Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2394/21.5T8ACB-A.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
TEMPESTIVIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :

I- O não conhecimento da extemporaneidade dos embargos de terceiro no despacho liminar não veda a que o embargado a possa invocar na contestação e que o juiz a venha a conhecer em decisão ulterior, por natureza não liminar.


II- Tendo sido invocada a intempestividade dos embargos de terceiro, com base em dois distintos fundamentos, que foram julgados improcedentes no primeiro grau, e tendo havido recurso dessa decisão, deve a Relação reapreciar in totum essas duas questões, sob pena de nulidade.


III- Não se pode transmutar um nada decisório, numa decisão implícita, incompleta ou meramente deficiente.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 2394/21.5T8ACB-A-C1


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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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AA deduziu embargos de terceiro na execução para pagamento de quantia certa que BB moveu contra CC pedindo o levantamento da penhora sobre o prédio misto sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..78 e inscrito na matriz predial rustica sob o n.º ..46 e matriz predial rustica sob o artigo ..48, todos da União de Freguesias de ...,


Alega ter adquirido o imóvel penhorado em inventário para partilha dos bens do casal constituído pela executada e pelo embargante.


O exequente embargado contestou e pediu, por via da reconvenção, a declaração da nulidade da aquisição pelo embargante do imóvel, com fundamento em simulação negocial, bem como o cancelamento da inscrição a favor do embargante junto das finanças.


O embargante, por sua vez, respondeu à reconvenção, pugnando pela sua improcedência total.


Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que:


- julgou procedentes os embargos de terceiro e, consequentemente, determinou o levantamento da penhora sobre o prédio urbano identificado.


- julgou improcedente a reconvenção deduzida;


- absolveu a executada do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelo exequente.


Inconformado, interpôs o embargado/exequente competente recurso.


Na Relação de Coimbra, o relator proferiu decisão singular a julgar a apelação parcialmente procedente, e, consequentemente:


- julgou parcialmente procedentes por parcialmente provados os embargos de terceiro e por isso determinou o levantamento da penhora que incide sobre 1/4 do prédio misto sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., freguesia de ..., no que tange à parte inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..78;


- mandou prosseguir a execução no que tange à penhora de ¼ sobre as partes rústicas do mesmo prédio: a inscrita na matriz predial rústica sob o n.º ..46 e a inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ..48, todos da União de Freguesias de ...;


- julgou improcedente a reconvenção deduzida;


- absolveu a executada do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelo exequente.


Reclamou o apelante para a conferência, cujo colectivo deliberou confirmar a decisão impugnada.


De novo inconformado, interpôs o embargado/exequente competente recurso de revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma:


1ª Vem o presente recurso de revista do acórdão da Relação de Coimbra que alterou parcialmente a decisão de 1ª instância, onde se julgaram procedentes os embargos de terceiro e ordenado o levantamento da penhora aqui em causa, decidindo manter a penhora de uma parte do prédio aqui em causa e ordenar o levantamento da penhora relativamente a outra parte do mesmo prédio.


2ª Em primeiro lugar, afigura-se que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, artgsº 615 nº 1 alínea d) e 674 nº1 alínea c) do CPC.


3ª Efetivamente no recurso para a Relação o recorrente arguiu a intempestividade dos embargos com dois fundamentos distintos, sendo o primeiro com base na impugnação da matéria de facto e solicitada eliminação do artgº 5 matéria provada o que redundaria na falta de prova da tempestividade dos embargos e, o outro fundamento, com base no facto do embargante apenas ter suscitado apoio judiciário para lhe permitir o aumento do prazo para deduzir os embargos de terceiro.


4ª Efetivamente, o embargante, solicitou apoio judiciário na modalidade de isenção da taxa de justiça e nomeação de patrono tendo-se interrompido o prazo para deduzir embargos de terceiro, porém, quando notificado, da proposta de indeferimento da Segurança Social por falta de documentação comprovativa da sua situação económica e que poderia apenas beneficiar da modalidade de apoio judiciária na vertente de pagamento faseado da taxa de justiça e deveria informar se aceitava essa modalidade, não juntou qualquer documentação comprovativa de insuficiência económica e nada aduziu.


5ª Depois de expirado o prazo para se pronunciar, aguardou o decurso do prazo para a decisão de indeferimento da Segurança Social se tornar definitiva e beneficiar de novo prazo para a dedução de embargos de terceiro tendo, então, pago a taxa de justiça e constituído mandatário, cujo mandato se presume, aliás, oneroso.


6ª Manifestamente, não tinha necessidade do apoio judiciário solicitado, tendo beneficiado ilegalmente de prazo adicional para deduzir os embargos, com efeito ficou provado que teve conhecimento da penhora em 17.04.2022 mas apenas em 20.06.2022 deduziu os embargos.


7ª Tal situação configura um expediente ilegal sendo que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta questão, ocorrendo, assim, uma nulidade por omissão de pronúncia.
8ª Por outro lado, embora no acórdão recorrido se tenha alterado a decisão de 1ª instância e mantido a penhora de parte do prédio aqui em causa, verifica-se que a decisão não faz a correta interpretação legal.


9ª Com efeito, estando aqui em causa um prédio misto o mesmo constitui um só prédio e uma unidade registal pelo que não podiam os embargos proceder uma vez que o título do embargante apenas afeta a parte urbana do prédio, não sendo, nesse contexto, legalmente admissível o levantamento da penhora de parte do prédio misto.


10ª E, encontrando-se registada a favor da executada a aquisição de ¼ do referido prédio misto sobre o qual incidiu a penhora também registada, sem que exista qualquer direito inscrito no registo predial a favor do embargante, o levantamento da penhora relativamente a uma parte do prédio a favor do embargante constitui uma violação da obrigação de registar, da oponibilidade do registo e do trato sucessivo.


Tendo, assim, a decisão recorrida violado os artgsº 2 nº 1 alínea a), 5 nº 1 e 34 nº 2 do Código do Registo Predial. NESTES TERMOS e noutros de direito doutamente supridos deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via do mesmo, declarar-se a nulidade do acordão por omissão de pronúncia e/ou revogar-se a decisão recorrida julgando-se os embargos totalmente improcedentes com o que se fará TOTAL JUSTIÇA».


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Duas são as questões a decidir:


i) Saber se o acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia;


ii) Se for caso disso, saber se esse acórdão julgou mal ao ter determinado o levantamento da penhora que incide sobre 1/4 do referido prédio.


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São os seguintes os enunciados de dados de facto julgados provados nas instâncias:


1 – Nos autos principais, encontra-se penhorado ¼ do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o n.º ..., freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..78 e na matriz predial rústica sob o artigo ..46 (cfr. Auto de penhora junto aos autos de execução em 16-03-2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido).


2 – No registo predial do imóvel referido em 1), encontra-se registada:


- a aquisição de ¼ do imóvel a favor da executada em 6-12-1993, por doação;


- a penhora de ¼ a favor da exequente, em 7-03-2022.


3 – Nos autos de inventário subsequente a divórcio n.º 540/09.6..., que correu termos no Juízo de Família e Menores de ..., foi adjudicado ao embargante o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..78 da União de Freguesias de ... (anterior artigo ..36 da extinta freguesia de ...), por sentença transitada em julgado em 26 de fevereiro de 2020.


4 – O prédio urbano referido em 3) encontra-se inscrito nas Finanças em nome do


embargante.


5 – O embargante teve conhecimento da penhora no dia 17 de abril de 2022.


6 – Por requerimento de 22 de abril de 2022, o embargante informou os autos de


execução que havia requerido junto da Segurança Social a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.


7 – Por notificação expedida em 22 de maio de 2017, a Segurança Social informou o embargante ser sua intenção indeferir o apoio judiciário referido em 6) e da possibilidade de o mesmo vir a beneficiar da modalidade de pagamento faseado, sendo que, na falta de resposta em dez dias, a proposta de decisão convertia-se em definitiva, não havendo lugar a nova notificação.


8 – Os presentes embargos de terceiro foram propostos em 20 de junho.


9 – A executada e os seus filhos menores residem no imóvel descrito em 3).


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1. Da omissão de pronúncia


Entende o recorrente que o acórdão da Relação de Coimbra impugnado padece do vício de nulidade, por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC).


Na verdade, no seu parecer, o dito aresto terá omitido a apreciação de um dos fundamentos por si invocados da intempestividade dos embargos, a saber, o facto de o embargante apenas ter suscitado apoio judiciário para lhe permitir o aumento do prazo para deduzir os embargos de terceiro.


Vejamos se lhe assiste razão.


Prescreve artigo 608º, 2 que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.


A violação deste dever afecta a decisão com o vício de nulidade (artigo 615.º, 1, al. d).


Analisando o acórdão facilmente se constata que o segundo grau não se pronunciou sobre o fundamento invocado, em segundo lugar, pelo recorrente. Pronunciou-se, isso sim, sobre a impugnação do artigo 5.º.


Na petição inicial, o embargante alega que teve conhecimento da penhora em 17.04.2022, mas que, em 22.04.2022, requereu apoio judiciário interrompendo o prazo para deduzir os embargos, sendo estes, por isso, tempestivos.


Na contestação dos embargos, o exequente invoca a intempestividade dos embargos, porque a penhora dos autos foi efectuada em 04.03.2022, o embargante teve conhecimento desta pelo menos desde 18.03.2022, e, mesmo ficcionando que, quando pediu apoio judiciário, ainda estava a decorrer o prazo para deduzir embargos de terceiro, verifica-se que apenas solicitou apoio judiciário para permitir o aumento do prazo para deduzir os embargos de terceiro, o que não é comportamento legítimo.


O primeiro grau julgou a excepção improcedente.


O embargado recorreu, tendo concluído, deste modo, as suas alegações:


«18ª Por outro lado, é patente a intempestividade dos embargos, desde logo, caso se dê como não provado o item 5 fica arredada a tempestividade dos embargos e, mesmo considerando que quando o embargante pediu apoio judiciário ainda estava a decorrer o prazo para deduzir embargos, sucede que tal pedido de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono apenas foi formulado para beneficiar de prazo adicional para deduzir embargos.


19ª Com efeito, diversamente do referido na sentença, o embargante foi notificado pela Segurança Social para juntar documentação comprovativa da sua carência económica, que não tinha demonstrado à data do pedido, tendo sido informado que caso não respondesse a decisão de indeferimento seria definitiva mais tendo sido informado que da análise dos documentos poderia resultar o facto de apenas poder beneficiar de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça.


20ª Ora, o embargante não fez qualquer prova da situação de carência económica e aguardou o decurso do prazo para a decisão se tornar definitiva e beneficiar de novo prazo para a dedução de embargos tendo então pago a taxa de justiça e constituído advogado, ou seja, não tinha qualquer necessidade de apoio judiciário, tendo, assim beneficiado ilegalmente de prazo adicional para deduzir embargos, pelo que a sentença recorrida violou o disposto nos artgsº 732 nº 2 do CPC e 24 nº 4 e 5 da Lei 34/2004.


21ª Por último, verifica-se também a existência de inadmissibilidade legal dos embargos, com efeito, o prédio que se encontra penhorado é um prédio misto registado com o nº 900 da conservatória do registo predial de ... com a área total de 2440 m2, com natureza rústica e urbana enquanto o prédio referido nos embargos é um prédio urbano correspondente a uma parte não destacada do prédio misto referido.


22ª Sendo que, contrariamente à sentença, o prédio penhorado constitui uma unidade registal, composta de parte rústica e urbana pelo que não existindo qualquer destaque do prédio não é possível deduzir embargos relativamente a parte do prédio que não tem autonomia registal.


23ª Aliás, porque o registo aqui em causa se configura como uma unidade registal não podia ser ordenado, como não foi, o cancelamento do mesmo, pelo que a sentença recorrida ao determinar o levantamento da penhora relativamente a uma parte do prédio viola os artgsº 8 e 13 do CRP.


NESTES TERMOS e noutros de direito doutamente supridos deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via do mesmo, revogar-se a sentença recorrida julgando-se procedente a reconvenção deduzida e declarando-se a nulidade da aquisição do imóvel por partilha, em processo de inventário, e oficiar-se ao serviço de finanças de ... o cancelamento da inscrição a favor do embargante e consequentemente improcedentes os embargos ou julgando-se intempestivos ou legalmente inadmissíveis os mesmos embargos, com o que se fará TOTAL JUSTIÇA».


Subidos e distribuídos os autos, o relator entendeu que uma das questões a decidir consistia em «saber se os embargos podiam ou não ser admitidos liminarmente» (o sublinhado é nosso).


Sobre esta questão foi decidido:


«Na sentença recorrida foi decidida fundamentadamente a tempestividade dos embargos deduzidos.


Correctamente.


A manutenção na Relação do ponto 5 dos factos provados conduz a esse desiderato.


O Embargante, compulsando o requerimento inicial de embargos de terceiro, designadamente o artigo 1º e o pedido final, peticiona o levantamento da penhora efetivada sobre o imóvel identificado em 1º deste articulado, na parte urbana e nas partes rústicas.


Não havia por isso motivos para indeferir liminarmente os embargos, mesmo parcialmente, improcedendo o argumento avançado na conclusão 21ª da apelação».


O recorrente/embargado reclamou dessa decisão para a conferência e disse: «9º.A decisão sumária não se pronunciou sobre o facto jurídico alegado pelo exequente que conduz à intempestividade dos embargos, aliás, de acordo com a jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra citada no recurso. 10º. Está em causa a questão do embargante ter solicitado apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo apenas para conseguir o aumento do prazo para a dedução e embargos. 11º. Essencialmente, quando foi notificado pela Segurança Social, em sede de audiência de interessados, da proposta de indeferimento do pedido de apoio judiciário por falta de documentos comprovativos da sua situação profissional e rendimentos nada respondeu não tendo feito qualquer prova da situação de carência económica tendo aguardado o decurso do prazo para a decisão de indeferimento se tornar definitiva e beneficiar de novo prazo para a dedução de embargos de terceiro, liquidando então a taxa de justiça e constituindo advogado, o que demonstra a total falta de fundamento para o pedido de apoio judiciário que formulou. Consequentemente e acompanhando o Ac. Rel. Coimbra de 25.06.2019, P.156/18.6T8NZR-A.C1,www.dgsi.pt, o prazo adicional que beneficiou para a dedução dos embargos foi manifestamente ilegal, sendo os embargos intempestivos»


A Conferência confirmou in totum, portanto sem qualquer alteração, a decisão singular do relator. No recurso de revista que interpôs o embargado/exequente suscitou a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos seguintes termos:


«2ª … afigura-se que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, artigos 615 nº 1 alínea d) e 674 nº1 alínea c) do CPC.


3ª Efetivamente no recurso para a Relação o recorrente arguiu a intempestividade dos embargos com dois fundamentos distintos, sendo o primeiro com base na impugnação da matéria de facto e solicitada eliminação do artº 5 matéria provada o que redundaria na falta de prova da tempestividade dos embargos e, o outro fundamento, com base no facto do embargante apenas ter suscitado apoio judiciário para lhe permitir o aumento do prazo para deduzir os embargos de terceiro.


4ª Efetivamente, o embargante, solicitou apoio judiciário na modalidade de isenção da taxa de justiça e nomeação de patrono tendo-se interrompido o prazo para deduzir embargos de terceiro, porém, quando notificado, da proposta de indeferimento da Segurança Social por falta de documentação comprovativa da sua situação económica e que poderia apenas beneficiar da modalidade de apoio judiciária na vertente de pagamento faseado da taxa de justiça e deveria informar se aceitava essa modalidade, não juntou qualquer documentação comprovativa de insuficiência económica e nada aduziu.


5ª Depois de expirado o prazo para se pronunciar, aguardou o decurso do prazo para a decisão de indeferimento da Segurança Social se tornar definitiva e beneficiar de novo prazo para a dedução de embargos de terceiro tendo, então, pago a taxa de justiça e constituído mandatário, cujo mandato de presume, aliás, oneroso.


6ª Manifestamente, não tinha necessidade do apoio judiciário solicitado, tendo beneficiado ilegalmente de prazo adicional para deduzir os embargos, com efeito ficou provado que teve conhecimento da penhora em 17.04.2022 mas apenas em 20.06.2022 deduziu os embargos.


7ª Tal situação configura um expediente ilegal sendo que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta questão, ocorrendo, assim, uma nulidade por omissão de pronúncia».


O relator entendeu não se verificar a alegada omissão de pronúncia.


No despacho a que alude o artigo 617º, 1 do CPC motivou: «No Acórdão prolatado relativamente à questão de saber se os embargos podiam ou não ser admitidos liminarmente, escreveu-se:


2ª questão


Na sentença recorrida foi decidida fundamentadamente a tempestividade dos embargos deduzidos.


Correctamente.


A manutenção na Relação do ponto 5 dos factos provados conduz a esse desiderato.


***


Não se verifica assim a alegada omissão de pronúncia.


Só a ausência total de pronúncia sobre os pontos é que faria incorrer o acórdão em nulidade.


Improcede a arguição».


Com a devida consideração, discordamos.


Em primeiro lugar, ainda que sem relevância para a decisão da reclamação, o que se discutiu no recurso não tem a ver com qualquer decisão liminar, proferida na fase introdutória dos embargos, que na verdade, no caso sujeito, os recebeu, mas sim com a decisão proferida na sentença final que julgou improcedente a excepção invocada pelo embargado.


Nada de irregular existe neste procedimento, porquanto, como é sabido, o facto de se ultrapassar a fase liminar, sem pronúncia sobre a tempestividade dos embargos, não impede que o embargado, na fase contraditória, suscite a excepção relativa a essa matéria (artigo 348.º).


Por outro lado, no caso sujeito, nem o relator, nem depois a conferência, tomaram posição sobre o segundo fundamento da intempestividade da oposição, não bastando dizer que «foi decidida fundamentadamente a tempestividade dos embargos deduzidos».


Como se disse e é ocioso repetir o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que lhe são colocadas pelas partes.


Foram suscitadas duas questões que obstavam à tempestividade dos embargados.


Uma relacionava-se com o termo a quo do conhecimento da penhora (artigo 344.º) e com a prova desse conhecimento (n.º 5 dos factos assentes).


Uma segunda questão consistiu em o embargado ter alegado que o embargante serviu-se do apoio judiciário apenas para beneficiar de prazo adicional para deduzir embargos.


A Relação, como é patente, não conheceu, deste segundo fundamento. Não se pode ficcionar uma decisão implícita, imperfeita ou incipiente. Quanto a esta segunda questão existe «um nada decisório».


O que quer dizer que se verifica, com efeito, a arguida omissão, vício que fere a decisão de nulidade e que detectada neste terceiro grau impõe a aplicação do regime da cassação, ex artigo 684.º, 2.


Não havendo neste caso vencimento, e sendo a causa de nulidade um vício de actividade do tribunal, não cabe fazer recair sobre nenhuma das partes a responsabilidade pelas custas.


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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a revista, em anular o acórdão recorrido e em ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, para aí ser proferido acórdão que incida sobre a mencionada matéria não reapreciada, de forma cabal e devidamente fundamentada, pelos mesmos juízes quando possível.


Sem custas.


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14.5.2024


Luís Correia de Mendonça (Relator)


Ricardo Costa


Leonel Serôdio