Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00447/11.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO;
FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:
I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

IV - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada.

V – No caso concreto, não se mostram alegados, no despacho de reversão, todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...03, residente na Rua ...., na ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 13/02/2023, que julgou improcedente a oposição que intentou, na qualidade de revertido, contra o processo de execução fiscal n.º ...08 e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade comercial “[SCom01..., Lda.]”, para cobrança de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, referentes a 2004 e 2005.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“a) O Tribunal a quo não logrou especificar quais os meios de prova que permitem dar como assente os factos alegados sob as alíneas A) a F) do Ponto IV.1;
b) Neste sentido, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade nos termos do nº1 do artigo 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
c) O Tribunal a quo interpreta restritivamente o nº1 do artigo 125º do CPPT, pelo que - uma vez que a fundamentação de uma decisão judicial constitui uma garantia constitucional - a sentença a quo viola o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inconstitucionalidade que desde já se invoca para os devidos efeitos.
Subsidiariamente, se não se entender que se verifica nulidade da sentença, o que se prevê por simples cautela de patrocínio,
d) A citação, ao produzir efeito interruptivo, só o faz de modo instantâneo;
e) Ou seja, só se produz uma única vez e não perdura no tempo;
f) O Apelante foi citado da execução fiscal em 03-11-2010;
g) O Apelante, respaldado na Doutrina, considera que estando em causa a responsabilidade tributária subsidiária, o prazo de prescrição da dívida exequenda é de 3 anos.
h) Tal deriva de a responsabilidade tributária subsidiária ter uma natureza eminentemente subjectiva; pelo que,
i) deve aplicar-se o prazo de prescrição para a responsabilidade civil extracontratual previsto no artigo 498º do Código Civil, ou seja, de 3 anos;
j) Neste sentido, a dívida exequenda já se encontrava prescrita aquando da citação do Apelante no processo de execução fiscal. Por outro lado,
k) A devedora originária jamais foi citada da liquidação relativa ao IVA, IRS e IRC respeitante aos períodos de tributação de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2005.
l) Verifica-se caducidade da liquidação, nos termos do nº1 do artigo 45º do CPPT, uma vez que decorreram mais de 4 anos desde que a mesma foi efectuada até à citação do revertido, aqui Apelante;
m) Não se encontram preenchidos todos os requisitos, previstos no artigo 23º da Lei Geral Tributária, para que se verifique a responsabilidade tributária subsidiária;
n) No caso concreto não se verifica o terceiro pressuposto, isto é, que exista culpa do Revertido na insuficiência do património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada para a satisfação dos créditos fiscais;
o) A sociedade comercial [SCom01..., Lda.]. enfrentou séria dificuldades financeiras que conduziram ao respectivo encerramento;
p) sendo que o Apelante - apesar de todos os esforços encetados para manter a sociedade comercial em apreço em funcionamento - não logrou vencer as adversidades conjunturais de mercado. Doutro modo,
q) Ao invés do que sustenta o Tribunal a quo, a fundamentação do despacho de reversão não é nem clara nem congruente,
r) não permitindo ao destinatário comum tomar conhecimento do exercício valorativo encetado pela Administração Tributária para a determinação do acto.
s) O despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado;
t) O Tribunal a quo, ao ter decidido que o despacho de reversão não padece do vício de falta de fundamentação, violou o disposto nos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPPT.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de a competência para conhecer do recurso caber à Secção de Contencioso Tributário do STA, dado o teor das conclusões das alegações do recurso versarem unicamente sobre matéria de direito.
Contudo, adiantamos, desde já, que as conclusões K), O) e P) das alegações do recurso infirmam esta conclusão do Ministério Público, dado que do probatório não consta esta matéria alegada, que sempre implicaria retirar ilações de quaisquer factos simples que não foram seleccionados pelo tribunal recorrido. A alegação de que a devedora originária jamais foi citada da liquidação tem subjacente um juízo sobre os elementos factuais que decorrerão do processo de execução fiscal, e os juízos de valor e conclusões que se apresentam a propósito da sustentação da falta de culpa do revertido na insuficiência do património da devedora originária, implicam, necessariamente, a realização de ilações de facto, tarefa que é levada a cabo por este tribunal, que julga de facto e de direito [cfr. artigo 38.º ex vi artigo 26.º, alínea b), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais]. Pelo que inexiste qualquer necessidade de nos alongarmos na apreciação da questão da competência deste TCA Norte.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida enferma de nulidade, por falta de fundamentação de facto, e se incorreu em erro de julgamento ao considerar que o despacho de reversão está fundamentado, que estão reunidos os pressupostos para operar a reversão, que não se verifica a prescrição das dívidas exequendas e que improcede o vício de caducidade invocado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a apreciação das questões que ao Tribunal cumpre solucionar, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Para cobrança de créditos provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativos a 2004 e 2005, no montante global de EUR 11.967,84, foram instaurados pela Fazenda Pública contra “[SCom01..., Lda.].”, CF nº ...76, o Processo de Execução Fiscal nº ...08 e apensos – Cfr. fls. 84/213 (certidões de dívida) e fls. 39/42 do processo SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
B) O Oponente consta como gerente da certidão de registo comercial referente à sociedade comercial “[SCom01..., Lda.].”, titular do NIPC ...76 – Cfr. fls. 97 e ss. do processo SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
C) Em 19/02/2010 foi elaborada informação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) 1.º A firma executada já não exerce a sua actividade no local indicado.
2.º As instalações encontram-se encerradas, desconhecendo-se actualmente o paradeiro da firma.
3.º A firma executada em causa não possui bens na área deste Serviço de Finanças.
Não obstante as diligências efectuadas junto dos moradores próximos, autoridades administrativas e policiais da área da residência, não foram encontrados ou conhecidos quaisquer bens penhoráveis ao executado.
Tendo sido efectuada consulta ao Sistema “CEAP”, também não se encontraram outros bens susceptíveis de penhora.
4.º Pelo que me parece estarem reunidas as condições para se proceder à reversão da dívida, quer nos termos do art.º 23.º e 24.º da LGT quer no art.º 153.º do CPPT, contra os gerentes/sócios/administradores, que constam na base de dados informáticos:
SÓCIO ...58 «BB»
SÓCIO ...03 «AA»
SÓCIO ...37 «CC»
SÓCIO ...71 «DD»
E para constar lavrei o presente auto, que vou assinar.”
– Cfr. fls. 88 e ss. do processo SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
D) Foi proferido despacho de reversão no âmbito dos Processos de Execução Fiscal identificados em A) tendo, em 03/11/2010 o Oponente sido citado na qualidade de responsável subsidiário (Citação- Reversão) – cfr. artigo 1.º e 5º da petição inicial e fls. 105 e ss. do processo SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
E) Da Citação - Reversão do Oponente referida em D), consta, entre o mais, o seguinte:
[imagem no original, que aqui se tem por reproduzida]
- Cfr. fls. 108/109 do processo SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
F) A presente oposição foi deduzida em 03/12/2010 – cfr. fls. 4 do processo SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
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Factos não provados:
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
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Motivação de Facto
Quanto aos factos provados, o Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório – Cfr. art.º 74.º, 76.º da LGT (mormente os n.ºs 1 e 4) conjugado com o art.º 115, n.ºs 2 e 4 do CPPT.
A convicção do Tribunal alicerçou-se, ainda, na apreciação crítica e conjugada, à luz das regras da experiência, do depoimento prestado pela testemunha do Oponente, «EE», assistente operacional em escola na ..., e ex-mulher de um dos outros sócios da sociedade que não o Oponente.
A testemunha depôs de forma isenta e credível referindo encontrar-se divorciada do seu ex-marido há mais de 10 anos não tendo contacto.
Esclareceu não deter conhecimento sobre a sociedade comercial “[SCom01..., Lda.]., sobre o seu funcionamento, gerência ou titularidade. Referiu que sabia serem três sócios (onde incluiu o ex-marido) desconhecendo, todavia, quer a referenciação temporal dos factos quer qualquer funcionamento da aludida sociedade comercial.”

Uma vez que está em causa, na apreciação do recurso, sindicar a análise que foi realizada pela sentença recorrida ao alegado vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, a que se alude no ponto D) da decisão da matéria de facto, para melhor compreensão, indica-se que o mesmo foi proferido em formulário tipo “DESPACHO (REVERSÃO)” e densifica-se o seu teor:
D1 - “(…) Face às diligências de fls. precedentes, e estando concretizada a audição dos responsáveis subsidiários, prossiga-se a reversão da execução fiscal contra «AA» (…), na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a informação infra, a qual tem que constar da citação, proceda-se à citação do executado por reversão (…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º/n.º 1/b) LGT].
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
N.º PROCESSO PRINCIPAL: ...08
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 11.967,84 EUR
TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00 EUR
TOTAL: 11.967,84 EUR
*Conforme anexo
(…)”

2. O Direito

Começou o Recorrente por imputar o vício de nulidade à sentença recorrida, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto da decisão.
Concretiza o Recorrente, demonstrando que, embora a sentença recorrida tenha considerado assentes os factos sob os pontos A) a F) do ponto IV.1, não especificou quais os concretos meios de prova que, no entendimento do Tribunal a quo, permitem dar como provado cada um dos alegados factos.
Com efeito, tem razão o Recorrente quando afirma a necessidade de uma decisão judicial conter um juízo valorativo cognoscitivo sobre a prova produzida e, mais concretamente, que tipo e concreto meio de prova permite dar um facto como assente, para que um destinatário possa compreender o respectivo teor.
No entanto, não vislumbramos que, in casu, tal tarefa se tenha tornado impossível ou sequer difícil, em face da motivação que consta da decisão da matéria de facto.
Na verdade, todos os pontos levados ao probatório assentaram em documentos que constam dos autos e do processo de execução fiscal ínsito nos mesmos, conforme se mostra indicado junto de cada uma das alíneas do probatório. Aliás, tal esclarecimento apresenta-se expressamente mencionado na fundamentação da decisão da matéria de facto: Quanto aos factos provados, o Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório – Cfr. art.º 74.º, 76.º da LGT (mormente os n.ºs 1 e 4) conjugado com o art.º 115, n.ºs 2 e 4 do CPPT.
Portanto, os concretos meios de prova, que permitiram ao tribunal considerar provado cada um dos pontos da decisão da matéria de facto, estão especificados na decisão, por referência às folhas dos processos, a que correspondem os respectivos documentos em que se fundou a matéria apurada.
Uma vez que os meios de prova utilizados foram os diversos documentos indicados junto de cada facto assente [de A) a F)], claudica, desde logo, a base de sustentação para a invocada nulidade da sentença, pelo que urge julgar improcedente tal vício imputado à decisão recorrida.

O Recorrente também assaca erro à sentença recorrida na subsunção dos factos ao direito, por a decisão de reversão para a execução não se encontrar devidamente fundamentada – cfr. conclusões q) a t) das alegações do recurso.
Consideramos esta questão basilar, dado ser nessa decisão que culmina todo o procedimento de reversão, aí se colhendo os fundamentos indicados pela AT para decidir reverter a execução fiscal contra o Recorrente. Na medida em que a legalidade do acto de reversão é apreciada tendo por base a motivação ínsita no mesmo, bem como as informações que o precederam e sustentaram, importou carrear os fundamentos do despacho de reversão, plasmando-os na decisão da matéria de facto – cfr. os pontos B), C), D), E) do probatório e a densificação por este tribunal levada a cabo supra.
Vejamos.
In casu, a dívida revertida respeita a IVA, IRS e IRC de 2004 e 2005.
O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
No que tange aos actos tributários, o dever de fundamentação encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respectivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do acto em causa.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, assim, o desiderato constitucionalmente consagrado. De igual forma, se a fundamentação não tiver estas características, existe uma impossibilidade de o tribunal sindicar se estão presentes os requisitos para que possa operar a reversão da execução fiscal.
Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, prolatado em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, onde se refere:
“(…) [E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (…)” (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, processo n.º 580/12 e de 23/01/2013, processo n.º 953/12, mais recentemente, vide o Acórdão do STA, de 27/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 02001/16.8BEPRT 0552/18).
Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal, cumpre atentar na disciplina aplicável in casu no que ao regime jurídico da reversão respeita.
Assim, desde logo, há que considerar o disposto no artigo 23.º da LGT, decorrendo do seu n.º 1 que é através da reversão que se efectiva a responsabilidade tributária subsidiária.
Resulta deste mesmo artigo 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 153.º do CPPT.
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Somos ainda remetidos para o artigo 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:
“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Este artigo 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para accionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.
O artigo 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.
A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do artigo 32.º da LGT, que prevê “(...) um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” – cfr. Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.
Feito este enquadramento legal (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 29/04/2021, proferido no âmbito do processo n.º 723/10.6BELLE), resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao órgão de execução fiscal que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:
b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT);
b.2) O exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT;
c) Mencione a sua extensão temporal.

In casu, consta do processo de execução fiscal ínsito nos autos toda a sua tramitação e preparação para a reversão no âmbito do respectivo procedimento, observando-se um auto de diligências do Serviço de Finanças ... - 2, datado de 19/02/2010, mencionado no ponto C) do probatório, onde se informa o seguinte: 1.º a firma executada já não exerce a sua actividade no local indicado; 2.º as instalações encontram-se encerradas, desconhecendo-se actualmente o paradeiro da firma; 3.º a firma executada em causa não possui bens na área deste Serviço de Finanças.
Não obstante as diligências efectuadas junto dos moradores próximos, autoridades administrativas e policiais da área da residência, não foram encontrados ou conhecidos quaisquer bens penhoráveis ao executado.
Tendo sido efectuada consulta ao Sistema “CEAP”, também não se encontraram outros bens susceptíveis de penhora.
4.º Pelo que me parece estarem reunidas as condições para se proceder à reversão da dívida, quer nos termos do art.º 23.º e 24.º da LGT quer no art.º 153.º do CPPT, contra os gerentes/sócios/administradores, que constam na base de dados informáticos:
SÓCIO ...58 «BB»
SÓCIO ...03 «AA»
SÓCIO ...37 «CC»
SÓCIO ...71 «DD»
Na mesma data, foi, ainda, prestada informação não certificada pela Conservatória do Registo Comercial ao serviço de finanças, relativa à matrícula da devedora originária, constando como gerentes os mesmos quatro sócios indicados supra.
Somente com base nestes dois elementos foi chamado à execução este contribuinte, tendo sido notificado para exercer por escrito o seu direito de audição prévia, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º da LGT, em conjugação com o artigo 60.º do mesmo diploma, não constando que o tenha realizado. Note-se que do teor do modelo de notificação para audição prévia à reversão apenas se mostram transcritos dois normativos para sustentar o projecto de reversão: o artigo 23.º, n.º 2 da LGT (sem sequer se optar pela inexistência ou pela insuficiência de bens) e o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Portanto, ao remeter para as diligências precedentes, o órgão de execução fiscal apenas parece atender ao facto de o Oponente constar das bases de dados informáticas e da matrícula da sociedade como gerente de direito da sociedade originária devedora, o que, por si só, é apenas indiciador de uma possível gestão de facto.
Na sequência desta notificação, sem pronúncia pelo Recorrente, foi emitido o acto de reversão propriamente dito, dado por reproduzido no ponto D e densificado no ponto D1 do probatório.
Compulsando o teor do despacho de reversão, verificamos que tem em conta as diligências de folhas precedentes, que se limita a reproduzir a norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e a identificar a dívida em cobrança coerciva, por referência ao elenco que consta em anexo.
Resulta inequivocamente do normativo legal referido que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/administrador e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Desde logo ressalta que o pressuposto de reversão relativo à gerência efectiva não se mostrava vertido no despacho de reversão.
Como vimos supra, é essencial definir se os gerentes exerceram efectivamente funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária, pois, caso contrário, aplicar-se-á o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT [e não a alínea b)], com substanciais diferenças no ónus da prova da culpa, como referimos anteriormente.
As diligências prévias em que se baseia o acto de reversão limitam-se ao resultado de não terem sido encontrados bens susceptíveis de penhora e à identificação dos gerentes/sócios/administradores que constam na base de dados informáticos, nunca existindo qualquer menção à gerência de facto nem qualquer relação da mesma com o período a que respeitam as dívidas exequendas.
Com efeito, consta uma referência temporal à responsabilidade subsidiária - reportando-se a dívidas de IVA, IRS e IRC de 2004 e 2005. Contudo, nenhuma menção é efectuada quanto ao exercício efectivo da gerência, nem a relacionando com a sua extensão temporal, desconhecendo-se se o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminou no período de exercício da sua gerência ou se o respectivo facto constitutivo ocorreu no período de exercício da sua gerência.
Na verdade, existe apenas uma referência à gerência de direito, dado que, como dissemos, na informação anterior à audição prévia à reversão somente se destacam os elementos registados na base de dados informáticos, tendo sido carreados para o processo de execução fiscal os elementos constantes na matrícula da sociedade devedora originária na competente Conservatória do Registo Comercial.
Em termos de declaração, em concreto, dos pressupostos da reversão, o despacho em análise nada afirma, apenas alude ao teor do normativo do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, nem sequer mencionando expressamente a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário (mas remetendo para as diligências precedentes, estando, depois, aludido no ofício de citação – “inexistência ou insuficiência”) ou a gerência de facto e a extensão temporal da administração de facto, exigível como pressuposto da reversão, omitindo, assim, a alegação ou a mera declaração de todos os pressupostos da reversão.
Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impõe que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido; ainda assim, não consta do despacho de reversão em crise qualquer alegação, declaração ou alusão ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Nesta conformidade, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.
A anulação, que se impõe, do acto de reversão acarreta a falta de título executivo contra o revertido e a sua ilegitimidade processual passiva na execução, pelo que em relação à execução o Oponente não pode deixar de ser absolvido da instância – cfr. artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil; bem como os Acórdãos do STA, de 10/10/2012, de 22/04/2015 e de 24/02/2016, proferidos no âmbito dos processos n.º 726/12, n.º 511/14 e n.º 0700/15, respectivamente.
Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso, sendo de conceder provimento ao mesmo, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição judicial totalmente procedente, anulando o despacho de reversão e absolvendo o Oponente da instância executiva.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
IV - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada.
V – No caso concreto, não se mostram alegados, no despacho de reversão, todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição judicial totalmente procedente, anulando o despacho de reversão e absolvendo o Oponente da instância executiva.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 22 de Fevereiro de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida