reclamante, por via postal registada com aviso de receção, notificação da realização da venda identificada no ponto antecedente (cfr. fls. 10-12 do documento 005093163 do SITAF).
7) O aviso de receção identificado no ponto antecedente foi assinado em 21/03/2022 (cfr. fls. 12 do documento 005093163 do SITAF).
8) Através do ofício n.º ...66 do Serviço de Finanças ..., datado de 17/03/2022, foi remetida para «AA», na qualidade de sócia gerente da reclamante, por via postal registada com aviso de receção, para a Rua ..., ... ..., notificação da realização da venda identificada em 5), e de que foi nomeada fiel depositária do bem submetido a venda (cfr. fls. 13-15 do documento 005093163 do SITAF).
9) O aviso de receção identificado no ponto antecedente foi assinado em 21/03/2022 (cfr. fls. 15 do documento 005093163 do SITAF).
10) Em 08/04/2022 foi efetuado pela fiel depositária e sócia gerente da reclamante o pagamento no montante de € 5.000,00 no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos (cfr. doc. 2 da petição inicial)
11) Em 09/04/2022 a venda identificada em 5) ficou automaticamente suspensa (cfr. fls. 235 do SITAF).
12) Em 09/05/2022 a venda identificada em 5) foi automaticamente ativada. (cfr. fls. 235 do SITAF).
13) Em 11/05/2022 foi efetuado pela fiel depositária e sócia gerente da reclamante o pagamento no montante de € 5.000,00 no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos (doc. 6 junto com a petição inicial).
14) Em 13/05/2022 a venda identificada em 5) ficou automaticamente suspensa. (cfr. fls. 235 do SITAF)
15) Em 10/06/2022 a venda identificada em 5) foi automaticamente ativada. (cfr. fls. 235 do SITAF).
16) Em 09/06/2022 foi efetuado o pagamento pela fiel depositária e sócia gerente da reclamante o pagamento no montante de € 5.000,00 no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial).
17) Em 10/06/2022 a venda identificada em 5) ficou automaticamente suspensa (cfr. fls. fls. 235 do SITAF).
18) Em 11/07/2022 a venda identificada em 5) foi automaticamente ativada. (cfr. fls. 235 do SITAF).
19) Em 11/07/2022 foi realizada a venda do bem imóvel identificado em 4), remarcada automaticamente, tendo o mesmo sido adjudicado a “[SCom02...] Lda.”, NIPC ...50, pelo valor de € 95.200,00 (cfr. fls. 18-19 do documento 005093163 do SITAF).
20) No dia 11/07/2022 a reclamante foi informada telefonicamente pelo Serviço de Finanças ... que o imóvel identificado em 4) tinha sido vendido (confissão – cfr. pontos 37.º e 38.º da p.i.).
21) O adjudicatário efetuou o depósito do preço e dos impostos inerentes no dia 21/07/2022 (cfr. informação de fls. 66 do documento 005093163 do SITAF).
22) Em 26/07/2022 foi lavrado e assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças ... o auto de adjudicação relativa à venda identificada em 19). (cfr. fls. 18-19 do documento 005093163 do SITAF).
23) Em 26/07/2022 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças ..., na sequência da adjudicação identificada em 22), a determinar o cancelamento dos ónus e encargos que incidiam sobre o bem adjudicado (cfr. fls. 20 do documento 005093163 do SITAF).
24) Através do ofício n.º ...78 do Serviço de Finanças ..., datado de 26/07/2022, foi remetida para «AA», na qualidade de fiel depositária do bem identificado em 4), por via postal registada com o registo “RF...........178PT”, notificação a informar que aquele bem foi adjudicado a “[SCom02...] Lda.”, NIPC ...50, “pelo que deverá agendar com o adquirente a entrega das chaves do imóvel” (cfr. fls. 16-17 do documento 005093163 do SITAF).
25) A notificação identificada no ponto antecedente foi entregue em 28/07/2022 (confissão – cfr. ponto 8.º da petição inicial).
26) Em 16/08/2022 a reclamante remeteu para o Serviço de Finanças ..., por correio eletrónico e por via postal registada, requerimento a solicitar a anulação da venda (cfr. fls. 24-64 do documento 005093163 do SITAF).
27) Sobre o requerimento que antecede recaiu, em 19/09/2022, informação elaborada por técnico da Direção de Finanças ..., da qual, com relevância, decorre o seguinte: (cfr. fls. 60-66 do documento 005093165 do SITAF)
Foi remetido a esta Direcção de Finanças (DF) um pedido de anulação de venda apresentado, através de mandatário, por [SCom01...] Unipessoal Lda., NIF ............, executada nos PEF n....50 e outros e proprietária do bem vendido na execução em causa, doravante designada por requerente.
2.Alegações
2.1.Da Requerente
A requerente, na qualidade de executada e proprietária do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...27, fracão "IFL" da freguesia ... vendido no âmbito dos PEF supra identificados, vem requerer a anulação da venda n.º .............20, alegando, em síntese, que não foi notificada da venda, que o imóvel constitui casa de morada de família e que procedeu ao pagamento voluntário e por conta, nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 264.º e seguintes do CPPT.
(…)
3.Análise
3.1.Dos factos:
No SF de Feira I foram instaurados, o processo de execução fiscal (PEF) com o número ...50 e outros 24 processos, tendo como executada a [SCom01...] UNIPESSOAL LDA, NIF ............, com uma quantia exequenda total de 69.011 ,57€.
No âmbito dos mesmos PEF, por despacho de 04.11.2021 foi determinada a penhora n.º ...70 (ordem de penhora n. ...98) do prédio urbano, inscrito na matriz [Imagem que aqui se dá por reproduzida]predial urbana sob o art....27, fracção "IFL" da freguesia ....
A penhora do bem foi registada em 25.11.2021.
Por despacho de 11.03.2022 foi ordenada a venda (n....0) do bem penhorado, por meio de leilão electrónico, designando-se o dia 13.04.2022 para a abertura das propostas.
O despacho foi notificado à executada, ora requerente, pelo oficio n....87 de 17.03.2022, através de correio registado com aviso de recepção (RF.........75PT), tendo o aviso de recepção sido assinado pelo Sr. «BB» em 21.03.2022.
Foi igualmente notificada do despacho a fiel depositária e gerente da executada, «AA», através de correio registado com aviso de recepção assinado pelo Sr. «BB» em 21.03.2022.
Em 08.04.2022 foi efectuado pagamento, no termo do n. 0 4 do art. 264.0 do CPPT de um valor total de 4.640€, tendo a respectiva venda ficado suspensa.
Em 1 1.05.2022 um novo pagamento no valor de 5.000,00€, nos termos do mesmo n.º 4 do art. 2644º do CPPT, sendo o procedimento novamente suspenso.
Em 09.06.2022 foi efectuado pagamento, nos mesmos termos que os anteriores, no montante total de mantendo-se a venda suspensa por mais 30 dias.
A data limite de aceitação de propostas, iniciada em 13.06.2022, havia sido automaticamente remarcada para 10,072022, correspondente a um domingo.
Em 1 1.07.2022, uma vez que não se efectuou mais nenhum pagamento nos termos do n.º 2 do art. 264.º do CPPT e decorridos 30 desde a suspensão, foi reactivada a venda e procedeu-se à abertura de propostas.
A venda foi adjudicada a [SCom02...] Lda, NIF. .............. pelo montante de 95.200,00€, como se constata da consulta efectuada ao auto de adjudicação no sistema SigVec.
Em 21.07.2022 0 proponente efetuou o depósito do preço bem como dos demais impostos inerentes.
Em 26.07.2022 foi emitido auto de adjudicação e remetido ao adjudicatário juntamente com a certidão de despacho de cancelamento dos ónus e encargos relativos à venda.
Na mesma data foi remetido o ofício n.º ...78 para a fiel depositária e sócia gerente da executada, através de correio registado (RF..............78PT) a fim de a notificar do resultado da venda assim como do agendamento para a entrega do bem ao adjudicatário.
Da consulta ao site dos CTT resulta que esta notificação foi entregue em 28.07.2022.
Em 04.08.2022 e 13.082022 vem o adquirente solicitar a entrega efetiva do bem, com recurso ao auxilio das forças policiais, em virtude da fiel depositária não proceder à entrega voluntária do bem.
Informação
Em 16.08.2022, vem a executada, através de mandatário, requerer a anulação da venda, alegando que:
a) A requerente não foi ainda notificada da venda do imóvel nem tão pouco da necessidade da entrega das chaves do mesmo.
b) O imóvel vendido se consubstancia na casa de morada de família da gerente e única sócia da requerente e da sua família.
c) Que a requerente procedeu a pagamentos de valores mais que suficientes para obstar à venda eletrónica da sua casa.
Recebida a petição de anulação, procedeu-se à notificação da adquirente, identificada no ponto 2.2, a qual, dentro do prazo de 15 dias concedido, se pronunciou no sentido supra elencado.
3.2.Do Direito:
3.2.1.Tempestividade do pedido:
(…)
Neste caso, os fundamentos invocados pela Requerente, como a própria indica, têm assim enquadramento no artigo 257.0 n.0 1 c) do CPPT, o que significa que a anulação da venda pode ser requerida dentro do prazo de 15 dias a contar da data da venda.
Como a abertura das propostas apresentadas ocorreu em 1 1.07.2022, dado que a data da venda coincidiu com um Domingo, e o presente pedido de anulação de venda, tal qual nos é representado, foi apresentado em 16.08.2022, conclui-se que estavam já decorridos mais do que os 15 dias do prazo referido na norma.
Pelo que será de considerar como intempestivo o presente pedido de anulação de venda.
A requerente alega que tomou conhecimento da venda quando a fiel depositária foi notificada da venda do bem e para a entrega do mesmo, com aviso assinado em 28.07.2022 pelo seu pai, presumindo-se notificada em 01.08.2022.
No entanto, não só havia a requerente sido notificada da venda da data, como lhe foi disponibilizada, através do portal de finanças, toda a informação relativa à suspensão e remarcação de data de abertura de propostas do procedimento.
Além do mais, o facto de a requerente ter vindo a efectuar pagamentos para efeitos de suspensão do procedimento de venda, em 08.04.2022, 11.05.2022 e 09.06.2022 demonstra claramente que aquela estava a par das sucessivas datas de venda.
Ideia reforçada com as alegações da interessada no sentido de em 14.07.2022 se ter deslocado ao imóvel objecto de venda onde falou presencialmente com a sua fiel depositária e gerente/representante da executada que informou ter sido notificada pelo SF de ... da aceitação da venda judicial em apreço.
Ou seja, a requerente tinha conhecimento da data da venda, pelo menos, aquando do encontro.
Pelo que a alegada tomada conhecimento em 01.08.2022 não pode ser aceite.
Sendo que deveria ser suportada com prova, a qual não foi junta.
E assim, o pedido será de considerar como intempestivo.
(…)
3.2.3.Do pedido:
Embora se considere o pedido de anulação de venda como intempestivo, pelas razões supra já expostas, caso assim não se venha a considerar, sob melhor opinião, proceder-se-á à análise do pedido da requerente.
A requerente solicita a anulação da venda, com fundamento no artigo 257,0 do CPPT, de prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o art....27, fracão "IFL" da freguesia ....
Alega que não foi notificada da venda do imóvel nem da necessidade da entrega das chaves do mesmo, que o imóvel vendido se consubstancia na casa de morada de família da gerente e única sócia, e da sua família e que procedeu a pagamentos de valores mais que suficientes para obstar à venda eletrónica da sua casa.
Notificada para se pronunciar, a adquirente, obstando à anulação da venda, alega que cumpriu integralmente as formalidades da venda, que a fração em venda está licenciada com a utilização exclusiva para serviços e não para habitação, que a AT cumpriu com o determinado legalmente no âmbito do procedimento de venda.
I) O alegado pela requerente
Quanto à notificação da venda do imóvel, inicialmente marcada para 13.04.2022, foi a ora requerente, notificada pelo oficio n....87 de 17.03.2022, através de correio registado com aviso de recepção (RF............75PT), tendo o aviso de recepção sido assinado pelo Sr. «BB» em 21.032022.
No que toca à notificação para entrega das chaves, como já supra referido, foi remetido o ofício n.º
2678 para a fiel depositária e sócia gerente da executada, através de correio registado
(RF..............78PT) a fim de a notificar do resultado da venda assim como do agendamento para a entrega do bem ao adjudicatário.
Não sendo a requerente a fiel depositária do bem, não poderia ser ela a destinatária de tal notificação. No entanto, recorde-se, a fiel depositária e a representante da executada, sua gerente, são a mesma pessoa.
Pelo que, desde já, improcedem as alegações da requerente.
Quanto ao facto de o imóvel objecto da venda constituir casa de morada de família da sócia gerente da empresa e sua família, também não pode proceder.
A gerente da requerente e fiel depositária do imóvel, «AA», NIF. ...86, tem como domicílio fiscal a Rua ..., ..., ...., ... ... imóvel vendido situa-se na Quinta ..., ..., Campo ..., ... ..., ...,
Sendo que a o dito imóvel se encontra afecto a serviços.
Não correspondendo o alegado, sem qualquer tipo de prova produzida, aos factos descritos.
Termina invocando que procedeu a pagamentos de valores mais que suficientes para obstar à venda eletrónica da sua casa.
Vejamos,
O despacho que concluiu pela venda do imóvel designou que a mesma se fizesse por meio de leilão electrónico, determinado o dia 13.04.2002 para a abertura de propostas.
Em 08.04.2022 foi efectuado pagamento, no termo do n.º 4 do art. 264.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário de um valor total de 4.640€.
Feito o pagamento, a respetiva venda ficou suspensa.
Em 09.05.2022 foi reactivada a venda, uma vez que não se verificava nenhum pagamento efectuado que pudesse suspender o procedimento.
Em 1 1052022 foi efectuado um novo pagamento no valor de 5.000,00€, nos termos do mesmo n. 0 4 do art, 264.0 do CPPT, suspendendo o procedimento de venda uma vez mais.
Em 09.06.2022, antes de findo o prazo da suspensão, foi efectuado pagamento, nos mesmos termos que os anteriores, no montante total de 5.000,00€, suspendendo novamente o procedimento de venda.
Não tendo ocorrido mais nenhum pagamento nos termos do n.04 do art. 264.0 CPPT e decorridos os 30 dias de suspensão, em 11.07.2022 foi reactivada a venda que entretanto havia sido remarcada automaticamente para 10.07.2022 e procedeu-se à abertura de propostas apresentadas.
Do exposto resulta que, uma vez remarcada a venda e face à ausência de pagamento que justificasse a suspensão do procedimento de venda, o mesmo seguiu os seus trâmites normais com a abertura de propostas a 1 1.07.2022, uma vez que a data da remarcação coincidiu com um domingo.
De realçar que para efeitos do n.04 do art. 264.0 CPPT não relevam os pagamentos decorrentes de actos coercivos ou de outros actos praticados pelo órgão de execução fiscal, como a penhora, venda, graduação de créditos, compesação, etc., mas apenas os efectuados voluntariamente.
Pelo que a pretensão de anulação da venda, além de solicitada intempestivamente pela requerente, não poderia ser atendida, uma vez que aquela não procedeu ao pagamento de parte da dívida para efeitos de suspensão da venda no prazo legalmente estipulado, tendo espoletado a normal tramitação do procedimento com a abertura de propostas e actos subsequentes.
Conclui-se assim pela inexistência de qualquer vício susceptível de conduzir à anulação do procedimento de venda.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]II) O alegado pela interessada
Como já referido a interessada alega que em 14.07.2022 se deslocou ao imóvel objecto de venda onde falou presencialmente com a sua fiel depositária e gerente da executada que informou ter sido notificada pelo SF de ... da aceitação da venda judicial em apreço, pelo que a requerente tinha conhecimento da data da venda aquando do encontro.
Mais alega que cumpriu todos os formalismos exigidos, sendo que lhe foi emitido o título de transmissão do bem.
Analisado o procedimento de venda e a actuação da adquirente neste âmbito, nada haverá a contestar quanto ao alegado.
No mesmo sentido, e fundamentado no ponto anterior, se concorda que o imóvel em questão não poderá constituir casa de morada de família da requerente.
Igualmente se concorda quanto ao procedimento de venda não se encontrar ferido de qualquer vício que possa conduzir à sua anulação, uma vez que a requerente não efectuou o pagamento necessário para prova da suspensão daquele.
4. Conclusão
Do exposto resulta que, não descurando o facto de o requerimento ser intempestivo, o procedimento de venda não padece de qualquer vício atendível para se proceder à sua anulação, devendo o presente pedido ser indeferido.

28) Em 27/09/2022 foi proferido pela Diretora Ajunta da Direção de Finanças ... despacho de concordância com a informação que antecede, tendo indeferido o pedido de anulação da venda (cfr. fls. 59 do documento 005093165 do SITAF)
29) Em 03/10/2022 a reclamante remeteu para o Serviço de Finanças ..., por correio eletrónico, a petição que está na origem dos presentes autos (cfr. fls. 70-75 do documento 005093163, e fls. 01 e ss do SITAF)
Mais resultou provado:
30) Por ofício do Serviço de Finanças ..., datado de 05/06/2021, foi remetido para o Banco 1..., S.A., o documento de “Notificação de Penhora de Saldos Bancários e Valores Mobiliários” no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos, identificando o N.º Ordem de Penhora ...86, e a reclamante como executado, para penhora até ao montante de € 1.680,52. (cfr. fls. 05 do documento 005176421 do SITAF)
31) Em resposta à notificação identificada no ponto antecedente o Banco 1..., S.A., através de ofício datado de 07/06/2021, informou o Serviço de Finanças ... que penhorou o saldo disponível no montante de € 2,16. (cfr. fls. 07 do documento 005176421 do SITAF)
32) Por ofício datado de 16/06/2021 o Serviço de Finanças ... remeteu para o Banco 1... pedido de execução dos valores penhorados, o que fez nos seguintes termos: (cfr. fls. 09 do documento 005176421 do SITAF)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
33) Por ofício datado de 09/07/2021 o Banco 1... respondeu à notificação identificada no ponto antecedente tendo remetido para o Serviço de Finanças ... o montante de € 2,16, através do cheque - ...88. (cfr. fls. 10 do documento 005176421 do SITAF)
34) Por ofício datado de 08/07/2021 o Banco 1... informou o Serviço de Finanças ... que, tendo dado novas entradas na conta bancária da reclamante, ficavam cativos à ordem do processo de execução fiscal n.º ...50 o montante de € 1.678,36, ficando a aguardar instruções sobre os valores agora comunicados (cfr. fls. 06 do documento 005176421 do SITAF)
35) Por ofício datado de 09/04/2022 o Serviço de Finanças ... notificou o Banco 1... para levantamento da penhora com o N.º Ordem de Penhora ...86. (cfr. fls. 04 do documento 005176421 do SITAF)
36) Por ofício do Serviço de Finanças ..., datado de 07/06/2021, foi remetido para o Banco 1..., S.A., o documento de “Notificação de Penhora de Saldos Bancários e Valores Mobiliários” no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...53 e apensos, identificando o N.º Ordem de Penhora ...28, e a reclamante como executado, para penhora até ao montante de € 38.161,51. (cfr. fls. 06 do documento 005176422 do SITAF)
37) Por ofício datado de 10/06/2021 o Serviço de Finanças ... remeteu para o Banco 1... S.A. “Notificação de Redução de Ordem de Penhora”, reduzindo o valor da penhora identificada no ponto antecedente para € 37.704,30. (cfr. fls. 09 do documento 005176422 do SITAF)
38) Entre 08/07/2021 e 28/04/2022 o Banco 1... remeteu várias comunicações para o Serviço de Finanças ... tendo informado que foram dadas novas entradas na conta bancária da reclamante no montante global de € 39.009,33, o qual ficava cativo à ordem do processo de execução fiscal n.º...53 e apensos, ficando a aguardar instruções sobre os valores agora comunicados (cfr. documentos 005176424 a 005176435 do SITAF)
39) O Serviço de Finanças ... remeteu para o Banco 1... S.A. 28 pedidos de transferência de saldos para o processo de execução fiscal n.º ...53 e apensos, no montante global de € 27.973,52. (cfr. documentos 005176440 a 005176461 do SITAF)
40) O Banco 1... deu cumprimento às solicitações identificadas no ponto antecedente. (cfr. documentos 005176440 a 005176461 do SITAF)
41) Por ofício datado de 09/06/2022 o Serviço de Finanças ... remeteu para o Banco 1... notificação de levantamento de penhora com o N.º Ordem de Penhora ...28 (cfr. fls. 05 do documento 005176422 do SITAF)
Resultou, ainda, provado o seguinte:
42) A reclamante é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 18/07/2018, cujo objeto social é “agentes do comércio por grosso de bebidas. Comércio por grosso de bebidas alcoólicas”. (cfr. certidão permanente a fls. 809 do SITAF).
43) O capital social da reclamante é de € 5.000,00 e corresponde a uma única quota na titularidade de «AA». (cfr. certidão permanente a fls. 809 do SITAF).
44) A sede da reclamante situa-se na Rua ..., ... .... (cfr. certidão permanente a fls. 809 do SITAF).
45) Por deliberação datada de 18/07/2018 a gerência da reclamante foi atribuída a «AA», sendo que a reclamante se obriga “com a intervenção de um gerente”. (cfr. certidão permanente a fls. 809 do SITAF).
1.2) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, os quais não foram objeto de impugnação, no processo de execução fiscal apenso, bem como no posicionamento das partes, assumido nos respetivos articulados, conforme discriminado nos vários pontos da fundamentação de facto.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. A Recorrente começa por imputar erro de julgamento à sentença recorrida, por não ter anulado a decisão reclamada, apesar de concluir que esta enferma de erro nos seus pressupostos ao considerar intempestivo o requerimento de anulação da venda.
Vejamos, então, o que sobre esta questão ponderou o Tribunal a quo:
«(…)
No presente caso é incontroverso que os fundamentos apresentados pela reclamante para requerer a anulação da venda cabem na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT.
Com efeito a reclamante disponha de um prazo de quinze dias a contar da data da venda para requerer a anulação da mesma (cfr. artigo 257.º, n.º 1, al. c) do CPPT e n.º 2 do mesmo normativo).
Da factualidade dada como provada nos presentes autos resulta inequívoco que a venda do imóvel aqui em causa ocorreu no dia 11/07/2022, na modalidade de leilão eletrónico, e que o pedido de anulação de venda foi remetido para o Serviço de Finanças ... em 16/08/2022. (cfr. pontos 15) e 22) dos factos provados).
Isto posto, a questão que cumpre dirimir é a de saber qual a natureza do prazo de quinze dias fixado no artigo 257.º, n.º 1, al. c) do CPPT.
Em anotação ao aludido normativo, JORGE LOPES DE SOUSA refere que “os prazos para requerer a anulação de venda efetuada em processo de execução fiscal, que tem natureza judicial na sua totalidade (art.º 103.º, n.º 1 da LGT), são prazos judiciais, pelo que se contam nos termos do art.º 144.º do CPC, por força do art.º 20.º, n.º 2, do CPPT.” (cfr., “Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado”, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 205).
Ora, o artigo 138.º do CPC, que corresponde ao antigo artigo 144.º do CPC, estabelece a regra de continuidade dos prazos, nos termos da qual o prazo é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, e se terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Destarte, à contagem do prazo fixado no artigo 257.º, n.º 1, al. c). do CPPT são de aplicar, por força do disposto no artigo 103.º, n.º 1 da LGT e do artigo 20.º, n.º 1 do CPPT, as regras de contagem de prazos fixadas no artigo 138.º do CPC.
Com efeito, tendo a venda ocorrido em 11/07/2022, o primeiro dia do prazo para requerer a anulação da venda é o dia 12/07/2022.
Saliente-se, todavia, que a contagem do referido prazo de quinze dias suspendeu-se em 16/07/2022, que corresponde ao início das férias judiciais, e só retomaria a sua contagem a 01/09/2022, que é o primeiro dia após o término das férias judiciais.
Ora, resultando do probatório que o pedido de anulação de venda foi remetido para o Serviço de Finanças em 16/08/2022, verifica-se que só tinham decorrido quatro dos quinze dias que a reclamante disponha para requer a anulação da venda.
Nesta conformidade, dúvidas não restam que o pedido de anulação de venda apresentado pela reclamante é claramente tempestivo, contrariamente ao que resulta do ato reclamado.
Isto posto, e apesar de o ato reclamado sustentar, erradamente como vimos, que o pedido de anulação da venda apresentado pelo reclamante é intempestivo, ainda assim não deixou de apreciar os fundamentos apresentados pela reclamante para requerer a anulação da venda, pelo que cumpre, aqui e agora, aferir da legalidade do ato reclamado nos termos invocados pela reclamante e decididos pelo ato reclamado.».
Nenhuma censura merece o julgado nesta parte, porquanto a anulação do despacho reclamado, com base neste erro nos seus pressupostos, apenas implicaria que, em execução do julgado, o OEF tivesse de emitir pronúncia sobre o mérito do requerimento de anulação de venda.
Mas tal pronúncia já foi emitida, uma vez que, no Despacho reclamado, o OEF aderiu à Informação que o antecedeu onde, para além de ponderar a (in)tempestividade do requerimento de anulação de venda, também apreciou o respetivo mérito.
Ora, determinar a anulação de um ato do OEF para que este emita uma pronúncia que já se mostra proferida configuraria um ato inútil, que aos Tribunais está proibida pelo artigo 138º do Código de Processo Civil.
Bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao não anular o ato reclamado com base neste erro quanto aos seus pressupostos e ao prosseguir na análise dos vícios apontados à restante parte da sua fundamentação.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.

3.2.2. Entende, ainda, a Recorrente que, no caso, se verificou um excesso de penhora, porquanto «vendeu-se, em leilão eletrónico, um imóvel que, independentemente de ser considerado ou não “casa de família” para os termos e efeitos do nº 2 do artigo 244º do CPPT, é efetivamente a casa de família da gerente da Recorrente, pelo valor de € 95.200,00 para saldar uma dívida, à data, de € 1.854,99», sendo que, a seu ver, «a Autoridade Tributária atuou com excesso de penhora, má-fé, de forma abusiva, pois até se tinha disponibilizado junto da Autoridade Tributária para proceder ao pagamento». Assim, «Pela matéria assente na sentença com os pagamentos e com as penhoras, na data da venda o valor em débito era de € 1.854,99, pelo que, face a esta prova, facilmente o Tribunal teria concluído que de facto existiram diversos pagamentos e que o valor em causa seria também voluntariamente pago se não fosse a atuação excessiva, abusiva e desproporcional da Autoridade Tributária», pelo que considera violado o princípio da proporcionalidade. Também não aceita «a conclusão da douta sentença da qual ora se recorre que afirma sem mais que “nada impedia a reclamante de proceder ao pagamento integral da dívida e acrescido junto dos órgãos de execução fiscal“», uma vez que «nem sequer questionou a flexibilidade dos serviços para dar as informações corretas sobre o valor em dívida e para fazerem os pedidos de transferência dos montantes penhorados e receberem os pagamentos para saldar o valor em dívida».
Sobre a questão do mérito da venda efetuada na execução fiscal, ponderou-se na sentença recorrida o seguinte:
«Da factualidade provada decorre que a executada efetuou voluntariamente três pagamentos de € 5.000,00 cada um, ao abrigo do disposto no artigo 264.º, n.º 4 do CPPT), em 8 de abril, 9 de maio e 9 de junho, do ano de 2022.
Com efeito, em 09/06/2022 a quantia exequenda ascendia a € 42.544,84 (€ 57.544,84 - € 15.000,00).
Relativamente às quantias penhoradas junto do Banco 1..., decorre da factualidade provada que o Banco 1..., S.A., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...50 e apensos, dando cumprimento à Ordem de Penhora n.º ...86 cativou o montante de € 1.680,52, do qual transferiu para a Autoridade Tributária, por solicitação desta, o montante de € 2,16, ficando o remanescente cativo naquela entidade bancária a aguardar novas instruções do Serviço de Finanças ....
Mais resultou provado que, entre 08/07/2021 e 28/04/2022 o Banco 1... remeteu várias comunicações para o Serviço de Finanças ... tendo informado que foram dadas novas entradas na conta bancária da reclamante no montante global de € 39.009,33, o qual ficava cativo à ordem do processo de execução fiscal n.º ...53 e apensos.
Destarte, se deduzirmos ao montante em dívida (€ 42.544,84) o montante global de € 1.680,52 e de € 39.009,33, correspondentes aos montantes cativos pelo Banco 1... no âmbito dos processos de execução fiscal aqui em causa, decorre que, à data da venda a dívida exequenda não estava totalmente paga, cifrando-se em € 1.854,99 (€ 42.544,84- € 1.680,52 - 39.009,33).
Deste modo, contrariamente ao defendido pela reclamante, a dívida exequenda, mesmo considerando os montantes cativos pelo Banco 1..., e não executados pela Autoridade Tributária, não se encontrava paga.
Por outro lado, e contrariamente ao defendido pela reclamante, os montantes que foram sendo sucessivamente cativos pelo Banco 1... por força das ordens de penhora emitidas pelo Serviço de Finanças ..., não são, por si só, suscetíveis de suspender o procedimento de venda, porquanto, o procedimento de venda não se suspende com atos de penhora, mas apenas e só com pagamentos, voluntários, e desde que cumpram os requisitos previstos no artigo 264.º, n.º 4 do CPPT.
Ou seja, as penhoras de saldos bancários, porque se tratam de atos coercivos, e não de atos espontâneos conducentes ao pagamento da dívida exequenda, não são suscetíveis de suspender o processo de venda.
Isto é, o procedimento de venda não se suspende por via de atos de penhora.
Veja-se, neste sentido o Acórdão do TCA Sul, datado de 18/08/2022, processo 117/22.0BEALM, disponível em www.dgsi.pt. do qual decorre que” Quer esteja em causa o pagamento integral da dívida exequenda, quer o seu pagamento parcial nos termos do artigo 264.º, n.º 4 do CPPT depende da manifestação de vontade expressa nesse sentido pela executada junto do órgão da execução fiscal”.
Também o acórdão do TCA Sul, datado de 05/03/2015, processo 08465/15, disponível em www.dgsi.pt, onde estava em causa uma redação anterior do n.º 4 do artigo 264.º do CPPT, mas que não deixa de ter aplicação plena aos presentes autos, decidiu o seguinte:
No nº. 4, do preceito sob exegese, o legislador, por certo reconhecendo as dificuldades criadas pela crise económica, veio admitir um pagamento por conta com efeito suspensivo da venda.
Ponto é que esse pagamento respeite os requisitos no nº.2, do artigo (ou seja, que não seja inferior a 3 UC), e que corresponda, no mínimo, a 20% do valor em dívida (o que significa que esta possibilidade pode ser usada várias vezes).
Note-se que esse pagamento não suspende a execução fiscal, mas apenas o procedimento da venda.
O que indica, para além do mais, que se a venda estava já marcada e se tinha já iniciado o prazo para apresentação de propostas, o pagamento por conta que respeite aqueles requisitos suspende o procedimento para a venda, o qual se retoma, tão logo decorrido o prazo de 15 dias após o pagamento.
Decorrendo essa suspensão da lei, é defensável a tese sustentada pelo recorrente, de que não se impõe notificação alguma, quer relativamente à suspensão do procedimento da venda decorrente do pagamento previsto no artº.264, nº.4, do C.P.P.T., quer, na eventualidade da data para a venda ter já sido marcada, relativamente à data para a qual se transferirá a venda por força dessa suspensão, tudo desde que estejamos perante a modalidade de venda através de leilão eletrónico (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/9/2014, rec.936/14; ac.T.C.A.Sul2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13).
Na verdade, nessas situações, a mera consulta no Portal das Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), onde a Direcção-Geral dos Impostos disponibiliza a consulta dos anúncios de venda e da evolução do leilão (cfr.artº.3, da portaria 219/2011, de 1/6, que aprova os procedimentos e especificações técnicas a observar na realização da venda de bens penhorados em processo de execução fiscal através de venda judicial, na modalidade de leilão eletrónico, prevista no artº.248, do C.P.P.T.) permite saber qual o dia e hora do encerramento do leilão, até ao qual podem ser apresentadas as propostas de aquisição, e da decisão sobre a adjudicação dos bens (cfr.artºs.5, nº.1, e 6, nº.1, da referida portaria)”.
Assim sendo, contrariamente ao que alega a reclamante, à data da venda do imóvel a dívida exequenda não estava saldada;
Além de que, os saldos bancários que foram sendo cativos junto do Banco 1..., por força das ordens de penhora emitidas pelo Serviço de Finanças ... não são suscetíveis de fazer suspender o processo de venda.
Em rigor, o processo de venda só poderia ser suspenso por uma de duas vias:
Ou mediante o pagamento da totalidade da dívida e acrescido, o que determinaria a extinção da execução fiscal, o que não sucedeu;
Ou por via do expediente consignado no artigo 264.º, n.º 4 do CPPT, o que apenas sucedeu por três vezes, mediante três pagamentos voluntários por parte da reclamante.
Diante o exposto, contrariamente ao sustentado pela reclamante, os montantes que foram ficando cativos no Banco 1..., e que não eram suficientes para o pagamento integral da dívida, não podiam ter como efeito a suspensão do processo de venda, pois que, essa suspensão só poderia ocorrer com o pagamento integral da dívida, o que não ocorreu, ou com utilização expressa e voluntária do expediente previsto no n.º 4 do artigo 264.º do CPPT.
Tal como preconiza o Acórdão do TCA Sul, datado de 18/08/2022, processo 117/22.0BEALM, disponível em www.dgsi.pt, “O pagamento que suspende temporariamente o procedimento de venda encontra-se detalhadamente regulado na lei, não dependendo do despacho que determina a venda, nem da sua publicitação, seja ela edital ou eletrónica, antes dependendo da iniciativa do executado”.
Destarte, também aqui terá que improceder a alegação da reclamante, o que se decide.
A reclamante sustenta, ainda, que a reclamada atuou com excesso de penhora, em clara má-fé, de forma abusiva, prejudicando os interesses patrimoniais da reclamante, imputando igual comportamento ao Banco 1... que não procedeu, em tempo útil, ao envio para o Serviço de Finanças do montante penhorado, mais sustentando que se disponibilizou junto da Administração Tributária para proceder ao pagamento, de uma só vez, do montante em dívida.
Ora, com este fundamento a reclamante pretende atacar o próprio ato de penhora, e não o ato da venda que é o objeto dos presentes autos, sendo certo que, esta não é a sede própria para discutir se a penhora era excessiva, ou não.
Na verdade, se a reclamante entendia que ocorreu um excesso de penhora por parte da Autoridade Tributária, deveria ter apresentado junto do órgão de execução fiscal uma reclamação desses atos de penhora.
Sucede que, a reclamante tendo tido conhecimento, como manifesta nos autos, de que estavam a ser penhorados saldos bancários, e tendo sido notificada do ato de penhora que incidiu sobre o bem imóvel, não apresentou qualquer reclamação junto do órgão de execução fiscal a atacar os atos de penhora com fundamento precisamente em excesso de penhora, razão pela qual este fundamento também não poderá proceder por extravasar o objeto dos presentes autos.
Por outro lado, nenhuma censura poderá ser assacada ao comportamento da entidade bancária que se limitou a cumprir os ofícios do órgão de execução fiscal, nada mais lhe podendo ser exigível.
Ou seja, a entidade bancária deu cumprimento às ordens de penhora emitidas pelo Serviço de Finanças ..., tendo, nessa medida, cativado os montantes disponíveis para penhora que foram dando entrada na conta bancária da reclamante, e tendo transferido para a Autoridade Tributária os montantes por esta solicitados.
Saliente-se, por último, que nada impedia a reclamante de proceder ao pagamento integral da dívida e acrescido junto do órgão de execução fiscal, pelo que, se não o fez, não poderá agora imputar, nem à Autoridade Tributária, nem à entidade bancária, a (ir)responsabilidade pela consumação da venda, porquanto, tais entidades atuaram dentro dos trâmites legais, sempre com vista ao pagamento da quantia exequenda.».
A Recorrente persiste na alegação do excesso da penhora, invocando o princípio da prioridade da penhora.
Sucede que o excesso de penhora é um vício próprio do ato de penhora, e não já não do ato de venda, pelo que só poderia ser apreciado em sede de reclamação contra o ato de penhora – como, aliás, bem se refere na sentença recorrida.
Ora, neste concreto segmento, a Recorrente não imputa qualquer erro à sentença em crise, pelo que o recurso carece de objeto nesta parte, uma vez que também não se trata de questão que nos incumba conhecer ex officio.
Por outro lado, a Recorrente vem agora alegar que, por reconhecer a existência de diversos pagamentos na execução fiscal, permanecendo por pagar um valor residual, o Tribunal teria de concluir que este também seria pago voluntariamente.
No entanto, nada consta do probatório que permita tal inferência, sendo certo que a Recorrente não impugnou o julgamento em matéria de facto, nem esclarece nas suas alegações de recurso qual o facto alegado nesse sentido e o meio probatório que o sustenta. Também não incumbia ao Tribunal “questionar” «a flexibilidade dos serviços para dar as informações corretas sobre o valor em dívida e para fazerem os pedidos de transferência dos montantes penhorados e receberem os pagamentos para saldar o valor em dívida», por não se tratarem de questões de conhecimento oficioso.
Contudo, importa esclarecer que tais factos não configurariam nulidades processuais (por constituírem a prática de um ato que a lei não admita ou a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei expressamente declare a nulidade ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do artigo 195º, nº 1, por remissão do artigo 839º, nº 1, alínea c), ambos do CPC), passíveis de inquinar a venda aqui em crise.
Finalmente, cumpre destacar que, embora faça alusão a que o imóvel vendido corresponde, de facto, à sua casa de morada de família, a Recorrente não aponta qualquer vício à sentença recorrida na parte em que julgou não haver impedimento da venda por o imóvel penhorado não estar exclusivamente afeto à habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.
Assim, nesta parte, nada cumpre apreciar, por se ter formado caso julgado sobre esta questão.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

3.2.3. Finalmente, sustenta a Recorrente «que existe uma clara omissão na decisão, porquanto, a mesma não explica, como devia, quais os valores que foram penhorados junto da entidade bancária à ordem do processo executivo em causa, nem o porquê de os mesmos não terem sido transferidos para a Autoridade Tributária, tal como solicitado pela reclamante por diversas vezes.», não concordando, por isso, com a conclusão do Tribunal no sentido de que a Autoridade Tributária decidiu, como lhe competia, todas as questões colocadas pela reclamante no seu pedido de anulação de venda.
Vejamos, antes do mais, o teor da pronúncia judicial aqui sindicada quanto a esta matéria:
«(…)
O dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental.
Com efeito, resulta do citado normativo que o dever de pronúncia se torna num dever de decisão nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no supra transcrito n.º 2.
Conforme doutrina JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES (cfr. José Maria Fernandes Pires e outros-Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina,2015, p.577), “Resulta do n.º 2 do art.º 56.º da LGT que não se deve confundir a existência do dever de pronúncia com o dever de decisão propriamente dito.
Efetivamente encontram-se previstas nesta norma determinadas circunstâncias cuja verificação não obriga a emitir uma decisão, geralmente traduzida num ato administrativo de deferimento ou indeferimento da pretensão do interessado, mas em que a administração tem o dever de responder às interpelações apresentadas. Esta resposta há-de consistir, pelo menos, na comunicação ao interessado da inexistência do dever de decidir”.
Aqui chegados, tecidas as considerações de direito que relevam para o caso dos autos, e tendo presente que o dever de decisão deve ser interpretado com recurso ao disposto no n.º 1 do artigo 56.º da LGT, como reportando-se às questões que são concretamente colocadas à Administração, no caso, verifica-se que a Autoridade Tributária decidiu, como lhe competia, todas as questões colocadas pela reclamante no seu pedido de anulação de venda.
Na verdade, compulsada a informação elaborada em 19/09/2022 por técnico da Direção de Finanças ..., e que serviu de fundamento ao despacho de indeferimento daquele pedido, decorre que, não obstante se ter considerado que o pedido de anulação da venda é intempestivo, ainda assim, decidiu as demais questões que sustentavam a anulação da venda.
Sendo que, quanto à questão concreta alegada pela reclamante relativa à existência de pagamentos mais que suficientes para obstar à venda eletrónica do imóvel a Autoridade Tributária referiu expressamente que “Não tendo ocorrido mais nenhum pagamento nos termos do n.º 4 do art.º 264.º do CPPT e decorridos os 30 dias de suspensão, em 11.07.2022 foi reativada a venda que entretanto havia sido remarcada automaticamente para 10.07.2022 e procedeu-se à abertura de propostas apresentadas.
Do exposto resulta que, uma vez remarcada a venda e face à ausência de pagamento que justificasse a suspensão do procedimento de venda, o mesmo seguiu os seus trâmites normais com a abertura de propostas a 11.07.2022, uma vez que a data de remarcação coincidiu com um domingo.
De realçar que para efeitos do n.º 4 do art.º 264.º do CPPT não relevam os pagamentos decorrentes de atos coercivos ou de outros atos praticados pelo órgão de execução fiscal, como a penhora, venda, graduação de créditos, compensação, etc., mas apenas os efetuados voluntariamente.
Pelo que a pretensão de anulação da venda, além de solicitada intempestivamente pela requerente, não poderia ser atendida, uma vez que aquela não procedeu ao pagamento de parte da dívida para efeitos de suspensão da venda no prazo legalmente estipulado, tendo espoletado a normal tramitação do procedimento com a abertura de propostas e atos subsequentes.
Conclui-se assim pela inexistência de qualquer vício suscetível de conduzir à anulação do procedimento da venda”.
Em face do exposto cumpre concluir que a decisão que indeferiu o pedido de anulação de venda não incorre em qualquer omissão de pronúncia ou decisão, tendo esgotado a apreciação das questões jurídicas integralmente convocadas no referido pedido, as quais não se confundem com a necessária exaustão de todos os argumentos articulados no libelo.
Ou seja, não há omissão de decisão ou pronúncia quando a decisão não alude sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos, pois o que importa é que a Autoridade Tributária decida, como decidiu, as questões que lhe foram colocadas, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão.».
E afigura-se-nos que, também quanto a esta questão, a Recorrente carece de razão.
Ora, como resulta do que expôs o Tribunal a quo, o dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no nº 2 do artigo 56º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No caso, lido o requerimento de anulação da venda, constatamos que a Recorrente não indagou o OEF sobre a questão que entende não ter sido respondida; limitou-se, somente, a descrever um conjunto de factos e a extrair deles as consequências jurídicas que entendeu pertinentes.
Em suma, perante o teor do alegado naquele requerimento, não é possível detetar tal “questão” e, assim sendo, também o OEF não estava vinculado a emitir pronúncia sobre ela, sendo de concluir, com o Tribunal a quo, que, efetivamente, «(…) a Autoridade Tributária decidiu, como lhe competia, todas as questões colocadas pela reclamante no seu pedido de anulação de venda.».


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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A anulação do despacho reclamado, com base em erro quanto à intempestividade do requerimento, apenas implicaria que, em execução do julgado, o OEF tivesse de emitir pronúncia sobre o mérito do pedido de anulação de venda.
II – Se o OEF, apesar de, erradamente, julgar o requerimento intempestivo, também apreciou o seu mérito, deve o Tribunal conhecer dos restantes vícios apontados a esta parte da decisão reclamada.
III - O excesso de penhora é um vício próprio do ato de penhora, e não já não do ato de venda, pelo que só poderia ser apreciado em sede de reclamação contra o ato de penhora.
IV - O dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no nº 2 do artigo 56º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 22 de fevereiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta
Cláudia Almeida – 2ª Adjunta