Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
663/09.1TVLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
DOCUMENTO NOVO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
Data do Acordão: 09/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 408.
- Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 36ª ed., Rio de Janeiro, 2001, p.581.
- João Espírito Santo, O documento superveniente, 2001, p. 72.
- José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume VI, p. 355.
- Salvatore Mostara, citado por José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume VI, p. 357.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 341.º, 362.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 685.º-A, N.º3, 771.º, 772.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 05-02-1980, CJ, 1980, TOMO I, P. 230.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 01-07-1969, BMJ 189, P. 214 E DE 17-12-1992, BMJ 422, P. 330.
Sumário :
I – O recurso de revisão previsto nos art.s 771º e segs CPC deve ser apreciado pelo tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado e a rever;

II – Tratando-se de decisão proferida em recurso, a revisão compete ao tribunal superior (Relação ou STJ), pois foi esta – e não a dos tribunais inferiores – que transitou em julgado;

III – O fundamento da revisão previsto na al. c) do art. 771º CPC é a apresentação de um documento novo superveniente, comprovativo de facto alegado e discutido na acção onde foi proferida a decisão a rever e que, só por falta de tal documento, foi julgada desfavoravelmente ao recorrente;

IV – O documento novo de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não pudesse podido fazer uso deve ser um documento existente na pendência do processo onde foi proferida a decisão a rever porque, por um lado, a parte só podia ter conhecimento do que existe (sendo um absurdo lógico, ignorar a existência do que não existe…) e, por outro, o não ter podido fazer uso desse documento na acção anterior deve ser entendido no sentido de que, noutras circunstâncias, teria podido fazer uso dele (e ninguém pode fazer uso do que não existe…);

V – Assim, é, no mínimo, duvidoso que o documento a que alude a alínea c) do art. 771º CPC, possa ser um documento que ainda não existia na pendência da acção onde foi proferida a decisão a rever e só foi criado posteriormente ao respectivo trânsito;

VI – Independentemente disto, a revisão não pode ter lugar se os factos comprovados por tal documento não tiverem sido alegados na acção anterior.

VII – E por maioria de razão se tais factos se reconduzem a actuações da própria parte que os invoca e em seu próprio benefício…

Decisão Texto Integral:

         Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:


RELATÓRIO

Em acórdão de 17-01-2012, a Relação de Lisboa, revogando a sentença de 1ª instância, condenou AA, a reembolsar BB e mulher, CC, de todos os montantes que estes vierem a despender com o cumprimento da obrigação assumida e não cumprida por aquela AA – e que era de pagar à DD – ... CRL, o valor das vendas de medicamentos por esta efectuadas, desde 11-09-2002 a 01-08-2003, à Farmácia EE, propriedade de BB, a liquidar nos termos do art. 378º e ss. do CPC.

         Por acórdão de 27-09-2012, entretanto transitado em julgado, o STJ confirmou tal acórdão condenatório da Relação de Lisboa.

Em 08-03-2013, AA interpôs, na 1ª instância, recurso extraordinário de revisão de tal acórdão, alegando, em resumo, o seguinte:

- ter revogado unilateralmente a declaração de assunção de dívidas da Farmácia EE e resolvido o acordo celebrado em 01-08-2003, por carta registada com AR que os AA receberam em 17-12-2012, por estes não lhe haverem trespassado o estabelecimento de farmácia nem terem colaborado no averbamento do Alvará nº ..., respeitante a tal Farmácia EE, em ..., para o seu nome;

- ter sabido recentemente que BB e mulher, CC foram notificados, no decorrer de 1911 (14-07-2011), pelo INFARMED da extinção do Alvará nº ... (Deliberação nº 1428/11, publicada na 2ª Série do DR nº 152 de 09-08-2011) e nada comunicaram à requerente

Sustenta que, por isso, não é possível a transmissão para ela do Alvará, sendo, por isso, “justa a revogação da declaração e resolução do acordo emitido pela ora recorrente em 01-08-2003 em que assumiu o pagamento das vendas dos medicamentos pela DD `Farmácia EE desde 11 de Setembro de 2002 até 01 de Agosto de 2003”.

 

Remetido os autos a este STJ, foi o recurso liminarmente indeferido pelo Relator a quem foi distribuído, por inverificação do respectivo fundamento, pressupondo que este seria o da alínea c) do art. 771º CPC.

E notificada de tal indeferimento, reclama a recorrente AA para a Conferência com vista à admissão de tal recurso, finalizando tal reclamação com a seguinte síntese conclusiva:

a) O Supremo Tribunal de Justiça deve ser declarado incompetente em termos de hierarquia para se pronunciar sobre em 1ª instância sob a admissibilidade do recurso de revisão já que o nº 1 do art. 772º tem de ser interpretado tendo em consideração não só a sua letra como também o contexto, isto é, o nº5 do mesmo artigo.

b) Acresce que a interpretação meramente literal do nº1 do art. 772º viola o disposto no art. 20º da Constituição da República;

c) A deficiência da pi do recurso de revisão pode ser sempre corrigido mediante despacho pelo que não pode ser indeferido com tal fundamento;

d) O recurso de revisão pode ter como fundamento um documento que nos termos da alínea c) do art. 771º pode ser um documento com formação posterior à decisão a rever conforme a doutrina exposta nesta reclamação e na letra da alínea c) do art. 771º CPC;

e) O documento apresentado em que a ora reclamante declara revogar e resolver o acordo estabelecido em 1 de Agosto de 2003 é bem claro. Demais é uma declaração que revoga uma declaração da ora reclamante de 1 de Agosto de 2003.

A parte contrária não se pronunciou.


FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre deliberar:

Os factos relevantes constam do relatório que antecede,

Apreciando:

Sustenta a reclamante a incompetência hierárquica do STJ para apreciar o recurso de revisão, porquanto a tramitação do mesmo deveria iniciar-se na 1ª instância.

Recorde-se que a sentença proferida em 1ª instância foi revogada em recurso de apelação, tendo o STJ, em recurso de revista, confirmado o acórdão da Relação, logo, negando procedência ao recurso interposto contra o acórdão da Relação.

A decisão que, em derradeira instância, fez caso julgado, foi o acórdão do STJ; deste era o acórdão a rever, ou seja, “a decisão transitada em julgado” que iria ser “objecto de revisão” e a que alude o art. 771º CPC.

E muito embora se possa sustentar a alusão ao trânsito em julgado como um pressuposto da revisão (só são susceptíveis de revisão as decisões transitadas em julgado…) e não a atribuição de competência, não pode negar-se que, pelo menos indirectamente e tendo em conta o disposto no art. 772º nº1 CPC – que prescreve que o recurso de revisão “é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever” - , dela resulta que, em regra, a instância competente para apreciar o recurso de revisão é a que proferiu, em último grau, a decisão a rever.

Logo, in casu, o STJ cujo acórdão de 27-09-2012 - confirmando o acórdão da Relação de Lisboa de 17-01-2012 que condenara a aí ré e apelada a reembolsar os ai AA e apelantes de todos os montantes que estes viessem a despender com o cumprimento da obrigação assumida e não cumprida pela Ré, apelada – constitui a decisão cuja revisão é pedida.

O recurso de revisão, quando estiverem em causa decisões (ou acórdãos) confirmatórios de decisões (ou acórdãos) de tribunais inferiores, deve, portanto, ser apreciado pelo tribunal (superior) que proferiu aquelas e não pelo tribunal (inferior) que proferiu estas; neste sentido, os acs STJ de 01-07-1969, BMJ 189, p. 214 e de 17-12-1992, BMJ 422, p. 330).

A propósito do art. 697º nº1 do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, correspondente ao art. 772º nº1 do CPC, na versão do DL nº 303/2007, anotou o Cons. Abrantes Geraldes:

“Da norma decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado” (cfr, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pag. 408).

É que, em caso de recurso, as decisões ou acórdãos transitados em julgado são sempre os proferidos pelos tribunais superiores (Relação ou STJ) que apreciaram decisões de instâncias inferiores; estas, bem como as da Relação que foram impugnadas em recurso perante o STJ, não transitaram em julgado.

Logo, não tem sentido, deferir à 1ª instância a competência para a revisão de acórdão proferido pela Relação ou pelo STJ.

Entendimento este que a reclamante aceitou, pois foi notificada do despacho proferido na 1ª instância, em 21-03-2013, ordenando a remessa do recurso de revisão, acompanhado dos autos principais, ao STJ e não reagiu então contra o que agora sustenta constituir violação da competência hierárquica.

Os tribunais superiores têm, pois, competência para conhecer do recurso de revisão quando for sua a decisão a rever.

Inexiste, portanto, violação da competência em razão da hierarquia se é o STJ a conhecer, em primeira mão, do recurso de revisão de acórdão por ele proferido.

Como inexiste igualmente violação do art. 20º da Constituição da República, porque não se descortina qualquer compromisso do acesso ao direitos e aos tribunais.

Sustenta igualmente a recorrente que a deficiência da p. i. do recurso de revisão poderia ser sempre corrigida mediante despacho, pelo que não pode ser indeferido com tal fundamento.

Pretenderá eventualmente invocar o vício da omissão de tal diligência.

Ora, sendo o recurso de revisão isso mesmo, um recurso (se bem que se configure como acção rescisória do caso julgado), não prevê a lei adjectiva o convite à correcção da alegação, tal como nas acções declarativas se prevê o convite à correcção dos articulados, salvo quando estiverem m causa certos vícios das conclusões da alegação (art. 685º-A nº 3 CPC).

Alega igualmente que o recurso de revisão pode ter como fundamento um documento que, nos termos da alínea c) do art. 771º, pode ser um documento com formação posterior à decisão a rever.

E, na verdade, escreveu-se no despacho reclamado que

“O documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não pudesse fazer uso no processo deve ser um documento já existente e que poderia ser junto ao processo que findou com a decisão a rever.

Ora, um documento representativo de facto desencadeado pela própria parte depois de findo tal processo nem existia nem, obviamente, lhe podia ter sido junto.

Assim, a comprovação documental da revogação da assunção de dívida e da resolução do acordo de trespasse não satisfaz o requisito previsto na alínea c) do art. 771º CPC”

Reconhecendo que tal excerto é passível da interpretação que dele faz a recorrente – ou seja, de que o documento novo a que alude a al c) do art. 771º CPC deve ser um documento que já existisse ao tempo do processo onde foi proferida a decisão a rever – adiantamos desde já que tal interpretação não corresponderá à que tem sido proclamada como a melhor do art. 771º-c).

Com efeito, tem sido entendido que tal documento novo susceptível de fundamentar a revisão da decisão pode ser um documento criado posteriormente, ou seja, um documento objectivamente superveniente.

Defendem esta interpretação os nossos mais insignes processualistas a começar pelo Prof. A. Reis (CPC Anotado, vol. VI, p. 355).

É certo que algumas (poucas…) vozes divergentes se têm levantado na doutrina (cfr. João Espírito Santo, O documento superveniente, 2001, p. 72) e na jurisprudência (cfr. Ac Rel Lisboa 05-02-1980, CJ, 1980, Tomo I, p. 230).

E se atentarmos na redacção da alínea c) em causa – “se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever…” -  concluiremos que:

- “documento de que a parte não tivesse conhecimento” é documento que a parte ignorava existir e só se pode ignorar a existência do que, na realidade, existe…(é um absurdo lógico a ignorância da existência do que não existe…); logo, um documento cuja existência a parte ignorava é, obviamente, documento que existia…;

- “documento de que não tivesse podido fazer uso” é documento que, noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado, e, portanto, teria que existir; independentemente da razão da impossibilidade de utilização, é necessário apenas que esta impossibilidade haja sido estranho à vontade da parte; ora, um documento inexistente nunca poderia ser utilizado…

Será que ainda é possível sustentar que o documento a que alude a citada alínea c) não é necessariamente um documento já existente na pendência do processo, podendo também ser um documento criado posteriormente, ou seja, um documento objectivamente superveniente relativamente a tal processo?

Independentemente da resposta, o certo é que, perante qualquer delas, o despacho reclamado subsiste inalterado.

É que o documento é um meio de prova e as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.341º CC).

De factos que devem ser alegados, porque o ónus de alegação precede o ónus de prova.

E o documento, como meio de prova, é constituído por qualquer objecto laborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art. 362º CC).

O documento, portanto, na sua acepção mais ampla, é qualquer objecto, de autoria humana, destinado a fazer as vezes de uma pessoa, coisa ou facto, mas, na sua acepção mais restrita, é um escrito, normalmente em papel (mas actualmente cada vez mais também em suporte magnético e electrónico, como no passado, já o fora em pedra e em papiros …) que representa factos (prescindimos, para efeitos de exposição, da reprodução ou representação de pessoas e de coisas…).

O documento novo a que alude o art. 771º-c) CPC deve ser, portanto, um meio de prova de factos.

Mas estes factos devem ter sido oportunamente alegados no processo onde foi proferida a decisão a rever e que, por falta do referido documento, teve uma decisão desfavorável ao recorrente.

A redacção da alínea c) em causa não consente outra interpretação: o facto que o documento novo se propõe demonstrar é juridicamente relevante no processo anterior onde foi proferida a decisão a rever (foi, e deveria ter sido, aí alegado), mas por falta de tal documento, a decisão sobre esse concreto ponto da matéria de facto foi, num determinado sentido desfavorável ao recorrente, que, agora, com o documento entretanto apresentado, se constata ter sido mal julgado.

Logo, os factos que o documento visa demonstrar devem constar do processo, não ser factos novos, supervenientes, posteriores ao processo.

Por maioria de razão, os factos que se reconduzem a actuações da própria parte que os invoca e em seu próprio benefício…

Ora, no caso em apreço, o documento novo, que a recorrente apresenta, pretende comprovar a revogação unilateral por si, operada em declaração de Dezembro de 2012 (o acórdão a rever é de 27-09-2012…) , da assunção por si da dívida da Farmácia EE e a resolução do acordo de 01-08-2003, com fundamento em alegado incumprimento da promessa de trespasse do estabelecimento de farmácia e falta de colaboração dos recorridos no averbamento do Alvará de tal Farmácia em nome da recorrente,.

Estes factos pretensamente extintivos das obrigações contratuais, manifestados por declaração unilateral da própria recorrente, são objectivamente novos e supervenientes relativamente ao processo onde foi proferida a decisão a rever que – recorde-se – é o acórdão de 27-09-2012.

Não foram aí invocados nem – acrescentamos nós o poderiam ser, porque inexistiam… - pelo que o documento seria sempre irrelevante e impertinente …

A alínea c) do art. 771º CPC prevê a apresentação de um documento novo, não a alegação de factos novos e a respectiva comprovação documental.

E o que a recorrente pretende, por via do recurso de revisão, é atacar o caso julgado formado por um acórdão do STJ, com a introdução de factos novos que não foram alegados no processo onde foi proferida a decisão a rever, a pretexto de novos documentos de sua autoria…

O fundamento da revisão a que alude a alínea c) do art. 771º CPC deve ser um documento novo, não um facto novo.

Como alguém escreveu:

“…apenas a prova (documento) é que deve ser nova, não os factos probandos. Não é lícito, portanto, ao vencido a pretexto da exibição de documento novo, inovar a causa petendi em que se baseou a sentença …” (cfr. Humberto Theodoro Júnior, Curso d Direito Processual Civil, vol I, 36ª ed,, Rio de Janeiro, 2001, p.581).

O documento novo a que alude a al. c) do art. 771º CPC - ainda que formado posteriormente ao momento em que cronologicamente poderia ter sido junto ao processo onde foi proferida a decisão a rever – deve, portanto, representar factos discutidos no processo anterior.

Para além disso, a apresentação de tal documento deve evidenciar, quer dizer, tornar óbvio, um erro de julgamento da matéria de facto; quer dizer, a decisão (de algumas) das concretas questões de facto formadas no processo anterior com base nos factos alegados pelas partes, teria sido diversa (e mais favorável ao recorrente) se tal documento tivesse sido então apresentado.

Conforme escreve Salvatore Mostara, citado por José Alberto dos Reis:

"O Magistrado para julgar se o documento é decisivo, deverá pô-lo em relação com o mérito da causa, deverá proceder ao exame do mérito e indagar qual teria sido o êxito da causa se o documento houvesse sido apresentado. Feito o exame, ou o magistrado se convence de que, se o documento estivesse no processo a sentença teria sido diversa - e neste caso deve admitir a revogação; ou se convence de que, não obstante a produção do documento, a sentença teria sido a mesma, porque assenta sobre outras bases e está apoiada em razões independentes do documento - e neste caso deve repelir a revogação (vid. Código de Processo Civil Anotado, volume VI, página 357).

Portanto, o documento novo deve, por si só, assegurar uma decisão favorável, ou seja, se apresentado a tempo, criaria no Tribunal uma convicção diversa daquela a que chegou; daí que se possa afirmar que tem de existir nexo de causalidade entre a não apresentação desse documento e o de ter julgado como se julgou.

Ora, no caso em apreço, o facto da revogação da assunção de dívida (que a recorrente parece pretender ser extintivo da obrigação que assumiu e, logo, por isso, inviabilizador da condenação judicial…) teve lugar em Dezembro de 2012, já depois de transitado o acórdão do STJ que confirmou aquela condenação.

Trata-se de um facto novo, objectivamente superveniente que não foi discutido no processo e, logo, não suscitou qualquer decisão…

E se não houve nem poderia haver decisão sobre tal questão, não houve seguramente erro de julgamento em matéria de facto que tal documento pudesse ter evitado…

Em síntese:

I – O recurso de revisão previsto nos art.s 771º e segs CPC deve ser apreciado pelo tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado e a rever;

II – Tratando-se de decisão proferida em recurso, a revisão compete ao tribunal superior (Relação ou STJ), pois foi esta – e não a dos tribunais inferiores – que transitou em julgado;

III – O fundamento da revisão previsto na al. c) do art. 771º CPC é a apresentação de um documento novo superveniente, comprovativo de facto alegado e discutido na acção onde foi proferida a decisão a rever e que, só por falta de tal documento, foi julgada desfavoravelmente ao recorrente;

IV – O documento novo de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não pudesse podido fazer uso deve ser um documento existente na pendência do processo onde foi proferida a decisão a rever porque, por um lado, a parte só podia ter conhecimento do que existe (sendo um absurdo lógico, ignorar a existência do que não existe…) e, por outro, o não ter podido fazer uso desse documento na acção anterior deve ser entendido no sentido de que, noutras circunstâncias, teria podido fazer uso dele (e ninguém pode fazer uso do que não existe…);

V – Assim, é, no mínimo, duvidoso que o documento a que alude a alínea c) do art. 771º CPC, possa ser um documento que ainda não existia na pendência da acção onde foi proferida a decisão a rever e só foi criado posteriormente ao respectivo trânsito;

VI – Independentemente disto, a revisão não pode ter lugar se os factos comprovados por tal documento não tiverem sido alegados na acção anterior.

VII – E por maioria de razão se tais factos se reconduzem a actuações da própria parte que os invoca e em seu próprio benefício…


ACÓRDÃO

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado.

Custas pela recorrente.

Lisboa e STJ, 19-09-2013


Os Conselheiros


Fernando Bento (Relator)

João Trindade

Tavares de Paiva