Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00056/21.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Cristina da Nova
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR TAXA;
COMPENSAÇÕES POR NÃO CEDÊNCIA DE TERRENO À CÂMARA;
Sumário:A deliberação da Câmara, não constitui, em princípio, um ato de liquidação de taxa, esta deverá ser realizada de acordo com o Código Regulamentar do Município.
Compete à entidade que emite a liquidação fazer prova da sua existência e de que emitiu notificação nos termos legais.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Revogar a sentença recorrida.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
1. RELATÓRIO
[SCom01...], S.A., vem recorrer da sentença do TAF de Mirandela que julgou improcedente a Impugnação do indeferimento da Reclamação Graciosa da liquidação de compensações pagas, contra o Município de Vila Real.
*
Formula a recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«1. A Impugnação judicial do Ato de Indeferimento (tácito) da Reclamação Graciosa do “ato de liquidação” de Compensações pagas, é tempestiva e deve ser julgada totalmente procedente, ao invés do decidido na sentença recorrida.
2. Com todo o respeito, erra o Exmo. Senhor Juiz a quo quando entendeu que se verificou caducidade do direito de ação porquanto identifica erradamente o ato de liquidação.
3. Nos termos do disposto no artigo 16.º n.ºs 1 e 2 do RGTAL, a Impugnante dispunha do prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação para deduzir reclamação perante o órgão, o que fez.
4. Daí que a própria matéria de facto vá aqui igualmente impugnada, a começar pela ideia de que “em 10/03/2020 a Impugnante é notificada da deliberação do Município sobre a verificação dos pressupostos de incidência, assim como o concreto ato de liquidação da quantia de 226.120,00 Euros, a título de compensações por não cedência de terreno”.
5. Também a ideia de que, em 10/10/2020 a Impugnante foi notificada da deliberação do Município, datada de 6/10/2020, do indeferimento da sua reclamação apresentada, tardiamente, como se de matéria tributária se tratasse, é a manutenção do primitivo erro de julgamento que motivou, já, o primeiro recurso (julgado procedente) sobre a decisão de incompetência material deste Tribunal... Não se confunde nem pode confundir, matéria administrativa e matéria tributária.
6. Uma coisa é a qualificação da operação urbanística – matéria administrativa - como de reabilitação urbana, discussão que foi tida no procedimento e implicou a junção do douto Parecer da Professora Doutora Fernanda Paula Oliveira junto como doc. 7 com a P.I., datado de 07/07/2020, e, portanto, muito posterior àquela suposta liquidação... (a prova de que não podia ser, sequer, o ato de liquidação).
7. Outra é matéria tributária, em especial o ato de liquidação, que legalmente apenas pode ocorrer aquando do ato de licenciamento (e não com a aprovação da arquitetura, ato endoprocedimental).
8. Como tal urge, desde logo, face àquela prova documental produzida, a alteração da matéria de facto dada como provada.
9. Devem ser completados os factos provados 2 e 3, no sentido de ser acrescentada a data do Ofício Camarário com a Ref.ª ...9/18, de 01/09/2020 (fls. 2881 e 2882 do processo judicial, conforme Ref. SITAF e doc. 8 junto com a P.I.), data em que foi reconhecido que a operação urbanística em causa era de reabilitação urbana e que “nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 76.º do referido diploma, deve requerer no prazo acima indicado a emissão do correspondente alvará e proceder ao pagamento das taxas devidas no valor de 26.178,13 €”.
10. Da mesma forma, urge completar o facto provado 3, pois a localização da operação ocorreu em Área de Reabilitação Urbana (ARU) do Centro Histórico de Vila Real, publicada no Diário da República 3.ª Série n.º 212 de 3 de novembro de 2017, através do Aviso n.º 13233/2017, como certificado pela Câmara no doc. 8 junto com a P.I.
11. Como tal, o facto provado 2 deve ser o seguinte: “Designado camarariamente como licenciamento de obras de alteração num edifício inacabado para uso multifamiliar, qualificado posteriormente, em 01/09/2020, como de operação de reabilitação urbana. - cfr. docs 4 e 5 da PI; fls. 2881 e 2882 do processo judicial, conforme Ref. SITAF e doc. 8 junto com a P.I.; fls. 103 dos autos (suporte físico do processo);
12. E o facto 3 deve ser o seguinte: “E referente a pretensão urbanística a ocorrer na Avenida ..., junto ao Parque Florestal, Vila Real, inserida em Área de Reabilitação Urbana (ARU) do Centro Histórico de Vila Real, publicada no Diário da República 3.ª Série n.º 212 de 3 de novembro de 2017, através do Aviso n.º 13233/2017” – cfr. certificado emitido pela Câmara, doc. 8 junto com a P.I.; docs 4 e 5 da PI; fls. 103 dos autos (suporte físico do processo).
13. Os Factos provados 4 e 5 deturpam a verdade, sendo que o doc. em referência no facto provado 4 não consubstancia qualquer ato de liquidação, mas mera informação “inicial”, datada de 04/03/2020, portanto, muito antes de o projeto ser qualificado como operação de reabilitação urbana, sendo esse quid administrativo que sempre esteve em causa nesta fase do procedimento de licenciamento, e, sobretudo, muito antes de ser praticado o ato de licenciamento.
14. Bastará ver o teor do referido documento, desde logo do seu autor, Diretor de Departamento (e não qualquer órgão municipal, nomeadamente o competente para a prática do ato de liquidação, o que seguramente teve influência no que foi notificado) para perceber que se trata de uma mera informação (“Cumpre-me, ainda, informar que ...”).
15. Nenhuma deliberação camarária, ao invés do que resulta erroneamente do facto provado, foi notificada à Impugnante, bastando comparar esta informação com o doc. 3 e doc. 9 juntos com a P.I., aí sim, notificações emanadas do mesmo Diretor do Departamento, mas de “deliberações” camarárias, e não meras informações (veja-se o teor delas, quão diferente é do doc. 1 da contestação).
16. Como tal, também não corresponde à verdade o facto 5.
17. Devem ser retirados da matéria de facto dada como provada, os factos 4 e 5.
18. O facto provado 6 deve ser alterado, pois, da forma como se encontra, consubstancia uma interpretação do requerimento apresentado e não um facto, pois em 4/08/2020 a Impugnante apresentou um requerimento, é verdade, mas não “contra aquela deliberação”.
19. Como consta do seu pedido, que deve ser efetivamente interpretado à luz dos atos e formalidades até então existentes no procedimento, o que estava em causa era a informação dada quanto à natureza da operação e respetivas compensações devidas - daí o pedido: “anulando, por ilegal, a parte referente ao ponto 9 da informação
20. O facto provado sob o nº 6 deve, assim, ser apenas: “Em 4/8/2020, a Impugnante apresenta ... de fundamento”.
21. Por fim, ainda quanto à matéria de facto, deve o facto 8 ser igualmente alterado ou, se se quiser, limitado ao facto, pois dele não deve constar a motivação, ainda para mais errónea.
22. Uma notificação tem de ser comprovada documentalmente por quem a supostamente realizou, o que não foi efetuado nem consta do processo administrativo, antes pelo contrário, pois no doc. 9 consta expressamente a confissão da notificação oral.
23. Como tal, deve ser retirado deste facto provado todas as considerações que se lhe seguiram em letra menor, ficando apenas o seguinte: “Em 10/10/2020 a Impugnante é notificada do indeferimento expresso da reclamação apresentada” (cfr. processo administrativo e, em particular, doc. 9 junto com a P.I.).
24. Posto isto, e reposta assim a verdade dos factos e a sucessão dos mesmos ocorrida ao longo do procedimento, resulta à evidência a tempestividade 1) da reclamação graciosa; e 2) da impugnação judicial, pois apenas em 13/10/2020 é que ocorreu a notificação (oral) do ato de liquidação (em consequência, aliás, do indeferimento da “reclamação” administrativa anteriormente apresentada).
25. Desta forma, os factos provados 9 a 13 demostram a tempestividade das impugnações (administrativa e judicial).
26. A Impugnante apenas foi confrontada com o ato (e não com meras informações) após a decisão da “reclamação administrativa”, após a requalificação urbanística da operação em causa como de reabilitação urbana (que tem influência – ou devia ter – na matéria tributária) e aquando do ato de licenciamento.
27. E aí o pagamento devido foi identificado como sendo cerca de 26 mil euros e não 226 mil euros...
28. Ora, a re-qualificação da operação como de reabilitação urbana, questão prejudicial ao ato de liquidação, apenas foi decidida após junção do Parecer da Professora Doutora Fernanda Paula Oliveira (doc. 7 da P.I.), datado de 07/07/2020, pelo que é evidente que antes dessa “re-qualificação” não podia ter havido ato de liquidação, até porque tem consequências tributárias.
29. Basta atentar ao vertido no Código Regulamentar do Município de Vila Real, de onde resulta que, no caso concreto, na pior das hipóteses, haveria lugar a uma redução de 50% nas taxas de licenciamento e na TMU, embora, no presente caso, nem tal aconteceria, pois a edificação em causa havia já conhecido o pagamento das taxas urbanísticas, em 1986, conforme doc.1 também junto com a P.I. (ver Artigo H/32º - Reduções de operações urbanísticas e Artigo H/33º - Isenções e reduções da TMU).
30. Nestes termos, é evidente que a discussão administrativa e urbanística então ocorrida no procedimento era absolutamente prejudicial ao ato tributário legalmente imposto, que tem um conteúdo e um tempo próprio, jamais podendo ser, portanto, a informação que o Exmo. Senhor Juiz a quo erroneamente identificou como ato tributário (esse sim, seria extemporâneo).
31. Nunca a Impugnante identificou o (inexistente) ato de liquidação com o recibo do pagamento, mas este é o único documento que comprova aquela liquidação, que pagou sob reserva (cfr. doc. 4 junto com a P.I), conforme recibo de pagamento DRI 00/..80, de 2020/10/13 (doc. 3 junto com a P.I.)...
32. Daí ter apresentado a consequente reclamação graciosa (doc. 5 junto com a P.I.) no dia 10/11/2020 (doc. 6 junto com a P.I.), portanto, dentro dos 30 dias legalmente impostos: reclamação tempestiva, ao invés do erradamente julgado na sentença recorrida.
33. Como esta não mereceu qualquer decisão por parte da Entidade Reclamada, recorreu ao tribunal dentro do prazo dos 60 dias previsto no artigo 16.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro: impugnação tempestiva, ao invés do erradamente julgado na sentença recorrida.
34. Por conseguinte, ao invés do decidido em 1.ª Instância, a notificação de 10/02/2020 consubstancia uma mera Informação, não sendo, então, naquela fase procedimental, sequer possível praticar qualquer ato de liquidação, sob pena de violação designadamente do artigo 117.º do RJUE e dos artigos H/8.º ss do Código Regulamentar de Vila Real.
35. Desta forma, a sentença recorrida viola, portanto, todos estes normativos legais e regulamentares.
36. Mais, o Município, quando praticou o ato de licenciamento, notificou para pagamento de taxas no valor de 26.178,13, e nunca do valor que acabou por receber, pelo que igualmente se encontram violados os artigos 267.º e 268.º da CRP, o n.º 1 do artigo 60.º da LGT e os artigos 12.º e 121.º e ss do CPA.
37. Não se pode aderir à tese da sentença recorrida, de que a notificação da aprovação do projeto de arquitetura (in casu, do “aditamento ao projeto de alteração do edifício sito na Avenida ...”) consubstancia a notificação do ato de liquidação, pelo que andou mal a sentença recorrida ao identifica-lo com a mera informação inicial de 10/02/2020.
38. In casu, inexiste mesmo o referido ato de liquidação e respetivo documento de cobrança próprio, com os elementos identificados no artigo H/9, n.º 1 do Código Regulamentar do Município de Vila Real, que suportaria o pretenso dever de pagamento de 226.120,00 Eur, que está assim ferido de falta de fundamentação, em violação da lei (cfr. artigo 268.º n.º 3 da CRP e artigo 77.º da LGT; na jurisprudência, ver, designadamente (Ac. do T.P. de 4/06/1997 – Rec. n.º 30 137).
39. Por tudo, forçoso é concluir que não pode a Informação de 10/02/2020, muito anterior ao ato de licenciamento, ser o ato de liquidação, nem pode considerar-se ter existido no processo qualquer ato de liquidação nos termos legais, tendo o Município incumprido o disposto naqueles artigos 77.º da LGT, 152.º e 153.º do CPA e 268.º n.º 3 da CRP.
40. Deve, por conseguinte, a sentença ser revogada e a Impugnação julgada procedente, por provada.
Nestes termos e nos melhores de Direito doutamente supridos por Vs. Exas., requer a junção das conclusões “simplificadas”, devendo o recurso ser totalmente procedente, por provado, e em consequência ser a sentença recorrida totalmente revogada, considerando-se, quando muito, o ato de liquidação aquele que foi notificado oralmente e pago no dia 13/10/2020, e, em consonância, julgando a impugnação tempestiva, decidindo consequentemente pela sua total procedência, com todas as consequências legais, e assim fazendo a habitual JUSTIÇA.»
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O recorrido, notificado do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se do seguinte modo:
«Não concordando com a sentença proferida pelo TAF de Mirandela, datada de 19/01/2023 (fls. 2921/2926 do SITAF), que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente “[SCom01...], S.A.”, veio esta apresentar recurso daquela decisão para este Tribunal.
Ora, concordando com os fundamentos que estiveram na base da sentença recorrida, pelos fundamentos e razões aí aduzidas, às quais aderimos, é nosso parecer que o recurso apresentado não merece provimento.
Acompanha-se, e dá-se aqui por reproduzido o teor do Parecer proferido pelo Ministério Público na 1ª Instância ((dia 18/01/2023 – fls. 2916/2919 do SITAF), as quais foram no sentido da improcedência da impugnação, por inimpugnabilidade do acto.
Assim, por se mostrar suficientemente fundamentada de facto e de direito, não violando qualquer normativo legal, deverá a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica.»
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Sem vistos das Exmas. Juízes adjuntas, vai o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir, as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações [sem prejuízo das questões que o Tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente]

Saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a exceção da caducidade do direito de ação da recorrente.
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO
Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos:
«1. A Impugnante é requerente num processo de licenciamento que corre termos na Câmara Municipal de Vila Real, sob o Proc. n.º ...9/18 – docs 4 e 5 da PI; fls. 103 dos autos (suporte físico do processo)
2. Designado camarariamente como licenciamento de obras de alteração num edifício inacabado para uso multifamiliar – operação de reabilitação urbana. – docs 4 e 5 da PI; fls. 103 dos autos (suporte físico do processo)
3. E referente a pretensão urbanística a ocorrer na Avenida ... – junto ao Parque Florestal – Vila Real; docs 4 e 5 da PI; fls. 103 dos autos (suporte físico do processo);
4. Em 10/2/2020 o Município aprovou, naquele proc. ...9/18, a verificação dos pressupostos de incidência, assim como o concreto acto de liquidação da quantia de € 226.120,00, a título de compensações por não cedência de terreno – doc 1 da PI;
5. Em 10/3/2020 a Impugnante é notificada daquela deliberação – doc 1 da contestação, principalmente fls.102, 104/v, 111 e 111/V;
6. Em 4/8/2020, e contra aquela deliberação, a Impugnante apresenta uma “Exposição/reclamação de compensação”, onde formula o seguinte pedido: “Em face do afirmado, tendo em conta que a pretensão da aqui reclamante, e que foi objecto de decisão, consiste apenas na realização de obras de alteração num edifício inacabado para uso multifamiliar, o qual, por si só, não tem impacte relevante, vem requer-se que:
– a Câmara Municipal altere a sua decisão do dia 10 de fevereiro, anulando, por ilegal, a parte referente ao ponto 9 da informação que lhe serve de fundamento” – Fls. 111 e ss do suporte físico do processo.
7. O referido ponto 9 (ver facto anterior), tem a seguinte redacção: “
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]”
8. Em 10/10/2020 a Impugnante é notificada do indeferimento expresso da reclamação apresentada – doc 3 da contestação. Por outro lado, e salvo o devido respeito, não podemos considerar como certo o que a Impugnante alega no art.º 4 da PI, de que foi “Notificada oralmente no dia 13/10/2020 para pagamento de 226.120,00€”. Ou seja, considerando o doc 3 da contestação, onde expressamente, em 6/10/2020, o Município indefere o pedido formulado no facto 6 relativo à reclamação de compensação, e a proximidade da data entre a notificação a que este facto em apreciação se reporta e a de 13/10/2020 (facto 9), só podemos concluir que a Impugnante foi expressamente notificada em 10/10/2020 e, sob reserva, efectuou o pagamento de 226.120,00€, 3 dias depois, a título de “compensações por não cedência de terreno”;
9. Em 13/10/2020, e relativamente àquele processo ...9/18, a Impugnante efectuou o pagamento de 226.120,00€ a título de “compensações por não cedência de terreno”, nos termos do n.º 4 e 5 do artigo 44.º do RJUE – Docs 2 e 3 da PI;
10. Nesse mesmo dia 13/10/2020 a aqui Impugnante comunica ao Município que efectuou esse pagamento sob reserva e que “não constitui qualquer aceitação do acto, e muito menos renúncia aos respectivos direitos de impugnação, graciosos e judiciais” – doc 4 da PI;
11. Nesse mesmo dia 13/10/2020 o Município emite o recibo de pagamento daquela quantia – doc 3 da PI;
12. Em 10/11/2020 a Impugnante apresentou o que apelida de “reclamação graciosa” – doc 5 e 6 da PI;
13. Em 10/2/2021 deu entrada a presente impugnação judicial – cfr. fls. 1 do SITAF.»
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4. APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO
No recurso está em causa saber se o direito de impugnar caducou, como decidiu a sentença, e, se o julgamento de facto, nomeadamente quanto aos factos provados sob os n.ºs 2, 3, 4, 5 a 8, carece de alteração em face do devir procedimental do licenciamento, processo n.º ...9/18, importando ainda, por errado julgamento de facto, que os factos sob os n.ºs 4 e 5 sejam retirados do acervo factual provado.
Apreciando.
Está em causa no processo judicial de impugnação o indeferimento tácito de compensações por não cedência de terreno pagas ao Município de Vila Real com a consequente anulação do ato de liquidação de compensação, pago pela recorrente através das guias de pagamento com os n.ºs DRI 00/..79 e DRI 00//2880, com data de pagamento de 13-10-2020.
No que tange ao facto provado sob o n.º 4, há claramente dissonância do seu teor com o documento n. º1, junto com a p.i., pois, este não respeita a liquidações de compensações do presente processo, mas a quantias a cobrar a outro título que nem tão pouco coincide com os recibos de pagamento [doc. 2 e 3 com a P.I., n.ºs DRI 00/..79 e DRI 00/..80, com data de pagamento de 13-10-2020]
Assim, o facto n. º4 tem de ser retirado porque em 10/2/2020 o município aprovou o projeto de obras de alteração no edifício inacabado, localizado na AV. ....
Posteriormente, em 13-10-2020, por iniciativa do recorrente discutiu-se se era legal exigir ao particular, compensações previstas nos regulamentos em vigor; a recorrente juntou parecer jurídico em 10-11-2020 para efeitos de benefícios fiscais e taxa reduzida do IVA que obteve a uma decisão da Câmara Municipal, em reunião de 2-11-2020 na qual se deliberou autorizar a emissão da certidão de localização do Edifício de Reabilitação Urbano do Centro Histórico e a realização da vistoria ao imóvel para os fins peticionados, tendo a certidão sido emitida em 17-11-2020 [docs. n.ºs 8 e 9 apresentado pela recorrida com a contestação].
A recorrida quando suscitou a caducidade do direito de impugnar, sustentou-se no facto de a verificação dos pressupostos de incidência e de liquidação em concreto a título de compensação no valor de 226.120,00, por não cedência do terreno, nos termos do n.º 5 do art. 44.º do RJUE e art. B-1/60.º do Código Regulamentar do Município, estar incluso na deliberação [no ponto 9] da Câmara Municipal de Vila Real de 10/02/2020 notificada em 05-03-2020, recebida em 10-03-2020, cujo ponto 9 tem a seguinte redação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Contudo não podemos secundar a solução da sentença, na esteira do pugnado pela recorrida, por várias razões, a saber:
Primeiro, a dita notificação de 05-03-2020, tem a epígrafe “Pedido de licenciamento de obras num edifício inacabado (…), dando informação de que o aditamento ao projeto foi aprovado; que tal facto de acordo com o art. 44.º está sujeita ao regime compensatório, que no caso monta a 226.120,00€, mais informa que deve apresentar os projetos específicos aplicáveis no prazo de seis meses a contar da data da receção do presente ofício e que a falta de projetos das especialidades, no prazo do n.º4, ou naquele que resulte de eventual prorrogação, nos termos do n.º5, implica a suspensão do processo de licenciamento pelo período máximo de 6 meses, findo o qual é declarada a caducidade após audiência prévia do interessado.
Ora, não resulta dos documentos que juntou o Município, maxime, o ponto 9 da deliberação, que naquela data, tenha liquidado a compensação exigível, o que deles resulta é tão só a deliberação de aprovação do aditamento ao projeto e que este irá implicar vários atos por parte da requerente. Aliás, a ser este um ato de liquidação ele teria de ser inequívoco no sentido de que com os fundamentos que expressa teria de proceder ao pagamento no prazo determinado.
Ademais, o Código Regulamentar do Município de Vila Real, nos arts. 8.º a 9.º, estatui que:


Artigo H/8º - Liquidação
1 - A liquidação das taxas e outras receitas municipais consiste na determinação do montante a pagar e será efetuada com base nos indicadores das tabelas anexas ao presente Código e nos demais elementos fornecidos pelos sujeitos passivos que serão confirmados ou corrigidos pelos serviços municipais, sempre que tal seja necessário.*
2 - As taxas pagas só serão restituídas caso haja erro de liquidação na sua cobrança.** Redação resultante da 3ª alteração do Código Regulamentar do Município de Vila Real, publicada na II Série do D.R. através do Aviso n.º 12372/2018, em vigor desde 1 de outubro de 2018.

Artigo H/9º - Procedimento da liquidação e cobrança
1 — A liquidação constará de documento de cobrança próprio, do qual deverão constar os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo da relação jurídica tributária;
b) Discriminação do ato, facto ou contrato sujeito a liquidação;
c) Menção das disposições aplicáveis, designadamente da tabela anexa a presente Código;
d) Cálculo do montante devido.

2- O documento referido número anterior, designar-se-á como “Nota de Liquidação”, e integra o respetivo processo administrativo.
3 - A liquidação de taxas e outras receitas municipais não precedida de processo faz-se nos respetivos documentos de cobrança.
4 - A liquidação será notificada ao sujeito passivo por carta registada com aviso de receção, salvo nos casos em que nos termos da lei não seja obrigatória.
5 - Da notificação devem constar a decisão, os fundamentos, de facto e de direito, os meios de defesa contra o ato de liquidação, o autor do ato, e a menção da respetiva delegação ou subdelegação de competência, se for esse o caso, e, bem assim, o prazo de pagamento voluntário.
6 - O sujeito passivo considera-se notificado na data em que o aviso de receção for assinado, e tem-se por realizada na sua própria pessoa, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no seu domicílio, presumindo-se que a notificação foi entregue nesse dia ao notificando.

7 - Em caso de devolução da notificação e não se comprovando que, entretanto, o sujeito passivo comunicou a alteração de domicílio fiscal, a notificação será repetida nos 15 dias seguintes à devolução, por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a liquidação notificada, mesmo que a carta não haja sido levantada ou recebida, sem prejuízo do notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação de mudança de domicílio fiscal.
8 - Com a liquidação das taxas e outras receitas municipais, o Município assegura, sempre que legalmente exigível, a liquidação e cobrança dos impostos devidos ao Estado, designadamente Imposto de Selo, IVA ou outros.
(sublinhado nosso)

O único facto relevante que consta do processo são os recibos de pagamento com carimbo de 13-10-2020 e a reclamação de 13-10-2020 [doc. n. º5], no qual a reclamante afirma que foi notificada, oralmente, em 13-10-2020, para pagar e fê-lo nessa data.

Competia à recorrida fazer prova de que havia notificado o recorrente do ato de liquidação e a data em que ela se deu.

Por sua vez, a recorrente demonstra que na data de 10-03-2020 foi notificada de uma deliberação em consonância com o facto provado sob o n. º5, mas que não constitui um ato de liquidação.
A reclamação apresentada junto do Presidente da Câmara de Vila Real de 31-7-2020 [que deu entrada em 4-08-2020] na sua epígrafe identifica que foi notificada em 10-03-2020 do ato de aprovação do projeto de arquitetura proferido pela Câmara Municipal em 10 de fevereiro, e, vem de forma antecipada, antes da fase final do procedimento de licenciamento apresentar reclamação relativa ao ponto 9 da informação técnica, que esteve na base da decisão camarária (…).

Ora, não está respaldado no processo a existência de um ato de liquidação quando foi apresentada a sobredita reclamação, por um lado, por outro lado, esta conexiona-se com a noção de “impacte relevante” pedir a alteração da decisão na parte referente ao ponto 9, porque entende não ter impacte relevante, ou seja, não emerge do teor da reclamação que esteja a insurgir-se com uma liquidação, por isso, também não se poderia ter como definidor da tempestividade da reclamação.

Tendo sentença sancionado a caducidade com a seguinte fundamentação: «De acordo com o disposto no artigo 16º, nºs 1 e 2 do RGTAL a Impugnante dispunha do prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação para deduzir reclamação perante o órgão que efectuou a liquidação das compensações devidas.
Em 10/3/2020 a Impugnante é notificada da deliberação do Município sobre a verificação dos pressupostos de incidência, assim como o concreto acto de liquidação da quantia de € 226.120,00, a título de compensações por não cedência de terreno.
Ora, quando em 4/8/2020, e contra aquela deliberação, a Impugnante apresenta uma “Exposição/reclamação de compensação”, já estava largamente ultrapassado aquele prazo de 30 dias contínuos (art.º 57.º, n.º 3 e art.º 279 do CC), tendo, assim, caducado o direito à reclamação, por intempestividade.
Por outro lado, mesmo assim, em 10/10/2020 a Impugnante foi notificada da deliberação do Município, datada de 6/10/2020, do indeferimento da sua reclamação apresentada, tardiamente.
Nos termos do citado artigo 16º, nº 4 da RGTAL, a Impugnante dispunha então do prazo de 60 dias (seguidos) a contar do indeferimento expresso para intentar a competente impugnação judicial perante o TAF da área do município.
Ora, quando em 10/2/2021 deu entrada a presente impugnação, os 60 dias já estavam esgotados – pelo que, também por esta via, o direito de acção já tinha caducado.
Contudo, mesmo que assim não se entendesse, mas apreciando a invocada caducidade do direito de acção em conexão com a da inimpugnabilidade do acto chegaríamos, mas por esta via, à inimpugnabilidade do acto e não à caducidade. Como refere a Dig. Mag. do MP no seu parecer final, a intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto (neste sentido cfr. o acórdão do STA de 2/04/2009, no processo nº 0125/09, citado no parecer). É que, no caso de o acto já se ter firmado na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos que a lei coloca à disposição do interessado, não pode este recuperar a oportunidade perdida, retirando da dedução de uma reclamação graciosa intempestiva consequências que a estabilidade do acto sindicado já não consente.
Caducidade é uma excepção peremptória (material) porque, consistindo na invocação de factos que extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo A, importam a absolvição total ou parcial do pedido – Art.º 576º, n.ºs 1 e 3 do CPC e Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 306, em posição que se acompanha.
Pela resolução destas questões fica prejudicado o conhecimento de outras que as partes invocaram» terá de ser anulada para que conheça dos restantes fundamentos impugnatórios.

Com efeito, não dispõe este tribunal de elementos suficientes em matéria de julgamento de facto para conhecer das questões que se quedaram prejudicadas em função da declaração de caducidade já que nenhum probatório foi fixado quanto aos demais fundamentos [art. 665.º, nº2, in fine].
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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em revogar a sentença recorrida e, em consequência, baixar o processo para se proceda ao julgamento de facto com vista a conhecer dos restantes fundamentos.

Custas a cargo da recorrida, sem que haja lugar a taxa de justiça por não ter contra-alegado.
Notifique-se.

Porto, 22 de fevereiro de 2024

Cristina da Nova
Conceição Soares
Margarida Reis