Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1332
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
CERTIDÕES
Nº do Documento: SJ200709110013326
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO.
Sumário : I) - O documento superveniente apenas fundamentará a revisão extraordinária da decisão transitada quando, por si só, seja capaz de modificar tal decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

II) – Se os documentos em que se fundamenta o pedido de revisão puderem ser obtidos através de certidões, sobre o requerente incumbia o ónus de instruir o processo de harmonia com tais provas, por tal obtenção estar ao seu alcance, incumbindo-lhe proceder a consultas e buscas; a situação não é assimilável aqueloutra em que o documento é desconhecido, por se encontrar em poder da parte adversa, ou de terceiro, ou não poder ser obtido a tempo de ter sido utilizado na acção revidenda.

III) – Deve ser de imputada à parte a não obtenção de documentos a que poderia aceder através de certidão emitida por entidade ou repartição pública, não sendo relevante a mera alegação de superveniência do conhecimento de documentos autênticos.

IV) – Não preenche o fundamento do recurso de revisão do artigo 771º, alínea c), do Código de Processo Civil, a apresentação de documentos com relevância para a causa mas que, apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" [no processo em que é Autor e RR].

- Ministério do Ambiente, Instituto da Conservação da Natureza.

- Junta de Freguesia de Apúlia.

Intentou, em 20.3.2007, no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende recurso extraordinário de revisão, alegando o seguinte:

- por acórdão proferido pelo STJ nos presentes autos em 11.07.06, e já transitado em julgado, foi julgada improcedente a acção de reivindicação neles interposta pelo ora recorrente contra a Junta de Freguesia de Apúlia e o Ministério do Ambiente;

- o Supremo Tribunal de Justiça, pronunciando-se sobre o recurso de revista, interposto de Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que por seu lado já havia confirmado a sentença do Tribunal Judicial de Esposende, entendeu não se pronunciar sobre a questão de saber se os actos de posse praticados pelo ora recorrente poderiam ou não conduzir à aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado, na medida em que entendeu tal questão prejudicada pela decisão que proferiu sobre a questão da dominialidade do mesmo imóvel, ou seja, sobre saber se o imóvel reivindicado pertencia ou não domínio público;

Na verdade, o STJ concluiu - “… bem decidiu o acórdão sob recurso pela dominialidade do terreno em causa, o que determina, face ao já dito, a sua imprescritibilidade e o consequente desinteresse em analisar os actos de posse sobre e/e exercidos pelo recorrente”;

- o imóvel reivindicado na presente acção pelo recorrente tinha na mesma acção a seguinte descrição:

“Prédio rústico, no sítio do Furado, freguesia de Apúlia, concelho de Esposende, com área de 5.243 m2 a confrontar do Norte com BB, do Sul, numa extensão de 16 metros, com terreno pertencente à ré, Junta de Freguesia, do nascente com Travessa do Furado e do poente com a Rua do Cónego (EM. 501), numa extensão de 115 metros”;

- vê-se, assim, que pelo Norte o imóvel reivindicado confronta com BB, ora, este último, adquiriu tal imóvel em 14/10/88, ao CC e aos herdeiros de sua mulher, DD. – doc.s l e 2;

- sucede, contudo, que como se passará a demonstrar, apurou o recorrente, já no decurso do corrente ano de 2007, através das cópias certificadas de actas de reuniões da Junta de Freguesia de Apúlia, obtidas em 17 de Janeiro de 2007 – que ora se juntam como doc. 3 – e, mais tarde, através da fotocópia autenticada da escritura pública de compra e venda de 28/03/1950 – que ora também se junta – que o terreno reivindicado foi de facto considerado como pertencente ao domínio público paroquial até oito de Janeiro de 1948, data esta em que a Junta de Freguesia Ré o desafectou do seu domínio público, quando deliberou vendê-lo;

- na verdade, como resulta das referidas cópias certificadas, em sessão da Junta de Freguesia de Freguesia de Apúlia de oito de Janeiro de 1948, a mesma Junta;

“… De harmonia com o deliberamento na sua última sessão ordinária de 8 de Dezembro último, depois de ter pedido o parecer do Ex.mo Presidente da Câmara, que em resposta ao ofício desta Junta, nº27/47, de 10 de Dezembro, de 1947, manifestou por seu ofício nº975, de 11 de Dezembro do mesmo ano, a sua completa aprovação à deliberação da Junta, respeitante à venda de alguns terrenos (em lotes) de uma faixa do domínio paroquial situada entre os praias de Couve e Cedovém, lembrando que a mesmo alienação deveria ser feita nos termos do parágrafo 2 ° do artigo 358º do Código Administrativo…”;

- na sequência desta deliberação, procedeu então a Junta de Freguesia de Apúlia à venda em hasta pública do primeiro de tais lotes, “… com a área de 1.800 metros quadrados e com trinta metros de frente, por sessenta metros de comprimento, ou fundo, situado entre as praias de Couve e Cedovém, a confrontar pelo Norte com CC, pelo Sul com terreno paroquial, pelo Nascente, herdeiros de EE e pelo Poente com a estrada camarária que liga da Praia de Apúlia à Praia de Fão.”;

- arrematou tal lote, como da mesma deliberação resulta, FF, da cidade do Porto, que por ele deu 1.810$00. (doc. 2);

- o respectivo preço foi pago pelo referido FF, da cidade do Porto, o qual pagou pelo referido lote a quantia de l. 800$00;

- quase dois anos mais tarde, mais concretamente em 27 de Março de 1950, a mesma Junta de Freguesia procedeu à alienação, de novo em hasta pública, de um segundo lote, contíguo pelo Sul, ao primeiro, agora com 2.195 metros quadrados, correspondentes a:

“… 50 metros de frente por 43,90 metros de fundo, situado entre os praias de “Couve e de Cedovem”, a confrontar do norte com o Sr.FF, casado, da cidade do Porto, sul com terreno paroquial, nascente com caminho público e poente com a estrada camarária que liga da Praia de Apúlia à Praia de Fão.”, doc. 4;

- adquiriram este segundo lote os senhores GG, e HH, ambos da cidade de Braga;

- paga a respectiva Sisa em 28 de Março de 1950, foi outorgada na mesma data escritura pública de venda (doc. 4 junto);

- vê-se, assim, dos documentos ora juntos, que a Junta de Freguesia de Apúlia, enquanto entidade de direito público com poder para administrar e desafectar do domínio publico, bens pertencentes aos baldios paroquiais – artigo 253º, nº5, do Código Administrativo então vigente – decidiu vender e vendeu a particulares, no âmbito das respectivas competências – artigo 255° números 2 e 3 do mesmo Código Administrativo – dois lotes correspondentes a um total de 3.995 metros quadrados da área reivindicada pelo recorrente nos presentes autos;

- mais, com os presentes factos resulta, no essencial demonstrada a exactidão (com pequena margem de erro) da planta dos vizinhos da estrada municipal a alargar e que constituiu o documento nº2 da p. i., donde resultava que a Sul do prédio da DD (casada, como se viu com o CC) se situava o terreno reivindicado e, depois, o terreno da Freguesia, ou seja, o terreno situado a Sul do segundo dos lotes vendidos e que, pelos vistos, a recorrida Junta de Freguesia não terá chegado a vender;

- resulta, assim, dos documentos atrás juntos, que contrariamente ao pressuposto na decisão judicial que se pretende rever, do terreno com 123 metros de frente e a área de 5.243 metros quadrados (v. 42.° da p.i. e sua posterior rectificação) reivindicado pelo ora recorrente na presente acção, a área acima referida, correspondente a 80 metros (30 do primeiro lote vendido e 50 do segundo) de frente, contados em direcção a Sul, a partir do imóvel de CC, foram vendidos de facto pela Junta de freguesia de Apúlia, nos anos de 1948 e 1950, razão esta pela qual, se até então pertenceram ao domínio público paroquial, deixaram de a ele pertencer desde então;

- ora, a posse pública que serviu de base à conclusão segundo a qual o bem reivindicado pertenceria ao domínio público, ter-se-á iniciado em tempos imemoriais, mas terá natural e necessariamente cessado, pelo menos no que aos 3.995 m2 de área respeita, correspondentes àqueles dois lotes, com a venda de tais bens;

- assim se concluindo, cessam os obstáculos de ordem legal que impediram a apreciação do pedido de reconhecimento da aquisição do direito de propriedade por usucapião, razão pela qual, deverá o processo seguir os seus termos para apreciação de tal pedido.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, ordenando-se em consequência a revisão da sentença proferida.

Remetido o processo a este Supremo Tribunal de Justiça foi admitido o recurso – por despacho de fls. 80 – e notificados os requeridos para responderem – art.774º, nº3, do Código de Processo Civil.

A Junta de Freguesia da Apúlia – fls. 89 a 92 – pugna pelo não provimento do recurso sustentando, essencialmente, que os documentos oferecidos para fundamento da revisão não satisfazem o requisito da al. c) do art. 771º do Código de Processo Civil sendo inverosímil que o recorrente ignorasse a respectiva existência só não tendo feito uso deles por não ter demonstrado interesse em fazê-lo; além do mais, o prédio em questão há mais de 10, 20, 50, 100 anos que sem interrupção é utilizado pela população da Apúlia para nele secar o sargaço que retira do mar, sem que tivesse havido oposição de quem quer que fosse, sendo que o Autor nunca exerceu actos de posse conducentes à aquisição por usucapião.

O Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P – a fls. 97 a 99 – sustenta que o recurso é extemporâneo, já que o recorrente alegou que obteve os documentos “novos” em 17.1.2007 mas o recurso só deu entrada em 20.3 desse ano, decorridos mais de 60 dias sobre o conhecimento do facto – art. 772º, nº2, c) do Código de Processo Civil.

Aduz que o recorrente não invoca qualquer razão para não ter tido acesso a tais documentos; – actas das reuniões da Junta de Freguesia de Apúlia e escritura de compra e venda – que são documentos públicos, pelo que, o recorrente teria que os conhecer.

Mesmo que assim não fosse, tais documentos também não são, de maneira alguma, suficientes para alterar a decisão em sentido favorável ao recorrente.

Pugna pela rejeição do recurso por extemporâneo, e em todo caso, que seja julgado totalmente improcedente por não provado.

O Ministério Público, , respondeu – fls. 100 a 102 – nos seguintes termos:

- o presente recurso de revisão fundamenta-se no disposto na alínea c) do art. 771º do Código de Processo Civil: alega o recorrente que, face aos documentos apresentados, e contrariamente ao decidido no Acórdão revidendo, deverá ter-se por demonstrado que a parcela de terreno reivindicada — prédio com a área de 5.243 m2, inscrita na matriz predial rústica da freguesia da Apúlia, sob o art. 3542º e descrita na Conservatória do Registo Predial de Esposende, sob o nº949 —, rectius, determinada parte dessa parcela, não pertence ao domínio público.

Consistem os documentos apresentados em duas certidões de (i) actas de sessões da Junta de Freguesia da Apúlia, certidão esta obtida em 17 de Janeiro último e (ii) escritura pública de compra e venda, lavrada em 28 de Março de 1950 — documentos juntos pelo recorrente, sob os n°s. 3 e 4.

Os documentos a que ambas as certidões se reportam são novos: embora preexistindo à data de instauração da acção em que foi proferida a decisão a rever, nela não foram apresentados, nem considerados.
Não reúnem, todavia, os demais requisitos exigidos na citada alínea c) do art. 771º do Código de Processo Civil.

Desde logo, o recorrente, no n°12 da petição, limita-se a referir que teve conhecimento dos documentos “já no decurso do corrente ano de 2007” - não alega, nem comprova, como era seu ónus, que a não produção dos documentos no processo em que sucumbiu não lhe pode ser imputável, designadamente por falta de diligência na preparação e instrução da acção (veja-se Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, VI, pág. 355, a propósito de documentos existentes em cartórios, repartições ou arquivos públicos, dos quais é possível extrair-se certidão e juntá-la ao processo: “o que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior”).

Por outro lado, não resulta que os documentos apresentados, “por si só, seja (m) suficiente (s) para modificar a decisão”, entendidos eles como dotados, em si mesmos, de tal força que conduzam o juiz ao convencimento de que a causa deva ter solução diferente da que teve, inconciliável com a decisão a rever (Ac. do STJ, de 22.01.98, BMJ 473/427), ou a implicar, necessariamente, resposta afirmativa à pergunta: “colocados tais documentos em relação com o mérito da causa, teria sido outra a solução se esses documentos houvessem sido apresentados antes da decisão?” (Alberto dos Reis, cit., pág. 357).

Sendo certo que “no que diz respeito às confrontações, áreas e limites de determinado prédio, as declarações insertas em escrituras públicas e certidões matriciais e registrais valem o que valem e o julgador utiliza-as, ou não, para fundamentar a sua (livre) convicção” (Ac. do STJ, de 4.03.2004, Proc. 03B30 15) e que a própria decisão proferida em 1ª instância deu conta da “dificuldade de delimitação exacta” das diversas parcelas de terreno (fls. 507/14), não se pode ter como adquirido face aos documentos apresentados, ressalvado o devido respeito pela posição manifestada pelo recorrente, nos n°s. 25 e 26 da petição, que uma parte da parcela reivindicada, em uma extensão de 80 metros de frente e numa área de 3.995 m2 haja ela própria sido efectivamente vendida nos anos de 1948 e 1950, tendo nessa data, pelo menos, deixado de integrar o domínio público paroquial.

Independentemente das vicissitudes registrais referenciadas quanto à parcela reivindicada, tendo-se a esse respeito já anotado na sentença proferida em 1ª instância a “postura ambivalente da Junta” (fls. 495), não vem posto em causa o entendimento constante do acórdão a rever de que tal parcela, pelo menos desde 1877, “tem sido objecto do uso directo e imediato da conhecida comunidade populacional dos sargaceiros de Apúlia, não só para o exercício da sua específica actividade profissional, como também para o desfrute de actos de lazer e convívio”, para aí seguidamente se afirmar a respectiva dominialidade (fls. 986/7; entendimento assente na matéria de facto reproduzida sob o n°8 do Acórdão da Relação, a fls. 857/8, para a qual se havia remetido, a fls. 985).

Termos em que, em sede de juízo rescindente, parece dever concluir-se pela falta de fundamento legal para o pedido de recurso de revisão, julgando-se o mesmo improcedente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo em conta o que consta do relatório e ainda que no Acórdão deste S.T.J. de 11.7.2006 – transitado em julgado – e por via da decisão também das instâncias, a acção de reivindicação intentada pelo ora recorrente foi julgada improcedente por este Tribunal ter concluído, tal como a Relação de Guimarães, pela dominialidade do terreno em causa e inerente imprescritibilidade concluindo pelo “consequente desinteresse em analisar os actos de posse sobre ele exercidos pelo recorrente”.

Ora, o Autor invoca como fundamento para a revisão de tal Acórdão, o facto de ter obtido duas certidões; actas de sessões da Junta de Freguesia da Apúlia, certidão esta obtida em 17 de Janeiro de 2007 e da escritura pública de compra e venda, lavrada em 28 de Março de 1950 – documentos juntos sob os n°s. 3 e 4.

Na sua tese, estando agora provado que a parcela em causa foi desafectada do domínio público, em 8.1.1948 tendo sido posta à venda, deixou de pertencer desde aí ao domínio público.

A dominialidade cessou, então, pelo que os bens poderiam ter sido adquiridos, como na realidade se comprova que foram, após essa data, por particulares, caindo assim por terra o pressuposto em que assentou a decisão revidenda.

Vejamos:

Importa, antes de mais, saber se se verificam os requisitos de que depende a revisão extraordinária do Acórdão; no fundo, saber quais são os requisitos que permitem ao recorrente pôr em causa o princípio da intangibilidade do caso julgado a que estão ligadas inquestionáveis razões de certeza e segurança do direito com a inerente repercussão na paz social (1).

“O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei” – Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed, pág. 333.

Mais adiante o mesmo autor citando Alberto dos Reis:

“Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio.
A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio”.

Os fundamentos do recurso de revisão são os taxativamente previstos no art. 771º do Código de Processo Civil.

A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos:

“a) Quando se mostre, por sentença criminal passada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram;

b) Quando se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever;

c) Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Quando se verifique a nulidade ou a anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse;

e) Quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita;

f) Quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente”. (Redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).

Artigo 772º Prazo para a interposição.

“1 – O recurso é interposto no tribunal onde estiver o processo em que foi proferida a decisão a rever, mas é dirigido ao tribunal que a proferiu.

2 – O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo 771º, desde o trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;

b) Nos outros casos, desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.

3 – Se, porém, devido a demora anormal na tramitação da causa em que se funda a revisão existir risco de caducidade, pode o interessado interpor recurso mesmo antes de naquela ser proferida decisão, requerendo logo a suspensão da instância no recurso, até que essa decisão transite em julgado.

4 – As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da acção em que foi proferida a sentença a rever.”

[Sublinhámos e destacámos os preceitos com relevância para apreciação do caso em apreciação].

O art. 772º, nº2, do Código de Processo Civil estabelece um prazo de caducidade, já que liga o decurso do prazo nele previsto à invocabilidade do direito, competindo ao recorrido a prova de que o prazo foi ultrapassado – art. 342º,nº2, do Código Civil.

No caso o Autor dispunha do prazo de 60 dias, contados desde a data em que obteve o documento, prazo esse insusceptível de interrupção e suspensão – art. 325º do Código Civil.

O recorrente alega no art. 12º da petição do recurso que obteve as cópias certificadas das actas de reunião da Junta de Freguesia da Apúlia em 17.1.2007 – doc. de fls. 28 e da escritura de compra e venda em 14.3.2007 – data que consta do doc. de fls. 48.

Tendo o recurso entrado em juízo em 20.3.2007 é manifesto que o prazo legal foi excedido, caducou.

O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

“Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir recurso de revisão” – “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição revista, pág. 344.

No Acórdão deste Supremo Tribunal de 17.1.2006 – Proc. 05A3701 – in www.dgsi.pt – de que foi Relator o aqui primeiro Adjunto Ex.mo Conselheiro Azevedo Ramos – pode ler-se:

“Para servir de fundamento à revisão “é necessário que o documento, além do carácter da superveniência, faça prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por ele se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito “ (Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, Vol. III, 3ª ed., pág. 319).
Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, Vol. VI, pág. 357) também ensina.
“O magistrado para julgar se o documento é decisivo, deverá pô-lo em relação com o mérito da causa, deverá proceder ao exame do mérito e indagar qual teria sido o êxito da causa se o documento houvesse sido apresentado.
Feito este exame, ou o magistrado se convence de que se o documento estivesse no processo, a sentença teria sido diversa e, neste caso, deve admitir a revogação; ou se convence de que, não obstante a produção do documento, a sentença seria a mesma, porque assenta sobre outras bases e está apoiada em razões independentes do documento – e neste caso deve repelir a revogação”.

Ainda sobre este conceito de documento de que a parte não tivesse tido conhecimento ou de que não tivesse podido ter feito uso, importa ponderar que os documentos agora apresentados são documentos autênticos, que preexistiam à data da propositura da acção, podendo ser obtidos por certidão – como foram – nas competentes repartições ou entidade pública.

Isto coloca a questão de saber se só agora puderem ser obtidos.

Devemos considerar que quando os documentos podem ser obtidos através de certidões, sobre a parte incumbe o ónus de instruir o processo de harmonia com a prova que reputa pertinente, já que tal obtenção está ao seu alcance, devendo proceder a consultas e buscas; a situação não é assimilável aqueloutra em que o documento, por se encontrar em poder da parte adversa, ou de terceiro, só com dificuldade, ou não pode mesmo, ser obtido.

Assim, deve ser de imputar à parte a não obtenção de um documento a que poderia aceder através de certidão emitida por entidade ou repartição pública, não sendo relevante a mera alegação de superveniência, lato sensu, do documento.

A parte que só tardiamente obteve o documento que, poderia ter obtido antes, não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado.

Concluímos, assim, que no caso dos autos o recorrente só não usou os documentos que agora ofereceu, por não ter usado de diligência razoável em os obter.

E será que, mesmo a admitirem-se os citados documentos, eles só por si, seriam suficientes para modificar a decisão?

Este requisito tem de ser entendido como dispondo (os documentos) de total e completa suficiência probatória, no sentido de que se tivesse sido tomado em consideração pelo Tribunal que proferiu a sentença revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi, e isto sem fazer apelo a outros elementos de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais.

Entendemos que esse requisito não se acha preenchido.

Primeiro, porque, desde logo, e como o recorrente deixa até entrever, não há rigorosa consonância entre as áreas de terreno que identifica nos documentos agora apresentados e a área reivindicada, o que não permite afirmar que toda a área reivindicada deixou de estar afecta ao domínio público a partir de 8.1.1948.

Por outro lado, mesmo que a parcela desde tal data tivesse deixado de pertencer ao domínio público, o Autor na acção de reivindicação teria de fazer a prova da sua aquisição originária – pela via da usucapião, art. 1287º do Código Civil – segundo a máxima “nemo plus iuris in aliud transferre potest quam ipse habet”.

Mas dir-se-á que os actos de posse do Autor não foram apreciados pelo facto de se ter, à partida, considerado que o terreno estava fora do comércio e, por tal, era inapropriável por privados.

Sendo o terreno privado após a desafectação do domínio público, a aceitarmos o teor da certidão da acta da Junta de Freguesia da Apúlia de 8.1.1948, poderia então o Autor ter praticado actos de posse conducentes à aquisição por usucapião.

Mesmo que assim se admita, o facto é que tendo-se provado que tal parcela, pelo menos desde 1877, “tem sido objecto do uso directo e imediato da conhecida comunidade populacional dos sargaceiros de Apúlia, não só para o exercício da sua específica actividade profissional…como também para o desfrute de actos de lazer e convívio”, sempre tais factos que foram relevantes para se afirmar a dominialidade do terreno, seriam inconciliáveis com a aquisição por usucapião, por parte do Autor.

Tais documentos, só por si, ou seja, sem apelo a quaisquer outros elementos não podem, ipso facto, conduzir à prolação de decisão que reconhecesse ao ora recorrente o direito de propriedade com base na aquisição originária que sempre teria que provar em face do pedido e da causa de pedir invocadas.

Mesmo que os documentos em causa devessem ser atendidos, por si só não implicariam outra e diferente decisão sobre o mérito da causa, no sentido, agora, da procedência da acção.

Isso seria possível, desde que o Autor provasse uma posse boa para usucapião e os RR. não tivessem provado os actos de posse que, desde, pelo menos 1887, foram praticados aos quais, emprestada a devida relevância jurídica, impedem que os pratos da balança se inclinem para o lado do Autor.

Não preenche o fundamento do recurso de revisão do artigo 771º, alínea c), do Código de Processo Civil a apresentação de documentos com relevância para a causa mas que, apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão em sentido mais favorável à parte.

Assim, e nos termos do art. 775º, nº1, do Código de Processo Civil, conclui-se pela inexistência de fundamento para a impetrada revisão do Acórdão de 11.7.2006 deste Tribunal.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em considerar improcedente o invocado fundamento para a revisão.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Setembro de 2007

Fonseca Ramos
Azevedo Ramos
Silva Salazar
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(1) Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra, 1976, págs. 305/306, alude à “razão de certeza ou segurança jurídica” nos seguintes termos:
“Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa – fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença. Não se trata propriamente de a lei ter como verdadeiro o juízo – a operação intelectual – que a sentença pressupõe. O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade, por força da qual, como diziam os antigos, a sentença faça do branco preto e do quadrado redondo (“facit de albo nigrum,... aequat quadrata rotundis ...”) ou transforme o falso em verdadeiro (falsumque mutat in vero).
Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.
Vê-se, portanto, que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke).”