Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00830/15.9BEVIS-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO;
REVERSÃO; ILEGITIMIDADE DO REVERTIDO;
JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
Sumário:
I – Não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 12.06.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi julgada totalmente improcedente a execução da sentença proferida no processo nº 830/15.9BEVIS.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1) Deve ser aditado à matéria de facto – nos termos do disposto no art 640º nº 1 do CPC - o seguinte trecho extraído da sentença dada à execução, ponto V - fls. 11 - daquela sentença, que corresponderá ao ponto 3 – A
“E, sendo assim, como entendemos que é, ficou por provar que o oponente tinha exercido efetivas funções de gerente na sociedade devedora originária, com referência à data limite do pagamento da dívida exequenda em apreço (sendo certo que era sobre a Administração Tributária que recaía o respetivo ónus probatório), o que nos leva a concluir que o mesmo não tem legitimidade para figurar como executado no processo de execução (e apensos) que vem sendo referido (cfr. artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT), o que acarreta a procedência da presente oposição e a consequente anulação do despacho de reversão objeto da presente oposição.”
2) De onde decorre que a douta sentença que se executa julgou que o despacho de reversão era ilegal por violação do disposto no art. 204º nº 1 alínea b) do CPPT, o que se subsume à situação de “erro imputável aos serviços” por erro na aplicação do direito e por isso passível de constituir no contribuinte que pagou indevidamente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios na previsão e interpretação uniforme do art. 43º nº 1 da LGT enquanto compensação pelo desapossamento da quantia paga
E,
3) Enquadrável na previsão do art. 100º da LGT que estende esse direito a juros indemnizatórias a qualquer contribuinte que, em processo judicial, veja julgada verificada essa ilegalidade a seu favor
4) Só com esta interpretação complementar se alcança igualdade efectiva tratando de forma igual um pagamento ilegal impugnado – art. 43º nº 1 da LGT e um pagamento julgado ilegal por um tribunal em outro processo judicial – no processo de execução fiscal, in casu, por via da oposição judicial – art. 100º nº 1 e 103 nº 1 da LGT e art. 97º 1 alínea o) e 155º ambas do CPPT.
5) “Nesta particular circunstância em que o oponente é chamado ao processo executivo na qualidade de responsável subsidiário pelo pagamento da dívida, chamamento que o tribunal declara sem fundamento legal, terá que tomar-se conhecimento do pedido de condenação da Administração Tributária à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária.” conclusão do Acórdão do STA datado de 23/01/2019, Relatora Ana Paula Lobo
Pelo que
6) A interpretação de limitar a extensão do art. 100º aos processos que já estão previstos por via do art. 43º nº 1 (processo de impugnação) - fundamento da sentença proferida pelo Tribunal a quo - é, desde logo, ignorar que ambas as normas co-existem e que na concretização do princípio da igualdade da repartição dos encargos públicos o legislador quis ir mais longe do que a previsão do art. 43º nº 1 da LGT
7) Enunciando um idêntico direito à plena reconstituição da situação que existia se não tivesse havido a actuação ilegal da AT – que recebeu transferência patrimonial do contribuinte e a pode utilizar como quis e que viu um Tribunal, em processo judicial, julgá-la ilegal por violação do art. 204º n.º 1 al. b) do CPPT – confr. factos provados 3 -A – caindo na previsão do art. 100º nº 1 da LGT
8) E que tem de ser devolvida acrescida dos juros indemnizatórios que assumem uma natureza verdadeiramente ressarcitória, destinando-se a compensar o contribuintes pelo prejuízo decorrente da indisponibilidade de um determinado montante que se viram forçado a pagar a título de prestação tributária em virtude de uma exigência ilegal.
9) Só assim, legalmente, se repõe o equilíbrio do princípio da igualdade da repartição dos encargos públicos nestes casos, atingindo o cumprimento do dever de reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
10) Fazendo Justiça
Mostram-se violadas as normas constantes dos art. 43º nº 1 da LGT, 100º nº 1 da LGT, 103 nº 1 da LGT art. 97º 1 alínea o) e 155º e 204 nº 1 alínea b) todas do CPPT na interpretação formulada na sentença recorrida e que devem ser interpretadas no sentido pugnado neste recurso.
Nestes Termos,
Deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, reconhecendo ao recorrente o direito aos juros indemnizatórios e juros de mora entretanto vencidos, com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.».

1.3. O Ministério Público junto da 1º instância apresentou contra-alegações que concluiu estar a sentença exequenda já integralmente executada, porquanto:
«(…) não tendo sido peticionados, na acção primeva, juros indemnizatórios e não tendo a sentença (natural e legalmente) condenado o aí oponido no seu pagamento, ou sequer versado sobre tal assunto, independentemente de poder vir a ser devido o seu pagamento após acção própria, não é nesta sede, de execução de sentença, que os mesmos podem ser reconhecidos e/ou ordenado o seu pagamento, sendo que a quantia relativa à devolução do IVA, no montante de € 62.542,13, foi entregue ao autor a 30/01/2023.
Constata-se assim que a sentença que o recorrente pretende ver ser executada já se encontra integralmente executada.
Não pode proceder um pedido que não se coaduna com o tipo de processo em que é formulado.
Tal como, por exemplo absurdo, não se pode conhecer de um pedido de impugnação de paternidade num processo executivo, não se pode conhecer de um pedido de atribuição de direito a juros indemnizatórios num processo de execução de sentença: quer num, quer no outro caso, o meio utilizado não é o meio próprio para obter o fim pretendido.
Assim, independentemente do hipotético direito do recorrente a ver ser-lhe atribuído o direito a juros indemnizatórios, nunca o mesmo poderá ser feito através de um processo de execução de sentença.
Que é o que o recorrente, atendendo ao concreto pedido que efectua em sede do presente recurso, pretende.
Em conclusão, independentemente de a sentença proferida ser, ou não, susceptível de qualquer reparo ou censura, o efeito pretendido com o presente recurso não pode ser alcançado pelo que deve ser negado provimento mesmo.».


1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que a sentença exequenda já se encontra totalmente executada, absolvendo a executada do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Factos Provados:
Com interesse para a decisão do mérito da causa, dão-se como provados os seguintes factos:
1) «AA», ora exequente, deduziu oposição no processo de execução fiscal n.º .....................756, que lhe foi instaurado pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva da quantia de € 67.303,33, proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA) do quarto trimestre de 2012, de que era devedora originária a empresa “[SCom01...], LDA.” (NIPC ..............), pedindo, a final, a procedência da oposição e a extinção da execução, “com todas as consequências legais” – facto não controvertido e cfr. petição inicial junta a fls. 29 a 320 da paginação eletrónica;
2) A oposição referida na alínea precedente foi apresentada e correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, sob o processo n.º 830/15.9BEVIS – facto não controvertido, cfr. sentença junta a fls. 321 a 332 da paginação eletrónica;
3) Em 17 de novembro de 2022, foi proferida sentença no referido processo de oposição n.º 830/15.9BEVIS, tendo ali sido decidido o seguinte:
“(…)
Em face de tudo o que ficou exposto e nos termos das disposições legais supra mencionadas, decide-se julgar procedente a presente oposição e, em consequência, anular o despacho de reversão proferido no processo de execução fiscal n.º .....................756 e ordenar a extinção do mesmo relativamente ao aqui oponente.
Custas da ação a cargo da Fazenda Pública.
Valor da ação, o supra fixado (€ 67.303,33).
Registe e notifique.” – cfr. documento de fls. 321 a 332 do suporte físico dos autos;
4) A sentença referida na alínea precedente transitou em julgado no dia 21 de dezembro de 2022 – cfr. certidão de fls. 333 da paginação eletrónica;
5) Em 30 de janeiro de 2023, o exequente recebeu da Administração Tributária, por transferência bancária, o montante de € 62.542,13, por conta da dívida exequenda no processo referido em 2) – facto não controvertido, cfr. documento 1 de fls. 8 da paginação eletrónica;
6) Até à presente data, o exequente não recebeu da Administração Tributária qualquer montante de juros indemnizatórios, por conta da execução da sentença referida em 3) – facto não controvertido.
*
Factos não provados:
Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados.
*
Motivação e análise crítica da prova produzida
Na determinação do elenco dos factos dados como provados, o Tribunal levou em consideração a posição assumida pelas partes relativamente aos factos em questão que não foram objeto de impugnação e considerou ainda e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e as informações constantes dos presentes autos, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal.».

3.2. DE DIREITO
O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, entendendo que deve ser aditado, como ponto 3-A dos factos provados, o fundamento jurídico que determinou o decisório transcrito no ponto 3 do probatório, para depois concluir que o despacho de reversão foi anulado por não se ter provado que exerceu as funções de gerente, o que configura “erro imputável aos serviços” e justifica a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica em que assentou a sentença recorrida:
«O artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa determina que “[a]s decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”. Acrescenta o n.º 3 do citado normativo que “[a] lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução”.
E, de acordo com o disposto no artigo 100.º da LGT, a Administração Tributária “está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Por força do n.º 1 do artigo 102.º da LGT, a execução das sentenças dos tribunais tributários obedece ao regime do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de atos administrativos e, neste sentido, em caso de procedência da impugnação (meio judicial onde foi proferida decisão anulatória da liquidação), a Administração Tributária fica obrigada a reconstituir a situação jurídica hipotética, repondo a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o beneficiário da anulação veja reparados os danos sofridos em resultado da prática desse ato (cfr. artigo 173.º do CPTA).
Ou seja, para além de a decisão judicial anulatória possuir um efeito constitutivo que consiste na invalidação do ato impugnado, fazendo-o desaparecer da ordem jurídica desde o seu nascimento, e de ter um efeito inibitório que afasta a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com as ilegalidades já declaradas, goza, ainda, de um outro efeito que é o da reconstituição da situação hipotética atual, também chamado de efeito repristinatório ou reconstrutivo, que passa pela prática dos atos jurídicos e das operações materiais necessárias à referida reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.
Por outro lado, com pertinência para o caso sub judice, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (sublinhado nosso).
O n.º 2 esclarece que “[c]onsidera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas” (sublinhado nosso).
Acrescenta o n.º 4 do citado artigo que “[a] taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios”.
E prescreve o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que “[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota crédito, em que são incluídos”.
Revertendo ao caso sub judice, está provado que a oponente deduziu oposição (que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu sob o processo n.º 830/15.9BEVIS), no qual peticionou a procedência da oposição e a extinção da execução, “com todas as consequências legais” (cfr. alínea 1) do elenco dos factos provados).
E também está provado que, por sentença proferida em 17 de novembro de 2022, a oposição foi julgada procedente e foi decidido “anular o despacho de reversão proferido no processo de execução fiscal n.º .....................756 e ordenar a extinção do mesmo relativamente ao aqui oponente” (cfr. alínea 2) do elenco dos factos provados).
A referida sentença transitou em julgado no dia 21 de dezembro de 2022, sendo certo que, no âmbito da execução da mesma, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 30 de janeiro de 2023, devolveu ao exequente o montante de € 62.542,13, por conta da dívida exequenda (cfr. alíneas 4) e 5) do elenco dos factos provados).
Como acima referimos, o dissídio entre as partes reside no pagamento de juros indemnizatórios e moratórios, entendendo o exequente que tem direito aos referidos juros, enquanto que a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que tal pagamento não se mostra devido, por inexistir previsão legal que o sustente e por não decorrer da decisão proferida na sentença do processo n.º 830/15.9BEVIS.
E, desde já, adiantamos que assiste razão à Autoridade Tributária e Aduaneira. Senão, vejamos.
No âmbito do processo de oposição que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu sob o n.º 830/15.9BEVIS, está provado que o oponente (ora exequente) não formulou qualquer pedido relativamente a juros indemnizatórios e, por conseguinte, o segmento decisório da sentença ali proferida também não fez qualquer referência aos referidos juros, limitando-se, ao invés, a “julgar procedente a presente oposição e, em consequência, anular o despacho de reversão proferido no processo de execução fiscal n.º .....................756 e ordenar a extinção do mesmo relativamente ao aqui oponente” (cfr. alíneas 1) a 3) do elenco dos factos provados).
No mais, está provado que a Autoridade Tributária e Aduaneira executou espontaneamente a referida sentença, tendo devolvido ao exequente a quantia exequenda de € 62.542,13, em 30 de janeiro de 2023 (cfr. alínea 5) do elenco dos factos provados) – facto este que o próprio executado já reconheceu (vide artigo 4.º da p.i.).
Aqui chegados, independentemente da formulação de pedido (e, por conseguinte, de decisão expressa) sobre os ora peticionados juros indemnizatórios e moratórios, no âmbito da execução da sentença proferida no âmbito do processo 830/15.9BEVIS, certo é que inexiste base legal para sustentar a pretensão do ora exequente. Vejamos porquê.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na parte aqui relevante, determina que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços (…)” (sublinhado nosso). Destarte, dúvidas não há de que neste artigo não é feita qualquer referência à oposição à execução fiscal.
Sobre a interpretação deste normativo, a jurisprudência do STA (vide acórdão de 3 de maio de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0350/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt) tem entendido que “muito embora as expressões “reclamação graciosa” e “impugnação judicial” contidas no artº 43º, nº 1 da LGT não devam ser interpretadas literalmente, como referências aos tipos de processo que têm essas designações, mas sim extensivamente, por forma a abranger outros meios processuais, o certo é que essa interpretação há-de ter como limite a referência aos meios administrativos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação dos atos de liquidação” (sublinhado nosso).
Assim, como resulta do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios resulta dos casos de anulação ou declaração de nulidade de um ato de liquidação, não estando prevista uma extensão desse direito aos casos em que o ato anulado não é um ato de liquidação.
No mais, ao contrário do que pretende fazer crer o exequente (vide artigos 8.º e 9.º da p.i.) importa notar que a formulação do artigo 100.º da LGT é restrita: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”(sublinhado nosso).
E sobre a interpretação e articulação do artigo 100.º da LGT com o artigo 43.º da LGT também já se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 1 de março de 2023 (proferido no âmbito do processo 0939/10.5BESNT 0982/10, disponível para consulta em www.dgsi.pt). E fê-lo com base na seguinte fundamentação:
(…) o artigo 100.º não configura uma cláusula geral de outorga de juros indemnizatórios, sobreponível às situações tipificadas no artigo 43.º da LGT. Antes pelo contrário: o que resulta do artigo 100.º é o reconhecimento da natureza oficiosa do direito a juros indemnizatórios, conquanto verificados os condicionalismos legais especificados no artigo 43.º da LGT e nos montantes aí previstos.
Com efeito, os vários números e alíneas deste normativo logo deixam transparecer que o legislador pretendeu, deliberadamente, delimitar com rigor as condições e termos em que tais juros são reconhecidos. Assim, por um lado, só em certos circunstancialismos tais juros são de outorgar; por outro, nem sempre esses juros são devidos a partir do momento do pagamento da dívida, havendo regras de contagem específicas, consoante cada um daqueles referidos circunstancialismos.
Consequentemente, há que concluir que tem razão a Recorrente, quando sustenta que não podia a sentença recorrida outorgar juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, as quais, em qualquer caso, teriam de ser demonstradas, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral.
É que, cotejando o circunstancialismo do caso com as hipóteses legais de reconhecimento de juros indemnizatórios previstas no artigo 43.º da LGT, forçoso é concluir que, por si só, a mera procedência de uma oposição à execução fiscal não encontra ali sustento legal bastante para o efeito e que não é o artigo 100.º da LGT que permite concluir em sentido distinto.
Sufragamos inteiramente o teor do acórdão que parcialmente transcrevemos e não vemos qualquer razão para discordar da fundamentação nele reproduzida.
Acrescentamos ainda que na interpretação do disposto no artigo 43.º da LGT também não se poderá equiparar o “despacho de reversão” (objeto de oposição à execução) à “liquidação” (objeto de reclamação graciosa/impugnação), pois tal interpretação foi já afastada pela jurisprudência do STA, no acórdão de 6 de outubro de 2021 (proferido no âmbito do processo 01646/14.5BEBRG, disponível para consulta em www.dgsi.pt), no qual se entendeu que “(…) não há fundamento legal para entender que o “ato de reversão” e o “ato de liquidação” têm um conteúdo funcional equivalente. Porque a reversão não serve para declarar ou definir nenhuma obrigação subjacente à execução, mas a de proceder à verificação dos pressupostos legais de que depende o prosseguimento da execução contra sujeitos da relação jurídico-tributária que não venham mencionados no título (essencialmente neste sentido, ver o acórdão deste Tribunal de 16 de dezembro de 2009, no Recurso n.º 1074/09).
Pelo que não existe base legal ou conceptual para estabelecer algum tipo de paralelismo entre o «ato de liquidação» e o «ato de reversão», ao menos para este efeito”.
Assim sendo, imperioso se torna concluir que a procedência de uma oposição à execução fiscal (como se verificou no processo 830/15.9BEVIS) não implica a condenação da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios ao oponente, uma vez que a oposição à execução não visa a impugnação de qualquer ato de liquidação, pelo que não será aplicável o regime do artigo 43.º, n.º 1, da LGT. E idêntica conclusão se obtém, mutatis mutandis, relativamente aos juros moratórios, uma vez que, não se mostrando devidos os juros indemnizatórios, o oponente (ora exequente) também deixou de ter direito aos juros moratórios por conta da falta de pagamento dos juros indemnizatórios.
Por fim, sem prejuízo do supra exposto, importa notar que na esteira do entendimento de JORGE LOPES DE SOUSA (in CPPT Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª ed., Vol. I, pág. 528) “[n]os casos não contemplados no art. 43.º da LGT ou outras normas especiais, o contribuinte poderá ver reconhecido o seu direito de indemnização por prejuízos que lhe advenham da prática de qualquer ato da Administração Tributária, tendo, no entanto, de propor a adequada ação para efetivação da responsabilidade civil e nela fazer prova dos prejuízos sofridos e da imputabilidade dos mesmos à atuação daquela Administração ou, nos processos a que se aplica subsidiariamente o regime da execução de julgados previsto no CPTA, formular o respetivo pedido e efetuar essa prova nesse processo executivo”.
Ante o exposto, restará concluir pela total improcedência do pedido formulado pelo exequente, por inaplicabilidade do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT ao caso sub judice.».
O assim decidido não nos merece qualquer reparo, pois aplicou adequadamente o quadro normativo relevante, em conformidade com a interpretação que dele faz a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores.
Neste sentido, damos aqui nota do acórdão do STA de 01.03.2023, proferido no processo nº 0939/10.5BESNT 0982/10, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d5ac5d215255a4df80258967005aa8f6?OpenDocument&ExpandSection=1, no qual se considerou que: «(…) a formulação do artigo 100.º da LGT é restrita: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
Quer dizer, o artigo 100.º não configura uma cláusula geral de outorga de juros indemnizatórios, sobreponível às situações tipificadas no artigo 43.º da LGT.
Antes pelo contrário: o que resulta do artigo 100.º é o reconhecimento da natureza oficiosa do direito a juros indemnizatórios, conquanto verificados os condicionalismos legais especificados no artigo 43.º da LGT e nos montantes aí previstos.
Com efeito, os vários números e alíneas deste normativo logo deixam transparecer que o legislador pretendeu, deliberadamente, delimitar com rigor as condições e termos em que tais juros são reconhecidos. Assim, por um lado, só em certos circunstancialismos tais juros são de outorgar; por outro, nem sempre esses juros são devidos a partir do momento do pagamento da dívida, havendo regras de contagem específicas, consoante cada um daqueles referidos circunstancialismos.».
Acresce dizer que, mesmo estando em causa a anulação do despacho de reversão por falta de prova do exercício da gerência e que, por consequência, fosse de considerar que o ato foi anulado por “erro imputável aos serviços”, conforme prevê o artigo 43º da LGT, no seu nº 1, já está demonstrado à saciedade que este normativo não logra aplicação nos enunciados casos, no âmbito de um processo de oposição à execução fiscal.
Por último, há que esclarecer que do acórdão do STA de 23.01.2019, a que o Recorrente apela em defesa da sua tese, proferido no processo nº 01437/07.0BEPRT e disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0f9005f5734463c28025839a004df4b4?OpenDocument&ExpandSection=1, não decorre que o pedido de pagamento de juros indemnizatórios deve ser deferido, mas, tão somente, que «nesta particular circunstância em que o oponente é chamado ao processo executivo na qualidade de responsável subsidiário pelo pagamento da dívida, chamamento que o tribunal declara sem fundamento legal, tanto mais que directamente formulado esse pedido, terá que tomar-se conhecimento do pedido de condenação da Administração Tributária à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária.».
Ante o que vem considerado, é de negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, restando, ainda, prejudicado o seu conhecimento quanto à matéria de facto.

*
Assim, preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:
I – Não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 22 de fevereiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta (em substituição)