Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01189/23.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PENHORA;
CONVOLAÇÃO, PERDÃO;
LEI DA AMNISTIA;
Sumário:
I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Deduzido em processo de reclamação de acto do órgão de execução fiscal pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de recurso de decisão de aplicação de coima, está o juiz impedido de ordenar a convolação para conhecimento dos fundamentos próprios desses processos, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de reclamação.

III - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte n.º ...65, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 11/09/2023, que julgou improcedente a reclamação formulada contra o acto de penhora de pensão de reforma, solicitada pelo pedido n.º ...07, feita à ordem do processo de execução fiscal n.º ...37 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças ... – 1, por dívidas provenientes de IRS de 2010, IUC de 2009 a 2013 e 2015, coimas e respectivos encargos por falta de pagamento de IRS de 2010 e 2014, IUC de 2009 a 2015, e taxas de portagem de 2011 ao INIR, respectivas coimas por falta de pagamento e custos, pelo valor de € 3.187,69.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A) - O ilustre Tribunal a quo proferiu decisão, no domínio da qual, sentenciou a inadequação do meio processual utilizado pelo recorrente/executado - "Reclamação da decisão do órgão de execução fiscal" - tendente ao conhecimento da matéria objeto de alegação em tal Reclamação (reconduzida à ilegalidade da penhora materializada pelo órgão de execução fiscal), estatuindo que o meio processual se caracterizaria pelas figuras defensivas da "Oposição à execução fiscal "e "Recurso da decisão de aplicação da coima".
O ora recorrente considera que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao não determinar a possibilidade de produção da convolação dos autos de Reclamação, para a forma de processo caracterizada pela "Oposição à execução fiscal" ou "Recurso da decisão de aplicação da coima".
B) - A douta Decisão a quo, perpetrou, salvo o devido respeito uma violação do artigo 32º nº10 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Que ora se invoca, por força da postergação das garantias do direito de defesa, constitucionalmente consagrado.
C) Surpreendemos a publicação no dia 2 de Agosto de 2023, da Lei nº 38-A/2023 que disciplina o perdão de penas e uma amnistia de infrações.
Salvo melhor opinião, tal diploma legal consagra a sua aplicação à temática fiscal, especificamente, no concernente à matéria vertida nos presentes autos.
À luz do previsto no artigo 2º (sob epígrafe "Âmbito") nº2 da referida lei nº 38­A/2023, de 02.08 "Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:" al. a) "sanções acessórias relativas a contra-ordenações praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5º.", limite cronológico integrador dos presentes autos.
D) - A relação de processos de execução fiscal fornecida pela Administração fiscal ao Tribunal a quo (cfr. Páginas 1, 2 do articulado "resposta" deduzido pela ATA), transcrita pela douta sentença recorrida (cfr. Páginas 6 e 7) consubstancia uma equívoca demonstração matemática, ao nível do mapa financeiro carreado pela Reclamada/Recorrida, nos seguintes termos:
E) - À luz do artigo 63º nº1 alínea d) do RGIT, a omissão dos requisitos legais de aplicação das coimas, incluindo a notificação do ato tributário, direcionada ao sujeito passivo, pela entidade fiscal, constitui uma nulidade do processo contra-ordenacional tributário.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vªs Exªs, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e em consequência decretar-se:
1) - A convolação da petição de Reclamação no expediente processual em petição de "Oposição à execução fiscal" e " Recurso da decisão da aplicação da coima", à sombra dos artigos 97º nº3 da LGT e 98º nº4 do CPPT, devendo aproveitar-se a plenitude dos atos processuais, liminarmente objeto de prática.
2) - O perdão das infrações fiscais relativas ao segmento dos processos de execução fiscal concernentes à cobrança das taxas de portagem.
3) - A indicação do direcionamento e localização da quantia de €1.037,42, suprimida no quadro discriminativo, fornecido pela ATA.
Assim se fazendo, Justiça.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao manter na ordem jurídica o acto reclamado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:
1. Foram instaurados no Serviço de Finanças ... - 1 os seguintes processos de execução fiscal contra o ora Reclamante:
- n.º ...37, para cobrança de IRS de 2010, no montante de € 426,93;
- n.º ...65, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IRS de 2010, no montante de € 179,50;
- n.º ...25, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2012, no montante de € 126,50;
- n.º ...23, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2009, no montante de € 106,50;
- n.º ...20, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2011, no montante de € 106,50;
- n.º ...00, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2010, no montante de € 106,50;
- n.º ...16, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2014, no montante de € 126,50;
- n.º ...02, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2013, no montante de € 126,50;
- n.º ...89, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IUC de 2015, no montante de € 126,50;
- n.º ...75, para cobrança de coimas, e respetivos encargos, por falta de pagamento de IRS de 2014, no montante de € 227,55;
- n.º .....389, para cobrança de taxas de portagem de 2011 ao INIR, respetivas coimas por falta de pagamento e custos, no montante de € 126,43; - n.º ...24, para cobrança de taxas de portagem de 2011 ao INIR, respetivas coimas por falta de pagamento e custos, no montante de € 135,15; - n.º ...43, para cobrança de IUC de 2009, no montante de € 38,75;
- n.º ...51, para cobrança de IUC de 2010, no montante de € 37,44;
- n.º ...78, para cobrança de IUC de 2011, no montante de € 37,26;
- n.º ...90, para cobrança de IUC de 2012, no montante de € 36,73;
- n.º ...49, para cobrança de IUC de 2013, no montante de € 36,87;
- n.º ...08, para cobrança de IUC de 2015, no montante de € 42,16 – cfr. fls. 98 a 151 dos autos (suporte digital).
2. No âmbito dos processos executivos mencionados no ponto antecedente, o Serviço de Finanças ... - 1, procedeu, em 12 de novembro de 2022, ao registo de pedido de penhora n.º ...07, incidente sobre a pensão de reforma do Reclamante junto do Instituto de Segurança Social, I.P. pelo valor de € 3.187,69 – cfr. fls. 95 dos autos (suporte digital), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. O Serviço de Finanças ... - 1 expediu por via postal registada (sob o registo CTT RQ.........08PT), a 22 de novembro de 2022, ofício dirigido ao Reclamante, tendente à respetiva notificação da penhora realizada – cfr. fls. 247 a 251 dos autos (suporte digital).
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FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme o especificado nos vários pontos daquela factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
A demais matéria alegada não foi considerada por não relevar para a decisão da causa.”
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2. O Direito

Antes de mais, cumpre prestar o esclarecimento solicitado pelo Recorrente relativo à indicação do direcionamento e localização da quantia de €1.037,42, suprimida no quadro discriminativo, fornecido pela ATA, com a sua resposta à presente reclamação, e que se mostra reproduzido no ponto 1 da decisão da matéria de facto.
Com efeito, neste ponto 1 do probatório estão elencados os processos de execução fiscal sobre que incidiu a penhora, acto aqui reclamado, mostrando-se identificada a quantia exequenda e a que se reporta a dívida exequenda, em cada processo executivo. Nesta lista, não se apresenta vertida a informação relativa aos juros de mora e às custas, daí que a diferença detectada pelo Recorrente em relação ao montante indicado para penhora (€3.187.69) se reporte aos acrescidos, que não se apresentam discriminados relativamente a cada processo de execução fiscal na decisão da matéria de facto (os valores aqui indicados respeitam, apenas, à quantia exequenda em singelo).

Ressalta que o Recorrente introduz questões no recurso com carácter inovador:
Afirma que o conteúdo da notificação do acto expedido por parte do órgão periférico local, não fomenta a acção da perfeita opção processual, face à problemática fiscal, apenas exibindo a (incompleta) informação da disponibilização de um meio defensivo do contribuinte: a Reclamação (cfr. Doc.1, instrutor da Reclamação judicial apresentada pelo ora Recorrente). Tal documento possui aposto o título "Notificação após penhora". O corpo central de tal notificação, situado na Linha 5, expressa o seguinte esclarecimento: "Da penhora, ora notificada, poderá, querendo, apresentar reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (artigo 276º do CPPT) no prazo de 10 dias (artigo 277º do CPPT). O suporte material, constitutivo da notificação do ora Recorrente, não esclarece o sujeito passivo da plenitude das oportunidades de defesa processual disponíveis, mormente a oposição à execução fiscal (artigo 204º do CPPT), ou o recurso da decisão da aplicação da coima (artigo 80º do RGIT).
Esta incompletude da notificação do acto de penhora, no concernente à indicação dos meios de defesa ao dispor do Recorrente, somente agora, em sede de recurso, vem invocada.
O mesmo se passando com a alegada omissão de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto (amnistia e perdão), defendendo, agora, que as infracções relativas à falta de pagamento das taxas de portagem devem ser consideradas perdoadas.
Como resulta dos autos, trata-se aqui de questões novas, suscitadas pela primeira vez, nesta sede recursiva.
Efectivamente, na petição inicial, resulta claro que o reclamante só suscitou as questões da “ilegitimidade da pessoa citada”, “inexigibilidade das dívidas”, “ilegalidade da aplicação das coimas no âmbito dos processos de contra-ordenação, por preterição de formalidades previstas para o procedimento contraordenacional”, o vício de falta de fundamentação do acto de penhora e a responsabilidade civil, realizando um pedido indemnizatório.
De facto, o reclamante começa por invocar a respetiva ilegitimidade para a execução, sustentando, para o efeito, que as dívidas em cobrança se prenderão com a falta de pagamento de taxas de portagem, respetivas coimas e custos, reportadas a veículo propriedade da sua entidade patronal à data. Em face deste enquadramento, refere que jamais foi notificado para proceder ao pagamento voluntário das taxas de portagem, nem das decisões de aplicação das coimas.
Na petição de reclamação, coloca em causa os pressupostos inerentes à responsabilização contraordenacional do reclamante pela falta de pagamento das taxas de portagem, como seja o cumprimento da formalidade a que se refere o artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, condição essencial para operar a presunção contida no n.º 3 do mesmo preceito.
Como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Realmente, a questão relativa ao conteúdo do acto de notificação da penhora, referente à indicação dos meios de defesa (enquadrada juridicamente como violação do artigo 32.º, n.º10 da Constituição da República Portuguesa), como questão nova, não pode ser conhecida em sede recursiva.
Como é jurisprudência pacífica do STA, reiterada em vários acórdãos, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram.
Neste sentido, entre muitos outros, pode ver-se o acórdão do STA, de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 043/16, que contém vasta referência jurisprudencial.
Assim, não é possível tomar conhecimento desta questão, sendo, contudo, de avançar para a análise das restantes questões colocadas no recurso.
Já a questão do perdão das infracções relativas a contra-ordenações e ao segmento dos processos de execução fiscal concernentes à cobrança das taxas de portagem e respectivas coimas por falta de pagamento, apresenta-se ope legis, devendo ser declarado (o perdão) pelo tribunal, sendo, por isso, de conhecimento oficioso.
Apesar de o acto sindicado ser o acto de penhora, e, portanto, não são as infracções contraordenacionais que estão a ser apreciadas nesta sede, como bem explica a sentença recorrida; atenta a consequência que poderia ter nos processos de execução fiscal, impõe-se, pela sua evidência, afastar a aplicabilidade da citada Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto.
Efectivamente, somente estão abrangidas por esta lei, que entrou em vigor em 01/09/2023, segundo o disposto no seu artigo 2.º:
“1 – [Estão abrangidas pela presente lei] as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º;
b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º”.
Portanto, são perdoadas as sanções acessórias relativas a contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1000 (euro) – cfr. artigo 5.º da Lei vinda a referir.
Isto é, não está previsto qualquer perdão para as coimas que foram aplicadas no âmbito de processos contra-ordenacionais, mas apenas para eventuais sanções acessórias que tenham sido aplicadas. Ora, nos processos de execução fiscal em apreço estão em cobrança coerciva coimas pela falta de pagamento de taxas de portagem, pelo que é destituído de sentido falar em perdão de sanções acessórias, improcedendo totalmente tal alegação.

Por fim, defende o Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, ao não determinar a possibilidade de produção da convolação dos autos de Reclamação, para a forma de processo caracterizada pela "Oposição à execução fiscal" ou "Recurso da decisão de aplicação da coima".
Resta, assim, apreciar se a decisão em crise enferma de eventual erro de julgamento, ao não ter convolado o processo para a forma processual adequada – cfr. conclusão A) das alegações do recurso.
A sentença recorrida explica cabalmente qual o objecto da reclamação de acto do órgão de execução fiscal, evidenciando ser o acto reclamado o acto de penhora, sendo pedida, além do mais, a anulação deste acto e a suspensão das diligências de penhora, mormente da pensão de reforma do executado, agregado das prestações vencidas e vincendas, desde a data da instauração do processo executivo até ao trânsito em julgado da sentença, e que actualmente perfazem a quantia de € 2.985,42.
Nesta parte recorrida, a sentença julgou o seguinte:
“(…) Nos presentes autos, encontra-se sindicada a legalidade da penhora de pensão de reforma efetuada pelo pedido n.º ...07, no valor de € 3.187,69.
Cumpre vincar que o meio processual usado pelo Reclamante se mostra o próprio para sindicar a legalidade da penhora efetuada à ordem do processo de execução fiscal n.º ...37 e apensos. Efetivamente, constituindo a penhora um ato praticado no âmbito da execução fiscal que afeta a esfera jurídica dos destinatários e, nessa medida, potencialmente lesivo dos direitos destes, não pode deixar de ser contenciosamente impugnável através de reclamação para o juiz nos termos dos artigos 276.º e ss. do CPPT.
Questão distinta prende-se com a viabilidade das causas de pedir gizadas para obter a pretendida anulação do ato de penhora, matéria relacionada com a viabilidade do pedido e não com a propriedade do meio processual.
Ora, no caso “sub judice”, o Reclamante começa por invocar a respetiva ilegitimidade para a execução, sustentando, para o efeito, que as dívidas em cobrança se prenderão com a falta de pagamento de taxas de portagem, respetivas coimas e custos, reportadas a veículo propriedade da sua entidade patronal à data. Em face deste enquadramento, refere que jamais foi notificado para proceder ao pagamento voluntário das taxas de portagem, nem das decisões de aplicação das coimas.
Como já se deixou dito, o objeto da presente reclamação contende com a apreciação da legalidade da penhora da pensão de reforma do Reclamante, pelo que não pode ser apreciada neste âmbito a legalidade de atos que se encontram a montante - como seja a apreciação da legitimidade do mesmo para as execuções fiscais (com fundamento em não ser o proprietário do veículo em questão) e da inexigibilidade das dívidas por, alegadamente, não ter sido notificado para pagamento voluntário das taxas ou das decisões sancionatórias que fixaram as coimas -, e que se prendem com a valia da própria execução (mais precisamente das execuções fiscais n.ºs .....389 e ...24, as únicas em que se encontram em cobrança taxas de portagem, respetivas coimas e custos) e que deveriam ter sido sindicados em sede própria, mais precisamente em oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto no art. 204.º, n.º 1, alíneas b) e i) do CPPT.
Como tal, não podem aqueles fundamentos ser conhecidos em sede de reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT, por não concorrerem para a pretendida anulação da penhora efetuada.
Da mesma forma, não podem ser conhecidos nesta sede processual os pressupostos inerentes à responsabilização contraordenacional do Reclamante pela falta de pagamento das taxas de portagem, como seja o cumprimento da formalidade a que se refere o art. 10.º, n.º 1 da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, condição essencial para operar a presunção contida no n.º 3 do mesmo preceito. Na verdade, se o Reclamante pretendia colocar em crise os pressupostos da infração teria de intentar competente recurso da decisão de aplicação de coima, nos termos do art. 80.º do RGIT.
Em suma, mostrando-se incontroverso que o meio processual usado é adequado ao pedido formulado, resta concluir pela improcedência dos alegados vícios de ilegitimidade e inexigibilidade, assim como de preterição de formalidades previstas para o procedimento contraordenacional, por as respetivas causas de pedir não se mostrarem aptas a suportar o pedido de anulação da penhora efetuado nos autos. (…)”
Não vislumbramos qualquer erro neste julgamento recorrido, nem o Recorrente o identifica, antes pretende que os fundamentos invocados na Reclamação sejam apreciados no meio processual próprio.
Como vimos, as causas de pedir indicadas tiveram como consequência a improcedência da reclamação nessa parte.
O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
Embora o pedido não se encontre formulado com inteira precisão, a verdade é que é apreensível ser a eliminação da ordem jurídica do acto de penhora que se pretendia, sendo possível interpretar o pedido formulado nesse sentido.
Porém, não será possível convolar esta reclamação em oposição judicial ou em recurso de decisão de aplicação de coima, dado que foi invocado fundamento compatível com a eliminação da penhora do ordenamento jurídico: trata-se do vício próprio imputado ao acto reclamado de falta de fundamentação.
Lembramos que, deduzido pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de outro meio processual (in casu, recurso de decisão de aplicação de coima), está o juiz impedido de ordenar a convolação em qualquer desses meios processuais para conhecimento dos fundamentos próprios desses processos, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo que utilizou – cfr. Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.
Recordamos, também, que na sentença de primeira instância inexiste uma decisão de erro na forma do processo, que não se mostra questionada neste recurso, por isso não é possível falar em convolação.
Assim, no presente processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter, que será “a anulação do acto de penhora”; mas as concretas causas de pedir referentes à “ilegitimidade da pessoa citada”, “inexigibilidade das dívidas”, “ilegalidade da aplicação das coimas no âmbito dos processos de contra-ordenação, por preterição de formalidades previstas para o procedimento contraordenacional”, não são aptas a alcançar tal pretensão. Saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13.
Aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que o reclamante alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão do reclamante.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pelo Recorrente, observa-se que, com os fundamentos vertidos nos artigos 26.º a 54.º da petição, deve a presente reclamação ser julgada improcedente, como o realizou o tribunal “a quo”, uma vez que essas causas de pedir aí descritas são próprias de um processo de oposição judicial e de um recurso de decisão de aplicação de coima.
Nesta conformidade, se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.
De todo o modo, analisando a petição de reclamação, detectamos mais do que um pedido. Ou seja, além do já identificado, relativo à anulação do acto de penhora, observamos um pedido de extinção dos processos executivos (por ilegitimidade passiva do executado/reclamante). Este último compatível com a utilização do meio processual “oposição judicial”. E ainda, o pedido de deferimento do pedido indemnizatório cível, no valor de €28.000, sendo que quanto a este o tribunal recorrido considerou competentes os tribunais administrativos, seguindo a forma de acção administrativa, nos termos do artigo 37.º, n.º 1, alínea K) do CPTA; decisão esta não impugnada no presente recurso jurisdicional.
Nesta perspectiva, como acentua o digníssimo Magistrado do Ministério Público, tendo presente que em caso de cumulação de pedidos, ocorrendo erro na forma do processo quanto a alguns deles, tendo sido conhecido na primeira instância um pedido próprio da forma de processo utilizada, não é possível a convolação dos demais para a forma de processo adequada - cfr. Acórdão do STA, de 07/03/2012, proferido no âmbito do processo n.º 01160/11. Todavia, salientamos uma vez mais, não ter sido prolatada pelo tribunal recorrido uma decisão de erro na forma do processo, ainda que parcial, que não se mostra questionada neste recurso, por isso não é possível falar em convolação.
De qualquer forma, tendo em vista responder a este recurso, se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais, torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas – cfr. Acórdão deste TCAN, de 28/01/2021, também relatado pela aqui relatora no âmbito do processo n.º 01046/19.0BEPRT.
Pelo exposto, urge concluir pela improcedência de todas as conclusões de recurso, negando provimento ao mesmo, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

Conclusão/Sumário

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
II - Deduzido em processo de reclamação de acto do órgão de execução fiscal pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de recurso de decisão de aplicação de coima, está o juiz impedido de ordenar a convolação para conhecimento dos fundamentos próprios desses processos, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de reclamação.
III - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 22 de Fevereiro de 2024

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais