Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00140/13.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
CLAUSULA GERAL ANTI ABUSO; ART. 38.º, N.º 2 LGT;
ELEMENTO NORMATIVO; MAIS VALIAS; SOCIEDADE POR QUOTAS; SOCIEDADE ANÓNIMA;
Sumário:
A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que motivada exclusivamente por finalidades fiscais, não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2020-08-17 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por «AA», e «BB», casados entre si, tendo por objeto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com o n.º 2011 ..........802, referente ao ano de 2008, no montante total a pagar de EUR 643.096,25, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Em conclusão:
A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação por entender que nos presentes autos não se encontra preenchido o elemento normativo, nem o elemento meio de aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA) ínsita no art.38.º, n.º 2 da LGT – entendimento com o qual a Fazenda Pública não se pode conformar pela motivação a seguir exposta.
B. Considera o Tribunal a quo que, no caso, não se encontra preenchido o elemento normativo, porque mesmo sendo a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima essencialmente motivada por razões exclusivamente fiscais, foi o legislador à data, que optou de forma deliberada, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das ações naquele contexto (cfr. 10.º, n.º 2, alínea a), do CIRS).
C. Entende, ainda, o decisor que o elemento meio também não se encontra preenchido, por considerar não abusiva a atuação dos Impugnantes, na medida em que estaria em sintonia com o desígnio legislativo. Contudo, considerando o julgador encontrarem-se preenchidos os elementos resultado e intelectual de que depende a aplicação da CGAA não pode deixar de considerar verificado o elemento meio, pois este juntamente com o resultado enforma o próprio elemento intelectual [V. Acórdão do CAAD, de 20-12-2013, proferido no Proc. n.º 47/2013-T, (p.22)].
D. Centrando-nos no elemento normativo, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, pois o desígnio do legislador subjacente à exclusão de tributação prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS, foi o de dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos e nunca assentir na prática de atos ou negócios essencial ou principalmente, dirigidos à redução ou eliminação de impostos, como sucedeu no caso dos autos.
E. Fazendo apelo às razões de política económica subjacentes à opção legislativa manifestada na preferência pela adoção do modelo de organização societária da sociedade anónima (v. o preâmbulo do Dec.- Lei n.º 76-A/2006, 29-03, que expressa o objetivo de promover a competitividade das empresas portuguesas), também não se pode afirmar que perpassa pelo desígnio do legislador consentir ou dar abertura a situações abusivas ou em fraude à lei como a situação dos presentes autos, em que o sujeito passivo através de meios em si mesmos lícitos, mas anómalos, atinge resultados económicos equivalentes aos que obteria pelas vias normais da previsão legal, mas ficando excluído de tributação, contorna a lei fiscal.
F. Tendo em conta a factualidade provada nos autos não se pode deixar de concluir pela verificação, no caso, de todos os requisitos legais de que depende a aplicação da CGAA, desde logo, porque como afirmado no Acórdão do CAAD n.º 315/14-T, de 11-04-2015 (pp. 35 e 36): “é dogmaticamente insustentável pretender que, não obstante cumpridos todos os elementos meio, resultado e intelectual, próprios da disposição anti-abuso, seria possível não se verificar o dito elemento normativo”.
G. De ressaltar que o elemento normativo pressupõe uma questão de direito - saber se o resultado fiscal obtido é antijurídico, se se está perante uma poupança fiscal legítima ou uma situação de elisão fiscal e que, para o efeito, é necessário convocar o espírito da lei, o pensamento legislativo, de forma a detetar comportamentos abusivos, não autorizados pela norma, ainda que aparentemente consentidos pela sua letra [neste sentido, veja-se o Acórdão do CAAD nº 41/2018-T, de 2019-05-15 (p.32)].
H. Retornando ao caso dos autos, a interpretação das normas do Código do IRS não pode desvincular-se da apreciação que se faça dos demais requisitos de que depende a aplicação da CGAA. Por outras palavras, a conclusão de que a ordem jurídica rejeita a vantagem obtida tem de passar pela demonstração de que foi frustrada a intenção impositiva de uma norma, por via de um abuso de formas jurídicas – abuso que, no caso em dissídio, o Tribunal a quo considerou verificado, nos precisos termos em que firmou o preenchimento dos elementos resultado e intelectual próprios da CGAA e na medida em que considerou que toda a sequência de atos e negócios descritos na factualidade assente de 1), 6) a 9) e na informação coligida em 16), do probatório) – i.e., o meio utilizado pelo sujeito passivo, designadamente, a anterioridade da transformação societária, teve como desiderato a obtenção de uma vantagem fiscal e não uma motivação económica razoável.
I. A AT logrou demonstrar que a operação de aumento de capital da sociedade “[SCom01...], Unipessoal, Lda.” (por incorporação de reservas e com entradas em dinheiro de 4 novos sócios, meramente instrumentais), seguida da sua transformação em sociedade anónima e consequente redenominação das partes de capital, antes da alienação das respetivas participações sociais, constituiu uma montagem artificial, foi alheia a um fim empresarial ou económico, sendo exclusivamente criada para evitar a tributação que seria devida pela alienação das partes sociais se essa transformação societária não tivesse ocorrido.
J. Situação atestada pelo próprio Tribunal a quo que, na sua decisão, reconhece que as justificações económicas e empresariais apresentadas pelos Impugnantes para a transformação da sociedade por quotas em anónima não se conseguem discernir, e que “não se encontra demonstrado pelos Impugnantes que não fosse possível obter exatamente os mesmos resultados económicos inerentes à dita reestruturação societária pela alienação das quotas e não das ações, sem a utilização daquele meio, independentemente de ulteriormente as sociedades adquirentes virem (ou não) a proceder à respetiva transformação.”.
K. Na verdade, a utilização daquele meio consubstancia uma utilização anómala, inusual e artificiosa de formas jurídicas dirigida, inequivocamente, à obtenção da vantagem fiscal supra referenciada (v. a propósito, o Acórdão do CAAD n.º 47/2013-T).
L. De igual forma não se pode partir do facto do legislador ter criado um regime mais favorável de tributação dos detentores de ações, para assentir na possibilidade de invocar o princípio constitucional da confiança perante operações ou esquemas comprovadamente artificiosos ou abusivos realizados, com vista à supressão do imposto devido, como sucede na situação dos autos.
M. Do que fica dito, decorre que não se pode aceitar o entendimento do Tribunal a quo de que o legislador, por não o proibir de forma expressa, anuiu ou promoveu uma actuação abusiva [neste sentido, v. o Acórdão do CAAD, de 11-04-2015, proferido no Proc. n.º 315/14 -T (pp.39 e 40)].
N. De reiterar que o designado elemento normativo pressupõe uma apreciação casuística para se poder aferir se estamos perante uma poupança fiscal legítima ou uma situação de elisão fiscal.
O. Assim, na situação sub iudice, cabe relevar que a totalidade dos acionistas, apenas decorridos três meses após a transformação em sociedade anónima, alienaram a totalidade das suas participações sociais, o que constitui um indício (objetivo) forte de que a operação de transformação societária foi concretizada, tendo em vista a vantagem fiscal obtida com a venda das participações sociais sob a forma de ações.
P. Outro indício revelador do carácter abusivo das operações realizadas pelos Impugnantes - e que o próprio Tribunal não deixa de reconhecer na sua decisão, é que não é possível divisar as vantagens não tributárias pretendidas pelos Impugnantes e demais membros da família que implicassem a necessidade de conversão das sociedades por quotas em sociedades anónimas “e previamente à alienação, tanto mais que estas não deixaram de estar sob o seu controlo”. Como mencionado na sentença em análise, as sociedades “não saíram do domínio da família dos Impugnantes que continuou após todas estas operações a controlar as sociedades que anteriormente detinha, não se vislumbrando, assim, qualquer justificação para o impedimento da alienação das quotas e ulterior transformação das sociedades por quotas em anónimas no âmbito da reestruturação pretendida”.
Q. Deste modo, dúvidas não subsistem de que, no caso dos autos, a situação factual concreta evidencia uma situação abusiva, na medida em que a transformação das sociedades por quotas em sociedades por ações foi um ato inútil – não visou a atração de capitais, nem alterações na estrutura organizativa - apenas sendo explicável pela vantagem fiscal a obter.
R. Isto dito, não se pode aceitar a posição do Tribunal a quo que, partindo do disposto nos arts.10.º, n.º 2, al. a), e 43.º, n.º 4, al. b) do CIRS, invoca ser intenção do legislador (à data) desonerar as mais valias emergentes da transmissão de ações em detrimento da transmissão de quotas e daí concluir, sem mais, encontrar-se omisso o elemento normativo e em consequência considerar prejudicada a aplicação da CGAA [neste sentido v., o Ac. do CAAD n.º 47/2013-T, de 20-12-2013 (p.26) e, ainda, a declaração de voto, no Ac. do CAAD n.º131/2014-T, de 13-11-2013 (p.57].
S. Aqui, convém não olvidar que, “sendo o planeamento fiscal um direito subjectivo cujo núcleo tem que ser respeitado e cujos limites terão que ser definidos, para além de o mesmo se desenvolver dentro da estrita legalidade não poderá, mesmo dentro desta, ser abusivo sob pena de, violando o princípio da igualdade e capacidade contributiva, ser desconsiderado para efeitos fiscais” - cfr. Acórdão do TCAS, de 15-02-2011, proferido no Proc. 04255/10.
T. Assim, tendo em conta que o designado elemento normativo identifica a desconformidade do resultado obtido através do acto abusivo, com a ratio legis, espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal, não se deve apenas aplicar as disposições dos arts. 10.º, n.º 2, al. a), e 43.º, n.º 4, al. b) do CIRS, de forma isolada, mas em conjugação com o art.º 38, n.º 2 da LGT.
U. Se a norma do art. 10.º, n.º 2 do CIRS concedia um benefício aos investidores não especulativos, tendo em vista o fomento e desenvolvimento do mercado de capitais e da atividade económica em geral, a verdade é que as finalidades ínsitas no espírito da norma de exclusão encontram-se omissas na atuação dos Impugnantes.
V. No caso sub iudice, resulta, inequivocamente, demonstrado que: por um lado, inexiste qualquer racionalidade económica na transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima - de facto, não se vislumbra qualquer vantagem económica, financeira, comercial ou outra, que fundamente essa decisão; por outro, o único resultado da realização da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, é a elisão à tributação. Isto é, o resultado não fiscal (económico, financeiro, comercial, etc.) da alienação das participações seria exatamente o mesmo sem a existência da transformação da sociedade.
W. Assim, considerando que a mencionada transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e consequente alienação das respetivas participações se traduziu numa atuação abusiva, de elisão fiscal, dúvidas não subsistem que se encontra preenchido o designado elemento normativo, devendo concluir-se pela legalidade da atuação da AT ao aplicar a CGAA, mantendo, em consequência, o acto de liquidação impugnado.
X. Para além de tudo o que fica dito e salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que defender posição diferente consubstanciaria uma violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva que enformam o nosso sistema fiscal, cf. arts. 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Y. Em face de tudo quanto vimos de referir, julgamos que a sentença aqui sindicada padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, por considerar não preenchidos os pressupostos dos quais depende a aplicação da CGAA, em violação do disposto nos arts. 38.º, n.º 2 da LGT, 63.º, n.º 2 do CPPT conjugados com o art.10.º, n.º 2, al. a) do CIRS (cf. redação vigente à data dos factos), pelo que se impõe a sua eliminação da ordem jurídica e a subsequente substituição por outra que julgue completamente improcedente as pretensões dos Impugnantes.
Termina pedindo:
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso eliminando-se a douta sentença recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que julgue, totalmente improcedente a ação, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais concluem como se segue:
Em resumo e conclusão: no caso em apreço não houve nenhuma violação dos elementos “intelectual”, “normativo” e de “meio” enformadores da Cláusula Geral Anti-Abuso que pudesse justificar e muito menos legitimar a aplicação ao mesmo dessa cláusula. De resto, bastava que só um, um qualquer, desses elementos não tivesse sido violado para tornar ilegítima a aplicação dessa CGAA.
Terminam pedindo:
Pelo exposto, e pelo mais que doutamente será suprido, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida, com o que esse Venerando Tribunal uma vez mais fará JUSTIÇA.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância das Ex.mas Juízas Desembargadoras-Adjuntas, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Recorrente, por fazer uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto, além do mais, no n.º 2 do art. 38.º da LGT.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
IV - FUNDAMENTAÇÃO
IV. 1) DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1. Em 27/07/2001, no Cartório Notarial do Centro de Formalidades de ........, foi outorgado documento denominado “Contrato de Sociedade Unipessoal”, mediante o qual, pela ali única outorgante, «BB», aqui Impugnante, foi constituída a sociedade comercial [SCom01...], Unipessoal, L.da, NIPC: ...96, com o objeto social de atividade farmacêutica através da exploração de farmácia e com o capital social de € 5.000,00, formado por uma única quota de valor igual ao nominal, tendo como sócia única e gerente, «BB» - cfr. escritura de fls. 60 a 62 verso do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
2. Em 31/07/2001, no Segundo Cartório Notarial de ............, foi outorgado documento denominado “Trespasse”, mediante o qual, «BB», aqui Impugnante, na qualidade de sócia gerente e em representação da sociedade [SCom01...], Unipessoal, L.da, declarou aceitar, como segundo outorgante, o trespasse da propriedade do estabelecimento comercial denominado “FARMÁCIA «X»” – cfr. escritura de fls. 63 a 66 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
3. Em 08/08/2001, reuniu a Assembleia Geral da sociedade [SCom01...], Unipessoal, L.da, tendo a sua sócia única «BB», aqui Impugnante, deliberado nomear gerente da sociedade «CC», para com ela exercer conjuntamente a gerência – cfr. ata n.º 2 junta como Doc. n.º 9 da p.i., de fls. 105 do processo físico.
4. Em 14/08/2001, a aqui Impugnante, na qualidade de sócia gerente e em representação da sociedade [SCom01...], Unipessoal, L.da, outorgou perante Notário do Segundo Cartório Notarial de ..., documento denominado “PROCURAÇÃO”, nos termos da qual declarou, como dali se extrai:“ (..) que constitui procuradores da sua representada os Sr.s Drs. «CC» E ---- «DD» (..) aos quais confere, de modo irrevogável, todos os especiais poderes para, qualquer deles, se e quando o entenderem fazer, trespassarem a Farmácia pertencente àquela sociedade e cederem o correspondente alvará para outra pessoa, singular ou colectiva (..)”
- cfr. Doc. n.º 10 da p.i., de fls. 106 a 109 do processo físico
5. Em 30/09/2008, foi celebrado “Contrato de sociedade anónima”, designada por [SCom02...], S.G.P.S., S.A., com capital social de € 50.000,00, sendo acionistas (i) [SCom02...] Unipessoal, L.da; (ii) [SCom03...] S.A.; (iii) «AA»; (iv) «EE»; e, (v) «FF», sendo esta registada na Conservatória do Registo Comercial em 14/10/2008 – cfr. documento particular e certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial, de fls. 125 a 128 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
6. Em 30/09/2008, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária da sociedade [SCom01...], Unipessoal, L.da, tendo a sua sócia única «BB», aqui Impugnante, deliberado e aprovado, a transferência do montante de € 50.000,00 dos resultados transitados para reservas Livres e admitir a participação no capital social de quatro novos sócios – «CC», «DD», «EE» e «FF», os quais, passando a participar na mesma Assembleia Geral, deliberaram e aprovaram o aumento do capital social no valor de € 45.000,00 a subscrever e a realizar por incorporação de reservas e entradas em dinheiro de €100,00 por cada um dos quatro novos sócios; o relatório justificativo de transformação de sociedade, a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, a qual passaria a adotar a designação social de “Farmácia «X», S.A.” e a aprovação do projeto de estatutos da sociedade anónima, eleição e nomeação dos órgãos sociais para o quadriénio 2008/2011 – cfr. ata n.º 14, de fls. 109 a 110 verso do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
7. Em 27/12/2008, «BB», aqui Impugnante, através de “contrato de compra e venda de ações”, vende à sociedade [SCom02...], S.G.P.S., S.A., 34.600 ações da Farmácia «X», S.A., de que era titular, pelo valor total de € 4.200.000,00, a que corresponde o preço unitário por ação de € 121,39, a pagar durante os dez anos seguintes, em prestações de montante variável e a definir por acordo entre as partes - facto não controvertido.
8. Em 27/12/2008, «CC», «DD», «EE» e «FF», titulares de 100 ações/cada da Farmácia «X», S.A., alienaram as suas participações pelo valor nominal de € 100,00 à sociedade [SCom02...], S.G.P.S., S.A., que corresponde ao preço unitário de € 1,00 por ação - facto não controvertido.
9. Em 28/12/2008, «BB», aqui Impugnante, através de “contrato de compra e venda de ações”, vende à sociedade [SCom04...], S.G.P.S., L.da, as restantes 15.000 ações da Farmácia «X», S.A., de que era titular, pelo valor total de € 1.800.000,00, a que corresponde ao preço unitário por ação de € 120,00, a pagar durante os dez anos seguintes, em prestações de montante variável e a definir por acordo entre as partes - facto não controvertido.
10. As operações referidas de 7) a 9), fazem parte de projeto de reorganização societária de participações sociais das seguintes sociedades/empresas em nome individual: (a) Empresa em nome individual de «DD»; (b) [SCom05...] L.da; (c) [SCom01...], Unipessoal, L.da; (d) [SCom03...], L.da; (e) [SCom05...], L.da; (f) [SCom06...], L.da; (g) [SCom07...], L.da; e (h) [SCom02...] Unipessoal, L.da - facto não controvertido.
11. Em 25/05/2009, foi apresentada declaração de rendimentos IRS – Modelo 3, por referência ao ano de 2008 e ao agregado familiar composto por «AA» e «BB», aqui Impugnantes, com a junção dos anexos A, B, G, G1 e H, em cujo anexo G1, foi declarado no quadro 4, atinente a “Alienação onerosa de acções detidas durante mais de 12 meses”, no campo adstrito a “Realização”, o valor de “6.000.000,00” no mês “12” e no campo adstrito a “Aquisição”, o valor de “49.600,00”, no mês “07” do ano de “2001” – cfr. declaração de fls. 149 a 152 do Processo de Reclamação Graciosa.
12. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI..........55, os Serviços da lnspeção Tributária da Direção de Finanças de ............, desencadearam procedimento inspetivo externo aos aqui Impugnantes, iniciado em 15/10/2010, de âmbito parcial (IRS) e com incidência sobre o exercício económico de 2008 – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 179 a 193 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
13. Em 16/03/2011, no âmbito do procedimento de inspeção tributária a que se alude no ponto que antecede, foi elaborada “INFORMAÇÃO DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA OI.............55”, com o seguinte teor:
“(...)
Estando a decorrer o procedimento de inspeção externa ao(s) sujeito(s) passivo(s) «BB», NIF: ............, e «AA», NIF: ............., credenciado pela ordem de serviço n.º OI..........55, referente ao exercício de 2008, com início em 2010/10/15, no âmbito do qual este Serviço de Inspeção Tributária detetou evidências de planeamento fiscal com abuso de forma jurídica e desencadeou o correspondente procedimento nos termos do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para efeitos de aplicação da norma geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária.
Atendendo a que o supra referido procedimento previsto no artigo 63.º CPPT tem especial complexidade quer em termos de trabalho de investigação já realizado, quer em termos de apreciação técnico-jurídica dos factos, e por se aguardar a autorização do Ex.mo Senhor Diretor Geral dos Impostos nos termos do n.º 7 do artigo 63.º CPPT.
E, atendendo ao disposto no artigo 36.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária, que estabelece que o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, mas que prevê no n.º 3 que em determinadas circunstâncias aquele prazo poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, designadamente nas situações tributárias de especial complexidade.
II - PROPOSTA
Em face do exposto, propomos nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, a prorrogação do prazo do procedimento externo de inspeção, por mais três meses, prevendo-se a sua conclusão até 2011/07/15. (...)”
- cfr. Doc. de fls. 70 a 72 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos autos.
14. Em 23/03/2011, pelo Chefe de Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ............, por subdelegação de competências, foi proferido despacho concordante com a proposta de prorrogação do prazo da ação inspetiva a que se alude no ponto precedente - cfr. Doc. de fls. 70 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos autos.
15. Por ofício n.º ...81, da Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de ............, dirigido aos aqui Impugnantes, via postal por carta registada com aviso de receção que se mostra assinado em 29/03/2011, foi dado conta da informação e despacho a que se alude em 13) e 14) – cfr. Docs. de fls. 73 e 74 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos autos.
16. Em 12/04/2011, pela Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária, sob a epígrafe “Aplicação da cláusula geral antiabuso relativamente a um conjunto de actos jurídicos em que foi outorgante o sujeito passivo «BB», nif ...”, foi elaborada informação com o n.º....4/2011, com a seguinte fundamentação, como dali se extrai:
I - INTRODUÇÃO
1 - Através de despacho da Exma. Senhora Diretora de Serviços e do Exmo. Senhor Chefe da Divisão de Planeamento e Apoio Técnico foi-nos ordenado que analisássemos e elaborássemos informação sobre a aplicação da cláusula geral antiabuso através do respetivo procedimento previsto no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela OI.............55 abrangendo o IRS do ano de 2008 e relativamente a um conjunto de atos jurídicos em que foi outorgante o sujeito passivo (SP) «BB», nif ....
II - INFORMAÇÃO
2 - Na informação da DF ............ - Divisão de Inspeção Tributária I datada de 04/01/2011 e relativa ao procedimento próprio para aplicação das normas antiabuso previsto e regulado no art. 63.º do CPPT estão elencados os atos jurídicos em que interveio como outorgante o SP e que infra se reproduzem: "(...)
FACTOS
A) Constituição da sociedade
2. Em 27-07-2001, no Cartório Notarial do Centro de Formalidades de ........, o sujeito passivo «BB» constituiu a sociedade comercial [SCom01...] UNIPESSOAL, LDA, NIF: ... com o objecto de exploração de farmácia, com o capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros), representado por uma única quota de valor igual ao nominal, tendo a gerência ficado a seu cargo.
3. O contrato de sociedade previa, àquela data, no artigo sexto que à sociedade poderá livremente participar, sob qualquer forma, no capital de sociedades já existentes ou a constituir, qualquer que seja a sua natureza ou objecto, bem como no capital de sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas e desde que em sociedades por quotas não fique na situação de único sócio dessa sociedade”.
B) Aumento de capital e transformação em sociedade anónima
4. Em 28-09-2008, a única sócia e gerente daquela empresa apresenta, nos termos do artigo 132.º do Código das Sociedades Comerciais, o Relatório Justificativo da transformação da sociedade por quotas, em sociedade anónima, por necessidade de "(...) melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida (...)".
5. Conforme consta da ata n.º 14, em 30-09-2008, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA, tendo a sócia gerente «BB» decidido efetuar a transferência do montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) dos Resultados Transitados para Reservas Livres e admitir quatro novos sócios com o objetivo de dar cumprimento ao disposto nos artigos 273.º e 276.º do Código das Sociedades Comerciais, que estabelecem os requisitos mínimos de capital e número de sócios para constituir uma sociedade anónima.
6. Após admissão dos novos sócios, estes passaram a participar na referida Assembleia Geral Extraordinária, na qual foram também aprovadas por unanimidade as seguintes propostas:
a) Aumento de capital da sociedade em 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), que fica integralmente subscrito e realizado da seguinte forma:
Quadro 1 - Forma de subscrição e realização do aumento de capital
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
b) Aprovação do Balanço Intercalar reportado a 30-06-2008, elaborado para efeitos de transformação da sociedade, e do Relatório Justificativo de transformação elaborado nos termos do artigo 132. º do Código das Sociedades Comerciais;
c) Transformação da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL, LDA, em sociedade anónima, que passará a adaptar a designação de FARMÁCIA «X», SA;
d) Aprovação do projeto de estatutos da sociedade anónima e eleição e nomeação dos órgãos sociais para o quadriénio 2008-2011:
Conselho de Administração:
- Presidente: «DD»
- Vice-Presidente: «CC»
- Vogal: «BB»
Fiscal Único e Suplente
- Fiscal Único: «GG», ROC n. º 749
- Fiscal Único Suplente: «HH», ROC n. º 637
7. Estas decisões de aumento de capital por incorporação de reservas, e transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima têm eficácia a partir de 14 de Outubro de 2008, data da apresentação para registo na Conservatória do Registo Comercial - Posto de Atendimento do Centro de Formalidades das Empresas de .............
8. Após consulta e análise do livro que serve de registo à emissão de valores mobiliários da empresa FARMÁCIA «X» SA, podemos verificar que foram emitidas 50.000 ações, tituladas nominativas, com o valor nominal de € 1,00 cada, constando como primeiros titulares:
Quadro 2 - Registo dos primeiros titulares das ações da FARMÁCIA «X» S.A.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cumpre salientar que existe uma cadeia de relações de parentesco entre os sujeitos passivos «BB» e «AA», seu marido, com os restantes titulares do capital da FARMÁCIA «X» SA, conforme segue:
Quadro 3 - Relações de parentesco entre os titulares do capital FARMÁCIA «X» SA
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
C) Operações de venda de ações
10. Através de contrato de compra e venda de ações, datado de 27-12-2008, «BB» vende à empresa [SCom02...] SGPS SA, um conjunto de 34.600 ações da FARMÁCIA «X» SA, pelo preço total de € 4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos mil euros), que corresponde ao preço unitário de € 121,39 por ação, a pagar durante os dez anos seguintes, em prestações de montante variável e a definir por acordo entre as partes.
11. Também, na mesma data, os novos sócios «CC», «DD», «EE» e «AA», titulares de 100 ações/cada, alienaram as suas participações na FARMÁCIA «X» SA pelo valor nominal de € 100,00 à empresa [SCom02...] SGPS SA, que corresponde ao preço unitário de € 1,00 por ação, a pagar a pronto.
12. Em 28-12-2008, «BB» transmite as restantes 15.000 acções que ainda detinha na FARMÁCIA «X» à empresa [SCom04...] SGPS, LDA, na qual detém uma quota que corresponde a 50% do capital, pelo preço de € 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros), que corresponde ao preço unitário de € 120,00 por acção, a pagar durante os dez anos seguintes, em prestações de montante variável e a definir por acordo entre as partes.
13. Estas operações de alienação de partes sociais foram declaradas, em 2008, por «BB» no anexo G1 -Mais valias não tributadas, da Declaração de Rendimentos Modelo 3 - IRS, pelo valor total de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), e pelo valor de aquisição € 49.600,00 (quarenta e nove mil e seiscentos euros), reportado a 27-07-2001.
14. Resulta, assim, que a partir de 28 de Dezembro de 2008, a sociedade FARMÁCIA «X» SA, passa a ser participada pelas empresas [SCom02...] SGPS SA e [SCom04...] SGPS, LDA em 70% e 30%, respectivamente.
D) Distribuição de resultados
15. Em 31-03-2009, reuniu a assembleia geral da FARMÁCIA «X» SA, tendo sido aprovados o Relatório e Contas do ano de 2008 e a distribuição de resultados, que foram distribuídos pela primeira vez desde a sua constituição, aos novos accionistas [SCom02...] SGPS SA e [SCom04...] SGPS, LDA, nos montantes de € 331.800,00 e € 142.200,00, respectivamente, na proporção das suas participações no capital daquela.
16. Esta decisão da administração, implicou a redução dos capitais próprios da FARMÁCIA «X» SA, em 31-12-2008, de 58,52% e 44,41% comparativamente à situação financeira da empresa em 30­06-2008 e 31-12-2007, respectivamente, antes da transformação em sociedade anónima (...)
17. Por consulta ao sistema informático da Administração Tributária, assim como dos documentos e ou elementos contabilísticos solicitados às empresas [SCom04...] SGPS, LDA e [SCom02...] SGPS SA, pode confirmar-se que no ano de 2008 foram processados pagamentos ao sujeito passivo «BB» nos montantes de € 142.200,00 e de € 169.946,34, respectivamente.
18. Estes pagamentos foram efectuados por contrapartida das vendas de valores mobiliários efectuadas em Dezembro de 2008, valores que correspondem a 100% e 51,22% dos resultados distribuídos pela FARMÁCIA «X» SA aquelas sociedades, detentoras da totalidade do seu capital social.
19. Também, em cumprimento dos contratos de vendas de acções, a [SCom04...] SGPS, LDA e [SCom02...] SGPS SA efectuaram, em 2009, pagamentos a «BB» nos montantes de € 123.763,86 e de € 238.050,00, respectivamente.
20. Estes atos e negócios jurídicos acima descritos tiveram como consequência fiscal possibilitar a «BB» efetuar a alienação da participação que detinha no capital da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA, após transformação em sociedade anónima e redenominação do capital em ações, pelo valor de € 6.000.000,00 com benefício de exclusão de tributação da mais-valia obtida, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e proporcionar àquele sujeito passivo receber das SGPS rendimentos até àquele montante sem qualquer tributação.
Constituição das sociedades adquirentes das acções
E1) Sociedades constituídas no âmbito do processo de reestruturação
21. A empresa [SCom02...] SGPS SA, NIF: .............., é constituída em 2008-10-14, no âmbito do processo de reestruturação do Grupo Videira Lopes, tendo como estrutura acionista inicial as sociedades [SCom02...] UNIPESSOAL LDA, NIF: ............., [SCom03...] SA, NIF: ................., e os sujeitos passivos «AA», NIF: ............., «FF», NIF: ............, e «EE», NIF: .............
22. Segundo informações recolhidas junto do presidente do conselho de administração desta sociedade «CC», a sua constituição insere-se no âmbito de um processo de reestruturação de um conjunto de empresas e tem como finalidade concentrar nesta sociedade a gestão das participações que o grupo detém no sector das farmácias, numa perspetiva de maximizar a sua rendibilidade e proporcionar uma maior flexibilidade das operações, de racionalização de custos, obtenção de sinergias nas vertentes de marketing, operações de investimento e financiamento.
23. Em Dezembro de 2008, a sociedade [SCom02...] SGPS SA efetuou aquisições de participações na FARMÁCIA «X» e na FARMÁCIA «Z» SA, correspondentes a 70% e 100% do capital, respectivamente, e passou a ser detida em 100% pela [SCom03...] SA.
24. A [SCom03...] SA, que constitui a cúpula do Grupo Videira Lopes, é detentora de um património imobiliário que serve algumas das empresas associadas, e para além de participar em 100% no capital da [SCom02...] SGPS SA, detém 100% das ações da [SCom05...] SGPS SA, NIF: ..............., que foi igualmente constituída em 14 de Outubro de 2008, para concentrar as participações do grupo do sector do comércio a retalho de vestuário e de empresas de outros sectores, e detém também 90% da empresa [SCom06...] LDA, NIF: ...............
25. A sociedade [SCom03...] SA tem como presidente do conselho de administração «CC» e como vice-presidente a sua esposa «DD», que são titulares de 24.850 acções/cada, representando no seu conjunto 99,40% do capital social.
26. Saliente-se que, «DD» e «CC» fazem também parte do conselho de administração da sociedade FARMÁCIA «W» SA, NIF: ..............., constituída em 2008-10-14, para o exercício da atividade farmacêutica através de exploração de farmácia, na qual «DD» detém 99,20% do capital, mas que ao contrário das outras sociedades do Grupo para o sector farmacêutico, o sócio / acionista maioritário não efetuou a transmissão das partes sociais à [SCom02...] SGPS SA, pois, neste caso a operação não poderia beneficiar da norma de exclusão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, na medida que as 49.600 ações estavam na sua posse há menos de 12 meses.
27. Há relações especiais entre as sociedades referidas nos pontos anteriores, por força do disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, na medida em que a maioria dos membros dos órgãos sociais são as mesmas pessoas ou sendo pessoas diferentes estão ligadas entre si por casamento ou parentesco em linha recta.
(...)
E2) Sociedade constituída fora do âmbito do processo de reestruturação
29. Por outro lado, em 26-12-2008, os sujeitos passivos «AA» e «BB», constituem a sociedade [SCom04...] SGPS, LDA, NIF: .............., com o capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros), com o objecto de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta do exercício de actividades económicas. Verifica-se, nos termos previstos na alínea c) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, a existência de relações especiais entre os sujeitos passivos e aquela sociedade, em virtude de fazerem parte da sua direcção/gerência.
30. A [SCom04...] SGPS, LDA foi utilizada para “parquear” 30% das partes de capital da FARMÁCIA «X» SA, que também eram propriedade de «BB», através de contrato de compra, datado de 28-12-2008, pelo preço total de € 1.800.000,00.
POSIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
31. A operação de aumento de capital com entrada de novos sócios, e a subsequente transformação da sociedade por quotas [SCom01...] UNIPESSOAL LDA em sociedade anónima, constituem actos e negócios que, com abuso de forma jurídica, tiveram como objetivo fundamental a eliminação e ou redução de encargos tributários:
i) Exclusão de tributação em sede de IRS da alienação das partes sociais por pessoas singulares, beneficiando do disposto na alínea a) do n. º 2 do artigo 10.º do CIRS;
ii) Eliminação da tributação dos lucros distribuídos pela sociedade às SGPS nos termos do artigo 51.º do CIRC, e da distribuição destes montantes ao sujeito passivo singular, que alienou as participações aquelas, na medida em que as SGPS são devedoras do valor das participações àquele sujeito passivo que pode, assim, receber sem qualquer tributação os lucros distribuídos por contrapartida das dívidas.
iii) Redução de tributação numa operação futura de alienação das ações por parte das SGPS, nos termos do artigo 32.º do EBF, actuais detentoras das partes de capital da sociedade, na medida em que a quantia escriturada como custo de aquisição corresponde a uma estimativa aproximada do valor de mercado, se a operação for efetuada nos 3 anos seguintes (até 2011);
iv) Ou Exclusão de tributação numa operação futura de alienação das ações por parte das SGPS, nos termos do artigo 32.º do EBF, actuais detentoras das partes de capital da sociedade, desde que a operação seja efetuada após 3 anos;
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
32. Dispõe o n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária que "são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios Jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não sejam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas."
33. Cumpre à Administração Tributária efetuar prova dos pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que há que determinar:
a) A prática ou celebração de ato(s) ou negócio(s) jurídico(s) de carácter artificioso ou fraudulento;
b) A intenção de obter uma vantagem fiscal com a realização de tais atos ou negócios;
c) A equivalência económica dos atos ou negócios praticados face aos atos ou negócios alternativos conduzindo, todavia, a uma redução ou eliminação de impostos que seriam devidos.
34. Atente-se que, o regime fiscal das sociedades holding - Decreto-Lei n. º 495/88 de 30 de Dezembro, prevê no artigo 3.º a detenção de quotas ou ações de quaisquer sociedades, como tal, não se compreendem as razões económicas da indispensabilidade da operação de aumento de capital por incorporação de reservas, entrada de novos sócios, e subsequente transformação em sociedade anónima.
35. Numa situação normal, a alienação das partes sociais por parte do sujeito passivo «BB» às empresas [SCom04...] SGPS, LDA e [SCom02...] SGPS SA, sem a manipulação negocial referida, está sujeita a IRS, por força do disposto alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.
36. Estes rendimentos qualificados como mais-valias, que resultam da alienação de partes sociais - quotas, efetuados por pessoas singulares, são tributados à taxa especial de 10%, nos termos previstos no artigo 72.º do Código do IRS.
(...)
38. Da análise dos negócios jurídicos que normalmente deveriam ter sido praticados e do conjunto de negócios que foram efetivamente concretizados retiram-se as seguintes conclusões:
a) Em condições normais, o sujeito passivo «BB» efetuava uma transmissão da sua participação numa sociedade por quotas às SGPS, no âmbito do processo de reestruturação;
b) Tal facto determinaria a tributação em IRS, a título de rendimentos de mais-valias, à taxa especial de 10%;
c) Os atos e negócios jurídicos praticados através da montagem de uma operação de aumento de capital da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA no montante de € 45.000,00, por incorporação de reservas de € 44.600,00 e com entradas em dinheiro de € 100,00 por cada um dos 4 novos sócios, e subsequente transformação em sociedade anónima, com redenominação do capital em acções, tiveram como objetivo fundamental excluir de tributação as mais-valias obtidas, substituindo uma operação sujeita a imposto (alienação onerosa de partes sociais - quota) por outra isenta (venda de ações) mas com o mesmo propósito: disponibilizar recursos financeiros aos titulares do capital;
d) Os negócios revestem natureza artificiosa e a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais, na medida em que:
· a realização da operação de aumento de capital da sociedade, em 14 de Outubro de 2008, por incorporação de reservas e com entradas em dinheiro por cada um dos 4 novos sócios, visava apenas o cumprimento dos requisitos mínimos de capital e de número de sócios, para possibilitar a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, e consequentemente a redenominação da quota de 100%, em 49.600 valores mobiliários - ações, que equivalem a 99,20% do capital, proporcionando ao sujeito passivo efetuar a venda da participação às SGPS com beneficio de exclusão de tributação das mais-valias em sede de IRS, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS;
· pode comprovar-se, que os 4 novos sócios da FARMÁCIA «X» SA efetuaram, em 27-12­2008, a transmissão das 100 ações que detinham naquela empresa, pelo valor nominal de € 1,00 por ação, quando o sujeito passivo «BB» contratou a alienação, na mesma data de 27-12-2008, de 34.600 ações, pelo preço total de € 4.200.000,00, ao preço unitário de € 121,39 e de € 15.000 acções, pelo preço total de € 1.800.000,00, ao preço unitário de € 120,00, respectivamente
39. Nestes termos, está demonstrada a verificação do primeiro pressuposto, isto é, a existência de um conjunto de negócios jurídicos de natureza artificiosa em detrimento de uma operação normal de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas.
40. O segundo pressuposto ficou também demonstrado. Uma simples alienação de partes sociais, no âmbito de um processo de reestruturação de um grupo de empresas, foi substituído por uma sequência de negócios jurídicos artificiosos a montante que originou a redenominação do capital em acções, com o objetivo de possibilitar ao sócio pessoa singular efectuar a transmissão das suas participações e obter rendimentos de mais-valias beneficiando da exclusão de tributação em IRS (...), assim como condicionar a jusante o resultado fiscal de um conjunto de operações económicas, proporcionando a eliminação e ou redução dos encargos tributários, (...).
41. Por último, podemos confirmar, também, a verificação da equivalência económica da operação de alienação de partes de capital de uma sociedade por quotas a outras entidades, que podem ser sociedades gestoras de participações sociais, no âmbito de um processo de reestruturação, mas em que há tributação em IRS à taxa especial de 10% na esfera do sócio individual, e o conjunto de actos realizados, que tiveram como objetivo fundamental obter, com abuso de forma jurídica, um rendimento de mais-valias com benefício de exclusão de tributação (...)”.
3 - Da análise dos negócios jurídicos que normalmente deveriam ter sido praticados e do conjunto de negócios que foram efetivamente concretizados retiram-se as seguintes conclusões:
a) Em condições normais, o sujeito passivo em causa efetuava uma transmissão da sua participação numa sociedade por quotas a outras entidades - pessoas singulares ou coletivas;
b) Tal facto determinaria a tributação em IRS, a título de rendimentos de mais-valias, à taxa especial de 10%;
c) Não foram apresentadas razões económicas que sustentem a indispensabilidade da realização operação de aumento de capital, e subsequente transformação da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA. em sociedade anónima, imediatamente antes da decisão de alienação de partes de capital;
d) Os atos e negócios jurídicos praticados através da montagem de uma operação de aumento de capital da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA, no montante de € 45.000,00, através de incorporação de reservas e entradas em dinheiro, e subsequente transformação em sociedade anónima, com redenominação do capital em acções, tiveram como objetivo fundamental excluir de tributação as mais-valias obtidas, substituindo uma operação sujeita a imposto (alienação onerosa de partes sociais - quota) por outra isenta (venda de acções) mas com o mesmo propósito: disponibilizar recursos financeiros aos titulares do capital;
e) Os negócios revestem natureza artificiosa e a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais, na medida em que:
· a realização da operação de aumento de capital da sociedade, em 30 de Setembro de 2008, por incorporação de reservas e entradas em dinheiro, visava apenas o cumprimento dos requisitos mínimos de capital, para possibilitar a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, e, consequentemente, a redenominação do capital em 50.000 valores mobiliários - acções, proporcionando ao(s) sócio(s) efetuar a venda das participações com benefício de exclusão de tributação das mais-valias em sede de IRS, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS;
· existem relações de parentesco entre os sujeitos passivos «BB» e cônjuge «AA» e os demais titulares do capital da FARMÁCIA «X» S.A.;
· em 27-12-2008 o sujeito passivo «BB» vende um conjunto de 34.600 acções da FARMÁCIA «X» S.A., à [SCom02...] S.G.P.S., S.A. pelo preço total de € 4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos mil euros) correspondendo a um valor unitário de €121,39 a pagar durante os dez anos seguintes, alienando em 28-12-2008 as restantes 15.000 acções da FARMÁCIA «X» S.A à [SCom04...] SGPS, LDA. – na qual detém uma quota correspondente a 50% do capital social – pelo preço total de €1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros) correspondendo a um preço unitário de € 120,00 por acção a pagar durante os dez anos seguintes;
· também os restantes acionistas da FARMÁCIA «X» S.A., alienaram em 27-12-2008 a totalidade das suas participações sociais à [SCom02...] S.G.P.S., S.A. num total de 100 ações por accionista pelo valor nominal de € 100,00, correspondendo a um valor unitário de € 1,00 com pagamento a pronto;
· consequentemente, desde 27-12-2008, a FARMÁCIA «X» S.A. passa a ser participada pela [SCom02...] S.G.P.S., S.A. em 70% e pela [SCom04...] SGPS, LDA em 30% do seu capital social;
4 - Nestes termos, está demonstrada a verificação do primeiro pressuposto, isto é, a existência de um conjunto de negócios jurídicos de natureza artificiosa em detrimento de uma operação normal de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas.
De facto, a alienação das quotas foi precedida da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, quando o artigo sexto do pacto social da [SCom01...] UNIPESSOAL, LDA. previa que “ (...) a sociedade poderá livremente participar, sob qualquer forma, no capital de sociedades já existentes ou a constituir, qualquer que seja a sua natureza ou objecto, bem como no capital de sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas e desde que em sociedades por quotas não fique na situação de único sócio dessa sociedade”, o que não legitima a finalidade de racionalidade económica que supostamente presidiu à operação, tanto mais que, os novos adquirentes em 27-12-2008, decorridos apenas três meses sobre a data da aquisição das suas participações sociais (30-09-2008) na FARMÁCIA «X» S.A alienaram-nas à [SCom02...] S.G.P.S., S.A., demonstrando a inutilidade prática da alteração da estrutura organizativa que aquela sofreu com a sua transformação em sociedade anónima com o inerente objetivo de racionalizar e melhorar a prossecução do seu objeto social;
5 - O segundo pressuposto ficou também demonstrado. Uma simples alienação de partes sociais foi substituída por uma sequência de negócios jurídicos artificiosos a montante que originou a redenominação do capital em ações, com o objetivo de possibilitar ao sócio, pessoa singular, efetuar a transmissão das suas participações e obter rendimentos de mais-valias beneficiando da exclusão de tributação em IRS.
6 - Por último, podemos confirmar, também, a verificação da equivalência económica entre o conjunto de atos que precedeu a operação de alienação de partes de capital e o que seria realizado na ausência desses meios artificiosos. Como decorre dos factos relatados pretendeu-se, simplesmente transmitir a sociedade em causa com todo o seu património, só que sem a utilização dos meios artificiosos, transmitir-se-iam as quotas da sociedade, o que determinaria uma tributação em IRS à taxa especial de 10% na esfera dos sócios individuais, e com a utilização dos meios artificiosos, que tiveram como objetivo fundamental obter uma eliminação de impostos, transmitiram-se acções tendo-se obtido um rendimento de mais-valias excluído de tributação.
III - CONCLUSÕES
7 - A cláusula geral antiabuso permite a consideração como ineficazes, no âmbito tributário, os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
8 - Cabe à Administração Tributária a prova dos pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso.
9 - Está demonstrada a verificação do primeiro pressuposto, isto é, a existência de um conjunto de negócios jurídicos de natureza artificiosa em detrimento de uma operação normal de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas.
De facto, a alienação das quotas foi precedida da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, o que não legitima a finalidade de racionalidade económica que supostamente presidiu à operação, na medida em que, a totalidade dos acionistas, escassos dois meses após a transformação, alienaram a totalidade das suas participações sociais.
10 - O segundo pressuposto ficou também demonstrado. Uma simples alienação de partes sociais foi substituída por uma sequência de negócios jurídicos artificiosos a montante que originou a redenominação do capital em ações, com o objetivo de possibilitar ao sócio, pessoa singular, efetuar a transmissão das suas participações e obter rendimentos de mais-valias beneficiando da exclusão de tributação em IRS.
11 - Por último, podemos confirmar, também, a verificação da equivalência económica entre o conjunto de atos que precedeu a operação de alienação de partes de capital e o que seria realizado na ausência desses meios artificiosos. Como decorre dos factos relatados pretendeu-se, simplesmente, transmitir a sociedade em causa com todo o seu património, só que sem a utilização dos meios artificiosos transmitir-se-iam as quotas da sociedade, o que determinaria uma tributação em IRS à taxa especial de 10% na esfera do sócio individual, e com a utilização dos meios artificiosos, que tiveram como objetivo fundamental obter uma eliminação de impostos, transmitiram-se acções tendo-se obtido um rendimento de mais-valias excluído de tributação.
IV - PROPOSTA
12 - Destarte, e se o entendimento vertido supra merecer acolhimento superior, propomos a remessa do presente processo ao Gabinete do Exmo. Senhor Diretor-Geral dos Impostos para cumprimento do disposto no n.º 7 do art. 63.º do CPPT. (...)”
- cfr. Doc. de fls.162 a 175 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
17. Sobre a informação referida no ponto que antecede, após pareceres de concordância de Diretora de Serviços e do Subdiretor Geral, foi exarado em 04/05/2011, pelo Diretor Geral da, à data, Direção Geral dos Impostos, despacho com o seguinte teor: “Atentos os fundamentos mencionados na presente informação, autorizo o procedimento proposto” - cfr. Doc. de fls. 162 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
18. Por ofício n.º ...90, datado de 17/05/2011, da Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de ............, dirigido aos aqui Impugnantes, remetido via postal por carta registada com aviso de receção, o qual se mostra assinado em 18/05/2011, foi comunicado o despacho e a informação a que se alude em 16) e 17) – cfr. Docs. de fls. 176 e 177 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
19. Em 19/05/2011, pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de ............, foi elaborado ofício n.º ...85, dirigido aos aqui Impugnantes, informando da conclusão dos atos de inspeção na data de 19/05/2011, referentes ao procedimento inspetivo credenciado pela OI.............55, nos termos da nota de diligência emitida com o n.º ...22 – cfr. Docs. de fls. 75 e 76 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos autos.
20. Em 09/06/2011, na sequência do procedimento inspetivo referido em 12), foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foi efetuada, por relação aos aqui Impugnantes, correção de natureza aritmética ao Imposto sobre o Rendimento das pessoas singulares (IRS), relativo ao ano de 2008, no montante de € 595.040,00 - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 179 a 193 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
21. A correção referida no ponto que antecede, resultou da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspeção, que dali se extrai:
“I. Conclusões da ação inspetiva
1. No âmbito do presente procedimento de inspeção, e por despacho do Exmo. Senhor Diretor Geral dos Impostos, datado de 04-05-2011, proferido no procedimento próprio desencadeado nos termos do artigo 63.º do CPPT, que autoriza a aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º n.º 2 da LGT, resulta a tributação dos rendimentos provenientes de mais-valias obtidas à taxa especial de 10%, em 2008, pelo que se propõe o acréscimo de imposto em sede de IRS no montante de € 595.040,00 (quinhentos e noventa e cinco mil e quarenta euros).
(...)
II. Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção
II.1. Credencial e período em que decorreu a ação
2. O procedimento de inspecção desenvolvido por este Serviço de Inspecção Tributária da Direção de Finanças de ............, foi efetuado em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI..........55, com o código da actividade 12222075, iniciada em 2010-15-10 e concluída em 2011-05-19.
3. Em 25 de Março de 2011, os sujeitos passivos foram notificados através do n/ofício n.º 3181, datado de 24-03-2011, da prorrogação do prazo do procedimento, por mais três meses, nos termos do artigo 36.º n.ºs 3 e 4 do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) (...)
(...)
II.3 Outras situações
5. Em cumprimento do despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de ............, datado de 03-11­2010, foi autorizado que se procedesse à análise da aplicação da norma geral antiabuso a um conjunto de operações, em que os Serviços de Inspeção Tributária detectaram evidências de planeamento fiscal com abuso de forma jurídica.
6. A proposta de abertura de um procedimento próprio nos termos do artigo 63.º do Código de Procedimento e de processo Tributário (CPPT), para efeitos de aplicação da norma geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT), surgiu na sequência da análise dos documentos e elementos recolhidos no procedimento de inspecção credenciado pela OI.............55, cujo propósito era a análise e verificação das operações de alienação de partes de capital realizadas, no exercício de 2008, pelos sujeitos passivos «AA», NIF: ............. e «BB», NIF: .............
7. Por despacho de 4 de Maio de 2011 do Exmo. Senhor Diretor Geral dos Impostos, foi autorizada a aplicação da cláusula geral antiabuso àquelas operações, nos termos do artigo 63.º n.º 7 do CPPT.
(...)
10. Anote-se que, o presente procedimento tem por objetivo efectivar as correções à matéria tributável de IRS de natureza meramente aritmética que decorrem da decisão do Diretor Geral dos Impostos de
autorizar a aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º n.º 2 da LGT, ou outras eventuais correções que resultem de omissões e ou incorreções ao rendimento tributável, apuradas pelos Serviços de Inspeção Tributária, e não fazer prova dos pressupostos da aplicação da cláusula geral anti-abuso, que consta do procedimento próprio supra referido, desencadeado nos termos do artigo 63.º do CPPT.

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1. Rendimentos declarados
11. Através de contrato de compra e venda de acções, datado de 27-12-2008, «BB» vende à empresa [SCom02...] SGPS SA, NIF: .............., um conjunto de 34.600 acções da FARMÁCIA «X», SA. NIF: ... pelo preço total de € 4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos mil euros).
12. Em 28-12-2008, «BB» transmite as restantes 15.000 acções que ainda detinha na FARMÁCIA «X» à empresa [SCom04...] SGPS, LDA, NIF: .............., na qual detém uma quota que corresponde a 50% do capital, pelo preço total de € 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros),
13. Estas operações de alienação de partes sociais foram declaradas, em 2008, pelos sujeitos passivos no anexo G1 – Mais valias não tributadas, da Declaração de Rendimentos Modelo 3 – IRS, pelo valor total de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), e pelo valor de aquisição € 49.600,00 (quarenta e nove mil e seiscentos euros), reportado à data de 27-07-2001.
14. Desta forma, a alienação destas acções beneficiou da exclusão de tributação em sede de IRS, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, na medida em que foram detidas pelos titulares durante mais de 12 meses.
III.2 Da decisão do senhor Diretor Geral dos Impostos, tomada nos termos do artigo 63.º n.º 7 do CPPT.
15. A aplicação da cláusula geral antiabuso foi autorizada, nos termos do artigo 63.º n.º 7 do CPPT, por despacho do Exmo. Senhor Diretor Geral dos Impostos, datado de 04-05-2011, que determina a tributação à taxa especial de 10% das mais-valias obtidas, em 2008, através das operações de alienação de partes de capital da empresa FARMÁCIA «X» SA.
16. Resulta do ponto 3 daquela informação que:
“(...) 3 - Da análise dos negócios jurídicos que normalmente deveriam ter sido praticados e do conjunto de negócios que foram efetivamente concretizados retiram-se as seguintes conclusões:
a) Em condições normais, o sujeito passivo em causa efetuava uma transmissão da sua participação numa sociedade por quotas a outras entidades - pessoas singulares ou coletivas;
b) Tal facto determinaria a tributação em IRS, a título de rendimentos de mais-valias, à taxa especial de 10%;
c) Não foram apresentadas razões económicas que sustentem a indispensabilidade da realização operação de aumento de capital, e subsequente transformação da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA. em sociedade anónima, imediatamente antes da decisão de alienação de partes de capital;
d) Os atos e negócios jurídicos praticados através da montagem de uma operação de aumento de capital da sociedade [SCom01...] UNIPESSOAL LDA, no montante de € 45.000,00, através de incorporação de reservas e entradas em dinheiro, e subsequente transformação em sociedade anónima, com redenominação do capital em acções, tiveram como objetivo fundamental excluir de tributação as mais-valias obtidas, substituindo uma operação sujeita a imposto (alienação onerosa de partes sociais - quota) por outra isenta (venda de acções) mas com o mesmo propósito: disponibilizar recursos financeiros aos titulares do capital;
e) Os negócios revestem natureza artificiosa e a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais, na medida em que:
· a realização da operação de aumento de capital da sociedade, em 30 de Setembro de 2008, por incorporação de reservas e entradas em dinheiro, visava apenas o cumprimento dos requisitos mínimos de capital, para possibilitar a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, e, consequentemente, a redenominação do capital em 50.000 valores mobiliários - acções, proporcionando ao(s) sócio(s) efetuar a venda das participações com benefício de exclusão de tributação das mais-valias em sede de IRS, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS;
· existem relações de parentesco entre os sujeitos passivos «BB» e cônjuge «AA» e os demais titulares do capital da FARMÁCIA «X» S.A
· em 27-12-2008 o sujeito passivo «BB» vende um conjunto de 34.600 acções da FARMÁCIA «X» S.A., à [SCom02...] S.G.P.S., S.A. pelo preço total de € 4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos mil euros) correspondendo a um valor unitário de €121,39 a pagar durante os dez anos seguintes, alienando em 28-12-2008 as restantes 15.000 acções da FARMÁCIA «X» S.A à [SCom04...] SGPS, LDA. – na qual detém uma quota correspondente a 50% do capital social – pelo preço total de €1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros) correspondendo a um preço unitário de € 120,00 por acção a pagar durante os dez anos seguintes;
· também os restantes acionistas da FARMÁCIA «X» S.A., alienaram em 27-12-2008 a totalidade das suas participações sociais à [SCom02...] S.G.P.S., S.A. num total de 100 ações por accionista pelo valor nominal de € 100,00, correspondendo a um valor unitário de € 1,00 com pagamento a pronto;
· consequentemente, desde 27-12-2008, a FARMÁCIA «X» S.A. passa a ser participada pela [SCom02...] S.G.P.S., S.A. em 70% e pela [SCom04...] SGPS, LDA em 30% do seu capital social;
17. Tendo por base os pontos 4 a 6 da referida informação, consideram-se demonstrados os pressupostos para a aplicação da cláusula geral antiabuso, conforme se transcreve:
“(..) 4 – (..) está demonstrada a verificação do primeiro pressuposto, isto é, a existência de um conjunto de negócios jurídicos de natureza artificiosa em detrimento de uma operação normal de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas. De facto, a alienação das quotas foi precedida da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, quando o artigo sexto do pacto social da [SCom01...] UNIPESSOAL, LDA. previa que “ (..) a sociedade poderá livremente participar, sob qualquer forma, no capital de sociedades já existentes ou a constituir, qualquer que seja a sua natureza ou objecto, bem como no capital de sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas e desde que em sociedades por quotas não fique na situação de único sócio dessa sociedade”, o que não legitima a finalidade de racionalidade económica que supostamente presidiu à operação, tanto mais que, os novos adquirentes em 27-12-2008, decorridos apenas três meses sobre a data da aquisição das suas participações sociais (30-09-2008) na FARMÁCIA «X» S.A alienaram-nas à [SCom02...] S.G.P.S., S.A., demonstrando a inutilidade prática da alteração da estrutura organizativa que aquela sofreu com a sua transformação em sociedade anónima com o inerente objetivo de racionalizar e melhorar a prossecução do seu objecto social;
5 - O segundo pressuposto ficou também demonstrado. Uma simples alienação de partes sociais foi substituída por uma sequência de negócios jurídicos artificiosos a montante que originou a redenominação do capital em ações, com o objetivo de possibilitar ao sócio, pessoa singular, efetuar a transmissão das suas participações e obter rendimentos de mais-valias beneficiando da exclusão de tributação em IRS.
6 - Por último, podemos confirmar, também, a verificação da equivalência económica entre o conjunto de atos que precedeu a operação de alienação de partes de capital e o que seria realizado na ausência desses meios artificiosos. Como decorre dos factos relatados pretendeu-se, simplesmente transmitir a sociedade em causa com todo o seu património, só que sem a utilização dos meios artificiosos, transmitir-se-iam as quotas da sociedade, o que determinaria uma tributação em IRS à taxa especial de 10% na esfera dos sócios individuais, e com a utilização dos meios artificiosos, que tiveram como objetivo fundamental obter uma eliminação de impostos, transmitiram-se acções tendo-se obtido um rendimento de mais-valias excluído de tributação. (..)”
18. Desta forma, após autorização do dirigente máximo da Direcção Geral Impostos, para aplicação da cláusula geral antiabuso, os rendimentos obtidos nesta operação deixam de ser relevados no anexo G1 da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, passando a ser incluídos no anexo G tributando-se o saldo das mais valias apurado à taxa especial de 10%.
III. 3 Correção a efetuar
17. Em face do exposto, deve proceder-se, relativamente a estas operações, à anulação dos valores declarados no anexo G1, e a correcção / acréscimo do anexo G – Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, da declaração de Rendimentos Modelo 3 – IRS, referente ao exercício de 2008, conforme se segue:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
20. Atendendo ao disposto no artigo 72.º do Código do IRS, este saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias no montante de € 5.950.400,00 (cinco milhões novecentos e cinquenta mil e quatrocentos euros), é tributado à taxa especial de 10% (n.º 4) pelo que se propõe o acréscimo de imposto em sede de IRS no valor de € 595.040,00 (quinhentos e noventa e cinco mil e quarenta euros).
21. Anote-se que, os sujeitos passivos alienantes, caso pretendam, podem optar pelo englobamento destes rendimentos (cfr. Artigo 72.º n.º 7 do Código do IRS). (...)”
- cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 179 a 193 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
22. Em 02/07/2011, em resultado da correção efetuada pelos Serviços da lnspeção Tributária, referida em 20) e descrita em 21), por referência aos aqui Impugnantes, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2011 ..........802, relativa ao ano de 2008, no valor a pagar de imposto de € 594.581,88 e juros compensatórios de € 48.514,37, perfazendo o total de € 643.096,25, aqui impugnada - cfr. demonstração da liquidação juntas na p.i. como Doc. n.º 1, de fls. 29 do processo físico.
23. Em 22/12/2011, contra a liquidação de IRS a que se alude no ponto que antecede, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa, a qual, autuada pelo Serviço de Finanças ... com o n.º ........................54, foi totalmente indeferida por despacho de 16/03/2012 – cfr. Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
24. Contra a decisão referida no ponto precedente foi interposto recurso hierárquico que foi autuado no mesmo Serviço de Finanças sob o n.º ...28, o qual foi totalmente indeferido por despacho do Subdiretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, exarado em 08/11/2012 – cfr. Processo de Recurso Hierárquico apenso aos autos.
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Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.
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Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como assente relevante para a decisão da causa, resultou da análise conjugada da prova documental constante dos autos, dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados, também são corroborados por ambas as partes e/ou pelos documentos juntos, bem como da prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, baseando-se essencialmente numa livre apreciação pelo tribunal, conforme discriminado nos vários pontos do acervo factual.
No que respeita à prova documental, teve-se em consideração os documentos constantes dos autos e dos Processos de Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico apensos, que não foram impugnados.
De referenciar, no que concerne ao facto assente em 21), que, constitui o relatório de inspeção tributária aí coligido, um documento autêntico (cf. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil) na medida em que é exarado por funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova (cfr. artigo 76.º, n.º 1 da LGT e artigos 363º e ss. do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).
Na apreciação do depoimento das testemunhas arroladas pelas partes, tendo o tribunal as valorado na sua livre apreciação (tal como dispõem os artigos 466.º, n.º 3 do Código do Processo Civil e 396.º do Código Civil, respetivamente), jamais se perdeu de vista um critério objetivo que permitiu aferir do rigor da narração dos factos, da razão de ciência e das qualidades de isenção e convicção denotadas.
Especificando,
No que respeita às testemunhas apresentadas pelos Impugnantes,
«GG», Revisor Oficial de Contas da Farmácia «X», S.A. e de outras empresas da família dos Impugnantes desde o ano de 2008, questionado a toda a matéria de facto aduzida na p.i., prestou um depoimento espontâneo e coerente, dando a conhecer que em 2008 se pretendeu reorganizar o grupo das três farmácias existentes na família, conjuntamente com uma sociedade imobiliária e mais sociedades ligadas ao vestuário, a fim de permitir economias de escala através da concentração das mesmas em “grupo”.
Referiu que embora os serviços de contabilidade estivessem concentrados, não havia concentração de compras nem a possibilidade de movimentação de capitais, mais relevantes no setor da farmácia e do vestuário, para além de que o endividamento junto da banca colocava problemas ao nível das garantias a prestar, ao que em 2008 foi decidido criar uma sociedade de cúpula, duas SGPS e colocá-las em dois grupos distintos, um ligado ao ramo das farmácias, outro ao ramo do vestuário, ficando a holding a pertencer aos pais do Impugnante marido.
Mais justificou a opção da conversão das sociedades por quotas em sociedades anónimas também na circunstância de uma das sociedades ter por imposição legal o ter revisor e duas estarem lá próximas, bem como para os administradores terem mais poder que os gerentes, a maioria dos grupos comummente assumir a forma de Sociedade Anónima e a circunstância das sociedades terem auditoria lhes conferir mais credibilidade.
Reconheceu que as implicações tributárias do modelo de transformação foram sopesadas, mas disse que não foram a principal motivação.
A segunda testemunha, «II», Revisor Oficial de Contas de algumas empresas do grupo da família desde 2015, mas tendo tido intervenção na reorganização do grupo das empresas em 2008 por ter sido funcionário da sociedade revisora de contas que prestava serviços àquelas à data, questionado a toda a matéria de facto da p.i., no essencial, apesar de ter prestado um depoimento claro e espontâneo, limitou-se a confirmar as transformações societárias e a afirmar que as vendas foram efetuadas pelo valor de mercado.
«JJ», Técnico Oficial de Contas de várias empresas pertencentes à família dos Impugnantes e desde 2001 da atual Farmácia «X», S.A.. questionado a toda a matéria de facto da p.i., de forma espontânea e clara, declarou que era difícil a gestão de tantas sociedades independentes e que não podiam se ajudar umas às outras e que a restruturação teve como motivação primordial a situação financeira e não tributária.
Embora as testemunhas apresentadas pelos Impugnantes tenham prestado depoimento de forma espontânea e sem contradições percetíveis, demonstrando as suas razões de ciência, muito embora tenham sido claras em expor a necessidade da operação de restruturação e das vantagens económicas de tal medida, no que tange ao modo pelo qual tal foi atingido já não foram tão assertivas.
Do seu depoimento emergiu para o Tribunal a convicção de que a operação de restruturação visou a obtenção de vantagens económicas, contudo, não foi possível extrair com a necessária certeza quais as vantagens não tributárias pretendidas pelos Impugnantes e demais membros da família que implicaram a necessidade de conversão das sociedades por quotas em sociedades anónimas e previamente à alienação, tanto mais que estas nunca deixaram de estar sob o seu controlo.
Efetivamente e como referiu a primeira testemunha, as sociedades não saíram do domínio da família dos Impugnantes que continuou após todas estas operações a controlar as sociedades que anteriormente detinha, não se vislumbrando, assim, qualquer justificação para o impedimento da alienação das quotas e ulterior transformação das sociedades por quotas em anónimas no âmbito da reestruturação pretendida. À míngua de motivação económica subjaz a motivação tributária que, como admitiu ainda a primeira testemunha, não deixou de ser considerada na restruturação.
No que respeita à testemunha apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
«KK», Inspetor Tributário que procedeu à ação inspetiva dirigida aos Impugnantes e subscritor do relatório de inspeção tributária fundamentador da liquidação controvertida, corroborou com declarações espontâneas e coerentes a factualidade por si apurada, não tendo acrescentado nada mais ao que deixou vertido no relatório coligido em 21) do acervo factual.
*
II.2. Fundamentação de Direito
A Recorrente imputa à sentença sob recurso erro de julgamento de direito, por entender que ali é feita um incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto, para além do mais, do disposto no n.º 2 do art. 38.º da LGT.
Para fundamentar a decisão de julgar procedente a impugnação judicial, o Tribunal a quo alinhavou a seguinte argumentação, que se passa a transcrever:
(…)
Alegam os Impugnantes, em súmula, que não se encontram reunidos os pressupostos, de facto e de direito, de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso (doravante, CGAA), violando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por errada interpretação e aplicação, o artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
Para tanto invocam que os membros da família «Y» eram titulares de participações sociais de diversas sociedades, nas quais efetuaram avultados investimentos, mas que estas se encontravam isoladas e autónomas, tendo sido decidido proceder à sua restruturação global, integrando-as num único grupo empresarial com vista a maximizar a sua rentabilidade e obter sinergias e economias de escala.
Alegam como benefícios imediatos da concentração a gestão de todos os seus trabalhadores, ter um único serviço de manutenção e aprovisionamento, bem como um único serviço centralizado para as questões administrativas, financeiras e bancárias, compras e apenas dois serviços centralizados de vendas. No longo prazo alegam a existência de motivação económica relacionada com a futura partilha do património familiar.
Defendem, assim, que a motivação da reestruturação foi exclusivamente económica e que esta se iria executar por fases, convertendo as sociedades em sociedades anónimas e constituindo duas novas sociedades de gestão de participações sociais (SGPS) e, numa segunda fase, a aquisição por aquelas SGPS das participações sociais das sociedades anónimas, com o benefício acrescido das atividades permitidas às SGPS.
Sustentam que a transformação em sociedades anónimas estava de acordo com a necessidade legal de criar conselho fiscal ou nomear ROC para uma das sociedades, estando outras três na iminência de igual obrigação e que quanto à quarta sociedade era aconselhável idêntico procedimento dados os “balanços” e vir a ser a sociedade cúpula do grupo.
Aduzem, ainda, ser aquela forma societária a que melhor se compaginava com a dimensão da atividade das referidas empresas e que a contemporaneidade das transformações demonstra que esta obedeceu a um único propósito ou motivação e que era de constituir um grupo económico / empresarial.
A AT, por sua vez, defende a improcedência da presente impugnação porquanto no procedimento inspetivo foram detetadas evidências de planeamento fiscal com abuso da forma jurídica, nomeadamente que as operações de transformação ao nível da forma ou tipo societário foram levadas a efeito com o fim exclusivo de contornar a tributação dos ganhos obtidos com a alienação das partes sociais detidas.
Alega que sem a “manipulação negocial” aqui em causa os ganhos obtidos pelas partes sociais estariam sujeitos a IRS, o que não aconteceu em resultado da transformação societária e que não obstante o relatório justificativo da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima apontar que o objetivo era de melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida, logo após essa transformação, as ações foram transmitidas para uma SGPS, o que significa que a operação em si de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima não serviu nenhum fim económico ou empresarial, não se vislumbrando qualquer vantagem económica, financeira, comercial ou outra, que fundamente essa decisão, bem como o único resultado da realização da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, é a elisão à tributação.
Considera então que se verificam o elemento resultado (elisão da tributação), o elemento intelectual, o elemento meio porquanto os atos embora lícitos estão desconformes com a substância da realidade económica subjacente, não estando em causa a alienação, mas sim a transformação com vista à alienação, bem como o elemento normativo que se consubstancia na fraude ao artigo 10.º do CIRS.
Conclui, assim, pela verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula antiabuso.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 38.º, n.º 2, da LGT estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual, na redação à data aplicável, “[s]ão ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Esta norma é complementada pelo artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto de disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso.
A leitura do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, permite intuir a razão de ser que lhe subjaz, amplamente tratada pela doutrina, e que se traduz, com Saldanha Sanches, em “evitar que os contribuintes frustrem as intenções do legislador fiscal” ou, como refere Gustavo Courinha, na “única resposta dinâmica existente no Sistema Fiscal Português, de combate à elisão fiscal.” [cfr., Os Limites do Planeamento Fiscal – Substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 165, e A cláusula geral anti-abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2009, p. 15, respetivamente].
A previsão legal de uma cláusula com este sentido e alcance traduz-se então na “possibilidade de aceitação ou não aceitação de uma opção contratual do sujeito passivo, com atribuição à Administração de poderes para a desconsideração de certos negócios jurídicos” (cfr. Saldanha Sanches, in Op. Cit., p. 165), correspondendo este tipo de mecanismo à criação de obstáculos legais à utilização de manipulações negociais, que visem ultrapassar normas de direito fiscal impostas em nome de uma distribuição equitativa e economicamente eficiente dos encargos tributários (cf. ainda o mesmo autor in Op.Cit., p. 167).
Isto porque é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar, podendo utilizar-se várias vias para atingir tal desiderato, embora a fronteira de distinção entre elas nem sempre seja fácil e nesse sentido são seguidas normalmente as vias da gestão ou planeamento fiscal da evasão ou elisão fiscal e da fraude fiscal.
Assim, e ainda nas palavras de Saldanha Sanches, dentro do planeamento fiscal, podemos distinguir o planeamento fiscal legítimo, que “consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais”, enquanto o planeamento fiscal ilegítimo “consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo” (in Op. Cit., p. 21).
Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos então distinguir as situações em que o sujeito passivo atua contra legem, extra legem e intra legem.
Contra legem, serão aquelas situações em que a atuação do sujeito passivo é direta e inequivocamente ilícita, pois infringe diretamente a lei fiscal, configurando fraude fiscal passível, inclusive, de ser objeto de censura criminal (como por exemplo, a não entrega ao Estado dos tributos cobrados a terceiros, ou a existência de negócios simulados, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza).
Extra legem, quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a viole diretamente, ou seja, adotando um comportamento com a finalidade de contornar norma(s) jurídico-fiscais, de modo a conseguir uma redução, supressão ou diferimento do encargo fiscal, sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detetar uma tentativa de contornar uma clara intenção de tributar, ou seja, uma “actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário” (cfr., Gustavo Courinha, in Op. Cit. pp.15-17 e 163-165).
E intra legem, quando a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, e não se enquadre a atuação do sujeito passivo na referida atuação extra legem, afigurando-se como tal legítima, e assim considerado, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo.
Ora, é perante as situações que configuram planeamento fiscal ilícito ou extra legem que poderá ser aplicada a CGAA e, consequentemente serão desconsiderados os efeitos fiscais do ato ou negócio jurídico lícito praticado pelo contribuinte que desencadeou na obtenção de vantagens fiscais.
Tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, apontando cinco elementos nela patentes (cfr. Gustavo Courinha, in Op. Cit., p. 209 e ss e Saldanha Sanches, in Op. Cit, p. 169 e ss., e Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/02/2011, processo n.º 04255/10, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28/09/2017, processo n.º 01188/11.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, para atingir de ineficácia a operação jurídica em questão, haverá que demonstrar-se a reunião do seguinte conjunto de elementos, a saber:
(i) o elemento meio, respeitante à forma utilizada, ou seja, a prática de ato ou negócio jurídico isolado ou parte de uma estrutura de atos ou negócios jurídicos sequenciais e lógicos, organizados de modo unitário, dirigidos essencialmente à desejada vantagem fiscal;
(ii) o elemento resultado, que tem a ver com a obtenção da vantagem fiscal e equivalência económica obtidas, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos atos ou negócios jurídicos normais e de efeito económico equivalente;
(iii) o elemento intelectual, respeitante à motivação fiscal do contribuinte; ou seja, que exige que os atos ou negócios praticados sejam “essencial ou principalmente dirigidos” ao resultado que é a vantagem fiscal, isto é, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objetivamente, se o contribuinte pretende um ato, negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam;
(iv) o elemento normativo, respeitante à reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, atuando então o contribuinte com manifesto abuso das formas jurídicas, ou seja, que “tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela” (cfr. Gustavo Courinha, in Op. Cit, p. 211). Dito de outra forma, “trata-se de indagar se o negócio(s) praticado(s) merece um juízo de reprovação pelo ordenamento Fiscal” (cfr. Gustavo Courinha, in A cláusula geral antiabuso no CAAD: A Insustentabilidade de uma jurisprudência contraditória – comentário às decisões dos processos 47/2013, 51/2014 e 131/2014, “Desafios Tributários”, Vida Económica, 2015, pp. 89-107), e,
v) o elemento sancionatório, este já relativo à estatuição da norma e respeitante à efetivação da cláusula, ou seja, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, “efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas” (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).
Correspondendo este último elemento à estatuição da norma, os restantes quatro, afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir a verificação de uma atividade caracterizável como planeamento fiscal abusivo.
Os mencionados elementos são de algum modo interdependentes, ou seja, embora sejam concebidos de forma autónoma, auxiliam-se mutuamente em diversas situações, podendo, na prática, a fixação de um elemento depender de um outro, para se verificar o desenho elisivo (cfr. Gustavo Courinha, in Op. Cit, p. 165), nada impedindo, no entanto, a verificação autónoma de cada um deles, tanto mais que, a falta de um dos primeiros quatro elementos redunda naturalmente na impossibilidade da aplicação da CGAA.
Aqui chegados e perante o exposto, a questão que se nos coloca, reside em saber se a atuação dos Impugnantes na situação vertente se situa intra ou extra legem, ou seja, a questão central consiste em determinar se o tipo de operação ou esquema em causa é ou não passível de se enquadrar num planeamento fiscal lícito ou legítimo [neste caso insuscetível de ser sujeito a aplicação da CGAA].
Descendo então caso em apreciação, e tal como nos informa o probatório, a AT para concluir pela decisão de aplicação da CGAA, teve por base a seguinte factualidade (cfr. factos assentes de 1), 6) a 9) e informação coligida em 16), do probatório):
(i) Em 27/07/2001, a aqui Impugnante mulher, constituiu a sociedade comercial [SCom01...], Unipessoal, L.da, com o objeto de exploração de farmácia e com o capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros), prevendo o contrato de sociedade, àquela data, no artigo sexto que “a sociedade poderá livremente participar, sob qualquer forma, no capital de sociedades já existentes ou a constituir, qualquer que seja a sua natureza ou objeto, bem como no capital de sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas e desde que em sociedades por quotas não fique na situação de único sócio dessa sociedade”;
(ii) o Relatório Justificativo da transformação da sociedade por quotas, em sociedade anónima, refere a necessidade de "(...) melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida (...)";
(iii) a transferência do montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) dos resultados transitados para reservas livres e a admissão de quatro novos sócios;
(iv) o aumento de capital da sociedade em € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), em 30/09/2008, que fica integralmente subscrito e realizado por «BB», aqui Impugnante, por incorporação de reservas no valor de subscrição de € 44.600,00, sendo o valor da quota de € 49.600,00 correspondente a 99,20% de participação, e ainda por «CC», «DD», «EE» e «FF», em dinheiro no valor de subscrição de € 100,00 correspondente de igual modo ao valor da quota de cada um, e a 0,20% de participação cada;
(v) a transformação da sociedade [SCom01...], Unipessoal, L.da, em sociedade anónima, em 30/09/2008, que passará a adaptar a designação de Farmácia «X», S.A.;
(vi) a cadeia de relações de parentesco entre os Impugnantes com os restantes titulares do capital da Farmácia «X», S.A.;
(vii) a venda do conjunto de 34.600 ações da Farmácia «X», S.A., pela Impugnante mulher em 27/12/2008, e pelos novos sócios de 100 ações/cada, à sociedade [SCom02...], S.G.P.S., S.A., e a venda pela Impugnante mulher, em 28/12/2008, das restantes 15.000 ações que ainda detinha à empresa [SCom04...], S.G.P.S., L.da, na qual detém uma quota que corresponde a 50% do capital;
(viii) a distribuição dos resultados das SGPS adquirentes das ações; e
(ix) a constituição das sociedades adquirentes das ações e outras constituídas no âmbito de processo de reestruturação e fora deste.
A AT, com base nesta factualidade, entendeu, em suma, que se mostravam preenchidos os pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso, designadamente, “a existência de um conjunto de negócios jurídicos de natureza artificiosa em detrimento de uma operação normal de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas” (elemento meio); “Uma simples alienação de partes sociais foi substituída por uma sequência de negócios jurídicos artificiosos a montante que originou a redenominação do capital em ações, com o objetivo de possibilitar ao sócio, pessoa singular, efetuar a transmissão das suas participações e obter rendimentos de mais-valias beneficiando da exclusão de tributação em IRS” (elemento intelectual) e “a verificação da equivalência económica entre o conjunto de atos que precedeu a operação de alienação de partes de capital e o que seria realizado na ausência desses meios artificiosos. Como decorre dos factos relatados pretendeu-se, simplesmente transmitir a sociedade em causa com todo o seu património, só que sem a utilização dos meios artificiosos, transmitir-se-iam as quotas da sociedade, o que determinaria uma tributação em IRS à taxa especial de 10% na esfera dos sócios individuais, e com a utilização dos meios artificiosos, que tiveram como objetivo fundamental obter uma eliminação de impostos, transmitiram-se acções tendo-se obtido um rendimento de mais-valias excluído de tributação” (elemento resultado), e o elemento normativo, constituído então na ótica da AT, em súmula, pela intenção do legislador de tributar as mais valias decorrentes da alienação de participações de sociedades por quotas que teria sido defraudada pela Impugnante mulher (cfr. fundamentação coligida em 16) do probatório).
Vejamos então do preenchimento, in casu, de tais elementos, iniciando-se pelo elemento resultado,
É consabido que os rendimentos obtidos pelas pessoas singulares no território nacional se encontram genericamente sujeitos a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS).
No que ao caso importa está em causa a tributação da “alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia” (artigo 10.º n.º 1 alínea b) do CIRS).
Previa-se, também, no n.º 2 do mesmo preceito a exclusão da tributação das mais valias obtidas com a alienação de “ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses” [alínea a)].
De harmonia com o artigo 43.º do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais valias “é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano” (n.º 1), considerando-se para tanto, que “[a] data de aquisição de ações resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;” [n.º 4, alínea b)]
Por fim, previa o n.º 4 do artigo 72.º do CIRS, na redação à data dos factos vigente, que “o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%”.
Assim, e comparando de uma forma isolada e objetiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das ações (atos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (atos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficia de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira, in casu, não é objeto de tributação, nos termos conjugados do artigo 10.º, n.º 2, alínea a), e 43.º, n.º 4, alínea b), do CIRS, a segunda é considerada uma mais valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, cujo saldo positivo é tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS.
Verifica-se, por isso, este elemento resultado, pois os Impugnantes obtiveram uma vantagem fiscal com a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.
Quanto ao elemento intelectual, da apreciação da prova testemunhal conjugada com os documentos constantes dos autos globalmente considerados resultou a convicção de que a operação de restruturação societária teve primacialmente como fim a reorganização das sociedades pertencentes à família dos Impugnantes com vista à obtenção de economias de escala e de facilitar a sua gestão.
Não obstante, nada foi efetivamente aportado de verdadeiramente relevante quanto à necessidade de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima para que tais desideratos pudessem ser alcançados.
Dito de outro modo, não se encontra demonstrado pelos Impugnantes que não fosse possível obter exatamente os mesmos resultados económicos inerentes à dita reestruturação societária pela alienação das quotas e não das ações, sem a utilização daquele meio, independentemente de ulteriormente as sociedades adquirentes virem (ou não) a proceder à respetiva transformação.
Assim, à míngua de motivação económica razoável para a anterioridade da transformação, apenas remanesce a motivação tributária que, como admitiu uma das testemunhas, também contribuiu para a definição do modelo organizativo do grupo de sociedades.
Todavia, independentemente do preenchimento do elemento intelectual, a que se refere o segmento da norma que aponta para a prática de atos ou a celebração de negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagem fiscal e mesmo do elemento meio, que respeita à forma utilizada pelo sujeito passivo mediante a qual este veio a obter a almejada vantagem fiscal, no caso vertente, não se preenche o elemento normativo, o qual, não obstante não figurar expressamente no teor da norma, tem vindo a doutrina a considerar, à qual aderimos, que é fundamental na distinção entre planeamento legítimo e ilegítimo, respeitando este a uma das “mais fortes exigências das doutrinas que explicam a CGAA” (cfr. Gustavo Courinha, in A cláusula geral anti-abuso no Direito Tributário..., p. 186).
Com efeito, e como adianta Gustavo Courinha (in A cláusula geral antiabuso no CAAD: A Insustentabilidade de uma jurisprudência contraditória..., p. 204), “importa salientar que questões como as que respeitam aos requisitos da CGAA deverão ser aprofundadas gradualmente, de modo a prevenir uma aplicação indevida e desnecessária da mesma. Aqui, merece-nos particular destaque o elemento normativo-sistemático que, como vimos, fixa as extremas da elisão fiscal e da poupança fiscal legítima. Com uma forte carga de estudo prévio, pode evitar-se o recurso à CGAA nos casos em que a norma ou o Sistema Fiscal amparam a própria actuação do contribuinte”.
É então este pressuposto que nos permite operar a distinção entre poupança fiscal legítima e elisão fiscal, nos termos que se deixaram definidos acima.
Assim, o que se exige no elemento normativo é que o legislador fiscal tenha previamente demonstrado “uma inequívoca vontade de tributação de certas operações (...), uma intencionalidade inequívoca do ordenamento jurídico-tributário expressa com clareza na lei.” (cfr. Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2ª edição, 2002, p. 121)
Ao invés, se o resultado fiscalmente vantajoso for tolerado ou até incentivado pela lei, naturalmente aí se afigurará ilegítima a pretensão e aplicação da cláusula geral antiabuso, porque legítimo o planeamento fiscal do contribuinte.
Vejamos, então, na hipótese sub judice.
Os Impugnantes defendem que apenas adotaram comportamentos desejados, favorecidos e até quase impostos expressa e/ou implicitamente pelo legislador, não se revestindo os mesmos de natureza antijurídica ou reprovável.
Ora, como refere Saldanha Sanches, “estamos perante um comportamento abusivo quando, perante uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios, estruturantes do sistema, uma certa forma negocial consegue evitar a tributação” (in Os Limites...p.181).
Daí que, e ainda na esteira deste autor, “a necessidade de encontrar, no ordenamento jurídico-tributário e como condição sine qua non de aplicação da cláusula antiabuso, os sinais inequívocos de uma intenção de tributar é, contudo, um princípio básico para a manutenção e segurança jurídica na aplicação da lei fiscal [...], primeiro, porque a evitação fiscal abusiva não pode confundir-se com a permanente tentativa do contribuinte para reduzir a sua tributação ou para ponderar cuidadosamente – planeamento fiscal não abusivo – as consequências da lei fiscal na sua actividade empresarial ou pessoal [...], segundo, porque nesse esforço permanente para reduzir a carga fiscal podemos encontrar o aproveitamento pelo contribuinte do que podemos qualificar como omissões deliberadas – justas, ou não, é uma outra coisa – do legislador fiscal e, se isso aconteceu, não pode atribuir-se ao aplicador da lei a tarefa que cabe primariamente ao legislador” (in Os Limites...p.181).
Com efeito, e como ainda sublinha este autor, deve ser possível extrair-se uma intenção inequívoca de tributação, não bastando haver uma lacuna ou uma disposição menos clara.
Este autor dá, inclusive, como exemplo de “lacuna consciente de tributação”, a situação que no caso vertente é objeto de aplicação da cláusula geral antiabuso (a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima e a subsequente venda das ações), sublinhando que “se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das ações ou as tributava com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por ações mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais” (in Os Limites...p.181).
Efetivamente, mesmo sendo a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima essencialmente motivada por razões exclusivamente fiscais, foi o legislador à data, que optou deliberada, insistentemente (atento que se trata de uma norma, até à data, várias vezes revista e ponderada), e expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das ações naquele contexto (cfr. 10.º, n.º 2, alínea a), do CIRS).
Por outro lado, expressamente salvaguardou a hipótese de quotas convertidas em ações para efeitos de aferição da respetiva data de aquisição, contribuindo assim para o hiato temporal para exclusão de tributação (cfr. artigo 43.º, n.º 4, alínea b), do CIRS).
Naturalmente, tal realidade tem de ter consequências, não podendo aceitar-se a aplicação da cláusula geral antiabuso numa situação que contende com aquilo que foi o desígnio legislativo.
Neste mesmo sentido, e como ainda refere Gustavo Courinha, “não se pode alegar que o sujeito passivo está em fraude à lei fiscal quando ele se comporta exatamente como o legislador que atribuiu o beneficio fiscal pretendeu que ele se comportasse, a saber, transformando as sociedades por quotas de que era sócio em sociedades anónimas previamente à alienação das respetivas ações, com isto se valendo do beneficio”, sendo que e como ainda alude, e ali citando outros autores com o mesmo entendimento, ”Precisamente sobre tal transformação de sociedade por quotas em anónimas. ANTÓNIO FERNANDES DE OLIVEIRA sugere que em tal situação nem sequer é a priori equacionável a aplicação da CGAA, posto que “está em causa um direito de opção que o sistema fiscal atribui aos contribuintes” (...) E numa mesma linha. Por fim, também nós já tivemos oportunidade de esclarecer que consideramos de rejeitar a aplicação da CGAA aos casos em que “por força de política legislativa, certas zonas propícias à obtenção de vantagens fiscais significativas sejam deixadas de fora do âmbito de tributação.
Pode extrair-se destas posições que, sem uma rejeição da estrutura de planeamento fiscal pelo ordenamento fiscal, não é nunca contestável a adoção ou implementação da mesma: não é viável a aplicação da CGAA (...) pela ausência do elemento normativo nos casos de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas previamente à alienação das respetivas participações sociais” (in A cláusula geral antiabuso no CAAD: A Insustentabilidade de uma jurisprudência contraditória...pp. 101-107),
Neste mesmo sentido, e sufragando o mesmo entendimento, em situação em tudo idêntica à dos autos, já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão datado de 28/09/2017, proferido no processo n.º 1188/11.0BEPRT (disponível em www.dgsi.pt), sumariando , “IV) Se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.”
Reiterando o mesmo entendimento, vide ainda o Acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Norte, de 18/10/2018, processo n.º 00917/13.3BECBR (disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, tendo o legislador expressamente considerado o interesse público da criação de sociedades anónimas superior ao interesse na tributação de mais valias e materializado a sua preferência num incentivo à criação de sociedades anónimas, criando para os detentores do seu capital um regime fiscal privilegiado em relação aos detentores do capital de sociedades por quotas, não pode, por via da aplicação da cláusula geral antiabuso, ser inviabilizado, por via administrativa, esse objetivo legislativo, aplicando àqueles que criaram de sociedades anónimas o regime que lhes seria aplicável se o não tivessem satisfeito.
Por outro lado, não se vislumbra na atuação da aqui Impugnante mulher, em perfeita sintonia com o desígnio legislativo que se visou atingir com criação de um regime mais favorável de tributação dos detentores de ações, o uso de qualquer meio artificioso ou fraudulento ou abuso de formas jurídicas (como exige a aplicação da cláusula geral antiabuso) já que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo (artigos 1.º, n. 2, e 130.º do Código das Sociedades Comerciais), inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento (cfr. o já citado artigo 43.º, n.º 4, alínea b), do CIRS).
O que, decerto se mostraria defraudante e incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito num Estado de Direito, seria o legislador incentivar os sujeitos passivos de IRS à criação de sociedades anónimas, através do anúncio da atribuição de uma vantagem fiscal e, uma vez satisfeito o interesse público que se visava com tal incentivo, não lhes reconhecer o direito à vantagem que a lei clara e expressamente lhes dá. E não cabe ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades formuladas pelo legislador fiscal.
Refira-se ainda, como indício legislativo de que estas situações de transformação de sociedades por quotas em anónimas não foram previstas como potencialmente geradoras de situações de planeamento fiscal abusivo, o facto de o Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro, que visou especificamente prevenir o controlo de situações desse tipo, não lhes fazer qualquer alusão, designadamente não estabelecendo deveres de comunicação, informação e esclarecimento à AT sobre essas transformações.
Conclui-se, assim, que, mesmo que a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima tenha sido motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estará perante um ato condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de ações, mantendo-se assim o comportamento da Impugnante mulher, mesmo que com o ato de transformação da sociedade haja visado apenas um fim essencialmente de vantagem fiscal, dentro de um comportamento permitido de planeamento fiscal legítimo.
Destarte, falta o elemento normativo, associado à condenação do ordenamento jurídico-tributário, sem o qual, porque pressuposto cumulativo com os demais previstos no n.º 2 do artigo 38.º, da LGT, não é aplicável, in casu, a cláusula geral antiabuso.
(…)
Ora, desde já se adianta que a sentença faz uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso, à qual, diga-se, pelo seu impecável acerto e rigor, pouco há a acrescentar.
De facto, e quanto ao que alega na conclusão C das suas alegações de recurso, relativamente ao pretendido preenchimento do elemento meio, não tem a Recorrente razão, visto que, e como é corretamente referido na sentença, tendo a Recorrida atuado em conformidade com a lei, não é possível concluir que tenha lançado mão de um qualquer meio artificioso ou fraudulento, ou que tenha atuado com abuso de formas jurídicas.
Quanto ao alegado nas conclusões D e F, não tem, também, a Recorrente razão, perante a evidência de que o comportamento adotado pelos Recorridos era lícito, porque claramente permitido pela lei, tanto mais que, tal como explicitado na sentença sob recurso, o legislador fiscal teve ampla oportunidade para prever a tributação da transformação de sociedade por quotas em anónimas.
Está por isso correto o Tribunal a quo quando defende, aliás, na esteira da melhor doutrina e jurisprudência, profusamente citadas na sentença, que não se verificou o elemento normativo nem, tão pouco, o elemento meio.
De facto, e ao contrário do que pretende a Recorrente, a licitude da poupança fiscal obtida pelos aqui Recorridos, decorre, precisamente, da permissão normativa, da existência de uma “lacuna consciente de tributação”, pois, e como é expressivamente sintetizado no sumário do Acórdão proferido por este TCAN em 2017-09-28, no proc. 01188/11.0BEPRT (disponível para consulta em www.dgsi.pt), também ele citado na sentença recorrida “Se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2”.
Por outro lado, e como é também abundantemente explicado na sentença, a não verificação do elemento normativo é quanto basta para que se conclua pela ilegitimidade do recurso à clausula geral anti abuso, pois em causa está um planeamento fiscal legítimo, em que o sujeito passivo atua intra legem, na medida em que a sua atuação é permitida por lei.
Donde, a circunstância de no caso em apreço se poder concluir com segurança que a conduta da Recorrida foi lícita, porque permitida pela lei fiscal, importando o não preenchimento do elemento normativo, é quanto basta para que se conclua que a poupança fiscal em causa foi licitamente obtida, e que a ATA não estava legitimada para aplicar ao caso a CGAA prevista no n.º 2 do art. 38.º da LGT.
E tanto é quanto basta para que se gore o esforço argumentativo da aqui Recorrente, no sentido de que bastaria, para a aplicação do regime constante no n.º 2 do art. 38.º da LGT, a verificação dos elementos resultado e intelectual nela contidos.
Por fim, não se vislumbra em que é que no caso em apreço o comportamento dos Recorridos viola, como pretende a Recorrente, os princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
Com efeito, e tal como já aqui se explicitou, os Recorridos limitaram-se a atuar dentro da margem de liberdade que lhes foi deixada pelo legislador.
E se o que a Recorrente pretende, com tal alegação, é que se afirme que a omissão do legislador, ao não eleger a transformação de sociedades por quotas em anónimas como facto tributário, feriu estes princípios, sempre se irá que este Tribunal apenas detém competência para, sendo caso disso, promover a fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos do disposto no art. 280.º da CRP, e não já para apreciar, no caso, uma putativa inconstitucionalidade por omissão legislativa nesta matéria.
Em face do referido, fica prejudicado o conhecimento do mais alegado [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
A este propósito cumpre ainda referir que, e para além da jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Norte citada na sentença, e na qual este Tribunal se revê, também o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou recentemente sobre esta matéria, no mesmo sentido, em Acórdão proferido em 2023-06-07 no proc. 03285/11.3BEPRT, aresto no qual se conclui que “A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais, não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações(disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que a sentença sob recurso não padece de qualquer erro de julgamento, nela se fazendo uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nada lhe havendo a censurar, motivo pelo qual o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente.
***
Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, pelo que as situações a que a lei concretamente se refere são meramente exemplificativas.
No caso a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se atendendo a que conduta processual das partes na presente instância de recurso não é merecedora de qualquer censura ou reparo, sendo que o concreto valor das custas a suportar calculado sobre a base tributável de EUR 643.096,25 a que corresponde o valor da causa, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
Em face do exposto, deverá o remanescente da taxa de justiça ser desconsiderado nas custas do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que motivada exclusivamente por finalidades fiscais, não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente, na presente instância.

Porto, 22 de fevereiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Maria Celeste Gomes Oliveira – Irene Isabel Gomes das Neves.