Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2646/21.4T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- Não é admissível a revista em termos gerais quando se está perante uma situação de existência de dupla conforme;


II- Existe dupla conforme quando o Tribunal da Relação decide em sentido mais favorável à parte que recorre.

Decisão Texto Integral:

Processo 2646/21.4T8PDL.L1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


Nesta acção em que é Autor AA e Ré Hospital do Divino Espirito Santo de Ponta Delgada E.P.E.R, interposto recurso de revista pelo primeiro, pelo Relator foi proferido despacho a:


- não admitir o recurso de revista geral interposto do segmento decisório f), sendo certo que o Autor não interpôs recurso de revista excepcional quanto a tal questão;


- ordenar, por estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade, que se remetam os autos à Formação a que alude o artigo 672º, nº3 do C.P.C. para apreciação dos fundamentos da revista excepcional quanto à parte do acórdão recorrido em que se manteve a absolvição da Ré do pedido de pagamento de uma indemnização no valor de €75.000 a título de danos patrimoniais.


Parcialmente inconformado com o teor deste despacho, reclamou o Autor- Recorrente para a Conferência, ao abrigo do disposto no artº 652º, nº 3, do CPC, terminando com as seguintes conclusões:


A. No modesto entendimento do Recorrente não existe dupla conforme de julgados quanto ao segmento decisório f), não pelo menos com o sentido interpretativo de obstaculizar o recurso de revista.


B. Com efeito, e analisadas as duas decisões das instâncias quanto a esse concreto pedido e causade pedir, facilmente constatamos que não há unidade ou sobreponibilidade decisória de ambas, mas antes um raciocínio fundamentador dual ou divergente,


C. Tanto que a Relação de Lisboa se afasta imediatamente, quer no percurso trilhado de fundamentação, quer no sentido final da decisão acolhida (valor arbitrado – quase o quádruplo do fixado pelo tribunal de 1.ª instância) do veredicto primitivo.


D. Mas mais; a pronúncia da Relação de Lisboa teve por base factos (relevantes) que alterou/modificou à factualidade assente (logo, não tido sem conta pelo tribunal de 1.ªinstância),eles mesmos, por si só, idóneos a projetar outras premissas decisórias, as quais viabilizaram deste modo uma dissonante fundamentação na adoção do valor de indemnização mais ajustado ao caso concreto.


E. E não há dúvida que tal alteração factual, ao evidenciar que afinal a Ré tornou pública uma consideração e juízo muito negativos sobre a competência e personalidade profissional do trabalhador (numa rede social) foi de molde a exponenciar, de forma qualitativamente distinta e diversa do juízo efetuado em 1.ª instância, a avaliação sobre os danos morais por este sofridos.


F. Uma realidade é concluir-se que afinal o trabalhador apenas ‘internamente” foi, sem fundamento, questionado severamente sobre as suas competências e idoneidade; outra realidade é concluir-se que afinal o trabalhador também foi «externamente» - publicamente, no caso, numa rede social, questionado severamente sobre as suas competências e idoneidade.


G. Ou seja, ocorreu uma verdadeira e efetiva mudança do paradigma factual, na origem/causa dos danos morais sofridos pelo trabalhador- e com isso, ocorreu uma diversa visão e juízo sobre o valor justo a atribuir aos danos morais suportados.


H. Com efeito, não é a mesma coisa um trabalhador ser seriamente posto em crise quanto às suas competências, ao nível de uma nota interna, ou com efeitos limitados ao seio da entidade empregadora, e um trabalhador ser seriamente posto em crise quanto às suas competências perantea comunidade em geral, para mais num meio social-económico-geográfico reduzido, como a ilha de .... Note-se que o raciocínio do Tribunal de 1.ª instância esteve nos antípodas, quanto à publicitação, pela Ré, das ofensas às competências profissionais do trabalhador, que não assacou à sua autoria.


J. Tratou-se, sem dúvida, de um novo enquadramento e contexto situacional/motivacional da Ré, divergente sobre o dado como provado pela 1.ª instância, e movida neste novo perímetro, determinou a 2.ª instância um juízo equitativo claramente bem discrepante.


K. I.e., não apenas o Tribunal da Relação se moveu num quadro fáctico diverso da 1.ª instância, com diferente factualidade constante da matéria assente (facto provado n.º 56), introduzindo a publicidade sobre as qualidades negativas do trabalhador, como direta responsabilidade da Ré (facto totalmente novo),


L. Como igualmente o seu raciocínio e a fundamentação espelhada na decisão de punição da Recorrida, em termos de grau, mas também de natureza diferente de censura, assentou nestes novos critérios materialmente dissonantes do tribunal a quo.


M. Na verdade, a Relação de Lisboa quase que quadruplicou o valor da indemnização a atribuir, a título de danos morais – existe assim um claro desnível de posições jurisdicionais sobre a mesma matéria, e fê-lo com respeito a um contexto situacional fáctico novo – a publicitação difamatória do trabalhador, como também exprimiu um juízo censório próprio bem divergente e muito mais gravoso do que aquele que a 1.ª instância agasalhou, naturalmente que também com base no novo facto reconstruído.


N. Tais decisões não foram miméticas, quer (i) quanto do critério qualitativo empregue no escrutínio da ilicitude/desvalor da ação, nem quer (ii) quanto ao critério quantitativo da intensidade da censura demonstrada - até porque a ação desvaliosa da Ré foi, por via dessa externalização, bem distinta.


O. Destarte, mostra-se suficientemente elucidado e evidenciado que as instâncias não coincidiram nos pressupostos, limites e extensão da indemnização a título de danos morais, tanto que a Relação de Lisboa partiu de um facto essencialmente novo – a Ré também publicitou externamente, logo, publicamente, uma imagem pejorativa e desvaliosa das competências profissionais trabalhador, raciocínio inexistente na 1.ª instância, restringida a um dano reputacional ao nível «endógeno», pelo que não há, bem vistas as coisas, verdadeira dupla conforme.


O Recorrido não respondeu.


x


É o seguinte o teor do despacho do Relator:


“O recurso é interposto nos seguintes termos:


- recurso de revista geral quanto ao único segmento decisório alterado pelo Tribunal da Relação e que corresponde à condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais (o Tribunal da Relação manteve a condenação mas aumentou o valor da indemnização);


- recurso de revista excepcional da parte do acórdão em que manteve a absolvição da Ré do pedido de pagamento de uma indemnização no valor de €75.000 a título de danos patrimoniais.


O recurso é tempestivo, as partes têm legitimidade e o valor da causa é superior ao valor da alçada do tribunal da Relação, sendo que o decaimento do Recorrente é superior a € 15.000,00 – artigo 629º, nº 1 do Código de Processo Civil.


Confrontando ambas as decisões- sentença de 1ª instância e acórdão da Relação- verificamos que este último manteve todos os segmentos decisórios da sentença com excepção do segmento f) referente à peticionada indemnização por danos patrimoniais, decidindo aumentar o valor da referida indemnização de €7000 para €25.000.


Estas alterações não implicaram uma modificação essencial na motivação jurídica.


Assim, existe dupla conforme quanto aos segmentos decisórios da sentença não revogados (todos com expepção do f), porquanto o acórdão os manteve sem fundamentação essencialmente diferente.


Contudo, existe igualmente dupla conforme quanto ao segmento f), na medida em que o Tribunal da Relação decidiu em sentido mais favorável ao Autor1, aumentando para mais do que o triplo a indemnização peticionada, sendo que não parece que a alteração da matéria de facto tenha sido determinante para o efeito (na fundamentação da alteração do montante não é colocado enfoque nas diferenças que resultam das alterações).


Foi cumprido o disposto no artº 655º do CPC.


Nestes termos:


- não se admite o recurso de revista geral interposto do segmento decisório f), sendo certo que o Autor não interpôs recurso de revista excepcional quanto a tal questão;


- por estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade, ordena-se que se remetam os autos à Formação a que alude o artigo 672º, nº3 do C.P.C. para apreciação dos fundamentos da revista excepcional quanto à parte do acórdão recorrido em que se manteve a absolvição da Ré do pedido de pagamento de uma indemnização no valor de 75.000 a título de danos não patrimoniais.


Como tal, e transitado o presente despacho, remetam-se os autos a tal Formação”.


O assim decidido merece a total concordância dos subscritores deste acórdão.


Tal como aí se escreveu, o acórdão da Relação decidiu aumentar o valor da peticionada indemnização por danos patrimoniais, de € 7.000,00, fixado pela sentença, para € 25.000,00.


Como é entendimento consolidado deste Supremo Tribunal de Justiça, existe dupla conforme quando o Tribunal da Relação decide em sentido mais favorável à parte que recorre- cfr., entre muitos outros, os acórdãos de 12-03-2015, Proc. n.º 1277/11.1TTBRG.P1.S1, e de 06-07-2022, Proc. n. º 240/19.9T8FAR.E1.S1.


“É de equiparar à situação de dupla conforme aquela em que a Relação profere uma decisão que, embora não seja rigorosamente coincidente com a da primeira instância, se revele mais favorável à parte que recorre” – Ac. de 24-03-2021, Proc. 2003/18.0T8BCL.G1.S1.


“É de equiparar à situação de dupla conforme, impeditiva da admissibilidade do recurso de revista, aquela em que a Relação profere uma decisão que, embora não seja rigorosamente coincidente com a da 1.ª instância, se revela mais favorável à parte que recorre”- Ac. de 21-01-2016, Proc. n.º 986/12.2TBCBR.C1.S1.


A este decisivo aspecto o Autor não dedica uma única palavra na reclamação apresentada.


Acresce que, como também se refere na decisão singular e pese embora o esforço argumentativo do Reclamante (baseado essencialmente em generalidades), a alteração da matéria de facto não foi derminante para o dito aumento (na fundamentação da alteração do montante não é colocado enfoque nas diferenças que resultam das alterações).


Deveria o Autor ter, como tal, interposto revista excepcional quanto a tal matéria, não sendo admissível a revista em termos gerais.


x


Decisão:


Em face do exposto, acorda-se em desatender a reclamação do Autor- recorrente e, em consequência, manter-se o despacho singular, que não admitiu, pelas razões aí mencionadas, a revista interposta em termos gerais.


Custas pelo Autor- reclamante, com 3 UC de taxa de justiça.


Lisboa, 24/04/2024


Ramalho Pinto (Relator)


José Eduardo Sapateiro


Domingos José de Morais





Sumário (da responsabilidade do Relator).


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1. Neste sentido, entre outros, vide o Acórdão do STJ de 12.04.2023 proferido no processo nº 935/20.4T8VRL.G1.S1, cujo link se junta:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9de490f676aeb3ba80258998002b1d0e?OpenDocument↩︎