Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3528
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Nº do Documento: SJ200311200035282
Data do Acordão: 11/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 769/03
Data: 04/07/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : 1. Mesmo que não haja diminuição salarial, o lesado que vê diminuída, em termos definitivos, a sua capacidade laboral por força do facto lesivo, tem direito a ser ressarcido por danos patrimoniais, porque o dano físico determinante da incapacidade exige dele um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do trabalho.
2. A indemnização do dano futuro decorrente da incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no período provável de vida, ou seja, um capital que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante esse período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido.
3. Todavia, os resultados deste critério não podem ser aceites de forma abstracta e mecânica, devendo ser temperados por juízos de equidade, se se mostrarem desajustados relativamente ao caso concreto.
4. A indemnização por danos não patrimoniais - que visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido - deve ser significativa, e não meramente simbólica.
5. Indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária: a indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade, atendendo às circunstâncias referidas no art. 494º do CC, o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de "compensação".
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.

"A" intentou, no Tribunal Judicial de Matosinhos, contra CP - Caminhos de Ferro Portugueses, EP, acção com processo sumário, fundada em acidente ferroviário ocorrido em 25.12.95, na linha Porto/Póvoa, consistente em descarrilamento, ao Km 7,950, do comboio 15127, no qual a autora seguia, como passageira, tendo sofrido, em consequência do descarrilamento, lesões várias, no corpo e na saúde, que lhe causaram danos patrimoniais e não patrimoniais, pelos quais reclama a indemnização de 6.178.910$00, acrescidos de juros, desde a propositura da acção até integral pagamento.
A ré impugnou os factos alegados pela autora, e referiu já ter indemnizado esta de todos os prejuízos que por ela foram demonstrados, concluindo por pedir que a acção fosse julgada improcedente.
Efectuada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, pela qual a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar à autora a quantia de 3.888.310$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

A ré interpôs, da sentença, o pertinente recurso de apelação; e a autora recorreu subordinadamente.
A Relação do Porto, em acórdão adrede proferido, julgou parcialmente procedente o recurso da ré e improcedente o recurso subordinado, acabando por condenar a demandada a pagar à autora o montante de € 15.062,25, sendo 8.575,88 por danos patrimoniais e 6.484,37 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Recorre de novo a autora, agora de revista para este Supremo Tribunal.
As conclusões da sua alegação de recurso podem sintetizar-se como segue:
1) Atendendo que a recorrente auferia mensalmente, como contrapartida do seu trabalho de costureira, o montante de 70.000$00, e ainda 130.000$00 por tomar conta de uma idosa durante a noite, a quantia de € 8.575,88 atribuída a título de danos patrimoniais, por diminuição da sua capacidade de trabalho, é insignificante, dado que tinha, à data do acidente, 58 anos de idade e ficou a sofrer de uma IPP de 5%;
2) Deve ser atribuída à recorrente, pela diminuição da sua capacidade de trabalho, uma indemnização nunca inferior a 2.000.000$00;
3) O acórdão recorrido violou, nesta matéria, o disposto nos arts. 483º, 562º, 564º e 566º do CC;
4) Ficou provado que a recorrente sofreu angústia, susto, abalo, aborrecimentos e medo de morrer, quer devido ao descarrilamento do combóio em que seguia, e ao facto de ter ficado com dores, dentro de uma carruagem inclinada, quer por ter ficado duas semanas acamada sem se poder movimentar, e, posteriormente, ter de se deslocar de canadianas e de se submeter a tratamentos de fisiatria;
5) Ficou com uma cicatriz de 6 centímetros, relevante para o dano estético, e com medo de andar de combóio, sendo ainda de referir a existência de dores esporádicas no joelho associadas aos esforços e mudanças climáticas e de edema marcado na perna;
6) Ficou a sofrer de uma grave, significativa e permanente limitação funcional que afectou de forma irreversível a sua qualidade de vida, quer a nível pessoal, quer a nível profissional, e as dores, angústia e amargura acompanhá-la-ão até ao fim da vida;
7) Estes danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, e devem ser indemnizados com a quantia de 1.500.000$00, fixada na sentença da 1ª instância;
8) O acórdão recorrido, não considerando devidamente estes danos não patrimoniais e a culpa grave da recorrida, violou o disposto nos arts. 483º e 496º/1 do CC.

Em contra-alegações, a recorrida CP pugna pela improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
2.
Vem, das instâncias, provado o seguinte quadro factual:
I - No dia 25 de Dezembro de 1995, na linha Porto/Póvoa, ocorreu um acidente ferroviário, cerca das 9.20 horas;
II - Deveu-se o mesmo ao descarrilamento do combóio n.º 15127, ao Km 7,950, no lugar das Carvalhas, freguesia de Custóias, concelho de Matosinhos;
III - A autora viajava no referido combóio;
IV - A autora permaneceu com dores, dentro de uma carruagem inclinada;
V - Depois, a autora foi transportada para o Hospital de S. João, no Porto, e deste para o Hospital da Póvoa de Varzim;
VI - Após o acidente, quando a autora começou a caminhar, fê-lo com duas canadianas e fez ginástica de fisioterapia de adaptação à marcha, sendo transportada em dias alternados, de ambulância, ao Hospital da Póvoa de Varzim, para tratamentos;
VII - A ré já efectuou pagamentos de tratamentos sofridos pela autora em instituições médicas;
VIII - Depois de ter alta do Hospital da Póvoa de Varzim, a autora convalesceu na sua residência, onde esteve acamada durante duas semanas, por não se poder movimentar;
IX - Como consequência do descarrilamento a autora sofreu ferida contusa do joelho direito e fractura do polo inferior da rótula, sem desvio;
X - Tais lesões determinaram-lhe incapacidade absoluta para o trabalho desde 25.12.95 até 15.05.96;
XI - Bem como uma IPP de 5%;
XII - A autora deslocou-se a tratamentos de fisiatria na Clínica de neurologia e Fisiatria da Póvoa de Varzim, L.da nos dias 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 21, 22, 23, 26, 27, 28 e 29 de Fevereiro e ainda nos dias 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20 e 21 de Março e 2, 3, 4, 9, 10 e 11 de Abril, do ano de 1996;
XIII - Por causa do acidente, a autora deixou de trabalhar durante o período de 25.12.95 a 01.06.96;
XIV - Sendo que até à data do acidente a autora auferia uma média mensal de 70.000$00, referente ao trabalho de costura, procedente de artesanato caseiro, que contratava com terceiros;
XV - Também durante o período da noite e até àquele acidente a autora auferia uma média diária de 5.000$00 para tratamento e companhia de uma senhora idosa a seu cargo, numa média mensal global de 130.000$00;
XVI - Rendimentos esses de que ficou privada durante os meses de Janeiro a Maio de 1996, inclusive;
XVII - Por estar impossibilitada de olhar pelas lides domésticas (cozinhar, fazer as camas, varrer e limpar o pó, lavar a roupa, etc.), viu-se obrigada a contratar os serviços de uma empregada que, ao mesmo tempo, a ajudava nas suas diversas necessidades pessoais, pagando-lhe cerca de 40.000$00 mensais durante o tempo da sua incapacidade, num total global de 160.000$00;
XVIII - Despendeu ainda a autora a quantia de 59.310$00 referente a consultas e tratamentos médicos.
3.
Está assente, e não vem questionada, a culpa (presumida) da recorrida CP na eclosão do sinistro, e reconhecido, também sem oposição desta, o direito da recorrente a ser indemnizada pelos danos que sofreu por via do acidente.
É apenas a quantificação destes que constitui objecto do presente recurso.

3.1. Quanto aos danos patrimoniais, que a 1ª instância fixou em 2.888.310$00 - 59.310$00, de despesas com consultas e tratamentos (n.º XVIII da matéria de facto), mais 160.000$00, de pagamentos dos serviços efectuados à empregada (n.º XVII), mais 1.000.000$00 de proventos que deixou de auferir (n.º XIV e XV), mais 1.669.000$00, por diminuição da sua capacidade de trabalho) - e a Relação baixou para 1.719.310$00, por redução do montante respeitante a este último dano para 500.000$00 - a discordância da recorrente centra-se apenas na valoração operada nas instâncias no tocante a este aludido dano, o dano patrimonial futuro, resultante da diminuição da sua capacidade laboral por efeito da IPP de que passou a sofrer.
Retomando entendimento já afirmado no recurso subordinado, entende a recorrente que a indemnização adequada a reparar esse específico dano não pode ser inferior a 2.000.000$00 (€ 9.975,96).
Vejamos, pois.
É hoje um dado adquirido o de que o lesado que vê diminuída, em termos definitivos, a sua capacidade laboral por força do facto lesivo tem direito a ser ressarcido pelo prejuízo que daí lhe advém. Tal diminuição acarreta, em termos de normalidade, a diminuição do resultado do seu trabalho e a consequente redução da retribuição desse trabalho; e mesmo que não haja diminuição salarial, vem este Supremo Tribunal entendendo que a IPP dá lugar a indemnização por danos patrimoniais, ponderando que o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do trabalho.
Estabelece o art. 564º/2 do CC (1), que "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".
Não é, porém, tarefa fácil a fixação da indemnização relativa aos danos futuros.
Vários são os critérios que têm sido propostos para determinar essa indemnização, sendo que, ultimamente, a nossa jurisprudência vem acolhendo a solução de que a indemnização do dano futuro decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida, ou seja, um capital que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido (2).
Tal critério cumpre, ao menos tendencialmente, o princípio geral válido em matéria de obrigação de indemnização: reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º). Todavia, os seus resultados não podem ser aceites de forma abstracta e mecânica, como parece ter acontecido na decisão da 1ª instância, devendo ser temperados por juízos de equidade (cf. art. 563º/3) - que assentem na idade e tempo provável de vida da vítima, na actividade profissional por esta desenvolvida, na flutuação futura do valor do dinheiro, etc. - se se mostrarem desajustados relativamente ao caso concreto.
À data do acidente a autora tinha 59 anos de idade, pois nasceu em 20.12.36 (certidão de fls. 57), e trabalhava como costureira, por conta própria, em sua casa, auferindo, em média, 70.000$00 mensais por esse trabalho de costura. Durante o período da noite desenvolvia outra tarefa, de tratamento e acompanhamento de uma senhora idosa a seu cargo, o que lhe proporcionava um rendimento médio mensal de 130.000$00.
Como consequência do acidente, ficou a sofrer de uma IPP de 5%.
Tendo em conta tal IPP e o rendimento mensal da recorrente, à data do acidente, e considerando que os reflexos daquela incapacidade no trabalho desta são na mesma percentagem, importaria concluir que a perda de rendimento futuro será de 10.000$00/mês, ou seja, 120.000$00/ano.
Considerando uma taxa de juro de 4,5% (3), o capital necessário para produzir este rendimento seria de 2.666.667$00.
Mas, como é óbvio, esta importância terá de sofrer vários e significativos ajustamentos.
Desde logo, porque a recorrente irá receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para obstar a uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia, há que proceder a um desconto, e, diga-se, muito substancial. Só assim se evitará que a recorrente fique colocada numa situação em que receba os juros, mantendo-se o capital intacto (4).
Sendo, aliás, conhecido o quantum da diminuição anual do rendimento, decorrente da IPP, outro caminho mais fácil parece dever trilhar-se, tendo como ponto de partida a idade da recorrente. Admitindo que o seu período de vida activa finde aos 70 anos de idade, a perda de rendimento não ultrapassaria 1.320.000$00 (120.000$00x11anos=1.320.000$00). E, como se refere no estudo citado, quanto mais baixa for a idade da vítima, maior será a tendência para nos aproximarmos da quantia encontrada (a partir das fórmulas matemáticas usadas) ou mesmo ultrapassá-la; quanto mais alta for essa idade, maior será a tendência para nos desviarmos dela, para baixo.
O julgamento de equidade, como meio adequado de conformação dos valores legais às características do caso em apreço, impõe ainda que se tome em conta a origem da principal fonte do rendimento da recorrente considerado à data do acidente - os cuidados que prestava a uma senhora idosa - e o consequente carácter precário e (em termos de normalidade) pouco duradouro dessa fonte de rendimento, que, previsivelmente, não acompanhará todo o período de vida activa da recorrente.
Considerando todos estes factores, entendemos adequado atribuir à recorrente, por efeito da intervenção temperadora da equidade, a indemnização de 1.000.000$00 (€ 4.987,98), pelos danos patrimoniais resultantes da IPP, o que equivale a descontar àquele montante de 1.320.000$00 o correspondente a cerca de ¼, que nos parece a medida certa para evitar o enriquecimento injusto daquela à custa da recorrida.

3.2. No que concerne aos danos não patrimoniais, a sentença da 1ª instância fixou-os em 1.500.000$00, entendendo a Relação mais adequado fixá-los em 1.300.000$00.
A recorrente pugna pelo retorno ao montante fixado pela 1ª instância.

"Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Assim textua o art. 496º/1.
De acordo com o n.º 3 do mesmo normativo, "o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º".
A gravidade do dano deve aferir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos. Por outro lado, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso (entre as quais se contam, seguramente, as lesões sofridas e os respectivos sofrimentos), devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (5).
Sendo certo que nestes casos a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, não é menos verdade que tal compensação deve ser significativa, e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal acentua cada vez mais a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais.
Todavia, importa sublinhar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias, já enunciadas, referidas no art. 494º - o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de "compensação".
No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a ter a recorrente sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável que se trata de danos de gravidade suficiente para justificarem a intervenção reparadora do direito.
As dores de que padeceu enquanto permaneceu dentro da carruagem inclinada, após o descarrilamento do combóio, e posteriormente, em consequência das lesões sofridas; os incómodos decorrentes quer da passagem por dois hospitais, e da subsequente permanência no leito, sem se poder movimentar, quer da necessidade do uso de canadianas para se locomover; o sofrimento físico necessariamente ligado aos tratamentos de fisioterapia de adaptação à marcha; a angústia de se ver impossibilitada de trabalhar durante quase seis meses, e de se sentir parcialmente diminuída na sua capacidade de trabalho - não consentem dúvidas a tal respeito.
As lesões sofridas, pela sua natureza e localização, são significativamente dolorosas, como aliás resulta do relatório do Instituto de Medicina Legal do Porto que, numa escala com sete graus de gravidade crescente, fixou o quantum doloris no grau 4.
A isto deverá juntar-se o prejuízo estético, que é também um dos elementos do dano não patrimonial, como reconhece este Tribunal (6). Esse prejuízo - que corresponde ao desgosto sofrido pela vítima pelo prejuízo estético permanente das sequelas lesionais, tendo em conta a sua idade e sexo - resulta do facto, assinalado no relatório do IML, de ter a recorrente ficado com uma cicatriz de 6 cm na face anterior do joelho direito, tendo aí sido fixado no grau 2 da dita escala, não sendo, pois, muito significativo.
Estamos, pois - repete-se - perante danos não patrimoniais cuja gravidade, objectivamente considerada, justifica e impõe a tutela do direito.
E, considerados os factores relevantes na formulação do juízo de equidade para a fixação do quantum indemnizatório - designadamente o modo de produção do acidente, provocado por descarrilamento do combóio, relativamente ao qual não foi apurada culpa efectiva do maquinista, ancorando a responsabilidade da CP, no entender da sentença da 1º instância, no disposto no art. 500º/1 do CC; a situação económica da ré, relativamente à qual releva o conhecimento geral de que a exploração da rede ferroviária é altamente deficitária; as consequências das lesões sofridas pela recorrente, o quantum doloris e o grau do prejuízo estético - e não perdendo de vista o sentido das decisões jurisprudenciais mais recentes sobre a matéria, também esta uma circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade (7), temos por certo que o montante fixado pela Relação (1.300.000$00, a que correspondem € 6.484,37) se mostra ajustado, não se justificando proceder à sua alteração.

Inalterados também se mantêm os montantes indemnizatórios já fixados, sem discussão, na sentença da 1ª instância, correspondentes aos outros danos de natureza patrimonial já acima referenciados.
4.
Nos termos que ficam expostos, concede-se parcialmente a revista, pelo que, revogando-se, em parte, o acórdão recorrido, se condena a ré "CP - Caminhos de Ferro, EP" a pagar à autora A, como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por esta sofridos em consequência do acidente ferroviário de quo agitur, o montante global de € 17.554,24 (dezassete mil quinhentos e cinquenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), sendo € 11.069,87 por danos patrimoniais e € 6.484,37 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do respectivo decaimento, e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário oportunamente concedido à primeira.

Lisboa, 20 de Novembro de 2003
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
---------------------------
(1) São deste Código os preceitos citados na exposição subsequente sem indicação de origem.
(2) Cf. o Acórdão deste Tribunal, de 25.06.02, Col. Jur.- Acs. do STJ, X, 2, 132.
(3) Conselheiro Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, Separata da Col. Jur. - Acs. do STJ, X, 1, pág. 9.
(4) Estudo citado, pág. 9.
(5) Cf. Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., vol. I, pág. 486.
(6) Cf., v.g., os acórdãos de 26.01.94, Col. Jur. - Acs. do STJ, II, 1, 66, e de 15.05.03, na revista 483/03, da 2ª Secção.
(7) Como o acentua o acórdão deste Tribunal referido na nota 1, supra.