Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1242-L/1998.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 04/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Doutrina: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - REVISÃO DE SENTENÇA
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 771.º
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, Nº4.
Sumário :
I - A revisão não pode ter como base, apenas, indícios da razão daquele que a pretende, mas sim uma consistente demonstração de que essa razão é provável, ou seja, o artº 771º do CPC exige que o documento por si só indicie tal probabilidade II - Interpretação mais ampla deste preceio constituíria uma infracção ao princípio do processo equitativo do artigo 20º, nº4, da CRP, bem como ao princípio da confiança ali previsto.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I
AA, réu na acção ordinária apensa, movida por BB e mulher, CC, veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão, pedindo que seja revogado o acórdão, transitado em julgado, proferido naqueles autos.

Alega que o mandatário que constituiu para o representar na acção, tinha a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, o que só agora descobriu. O que tem como consequência a nulidade e pode servir de base ao presente recurso de revisão.
O documento que certifica a falta de inscrição da Ordem dos Advogados constitui documento novo, nunca considerado no debate da causa e implica um julgamento diferente da questão da validade da citação do réu nesta acção.
Acresce que aquele advogado que constituiu, sofria de doença mental que não lhe permitia valorar os seus actos conforme relatório psiquiátrico que junta.
Diz o recorrente que se o réu constituir mandatário, que não era advogado, sem lhe poderem ser atribuída qualquer responsabilidade na escolha que fez, uma vez descoberta a irregularidade, deve ter lugar o procedimento de regularização da representação que a lei prevê, ou seja, a constituição de um verdadeiro advogado continuando o processo a partir daí.
Assim, tendo em conta que a decisão da causa baseou-se numa confissão ficta, foi cometida uma nulidade insanável, que origina a revogação da sentença.

O recurso foi de imediato indeferido, nos termos do art. 774º nº 2 do CPC, por se considerar que não existe motivo para a revisão.
Dela recorreu o réu , mas sem êxito.
Recorre o mesmo novamente, o qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:
1 Os dois documentos de novidade incontroversa, apresentados no recurso de revisão intentado, têm causalidade normativa de um resultado diversa, potencial de nova justiça na aplicação diferente do direito ao caso.
2 Nem se diga que a nulidade da citação apenas releva na revelia absoluta e permanente, porque sendo a nulidade da citação colocada em processo civil nos deveres de ofício do tribunal, há-de sobrar espaço para estes poderem ser concretizados, além do suprimento, como a lei refere.
3 E esse além é não só a revelia absoluta como, do mesmo modo, o são estes casos que derivam do cometimento de crimes forenses ou da insanidade.
4 Um entendimento diferente, frustrando o princípio do due process of law, infringe dispositivos constitucionais, nomeadamente, os artºs 2º, 17º, 18º nº 1, 20º nº 2, 202º nº 2 e 208º da CRP.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II
Factos assentes:

A decisão recorrida assenta nos seguintes elementos de facto que decorrem do processo principal e dos documentos juntos:
1 O réu constituiu mandatário para o representar neste processo, o Sr. Dr. DD, através da procuração junta a fls. 54, datada de 4 de Dezembro de 1998.
2 Em 8 de Junho de 2001 o réu juntou aos autos nova procuração forense, desta vez outorgada a favor da Dra EE, datada de 4.6.2001, que se mostra junta a fls, 224, advogada que o tem patrocinado desde então.
3 De acordo com a certidão emitida pela Ordem dos Advogados junta a fIs. 8 e 9, datada de 25.7.2008, o Sr. Dr. DD, em 27 de Abril de 1987 sofreu pena de suspensão por tempo indeterminado, mantendo-se a suspensão desde essa data, até que em 15.9.2002 foi-lhe aplicada pena de cancelamento da inscrição.

III
Apreciando

1 As instâncias entenderam que o documento junto pelo recorrente não podia constituir fundamento de recurso de revisão.
Como assinala a Relação, o caso julgado como regra básica da segurança jurídica só pode ter como excepção casos de flagrante injustiça. A revisão não pode ter como base apenas indícios da razão daquele que a pretende, mas uma consistente demonstração de que essa razão é provável.
Assim, o artº 771º do C. P. Civil ao prever diversas hipóteses em que a revisão é possível, não se limita a enunciar casos de irregularidades em que a sua ocorrência possa ter tido influência na decisão da causa, mas em que, para além disso, mostrem a possível razão do recorrente.
No que ao presente recurso interessa temos:
a de apresentação de documento de que a parte não podia ter tido conhecimento, ou dele fazer uso;
a da nulidade ou da anulabilidade da confissão;
a da falta de citação.
No que ao primeiro requisito respeita, temos que não sofre dúvidas que, liminarmente, é de considerar que o recorrente não podia ter feito uso anteriormente desse mesmo documento.
Contudo o referido artº 771º exige também que o documento, por si só, seja suficiente para a modificação da decisão num sentido mais favorável ao recorrente.
Ora como bem se diz na decisão recorrida, a prova de que o mandatário estava suspenso da ordem e que, por isso, tudo se passava como não existisse mandatário, não demonstra, por si só que a alteração da decisão viesse a ser menos desfavorável ao recorrente da revisão.
Só por esta razão não seria admissível o recurso.
Quanto à segunda questão, a da anulabilidade da confissão, a sua apreciação resulta do facto de que a decisão foi proferida nos termos da confissão ficta, dado que não foi apresentada contestação.
A verdade é que não estamos perante uma verdadeira confissão, que é um auto de auto regulação de interesses, como aliás a desistência ou transacção, também previstos no artº 771º, sendo que a confissão ficta é apenas uma regra processual que o legislador faz equiparar nos seus efeitos à confissão.
Também por aqui não pode ser admitido o recurso.
Como se disse em 2ª instância:
Estão assim em causa os aludidos negócios de auto-composição, nos quais não se inclui, naturalmente, a confissão ficta, decorrente da falta ou extemporaneidade da contestação, que não pode ser atacada com o referido fundamento. Com efeito, a mesma decorre da não oposição do réu e de este não ter usado do princípio do contraditório e não em consequência de erro, dolo, coacção ou simulação
Finalmente põe o recorrente a questão da nulidade da citação, pois foi citado quando não estava em condições psíquicas de ser citado.
Ora, o artº 771º é claro no sentido de que a nulidade da citação só será de atender nos casos de revelia absoluta, que não é a hipótese dos autos.
Diz o recorrente que a falta de citação é do conhecimento oficioso. É-o em regra, não na hipótese dos requisitos para a admissão do recurso de revisão, que são unicamente aqueles que a lei prevê.
Falecendo, também por este motivo razão ao recorrente.

2 Vem o recorrente alegar que esta interpretação dos preceitos processuais citados levaria a infringir o princípio do direito ao due processe of law. Com o que se infringiriam os preceitos constitucionais dos artº 2º, 17º, 18º nº 1, 20 nº 2, 202º nº 2 e 208º da CRP.
O referido princípio significa o direito a um processo honesto ou justo, ou seja, aquele em que as partes têm os mesmos direitos na defesa das suas pretensões, podendo ser equiparado ao da igualdade de armas na litigância. É, pois, um princípio de equilíbrio e é neste perspectiva que tem de ser visto. Ou seja, na perspectiva de ambas a partes em confronto. Tem cabimento na lei constitucional no artº 20º nº 4, quando ali se refere que todos têm direito a um processo equitativo.
Ora, é precisamente o due processo of law que implica que as regras da litigância, nomeadamente, dos requisitos do recurso de revisão não pudessem ser interpretados nos termos pretendidos pelo recorrente.
A outra parte, que instaurou uma acção, que viu a sua pretensão ser acolhida pelo tribunal e a decisão deste transitar em julgado, arriscar-se-ia, a ver o direito que tinha por adquirido, por uma razão a que é alheia e é de imputar à outra parte (apesar da falta de culpa desta), ser novamente posto em causa. Sem a menor garantia de que esta tivesse razão. Haveria aqui uma violação, não só do princípio do processo equitativo, como também do princípio da confiança tal como tem tido acolhimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Deste modo, improcede o recurso.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo e confirmam o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 7 de Abril de 2011

Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva
João Bernardo