Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1548/21.9T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CRITÉRIOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
QUANTUM DOLORIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 04/30/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE;
REVISTA SUBORDINADA, NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO
RECURSO.
Sumário :

I- Estando em causa a fixação de indemnização orientada por critérios de equidade, apenas haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido, nas situações em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras legais fixadas para esse julgamento, e mais concretamente para o cálculo da indemnização em causa ou quando os montantes finais encontrados colidam, de forma patente, com os critérios ou valores adotados/seguidos pelo STJ, numa perspetiva atualista.


II- Não é desconforme com os atuais padrões da jurisprudência, a atribuição da indemnização, com recurso à equidade de 40 mil euros, a título de compensação pelo dano biológico, a título de dano patrimonial, a mulher trabalhadora indiferenciada, com 60 anos à data do acidente que ficou com uma IPG de 18 pontos, mas impossibilitada de exercer a sua atividade profissional habitual e limitada na força e movimento do membro superior esquerdo.


III- Não se afasta dos valores arbitrados pelo STJ em casos similares, a indemnização de 40 mil euros por danos não patrimoniais de uma lesada atropelada na passadeira, que foi submetida a uma operação e fisioterapia durante quase um ano, apresenta uma IPG de 18 pontos, quantum doloris de 4/7, dano estético 2/7, e terá de ser submetida a medicação e consultas o resto da sua vida.

Decisão Texto Integral:


Processo: 1548/21.9T8PVZ.P1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Relatório


AA intentou a presente ação sobre a forma comum contra LIBERTY SEGUROS S.A., agora denominada LIBERTY SEGUROS COMPAÑIA DE SEGUROS Y RESEGUROS SA - Sucursal em Portugal, peticionando a sua condenação no pagamento de uma indemnização de 80.000,00 euros, bem como a que vier a liquidar ulteriormente, acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação.


Alega, que sofreu um acidente, imputando a responsabilidade pela sua verificação ao condutor de veículo seguro na R.. Peticiona a título de dano patrimonial futuro o valor de 30.000,00 euros, 20.000,00 euros de dano biológico e 30.000,00 euros de dano não patrimonial.


Relega para liquidação ulterior a indemnização relativa aos tratamentos e medicamentos que terá de realizar para o resto da vida.


A Ré contestou, alegando ter assumido a responsabilidade pela reparação das consequências do sinistro. Impugna, na generalidade, os valores por aquela peticionados.


Por requerimento de 02/11/2021, a A. veio requerer: - a ampliação do valor peticionado a título de dano patrimonial futuro de 30.000,00 euros para 130.000,00 euros; - a ampliação do valor peticionado a título de dano biológico de 20.000,00 euros para 50.000,00 euros; - a ampliação do valor peticionado a título de dano não patrimonial de 30.000,00 euros para 60.000,00 euros; - a quantia de 16.128,00 euros a título de ajuda de 3ª pessoa.


Continuou a relegar para incidente ulterior os danos a que, para tal, se reportava na petição inicial.


Esta ampliação do pedido (e da causa de pedir quanto ao último item) foi admitida, nos termos do despacho de 09/02/2023.


Saneada e instruída a causa procedeu-se à realização de audiência final.


Foi proferida sentença que decidiu:


“a) condenar a R. LIBERTY SEGUROS COMPAÑIA DE SEGUROS Y RESEGUROS SA - Sucursal em Portugal a pagar à A:


1- a quantia de 30.000,00 euros (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais;


2- a quantia de 22.560,80 euros (vinte e dois mil quinhentos e sessenta euros e oitenta cêntimos) a título de danos patrimoniais;


3- a quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativamente a despesas com:


a) tratamentos médicos regulares relativos às sequelas resultantes deste acidente, nomeadamente fisioterapia e acompanhamento anual em consulta de ortopedia;


b) medicação para controlo das dores para o resto da vida, relacionada com as sequelas resultantes deste acidente


4- juros de mora, sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em a) e desde a data da citação relativamente às demais, à taxa de 4%, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data.


b) no mais, o Tribunal absolve a R. do restante pedido formulado pela A. quer na ação quer no incidente de liquidação.”


Inconformada veio a autora apelar, tendo o acórdão da Relação do Porto, em 23.11.2023, sem voto de vencido, decidido:


“ Julgar a presente apelação parcialmente procedente e, por via disso, determina que as quantias constantes da condenação, sejam fixadas em 40 mil euros (quarenta mil euros) quanto aos danos não patrimoniais e 40.000 (quarenta mil euros), quanto ao dano biológico (valor antes fixado em 12.500 euros (doze mil e quinhentos euros), mantendo-se os demais termos aí decididos.”


A Ré inconformada interpôs recurso de revista, terminando a sua alegação de recurso, com as seguintes conclusões que se transcrevem:


“1º. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, no âmbito dos presentes autos, o qual julgou parcialmente procedente a apelação da Autora e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar à Recorrida o valor de € 40.000,00, a título de indemnização por dano biológico; e € 40.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.


2.º No presente caso, não está em causa a responsabilidade pelo acidente de viação ocorrido, sendo apenas os valores indemnizatórios arbitrados pelo Acórdão ora recorrido a razão de discordância da Recorrente, na medida em que tais valores se afiguram manifestamente desproporcionados e excessivos.


3.º .De facto, resultou da factualidade considerada como provada que a Autora, ora Recorrida:


- Está limitada na força e no movimento do membro superior esquerdo;


- Sofreu uma incapacidade de 18 pontos;


- Está impossibilitada de exercer a sua atividade profissional habitual, sendo compatível com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional;


- Tinha 60 anos à data dos factos.


4.º Sendo que, o défice funcional de que sofre a Autora não se traduz, inequivocamente, em perda da sua capacidade de ganho.


5.º Assim, no entendimento da Recorrente o dano biológico deverá ser avaliado na sua vertente não patrimonial. Avaliação essa a efetuar, necessariamente, em função da equidade nos termos referidos pelo artigo 496.º, n.º 4 do CC, mas tendo ainda em consideração, conforme a jurisprudência, os parâmetros previstos na sobredita Portaria n.º 377/2008, mais precisamente, no Anexo IV.


6.º Como deflui do regime vertido nos artigos 564.º e 566.º, n.º 3 do CC, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação desse quantum deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, devendo, assim, ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.


7.º Ora, no caso dos autos, não se provou qualquer impedimento para o exercício de qualquer profissão por parte da Recorrente, para ser valorado o dano da forma que valorou a Veneranda Relação do Porto.


8.º Mesmo a análise do dano na perspetiva essencialmente patrimonial, considerando que assenta em juízos de prognose, de simples probabilidade e o conjunto de variáveis que se deverão fazer intervir para projeção do mesmo num futuro mais ou menos longínquo, só pode, em última análise, ser obtida pela equidade.


9.º Posto isso, com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao ter condenado a ora Recorrente no valor de € 40.000,00, a título de dano biológico o qual já se encontrava integralmente ressarcido, nos termos da douta Sentença proferida em sede de 1.ª Instância, quer na sua vertente moral (€ 30.000,00 pelos danos não patrimoniais), quer na sua vertente patrimonial (€ 12.500,00 a título de perda de capacidade de ganho decorrente da incapacidade).


10.º Tanto mais que, o valor agora arbitrado extravasa totalmente os valores normalmente arbitrados pela Jurisprudência em casos semelhantes.


11.º A Recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende que o valor calculado pelo douto Acórdão recorrido determina um enriquecimento da Autora à custa do evento lesivo, o que não será de admitir.


12.º. De facto, considerando todos os fatores, nomeadamente idade, lesões, esperança de vida e o facto de não ter havido efetiva perda de retribuição, conjugados num juízo de equidade ou justiça no caso concreto, tendo em conta um esforço de uniformidade de critérios, baseado na Jurisprudência conhecida, a Recorrente não poderá concordar com o montante ora arbitrado a título de dano biológico, não devendo o mesmo ser superior ao valor de € 12.500,00.


Por outro lado,


13.º A ora Recorrente também não poderá, de forma alguma, concordar com a alteração do montante arbitrado à Recorrida, a título de danos não patrimoniais, de € 30.000,00 para € 40.000,00.


14.º .Com efeito, a Recorrente não rejeita que a Autora, ora Recorrida, tenha sofrido danos não patrimoniais que, atenta a sua gravidade, são merecedores da tutela do Direito, ao abrigo do artigo 496.º, n.º 1 do CC. Porém, a indemnização por danos não patrimoniais fixada pela Veneranda Relação do Porto (€ 40.000,00) extravasa os padrões comuns da nossa Jurisprudência.


15.º Para o cômputo da indemnização, além dos danos sofridos pela Autora, sempre terá de ser analisado “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso...”, temperado por um juízo de equidade (artigos 494.º e 496.º, n.º 3 do CC).


16.º De facto, os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro. O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.


17.º A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.


18.º Ora, à luz de um critério objetivo, e tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, designadamente, o número e extensão das lesões sofridas e as dores sentidas, considera a Recorrente que o montante atribuído pelo Acórdão ora recorrido, a título de danos não patrimoniais, mostra-se desadequada, por excessiva.


19.º A título de exemplo veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/05/2009 in www.dgsi.pt (processo n.º 298/06.0TBSJM.S1), no qual se discutia um caso bem mais gravoso do que o da Autora e no qual foi arbitrada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 40.000,00.


20.º Assim, sempre terá de concluir-se que, o montante atribuído nos presentes autos, a título de danos não patrimoniais, revela-se manifestamente excessivo e empolado e, nessa medida, deverá a quantia fixada para indemnização por danos não patrimoniais arbitrada à Autora ser corrigida, devendo a mesma ser reduzida para um valor mais justo e equitativo, não superior a € 30.000,00.


21.º Pelo exposto, e por manifesta desadequação face aos danos comprovados e à prática jurisprudencial corrente, deverão as quantias fixadas para indemnização por dano biológico e por danos não patrimoniais ser corrigidas, devendo ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que condene a Recorrente nos valores arbitrados pela 1.ª Instância, sob pena de violação do disposto nos artigos 494.º, 496.º, 564.º e 566.º do CC.


22.º.De facto, e salvo o devido respeito, que é muito, a manter-se o Acórdão recorrido, manter-se-á violação do disposto nos artigos 494.º, 496.º, 564.º e 566.º do CC.”


A Autora interpôs recurso subordinado.


A Ré contra-alegou, sustentando a inadmissibilidade do recurso subordinado por incumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. Pugnando ainda pela improcedência do recurso.


A Autora acedeu ao convite de completar as conclusões, nos termos do artigo 639º n.º3, tendo apresentado as que se passam a transcrever:


“1) A Autora foi submetida a duas intervenções cirúrgicas, sendo uma para colocação de prótese no ombro esquerdo;


2) Tais cirurgias determinaram para a Autora, uma incapacidade de 416 dias, com ITA e ITP;


3) Apesar de as lesões terem consolidado em Agosto de 2021, com tratamentos durante mais de um ano, o certo é que mantém dores, angústia e sofrimento;


4) Apresentando uma cicatriz com 14 cm no ombro esquerdo.


5) E uma incapacidade de 18 Pontos, para o exercício da profissão habitual, isto é uma IPATH.


6) A Autora apresenta graves limitações funcionais, nomeadamente na realização das tarefas domésticas, com dependência de terceira pessoa, durante 4 horas por dia, duas vezes por mês.


7) Pelo que se requer que a título de danos morais lhe seja atribuída a quantia de € 60.000,00, nada que o sofrimento da Autora não justifique.


8) Apesar de a Autora estar desempregada à data do acidente, certo é que nunca mais conseguiu arranjar trabalho.


9) Na medida em que ficou com uma incapacidade de 18 Pontos, mas agravada pelo facto de ter ficado com uma incapacidade para a profissão, isto é, uma IPATH.


10) A Autora tinha à data do acidente 60 anos de idade e para a reforma teria de trabalhar mais 6 anos e 4 meses.


11) Pelo que, atenta a incapacidade para a profissão, idade e salário mínimo nacional de € 760,00 à data do acidente, pela perda de rendimentos futuros, deverá ser-lhe atribuída a quantia de € 66.880,00 (760,00 x 14 x 6 anos e 4 meses).


12) Independentemente da incapacidade de ganho, a Autora sofreu um relevantíssimo dano biológico, que merece ser ressarcimento autónomo.


13) Pois tal dano biológico, reflete-se na saúde e bem-estar da Autora, dano psíco-somático e emocional, que ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a sua vida do dia a dia.


14) Assim, tratando-se de um dano funcional deverá ser indemnizado pela quantia de € 50.000,00 na esteira dos Acórdãos do STJ atrás citados em que os lesados foram indemnizados do dano biológico de modo autónomo.


15) Em suma, os valores da indemnização deverão ser alterados


para os seguintes montantes:


- Dano moral: € 60.000,00


- Dano patrimonial futuro: € 66.800,00


- Dano biológico: € 50.000,00


16) Uma vez que o douto acórdão recorrido violou ou fez uma errada interpretação dos arts. 483º, 496º do Código Civil, bem como dos arts. 3º a 8º da Portaria nº 377/2008 de 26 de maio.”


A final pugna pela improcedência da revista da Ré seguradora e pela procedência do seu recurso subordinado, com alteração dos valores da indemnização, conforme sugerido.


A Ré respondeu, mantendo a posição da inadmissibilidade do recurso subordinado e, na hipótese, de ser admitido pela sua improcedência.


Fundamentação


Questões a decidir:


Se o recurso subordinado é admissível;


Se devem ser alteradas as indemnizações fixadas pelo acórdão recorrido.


De Facto:


Os Factos julgados provados pelas instâncias:


1. No dia 08/07/2020, cerca das 09 horas e 45 minutos, na Rua ..., em ..., ocorreu um acidente de viação.


2. Tal acidente envolveu a A. enquanto peão e o veículo de matrícula ..-..-PN.


3. Naquele dia e hora a A. efetuava a travessia daquela rua na passadeira, quando foi embatida pelo PN.


4. A R. assumiu já a responsabilidade por indemnizar à A. pelas consequências do acidente sofrido e causado pelo veículo ..-..-PN.


5. A A. foi transportada para o Hospital 1, onde foi submetida a exames radiológicos, tratamentos e sutura de feridas e escoriações, bem como tratamentos para controlo de dor e estabilização de lesões e fraturas.


6. Tendo sida transferida, no próprio dia, para o Hospital 2 no ....


7. Nesta unidade hospitalar, foram diagnosticadas à A. fratura do úmero e da diáfise do perónio.


8. No dia 10/07 foi transferida para o Hospital 3, onde foi submetida a intervenção cirúrgica para redução aberta e osteossíntese com placa philos do úmero proximal esquerdo.


9. Permanecendo neste hospital até 13/07.


10. Depois da alta hospitalar a A. foi seguida nos serviços clínicos da R., onde realizou sessões regulares de fisioterapia.


11. Tendo ali mantido todos os tratamentos de recuperação, até à data da alta definitiva em 27/08/2021.


12. A R., através dos seus serviços clínicos, avaliou a A. ao dano corporal, tendo-lhe fixado, a título de défice funcional permanente na sua integridade física e psíquica, 10 pontos.


13. A A. apresenta um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 18 pontos, considerando uma desvalorização de 16 pontos pelo Código III Ma0203 e de 2 pontos pelo Código Mc0622, ambos da TNI.


14. Tal défice impossibilita a A. de exercer a sua atividade profissional habitual, sendo compatível com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional.


15. Este défice exige que a A. seja auxiliada por terceira pessoa por um período de 4 horas, duas vezes por mês.


16. A A. sofreu um período de défice funcional temporário total de 66 dias e parcial de 350 dias.


17. A A. nasceu em .../.../1960.


18. Trabalhou numa lavandaria do grupo ....


19. Encontrando-se desempregada à data do acidente, situação que se mantém.


20. A A. está limitada na força e movimento do membro superior esquerdo.


21. Sofreu dores, sendo o quantum doloris fixável em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.


22. Apresenta cicatriz de tipo cirúrgico com 14 cms de comprimento e 1 cm de largura, com vestígios ligeiros de agrafos na face anterior do ombro e do braço.


23. Apresenta por isso um dano estético permanente fixável em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.


24. A A. vai necessitar de tratamentos médicos regulares, nomeadamente fisioterapia e acompanhamento anual em consulta de ortopedia.


25. Vai necessitar de tomar medicação para controlo das dores para o resto da vida.


***


Questão prévia


Inadmissibilidade do recurso de revista subordinado, apresentado pela A.


Foi cumprido o disposto no artigo 655º n.º 1 do CPC, tendo a Autora defendido a admissibilidade do recurso subordinado, “na medida em que os valores fixados no douto acórdão, embora superiores aos que haviam sido fixados na sentença de 1ª instância, mesmo assim, ficam aquém dos valores justos aos danos sofridos pela Recorrente e que peticiona. Sustenta que, se assim não fosse, também não seria admissível o recurso da Ré, atendendo a que os pressupostos são os mesmos, ou seja a divergência dos valores fixados para a indemnização e ainda que a não admissão do recurso subordinado, compromete a igualdade de tratamento entre as partes, com a manifesta violação do princípio da igualdade.”


A Ré entendeu ser inadmissível o recurso subordinado.


***


O acórdão recorrido alterou o decidido em primeira instância, elevando os montantes indemnizatórios a favor da autora, passando de €12 500,00, a indemnização a título de danos futuros para €40.000,00 ( como dano biológico na vertente de dano patrimonial) e a indemnização a título de danos não patrimoniais de € 30.000,00 para €40.000,00.


Porém, estas questões encontram-se duplamente apreciadas em sentido coincidente, sem se registar voto de vencido ou fundamentação de natureza essencialmente divergente, sendo que para este efeito, é irrelevante a existência de fundamentação parcialmente diferente, desde que não se registe um nível de fundamentação essencialmente divergente (como, foi no caso, o acórdão recorrido ter enquadrado o dano patrimonial futuro no denominado dano biológico). ( cf. neste sentido acórdão do STJ de 16.01.2024, relatora Maria Olinda Garcia, processo n.º 3571/21.4T8VNG.P1.S1, cuja fundamentação se segue, com as necessárias adaptações).


Quanto à discordância da A. face aos montantes indemnizatórios que a Ré foi condenada a pagar, é manifesta a dupla conformidade decisória, na sua versão de maior vantagem para a recorrente, pelo que a revista não pode ser admitida face à limitação constante do art.671º, n.º 3 do CPC.


Efetivamente, se a segunda instância tivesse atribuído à autora rigorosamente os mesmos montantes que a sentença lhe havia reconhecido, haveria uma “dupla conforme” perfeita. Como foi mantido o sentido condenatório, mas as respetivas indemnizações foram aumentadas, continua a haver dupla conforme, agora melhorada, o que excluiu a admissibilidade da revista.


Neste sentido, por exemplo, o acórdão do STJ, de 14.09.2023 (relator Manuel Capelo), no processo n. 3847/20.8T8VIS.C1.S1: “se em recurso de apelação o recorrente obteve uma melhoria da sua situação fixada na sentença, por existir dupla conforme (melhorada) está impedido pelo artigo 671 nº3 do CPC de interpor recurso de revista.” (cf. ainda, no mesmo sentido acórdãos do STJ de 12.03.2019, (relatora Ana Paula Boularot), processo n.º 43168/15.6YIPRT.P1.S1: “ O Apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da primeira instância nunca poderia interpor recurso de Revista, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido aquela sentença, que já lhe era desfavorável, sendo este um entendimento corrente neste Supremo Tribunal de Justiça” e de 24.05.2018 (relatora Rosa Ribeiro Coelho) processo n.º 37/09.4T20DM-B.E.2.SI: “Há dupla conforme impeditiva de recurso de revista se o apelante obteve na Relação uma decisão mais favorável (…), do que a decisão proferida na 1ª instância). No mesmo sentido na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 305, que cita idêntica posição defendida por Teixeira de Sousa).


A Autora limitou-se a interpor recurso de revista subordinado. No entanto, após a prolação do AUJ nº.1/2020 (publicado no DR de 30.01.2020) a revista subordinada não será admissível por se verificar a denominada “dupla conforme”, impeditiva do recurso de revista, nos termos do artigo 671º, n.3 do CPC.


Decidiu-se nesse AUJ que: «o recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.633.º do mesmo código.»


A Recorrente defende que a não admissibilidade do recurso subordinado viola o princípio da igualdade.


Este princípio, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de ação segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. ( cf. neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 134/2019, publicado no DR n.º 66/2019, Série I de 2019-04-03).


No entanto, ao contrário do que sustenta a Autora, os pressupostos para a admissibilidade da revista, não são iguais para ambas as partes. A Autora obteve vencimento ainda que parcial na apelação que interpôs, enquanto a Ré decaiu, relativamente ao decidido na 1ª instância, tendo sido condenada a pagar uma indemnização em montante superior a metade da alçada do tribunal da relação.


De resto esta questão foi objeto de apreciação no referido AUJ n.º 1/2020, tendo decidido não haver violação do principio da igualdade, com a seguinte argumentação, “ não nos parecer que o princípio da igualdade das partes imponha, por si só, a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, nem que ocorra tratamento discriminatório ao deixar de equiparar a sucumbência e a dupla conforme, enquanto circunstâncias irrelevantes à admissibilidade do recurso subordinado, bastando recordar que a irrecorribilidade em função do valor da sucumbência e em virtude da dupla conforme, ainda que sustentada em razões que importam a limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, assenta, numa e noutra hipótese, em pressupostos claramente diferenciados, sendo a limitação condizente ao valor da sucumbência, de índole quantitativa e portanto acentuadamente formal, ao invés da limitação atinente à dupla conforme que é de natureza substantiva, circunscrita à revista, determinada pela concordância dos julgados nas Instâncias, encerrando, reconhecidamente, e nesta medida, garantias de segurança jurídica face ao crivo revelado pelas Instâncias que dirimiram no mesmo sentido.”


Assim, não é admissível o recurso de revista subordinado interposto pela Autora.


***


Se devem ou não ser reduzidos os valores do dano biológico e dos danos não patrimoniais, fixados pelo acórdão recorrido.


I. Indemnização pelo Dano Biológico, como dano patrimonial futuro


A Recorrente defende que não há fundamento para indemnizar a autora a esse título, sustentando que o denominado dano biológico, no caso presente apenas tem de ser indemnizado como dano não patrimonial, dado que o défice funcional de que sofre a Autora não se traduz, inequivocamente, em perda da sua capacidade de ganho.


A jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico, que envolve uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado, como dano patrimonial futuro, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e mesmo que dela não resulte perda de vencimento, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço no exercício da atividade profissional e nas restantes atividades diárias do lesado.


Neste sentido o acórdão de 09.05.2023 ( relator Jorge Arcanjo) , processo n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1, com o sumário:


“I. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, qualificado como “dano biológico”, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial futuro, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.


II. Para a quantificação do “dano biológico”, na vertente de dano patrimonial futuro, são convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do CC, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita, pois o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico”, na ponderação casuística.”


Na fundamentação acrescenta:


“Esta afetação do Autor no plano funcional, no que vem sendo qualificado como “dano biológico”, com repercussão negativa a nível da sua atividade geral e na profissão habitual, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial, conforme jurisprudência prevalecente.


O dano biológico que emerge da incapacidade geral permanente, de natureza patrimonial, reclama a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir no respectivo rendimento salarial, consubstancia um “dano de esforço,” na medida em que o lesado para desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de uma maior actividade e esforço suplementar. (Neste sentido, no plano jurisprudencial, por exemplo, Ac STJ de 16/6/2016 ( proc. nº 1364/06), Ac STJ de 5/12/2017 ( proc. nº 505/15), Ac STJ de 22/2/2022 ( proc nº 1082/19), Ac STJ de 21/4/2022 ( proc. nº 96/18), disponíveis em www dgsi.pt ).


(…)


Neste contexto, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, relevam, designadamente, os seguintes tópicos:


A esperança média de vida. Como tem vindo a salientar a jurisprudência, finda a vida ativa do lesado por incapacidade permanente não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum. Ora, o que está em causa é não só o maior esforço despendido na atividade laboral, enquanto trabalhador, mas também a atividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade funcional. Por conseguinte, mantendo-se este dano na saúde para além da vida ativa, é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.”


No mesmo sentido, o recente acórdão de 06.02.2024, relator Pedro Lima Gonçalves, processo n.º 2012/19.1T8PNF.P1.S1, com o sumário:


I - O dano biológico integrado por défice funcional permanente da integridade fisico-psíquica de 6 pontos, compatível com o exercício de atividade profissional mas que implica esforços suplementares para o exercício da mesma, é indemnizável sob uma vertente patrimonial, como dano patrimonial futuro que tem em conta a expressão daquele défice.


II - Tratando-se de calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido, para tal há que ter em conta o período de tempo que, considerando a idade do lesado aquando da data da consolidação médico-legal das lesões (pois é a partir desta que fica definido o défice funcional), tem em conta a sua esperança média de vida, e a consideração do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, isto no caso de o lesado ser estudante (…)”.


De referir ainda o acórdão de 16.01.2024, relator Luís Correia de Mendonça, processo n.º 3527/18.4T8PNF.P2.S1, que, o aqui relator, subscreveu, como adjunto, com o sumário: I- A lesão da integridade física e da saúde desde há muito que dá acesso aos remédios da responsabilidade civil, para ressarcimento dos tradicionais danos, patrimonial e não patrimonial. II- A ideia de dano biológico demarca-se desta orientação tradicional: às duas tradicionais figuras do dano, associa-se uma terceira categoria chamada dano biológico que consiste no prejuízo referido à lesão in se e per se considerada da integridade física e da saúde, distinta tanto da perda económica àquela seguida como do sofrimento por ela provocado. III- A conceitualidade do dano biológico resulta construída na base da imprescindibilidade do efeito ressarcitório diante de uma lesão à integridade pessoal ou ao direito à saúde primariamente tutelados pela Constituição (artigos 25.º e 64.º). IV- O julgador deve recorrer à equidade para fixar a indemnização devida pelo dano biológico, ainda que se sirva, num primeiro momento, do auxílio de tabelas financeiras ou de fórmulas matemáticas. (…).


É, pois, entendimento pacifico na nossa jurisprudência, ao contrário do que sustenta a Recorrente, que a afetação da integridade físico psíquica, o denominado dano biológico, é indemnizável como dano patrimonial futuro, ainda que a incapacidade que o lesado ficou a padecer, não o impeça de trabalhar e mesmo que dela não resulte perda de vencimento.


O acórdão recorrido na fixação da indemnização do dano biológico, como dano patrimonial futuro, adiantou, no essencial, a seguinte fundamentação:


“A nossa jurisprudência tem analisado esta realidade sendo, pelo menos maioritário que:


1. O dano biológico consiste na perda de capacidades físicas e intelectuais nos campos laboral, recreativo, social, sexual ou sentimental que pode ter repercussões patrimoniais ou não.


2. Quando não há perdas económicas imediatas ou futuras o dano biológico indemniza o esforço acrescido que o lesado tem de suportar em todas as atividades da vida. (Cfr Maria da Graça Trigo, Adopção do Conceito de “Dano Biológico pelo Direito Português, in ROA Ano 72 – Vol. I, Jan-Mar de 2012, pág. 147 e segs. na jurisprudência do STJ, por mais recentes, Ac de 12.10.23, 1969/19.7T8PTM.E1.S1 (Ataíde das Neves); 12.10.23, nº 22082/15.0T8PRT.P1.S1 (Cura Mariano) e de 14.9.23, nº 1974/21.3T8PNF.P1.S1 (Oliveira Abreu).


Mas, a indemnização desse dano nunca pode valorar os mesmos factores utilizados noutras dimensões da indemnização sob pena de duplicação ilegal da mesma ( cf Nestes termos, o Ac do STJ DE 14.9.23, Nº 2739/19.8T8AVR.P1.S1 (Catarina Serra).


Conforme Ac do STJ de 31.1.23, (Maria João Tomé) 43/07.3TBVRS.E1.S1: A liquidação dos danos não patrimoniais com base na equidade não é arbitrária: o juízo equitativo, ainda que permita ao julgador alguma margem de discricionariedade, deve fundar-se em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto. O recurso a critérios de equidade não impede que se tenham em devida conta as exigências do princípio da igualdade.


Por fim, “Nessa fixação, os factores essenciais a ter em conta podem ser assim elencados: (i) idade do lesado à data do sinistro; (ii) esperança média de vida do lesado à data do acidente; (iii) índice de incapacidade geral permanente do lesado; (iv) potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (v) conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação” ( cf. Ac STJ de 30.3.23, nº 4160/20.6T8GMR.G1.S1 (Maria Graça Trigo).


Ora, os únicos elementos que podem ser utilizados autonomamente para fixar o dano biológico são:


1. Que esta sofreu uma incapacidade de 18%;


2. Tal défice impossibilita a A. de exercer a sua actividade profissional habitual, sendo compatível com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional;


3. A A. está limitada na força e movimento do membro superior esquerdo.


4. E que a autora tinha 60 anos na data do acidente.


Esse dano irá perdurar até ao termo da vida da lesada (e não até apenas até ao termo da sua idade de reforma), logo, durante 22 anos os esforços acrescidos resultantes do acidente terão de ser indemnizados.


Com efeito a esperança atual de vida para as mulheres é de 83 anos. Mas teremos de notar que esse valor, até em termos estatísticos terá de ser interpretado de forma condicionada. Porque, o essencial é determinar a esperança de vida média das mulheres portuguesas com a idade da lesada, pois, a várias condições de morbilidade são distintas consoante a respectiva idade.


Nesses termos a expectativa de vida de cidadãos com 65 anos de idade atinge em 2022 19,61 anos.


Depois, o referencial monetário terá de ser o salário mínimo nacional mais recente.


Assim o valor global meramente matemático seria de entre 38.304 (smnx14x20 anosx0,18) a cerca de 39 mil euros (x22).


Mas teremos de frisar que “Para a quantificação do “dano biológico”, na vertente de dano patrimonial futuro, são convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do CC, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita, pois o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico”, na ponderação casuística.


Ora, nesta matéria é fundamental ter presentes e aplicar os resultados obtidos em casos semelhantes pela nossa jurisprudência.


O Ac. do STJ de 6.2.20 nº 2251-12 ECLI (Rosa Tching), fixou esse valor em 40 mil euros, num caso em que o lesado tinha 62 anos e uma incapacidade global de 19%. E, o Ac de 12.1.2017 nº 3323/13 (Maria Prazeres Beleza), a quantia de vinte mil euros num caso de um lesado com 60 anos e incapacidade de 10%.


Ponderando esses factores, o lapso de tempo, entretanto decorrido, julgamos, suficiente, adequado e proporcional fixar o valor da indemnização a título de dano biológico em 40.000 euros deduzindo já uma quantia de 10% por forma a operar o desconto entre o benefício do recebimento imediato da quantia e a inflacção futura.


Porque é inquestionável que o recebimento total dessa indemnização que visa ressarcir danos futuros, neste caso, com mais de 20 anos, é uma vantagem patrimonial que implica a diminuição do montante em função da rentabilidade previsível na aplicação desse capital.”


***


A decisão recorrida é respeitadora das normas legais aplicáveis e encontra-se em linha com a jurisprudência do STJ nas situações em que não há incapacidade total e permanente para o trabalho, mas apenas esforços acrescidos que se projetam na futura capacidade de ganho do lesado e em todas as atividades da vida.


A Recorrente sustenta que a indemnização fixada extravasa totalmente os valores normalmente arbitrados pela Jurisprudência em casos semelhantes, concretizando na contra-alegação do recurso subordinado, com os seguintes acórdãos do STJ:


De 29.10.2019, proferido no âmbito do processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, nos termos do qual se refere o seguinte:


“III - Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de € 36.000,00 para indemnizar tal dano futuro.”


E, ainda, o acórdão de 29.03.2021, proferido no processo n.º 184/04.9TBARC.P2.S1, no qual se considerou que: “tendo em atenção idade do lesado (35 anos, aquando o acidente) e o grau de desvalorização (30%), critérios previstos na Portarias nº377/2008 de 26/05 e nº 679/20009 de 25/06, se bem que meramente indicativos, e no respeito da equidade (artigo 566.º, n.º 3 do CC) entende-se equilibrado fixar o montante indemnizatório por este dano (dano biológico) em € 40.000,00.”


Como refere o acórdão de 04.07.2023, relator Jorge Leal, processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, “tem sido orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal que estando em causa a fixação de indemnização orientada por critérios de equidade, o que significa que, em rigor, não se está perante a resolução de uma “questão de direito”, não compete ao STJ a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, sendo certo que a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ao abrigo do art.º 13.º da CRP e do art.º 8.º n.º 3 do Código Civil (cfr., v.g., acórdão de 06.4.2015, processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1, acórdão de 24.02.2022, processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1 e acórdão do STJ de 06.6.2023, processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1).”


Importa, pois, fazer uma análise das decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça, em que foram fixadas indemnizações a este título, em situações de facto com algumas similitudes com a da autora.


O citado acórdão de 04.07.2023, processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, apresenta um levantamento de decisões do STJ, em matéria de dano biológico que se passa a transcrever:


a) No caso de um ciclista, com 48 anos de idade à data do acidente, professor do ensino secundário, que sofreu várias fraturas e veio a ficar afetado de défice funcional permanente de 31%, foi atribuída uma indemnização, por dano biológico na vertente patrimonial, de €125 000,00 (STJ, 29.10.2020, processo 2631/17.0T8LRA.C1.S1);


b) A um lesado com 62 anos de idade, que ficou afetado de défice funcional permanente de 9,71%, foi considerado equitativo o valor indemnizatório de €32 000,00 (STJ, 29.10.2020, processo 111/17.3T8MAC.G1.S1);


c) A um ciclista, estudante, de 19 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente de 3%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial futuro de €15 000,00 (STJ, 11.11.2020, processo 16576/17.0T8PRT.P1.S1);


d) A um peão de 45 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 5%, atribuiu-se a indemnização de €12.500,00 (STJ, 12.11.2020, 4212/18.2T8CBR.C1.S1);


e) A dois lesados, de 45 e 51 anos de idade, que ficaram afetados, respetivamente, de défice funcional permanente de 28% e 8%, o STJ atribuiu, respetivamente, indemnização por dano patrimonial futuro, de €40000,00 e €10000,00 (STJ, 12.11.2020, processo 317/12.1TBCPV.P1.S1);


f) A um operador agrícola de 33 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 16%, com impossibilidade de exercer a atividade profissional habitual, foi atribuída indemnização no valor de €120000,00 (STJ, 10.02.2020, processo 8040/15.9T8GMR.G1.S1);


g) A um lesado com 32 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 4%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial no valor de € 20000,00 (STJ, 14.01.2021, processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1)


h) A uma lesada com 35 anos de idade, cabeleireira, que ficou afetada de uma IPP de 12%, foi julgada equitativa a indemnização de € 60000,00 (STJ, 06.6.2023, processo 9934/17.2T8SNT.L1.S1);


i) A um lesado com 34 anos de idade, que ficou afetado de IPP de 9%, com significativa repercussão negativa na sua profissão de serralheiro, o STJ julgou equitativa a indemnização de € 50 000,00 (STJ, 24.02.2022, processo 1082/19.7T8SNT.L1.S1);


j) A um professor com 50 anos de idade, IPP de 10 pontos, o STJ considerou equitativa a indemnização de € 35 000,00 (STJ, 03.02.2022, processo 24267/15.0);


k) A uma vítima de 50 anos, IPP de 13%, indemnização no valor de €45000,00 (STJ 18.3.2021, processo 1337/18.8);


l) A uma vítima com 32 anos, IPP de 27 pontos, indemnização no valor de €90 000,00 (STJ 21.01.2021, processo 6705/14.1);


m) A uma vítima de 35 anos, IPP de 19 pontos, indemnização no valor de €40 000,00 (STJ 07.3.2019, processo 203/14);


n) A uma estudante de 17 anos, IPP de 14 pontos, indemnização no valor de €80 000,00 (STJ 30.5.2019, processo 3710/12.6);


o) A um empresário com 34 anos, IPP de 16 pontos, indemnização de €36 000,00 (STJ 29.10.2019, processo 7614715.2);


p) A uma vítima com 17 anos, IPP entre 14,5 a 21,6 pontos, indemnização de €70 000,00 (STJ 10.12.2019, processo 497/15.4).”


De referir ainda o recente acórdão do STJ, de 16.01.2024, processo n.º 3571/21.4T8VNG.P1.S1, relatora Maria Olinda Garcia, (no presente processo 2ª adjunta e também subscrito pelo aqui 1º adjunto Ricardo Costa), com o sumário: “I Não é desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios, correspondentes à aplicação de critérios de equidade, a decisão de atribuir 29.925,00 Euros, a título de dano biológico (vertente patrimonial) a um lesado (vítima de acidente de viação) de 22 anos de idade, licenciado em Gestão de Turismo, que sofreu fratura do terço médio da clavícula esquerda (tendo sido submetido a cirurgia), ficou com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, tem dificuldade em erguer ou transportar uma carga superior a 5 Kg com o braço esquerdo, sendo-lhe difícil suportar peso sobre a clavícula esquerda.”


No caso em apreço, há a considerar que a autora tinha 60 anos à data do acidente, que sofreu uma incapacidade de 18 pontos, que tal défice a impossibilita de exercer a sua atividade profissional habitual, sendo compatível com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional e está limitada na força e movimento do membro superior esquerdo.


A autora trabalhou numa lavandaria do grupo ... e encontrava-se desempregada à data do acidente.


O acórdão recorrido atendendo corretamente que o dano irá perdurar até ao termo da vida da lesada (e não até apenas até ao termo da sua idade de reforma), logo, durante 22 anos, ao salário mínimo nacional mais recente à IPG de 18 pontos, recorrendo à equidade e aos padrões da jurisprudência, com base nos dois acórdãos que citou, fixou o valor da indemnização a título de dano biológico em 40.000 euros.


Note-se que justificadamente não se fixou qualquer indemnização autónoma por ter estado a autora impossibilitada de trabalhar, desde o acidente ( 08.07.2020 ) até 27.08.2021, data da consolidação médico-legal das suas lesões.


O valor atribuído pela sentença da 1ª instância e que a Recorrente pretende se fixe, € 12 500,00 é manifestamente insuficiente, sendo significativamente muito inferior aos valores acima indicados, atendendo aos casos concretos em causa.


Quanto ao valor fixado pelo acórdão recorrido atendendo em particular à idade da autora, 60 anos à data do acidente e ter ficado com uma IPG de 18 pontos, mas impossibilitada de exercer a sua atividade profissional habitual e limitada na força e movimento do membro superior esquerdo, o que permite considerar ser altamente provável, que não mais conseguirá, atenta a idade e incapacidade, obter um emprego estável e terá acentuadas limitações na realização das tarefas diárias, entendemos que a indemnização fixada no acórdão recorrido, não se afasta dos valores arbitrados pelo STJ em casos similares e, por isso, não há justificação para ser reduzida.


2- Danos não patrimoniais


A sentença da 1ª instância fixou a indemnização a este título em € 30 000,00 e o Tribunal da Relação subiu a indemnização para € 40 000,00.


Os danos não patrimoniais, correspondem a prejuízos não suscetíveis de avaliação pecuniária que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art.º. 496º, n.º 1 do Cód. Civil).


O dano não patrimonial abarca a dor física e a dor em sentido psicológico, a primeira resultante dos ferimentos aquando da ação lesiva e das posteriores intervenções cirúrgicas e tratamentos, tendentes à reconstituição natural da integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão e a segunda um trauma psíquico consequente do facto gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura reação emotiva individual sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um reflexo desta.


É sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação, ou seja, a atribuição de uma soma pecuniária que se julgue adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer. Ao contrário da indemnização cujo objetivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor.


O valor destes danos tem de ser fixado equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado e tem de ser medido por um critério objetivo que tenha em conta as circunstâncias de cada caso, atento o artigo 494º do Código Civil, aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 496º do mesmo diploma, devendo atender aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência.


Há várias décadas que o STJ tem decidido que a indemnização por danos não patrimoniais, para responder ao comando do artigo 496º do Código Civil e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa. (cf. acórdão do S.T.J. de 11.10.94, CJ, tomo 2, pág. 49).


A mais recente jurisprudência do STJ, tem reafirmado os supra citados critérios e vincado o imperativo de as indemnizações por danos não patrimoniais serem significativas.


Neste sentido os recentes acórdãos do STJ:


De 09.05.2023, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1, com o sumário: “II. Há hoje uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de modo a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, erigindo-se, assim, um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua dignidade e liberdade, correspondendo ao “dano ao projecto de vida”, como núcleo do “dano existencial”, com consequências extrapatrimoniais. Esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.


III. Por isso, os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados.”


De 28.03.2023, relator Isaías Pádua, processo n.º 3410/20.3T8VNG.P1.S1


“II - A quantificação da indemnização pelos danos não patrimoniais deverá ser feita através do recurso à equidade, considerando-se, nomeadamente, para o efeito ao grau de culpabilidade do responsável e do lesado, as respetivas situações económicas de cada um, a sua proporcionalidade em relação à gravidade do dano, tomando ainda em conta todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, por forma a que, a essa luz, sejam condignamente compensados”.


O acórdão recorrido fixou a indemnização a título de danos não patrimoniais, com a seguinte fundamentação ( em síntese):


“ Ora, as circunstâncias do caso concreto revelam que a apelante sofreu os seguintes danos:


1. Desde logo a eclosão do acidente que ocorreu quando atravessava uma passadeira.


2. Depois, o transporte para três hospitais.


3. As lesões foram fractura do úmero e da diáfise do perónio.


4. A submissão a uma operação e sessões de fisioterapia.


5. A A. sofreu um período de défice funcional temporário total de 66 dias e parcial de 350 dias.


6. Depois, sofreu dores, sendo o quantum doloris fixável em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.


7. Apresenta cicatriz de tipo cirúrgico com 14 cms de comprimento e 1 cm de largura, com vestígios ligeiros de agrafos na face anterior do ombro e do braço. Apresenta por isso um dano estético permanente fixável em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.


8. A A. vai necessitar de tratamentos médicos regulares, nomeadamente fisioterapia e acompanhamento anual em consulta de ortopedia.


9. Vai necessitar de tomar medicação para controlo das dores para o resto da vida e, conforme resulta do dano cuja liquidação foi relegada o auxílio de uma terceira pessoa.


Quantificando esses elementos temos que:


1) a simples eclosão do acidente com o inerente susto, medo e angústia implica um dano valorável em 3.000 euros.


2) depois a submissão a uma operação, e o período de incapacidade implicará, pelo menos, a quantia de 9000 euros (salário mínimo nacional/30 dias x período de incapacidade parcial).


3) o quantum doloris é relevante pelo que julgamos adequado fixá-lo em 8.000 euros.


4) O dano estético não é muito relevante, mas implica o grau 2, pelo que deve ser fixado em 10 mil euros. Este é um dano permanente e duradouro que afecta a lesada para sempre. Note-se, que actualmente é pacifico que o dano estético não assume uma função puramente unilateral afectando um aspecto isolado da pessoa. Bem pelo contrário, esse dano ou prejuízo afecta a pessoa em todas as suas dimensões, e a Organização Mundial de Saúde define a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, que não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade”.


Portanto, aqui chegados obteríamos já o valor de 30 mil euros fixado na decisão recorrida.


5) Acresce, por fim, que devido ao acidente a autora “A A. vai necessitar de tratamentos médicos regulares, nomeadamente fisioterapia e acompanhamento anual em consulta de ortopedia.


Vai necessitar de tomar medicação para controlo das dores para o resto da vida.” Acresce ainda que foi relegado para execução um dano que tem repercussões não patrimoniais.


Ou seja, os incómodos e consequências das lesões irão continuar a produzir incómodos e problemas que afectarão o equilíbrio emotivo da autora.


Nessa medida o Ac do STJ DE 6.6.23, nº 9934/17.2T8SNT.L1.S1(Manuel Capelo), decidiu: “É adequada a indemnização de € 50.00,00 por danos não patrimoniais de quem foi atropelado numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo”.


E, este tribunal também já decidiu no Ac RP de 9.3.23, nº 15899/17.3T8PRT (Paulo Teixeira) que: ”Um lesado, com 50 anos, que sofreu devido ao acidente: uma operação à coluna, 271 dias de doença, dores numa escala de 4 em 7, dano estético de 2, um défice funcional de 17,9 pontos, e uma repercussão na vida diária de 11 em 100, deve ser indemnizado, no valor de 50 mil euros a título de danos não patrimoniais”.


Note-se, pois as semelhanças dos dois casos, sendo que o actual é menos grave em especial quanto às demais sequelas.


Logo, o valor global desses danos terá de atender a esse facto, pelo que se considera adequado a sua fixação em 40 mil euros.»


A Recorrente sustenta que a indemnização fixada pelo acórdão recorrido é excessiva e invoca o acórdão do STJ de 19/05/2009 , processo n.º 298/06.0TBSJM.S1, que fixou a indemnização de € 40 000, numa situação de atropelamento com consequências mais graves, “ a Autora, em consequência de uma condução grosseira, imprudente – foi projetada a uma distância de 10,20 metros do extremo Sul da passadeira – que provocou lesões graves geradoras de uma incapacidade permanente geral de 35% + 5%. Foi internada várias vezes e submetida a intervenções cirúrgicas mantendo-se e carecendo de tratamento. O facto de estar impossibilitada de autonomamente fazer a sua vida, ao ponto de carecer do auxílio de terceira pessoa para atos tão vitais como cuidar da sua higiene (…).”


No acórdão de 16.01.2024, processo n.º 15898/16.2T8LSB.L1.S1 ( relatora Maria Olinda Garcia) foi indicada sobre a valoração dos danos não patrimoniais em diferentes tipos de casos, a título exemplificativo, a seguinte jurisprudência:


- Acórdão do STJ, de 16.11.2023 (relator Manuel Capelo), no processo n.º 1019/21.3T8PTL.G1.S1:


« Tendo em atenção as lesões sofridas pelo Autor, com as inerentes dores e incómodos que teve e terá de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, bem como as sequelas de que ficou a padecer e que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de 0 a 5), formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, fixa-se a indemnização dos danos não patrimoniais em 10.000,00 €.»


- Acórdão do STJ, de 19.12.2023 (relatora Maria Olinda Garcia), no processo n.º 1754/18.3T8CSC.L1.S1:


«Não merece censura o acórdão que fixou em 10.000 Euros, com base na equidade, a compensação por danos não patrimoniais (grave depressão) sofridos pela dona da obra, face ao incumprimento do empreiteiro que a privou da sua habitação.»


- Acórdão do STJ, de 30.11.2023 (relator Sousa Lameira), no processo n.º 315/20.1T8PVZ.P1.S1


«É adequada e justa a indemnização, a título de compensação pelo dano biológico, de 60.000 Euros, sendo 20.000 Euros na vertente de dano moral e 40.000 Euros a título de dano patrimonial, atribuída ao Autor, de 16 anos, estudante de um Curso Profissional de Técnico de Manutenção de Industrial, trabalhando também a tempo parcial, auferindo uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 250,00, que teve de ser transportado ao hospital onde permaneceu 9 dias, tendo sofrido várias lesões, com tratamentos por vários meses, apresentando várias queixas a nível funcional e a nível situacional, que sofre e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, incómodos e mal-estar, designadamente a nível do punho e mão esquerdos e do membro inferior esquerdo.»


Nesse acórdão de 16.01.2024, considerando as dores físicas e angústia sofridas e que persistem, à gravidade das lesões e dando especial relevância ao dano estético (perda do olho esquerdo), numa mulher de 49 anos de idade, às sequelas e limitações que padece, incluindo na atividade sexual, a perda da alegria de viver e ao dano de afirmação pessoal, manteve a indemnização fixada, a título de dano não patrimoniais, em € 80 000,000.


Retomando o caso em apreço, há que ponderar, a circunstância em que ocorreu o acidente ( quando a autora atravessava uma passadeira); a natureza e a diversidade das lesões sofridas ( fratura do úmero e da diáfise do perónio).; a submissão a uma operação e sessões de fisiotarepaia; o período temporal de doença e de tratamento para debelar as mesmas ( sofreu um período de défice funcional temporário total de 66 dias e parcial de 350 dias) ter ficado com um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 18 pontos; sofreu dores, sendo o quantum doloris fixável em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus; apresenta cicatriz de tipo cirúrgico com 14 cms de comprimento e 1 cm de largura, com vestígios ligeiros de agrafos na face anterior do ombro e do braço, com um dano estético permanente fixável em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus; vai necessitar de tratamentos médicos regulares, nomeadamente fisioterapia e acompanhamento anual em consulta de ortopedia e de tomar medicação para controlo das dores para o resto da vida.


Por outro lado, está assente que a culpa na produção do acidente é da exclusiva responsabilidade do segurado da Ré e a autora estava desempregada e anteriormente era funcionária de uma lavandaria, por isso, é de concluir ser de condição económica modesta e ter 60 anos à data do acidente.


Como se referiu, em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do CC).


Ora, como decidiu o acórdão do STJ, de 27.09.2016 (relator Alexandre Reis), no processo n.º 2249/12.4TBFUN.L1.S1: «(...) só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este tribunal, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pela autora.»


Assim entendemos que o acórdão recorrido ao atribuir à autora uma compensação de 40.000 euros pelos danos não patrimoniais não se afastou dos parâmetros indemnizatórios seguidos pelo STJ na avaliação desta tipologia de danos em casos equiparáveis ao dos presentes autos e que usou de forma ponderada e proporcional as regras da equidade ao estabelecer aquela indemnização, pelo que tem de ser confirmada.


Decisão:


Pelo exposto, decide-se nos seguintes termos:


- Julgar improcedente a revista da Ré , confirmando o acórdão recorrido;


- Não tomar conhecimento do recurso subordinado.


Custas do recurso principal pela Ré e do recurso subordinado pela A, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 30.04.2024

Os Juízes Conselheiros


Leonel Serôdio ( Relator)

Ricardo Costa ( 1º adjunto, vencido conforme declaração que junta)

Maria Olinda Garcia ( 2ª adjunta)

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Processo n.º 1548/21.9T8PVZ.P1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, ... Secção


DECLARAÇÃO DE VOTO


Subscrevo o acórdão no resultado decisório correspondente à reapreciação do “dano biológico” na revista da Ré, assim como no decidido quanto à inadmissibilidade do recurso subordinado da Autora.


Sem prejuízo do respectivo desfecho substancial, não subscrevo o resultado decisório no segmento autónomo relativo à reapreciação do “dano não patrimonial” na revista da Ré: não há sucumbência para admitir a revista, uma vez que a Ré e Recorrente (após não ter indicado um valor preciso na contestação e na resposta à ampliação do pedido para € 60.000) pugnou na apelação e na revista pelo valor decido em 1.ª instância (€ 30.000) em face do decidido na 2.ª instância (€ 40.000); logo, por aplicação do art. 629º, 1, do CPC, seria de não conhecer o objecto da revista neste segmento.


Por sua vez, o despacho proferido pelo Relator em 7/3/2024, relacionado com a admissibilidade do recurso da Ré e Recorrente, não transitou em julgado. Não obstante ter incidido expressamente (mas genericamente) sobre a questão da sucumbência, não se referiu em termos específicos aos dois segmentos de reapreciação autónoma do recurso. Assim sendo, entra no regime geral da apreciação tabelar, que não produz efeitos de caso julgado formal. Não preclude a possibilidade de pronúncia ulterior de sentido diverso, nomeadamente por sugestão dos adjuntos, recorrendo ao art. 658º e, posteriormente, para os devidos efeitos na prossecução da instância recursiva, ao art. 655º, 1, do CPC (sempre por força do art. 679º do CPC).


Em conformidade, decidiria, nesse contexto processual, pelo não conhecimento parcial do objecto do recurso da Ré.


Logo, voto vencido quanto ao dispositivo que assenta no conhecimento do recurso que, de forma global, levou à improcedência da revista independente da Ré.


STJ/Lisboa, 30/4/2024


O 1.º Adjunto


Ricardo Costa