Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
181/13.3TXPRT-F.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: HABEAS CORPUS
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO.
Doutrina: - Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993
- Gomes Canotilho, /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074
- Cláudia Santos, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 2997, na RPCC, 200
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2006 (DR, 1.ª SÉRIE, 9.JANEIRO.2006
Sumário :
I — A questão é a de saber se após a revogação da liberdade condicional, por incumprimento dos deveres impostos, a nova concessão de liberdade condicional ocorre aos 5/6 da pena em que inicialmente foi condenado, ou se, pelo contrário, o remanescente constitui uma “outra” pena devendo a possibilidade de concessão da liberdade condicional ser avaliada ao ½, 2/3 e, eventualmente 5/6 (se o remanescente ultrapassar os 6 anos), do cumprimento do remanescente da pena.
II — A liberdade condicional constitui “uma modificação substancial da forma de execução da reacção detentiva” (Sandra Oliveira e Silva), pelo que a “liberdade condicional assume, não um carácter gracioso, mas a natureza de um incidente da execução da prisão dirigido à ressocialização dos condenados” (Sandra Oliveira e Silva), o que impõe que também o período de liberdade condicional seja computado na pena a cumprir.
III — Quando o condenado é colocado em liberdade condicional, mas infringe grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe tenham sido impostas, será aquela revogada, por força do disposto no art. 64.º e 56.º, do CP. O que terá como consequência a “execução da pena de prisão ainda não cumprida” (art. 64.º, n.º 2, do CP), sendo certo que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” (art 64.º, n.º 3, do CP, itálico nosso).
IV — Ainda que a pena em que inicialmente tenha sido condenado seja uma pena de prisão superior a 6 anos de prisão, ainda assim se após a concessão de liberdade condicional esta é revogada, para que seja novamente colocado em liberdade ter-se-á mais uma vez que verificar se os pressupostos para concessão da liberdade condicional estão ou não preenchidos.
V — Mesmo no caso em que o condenado seja colocado em liberdade condicional aos 5/6, ao abrigo do disposto no art. 61.º, n.º 4, do CP, e se depois esta for revogada, nova avaliação ter-se-á que se fazer ao ½ do remanescente da pena, aos 2/3, e em revisão anual da instância (por força do art. 180.º, do Código de Execução de Penas e medidas privativas da liberdade).
VI — Conclui-se que uma vez revogada a liberdade condicional ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 1, do CP, o delinquente terá que cumprir nova pena correspondente ao remanescente da pena em que inicialmente foi condenado, e nova liberdade condicional poderá (ou não) ser concedida consoante estejam verificados os pressupostos do art. 61.º, do CP, ou seja, os pressupostos exigidos em todo aquele dispositivo.
VII — O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2006 resolveu o problema de concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, de acordo com o disposto no, então, art. 62.º [atual art. 63.º], do CP — ou seja, nos casos de cumprimento sucessivo de penas. É certo que se refere não só à “soma das penas sucessivas”, mas também a “pena de prisão superior a 6 anos” — todavia, remete-nos, expressamente, para o disposto no, então, art. 62.º, n.º 3, do CP [atual art. 63.º, n.º 3, do CP), apenas relativo à concessão de liberdade condicional em caso de cumprimento sucessivo de penas.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I Relatório

1.1. AA, preso à ordem do processo n.º 181/13.3TXPRT-A, vem, por intermédio do seu advogado, requerer a providência de habeas corpus, nos termos do art. 31.º da Constituição da República Portuguesa, e arts. 222.º e 223.º. n.º 4, al. d), do Código de Processo Penal (doravante, CPP), considerando estar preso ilegalmente por ter sido o “esgotado o prazo pelo qual poderia estar preso à ordem do presente processo, uma vez que já cumpriu 5/6 da pena em que foi condenado, de 6 anos e 4 meses” porquanto:

I. « AA foi condenado pelo crime de tráfico e consumo de estupefacientes na pena de 6 anos e 4 meses de prisão, no processo nº 63/95, que correu seus termos no Tribunal Judicial de Penafiel, com acórdão transitado em julgado em 7/11/95.

II. Em 19/12/1997, no âmbito do mesmo processo foi o Arguido, colocado em Liberdade Condicional (doravante LC).

III. Em 1998 ausentou-se para Espanha, local onde lhe prometeram um emprego, mas com esta decisão violou as regras a que estava adstrito, pois apesar de ter dado conhecimento ao I.R.S. não esperou pela necessária decisão judicial,  tendo no entanto, porque contava com o deferimento da sua pretensão, e, porque a oportunidade de emprego se poderia gorar, ausentado, como se disse sem a prévia e necessária autorização do TEP.

IV. Face à prática de novo crime, da mesma natureza, foi em Espanha condenado a nova pena de prisão.

V. No cumprimento da pena em Espanha, submeteu-se, voluntariamente, a um processo de reintegração, com o intuito de superar o problema de toxicodependência de que padecia, nas instalações da Fundação Erguete, na qual aprendeu o ofício de electricista e com a qual celebrou em Agosto de 2000 um contrato de trabalho até Julho de 2001.

VI. Em 2001 foi notificado da revogação da LC  anteriormente concedida, em Portugal.

VII. Em 12/2/2009 saiu em LC, relativamente ao crime cometido em Espanha, tendo sido trazido, pelas Autoridades Espanholas  à fronteira portuguesa.

VIII. De regresso a Portugal seguiu com a sua vida tendo, para o efeito, actualizado todos os documentos necessários à sua inclusão na sociedade, designadamente, o Cartão Único, renovou a carta de condução, colectou-se nas Finanças como empresário Individual, e começou a exercer uma actividade profissional fornecendo, inclusivamente, empresas como os SMAS do Porto e a Quinta da Aveleda em Penafiel, entre outros.

IX. Não olvidando a situação jurídico-penal pendente, dirigiu-se aos serviços do IRS em Rio Tinto, expondo os factos ocorridos desde a data em que saiu em LC, isto é, desde 1997.

X. Referiu ter já cumprido a pena a que havia sido condenado em Espanha e que estava de volta a Portugal, pelo que queria saber a sua situação com a justiça portuguesa, pretendendo regularizar a mesma, ao que lhe responderam que nada constava ali e que, muito provavelmente, uma vez que se haviam passado mais de 15 anos, a situação estaria resolvida.

XI. Adquiriu a Liberdade Definitiva, face à condenação no Reino Espanhol, em 28/6/2010.

XII. E assim, após estar 4 anos em liberdade, recuperado do problema de toxicodependência do qual padecia, inserido social, familiar e profissionalmente, e convencido da sua liberdade definitiva, foi em 4/2/2013 surpreendido no seu local de trabalho, detido e entregue no Estabelecimento Prisional de Custóias, a fim de cumprir o remanescente da pena de prisão resultante daquele processo de 1995, de 2 anos, 8 meses e 17 dias, não tendo oferecido qualquer resistência.

XIII. Em 10/09/2013 perfez o cumprimento dos 2/3 da pena de prisão, aguardando, desde essa altura, decisão sobre concessão ou não da LC facultativa.

XIV. Na verdade, perspetiva-se uma decisão positiva, uma vez que se encontram preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para tal decisão, isto é, o mínimo de seis meses de prisão, e o requisito da prevenção especial, posto que em quatro anos de liberdade dedicou a sua vida ao trabalho e à família, tendo-se comportado de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, para além do exemplar comportamento que vem mostrando ao longo da reclusão, v.g. colocação laboral durante a execução da pena.

XV. No entanto, face à delonga da tramitação processual relativa a tal decisão, por ver precludidos os seus direitos de, eventualmente, recorrer de uma decisão negativa e ver a instância renovada, situação anómala e gravemente lesiva dos seus direitos de cidadão enquanto preso, expôs e requereu, ao TEP, a sua libertação, tendo, a propósito, feito alusão ao fato de os 5/6 da pena serem alcançados no dia 01/10/2014 .

XVI. Sucede que, em resposta, pronunciou-se o Digníssimo Juiz do 2º Juízo de TEP pela não aplicação do n.º 4 do art.º 61.º do CP, posto que a execução da pena foi interrompida pela concessão da liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis desta norma em privações prolongadas da liberdade.

XVII. Não se conformando com tal decisão interpôs, o Peticionante, recurso da mesma, tendo sido este indeferido, mormente, por ser uma mera aclaração do que já havia ficado decidido num outro Despacho datado de 7/3/2013,  o qual fixa, única e simplesmente, o término da pena em 22/10/2014 e que, por sua vez, não foi comunicado ao Peticionante.

XVIII. Acresce que, atualmente, o Peticionante perfez os 5/6 da pena, no dia 1/10/2014, não tendo sido restituído, como estatui a lei, à liberdade.

XIX. Ora, tendo em conta, por um lado, os Despachos do TEP, referidos em XVI e XVII, cujo conteúdo consubstancia uma decisão antecipada mas definitiva da questão da não aplicabilidade do regime do Art.º 61º, n.º4 ao ora Peticionante, e por outro, a falta de resposta esclarecedora , por parte das entidades Espanholas, aos sucessivos contactos do TEP solicitando informações reputadas como necessárias, com o que não se concorda, à decisão sobre a LC aos 2/3, não resta, outra opção senão o recurso ao Habeas Corpus, de modo a defender os Direitos Liberdades e Garantias do condenado.

XX. De fato, o TEP, não obstante o constante de fls. 214, 219, 221 e 222, tem solicitado, desde meados de Janeiro do presente ano a esta parte, informações concernentes às condenações anteriormente cumpridas, pelo Peticionante, no Reino Espanhol, no entanto, não tem logrado dissipar todas as suas dúvidas, tendo decorrido já mais que um ano, desde que o Recluso aguarda a respetiva decisão sobre a LC aos 2/3.

XXI. Sucede que face ao cumprimento dos 5/6 da pena, a decisão relativa à concessão, ou não, da LC pelo cumprimento dos 2/3 perde todo o sentido, na medida em que o Recluso não está mais dependente de um qualquer juízo de prognose para ser posto em liberdade, posto que estão preenchidos os requisitos necessários, para que beneficie do regime preconizado no art.º61º, n.º4 do CP, a saber: o cumprimento de 5/6 da pena superior a seis anos, e, a concordância do Condenado, a qual aqui se expressa desde já.

XXII. Como é consabido, o Habeas Corpus é uma providência extraordinária que se destina a assegurar, de forma especial, o direito à liberdade constitucionalmente garantido, constituindo, por isso, um “remédio excepcional” (SIMAS SANTOS, in Ac. STJ 06/25/2008), a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade.

XXIII. No caso decidendum, falham essas garantias, pois não utilizamos a presente providência para impugnar qualquer ilegalidade/irregularidade nem, sequer, para recorrer de uma decisão, que a nosso ver, nada tem de boa, tem-se em vista, tão somente, a reposição da legalidade de uma norma que é claramente aplicável ao caso do Peticionante, e que estando a ser violada impede este último do exercício de um dos direitos mais elementares do ser humano, o DIREITO À LIBERDADE, e por conseguinte, o direito a ver cumprida uma garantia constitucional.

XXIV. Resulta do preceituado no n.º4 do Art.º61º do CP: “Sem prejuízo dos números anteriores, o condenado a pena superior a seis (6) anos, é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.”.

XXV. Se da norma não se extrai qualquer ininterruptabilidade no cumprimento da pena, apenas se constatando que é composta pela locução conjuntiva temporal “logo que”, não fazendo a sua previsão depender a respetiva estatuição de quaisquer outros requisitos que não sejam os requisitos formais (cumprimento dos 5/6 da pena superior a 6 anos e a aceitação do condenado, que é sempre necessária, cfr. nº1 do mesmo normativo legal),  então a sua aplicação será, à partida, “automática”.

XXVI. Por outro lado, o fato de ser precedida pela expressão “sem prejuízo do disposto nos números anteriores” não impede a sua aplicabilidade ao condenado que já tenha beneficiado da LC “facultativa”, antes reitera quer a coexistência, quer a independência das duas modalidades (facultativa e automática/obrigatória), pelo que a prevista no nº4, preenchidos que estejam os aludidos requisitos formais, aproveita quer ao condenado que não tenha beneficiado da LC “facultativa”, quer àquele tenha beneficiado dela, aquando do cumprimento de 1/2 ou 2/3 da pena, ou até das duas e tenha havido posterior revogação.

XXVII. Por conseguinte, referidos que foram os elementos sistemático e gramatical da norma, avoque-se a jurisprudência do Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 10/03/2012, proferido no âmbito do processo nº 3944/10.8TXPRT-H.P1, em caso simétrico á situação em crise, e o qual, fazendo alusão ao elemento histórico do art. 61º, nº3 (actual nº4) aduz que “(...) A discussão sobre o n.º 3 centrou-se no seguinte (cfr. mesma Acta n.º 7, p.70 da supra citada obra): «O Sr. Procurador-Geral da República exprimiu as suas dúvidas quanto à redacção do n.º 3 e isto porque o condenado pode ter aproveitado as soluções anteriores (de liberdade condicional “facultativa”) e depois voltar à cadeia.»
O Professor Figueiredo Dias concordou com a objecção levantada, reconhecendo haver necessidade de obter uma decisão para o caso do condenado a pena de prisão superior a 8 anos que é posto em liberdade condicional quando se encontram cumpridos dois terços da pena e depois vê revogada a liberdade condicional.»
Volta à prisão para cumprir o resto da pena, saindo obrigatoriamente em regime de liberdade condicional quando haja cumprido cinco sextos da pena? Ou é de negar a libertação aos cinco sextos?» O Sr. Procurador-Geral da República «frisou o ónus do Estado na preparação do delinquente para a liberdade,
que deverá ainda aqui justificar a liberdade condicional obrigatória. O Estado procederá sempre à libertação do condenado, pois, se não for no momento do cumprimento dos cinco sextos da pena, sairá em liberdade plena pouco tempo depois. A manutenção, nesta hipótese, da liberdade condicional obrigatória manteria ainda algum controlo sobre o delinquente.» Na sequência desta intervenção a Comissão acordou na seguinte redação para o n.º 3 do art.º 61.º: «3 – O condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.».” (Negrito nosso)

XXVIII. Perante tal enquadramento, não restam dúvidas que o atual nº4 do art.º61º foi pensado, pressupondo também, os casos em que foi revogada a liberdade condicional anteriormente concedida, e, ainda que assim não fosse, é patente a sua aplicabilidade aos aos mesmos, atento o disposto no art. 64º, nº3.

XXIX. A propósito,  preconiza o Art.º 64º, nos seus n.ºs 2 e 3 que, tal revogação implica o cumprimento da pena de prisão ainda não cumprida, portanto o remanescente da pena primitivamente aplicada, – in casu 2A,8M e 17D - podendo haver lugar, contudo, a concessão de nova liberdade condicional,  nos termos do Art.º 61º.

XXX. E com “remanescente” a lei refere-se ao que sobeja da pena inicialmente aplicada ao condenado e não a uma pena nova e autónoma daquela, pelo que, tal como acontece relativamente a ½ e a 2/3 da pena de prisão, também os 5/6 são aferidos em função da pena inicial, no caso dos 6A e 4M de prisão.

XXXI. Neste sentido, é de citar o Ac. do STJ de 06/25/2008, cujo sumário consigna que “6 – Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º.
7 – E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente.”

Destarte, se de acordo com o nº3 do art.º 64º “
pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.º61º”, tal significa que essa concessão há-de ser enquadrada em qualquer das modalidades aí previstas, incluindo a concessão “ope legis” referida no nº4 do mesmo.

XXXII. Aduz, ainda, o sumário daquele aresto:” 8 – Por outro lado, como decidiu o AcSTJ de 06/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 162 a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do C. Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. E sendo esta liberdade condicional é um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade.”

XXXIII. Pelo exposto, não podem, razões relacionadas com a ininterruptabilidade do cumprimento dos 5/6 da pena ou com o insucesso da LC anteriormente concedida, servir de mote à não aplicabilidade do regime instituído no nº4 do Art.º61, ao condenado que haja sido detido para cumprimento do remanescente da pena de prisão, por ter visto revogada a LC anteriormente concedida.

XXXIV. Neste contexto, veja-se, ainda, o caso relatado no Ac. Uniformizador deste tribunal n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, com particularidades similares ao que aqui nos ocupa, que dirimindo uma situação em que o condenado se subtraiu ilegitimamente do Estabelecimento Prisional, fixa a seguinte jurisprudência: “Nos termos dos n.os 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.”

XXXV. Ora, se naquele acórdão, a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos, motivada pela ausência ilegitima do Estabelecimento Prisional, não obstou à concessão da LC aos 5/6 da pena, a fortiori também a descontinuidade motivada pela ausência legítima, que constitui a liberdade condicional, posteriormente revogada, não deverá obstar.

XXXVI. Deste modo, é incontestável que, embora, seja o escopo do art.º61º, n.º4 do CP centrado nas privações prolongadas de liberdade, maxime penas de prisão efetiva superiores a 6 anos, não deixa de gravitar em torno desse preceito normativo o poder/dever do Estado fiscalizar a conduta do ex-recluso na sua reintegração e ressocialização na vida comunitária, pelo que o verdadeiro sentido da norma não se esgota num único fim.

XXXVII. Com efeito, sigamos de perto as considerações deste Egrégio Tribunal tecidas nesse aresto, de onde consta que “(...) A liberdade condicional denominada, como se viu, de «obrigatória» ou «necessária», visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade (...)Mas visa, ao mesmo tempo, facilitar a reintegração social do agente e bem assim permitir o exercício de um certo controlo sobre a sua inicial inserção na comunidade (...)”

XXXVIII. Fixa, ainda, referindo-se ao antigo nº5 do art. 61º do CP, actual nº4, o seguinte: “I - O artigo 61.º, n.º 5, do CP estabelece que o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena, isto é, em diverso dos restantes casos de concessão da liberdade condicional, em que se exigem pressupostos materiais que dependem da apreciação prudencial do juiz, quando se perfizerem cinco sextos da pena é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional.
II
- A liberdade condicional prevista no artigo 61.º, n.º 5, do CP opera ex vi legis, dependendo tão-só da verificação dos requisitos formais enunciados na referida norma; a liberdade condicional depende, em tais casos, unicamente da verificação objectiva, qual acto de acertamento, do decurso de um determinado tempo de cumprimento da pena. III - Trata-se de um direito do arguido, cujo respeito não depende de qualquer margem de discricionariedade do tribunal, sendo que, por outro lado, é do interesse da própria comunidade que ao condenado seja facilitada a sua reinserção na vida em liberdade plena através das medidas que acompanham a concessão da liberdade condicional.
IV
- O condenado que cumpriu os cinco sextos da pena deve ser obrigatoriamente colocado em liberdade condicional. V - Não tendo assim ocorrido, verifica-se uma situação de ilegalidade da prisão, que se manteve para além do prazo fixado na lei, o que constitui o fundamento de habeas corpus previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.». (Sublinhado nosso)

XXXIX. Acresce, também, que a não concessão da LC pelo cumprimento ininterrupto dos 5/6 não pode surgir como  ideia de «castigo» para os que viram ser revogada a LC anteriormente concedida, pois tal implica a violação do princípio ne bis in idem, cujo enunciado geral se encontra no art. 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, e do mesmo passo, constitui, igualmente, poena sinne lege, uma vez que tal solução não está prevista na lei.

XL. Ante o que se explanou, é patente que, uma vez preenchidos os requisitos formais - cumprimento dos 5/6 da pena superior a 6 anos e o consentimento do condenado – exigidos no art.º61, nº4 do CP,  preceito que é de aplicação obrigatória, (v.g. IV - O condenado que cumpriu os cinco sextos da pena deve ser obrigatoriamente colocado em liberdade condicional. Ac. do STJ no processo nº1151/05.3) deveria o respetivo TEP ter tramitado os autos, com vista à apreciação da LC por 5/6 e imediata libertação do aqui Peticionante, o que não aconteceu.

XLI. Legitimando, deste modo, a presente petição que leva ao conhecimento do Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um caso de injustiça traduzido em prisão ilegal. ( cfr. Artº 222, nºs. 1 e 2 al.c) do C.P.P.)

E o consequente pedido de reposição incontinenti da legalidade através da libertação do aqui peticionante, ordenando-se, ao Tribunal de Execução das Penas que providencie pela sua imediata colocação em liberdade condicional, com a fixação do respectivo regime.»

            1.2. Foi ainda referido que o requerente solicitou pedido de apoio judiciário aos Serviços da Segurança Social, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, pedido que deu entrada naqueles serviços a 10 de setembro de 2014, embora ainda não se encontre nos autos documento comprovativo do seu deferimento.

2. Foi prestada a informação nos termos do art. 223.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual:

                « Independentemente do facto de o condenado AA (nascido a 8ago1962, titular do 81 5924583), não se mostrar preso á ordem dos autos deste Tribunal de Competência Territorial Alargada de Execução das Penas Porto (actual Unidade Processual 3 — Juiz 3, extinto 2.° Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto) (PUR 181/13.3TXPRT, apenso A de Liberdade Condicional, ou 13 de Incidente de Incumprimento de Liberdade Condicional), mas sim em cumprimento de pena, concretamente remanescente de pena, face a revogação de liberdade condicional, pena essa a cumprir à ordem dos autos da condenação (PCC 63193 do Circulo de Penafiel, posteriormente NUIPC PCC 12/95.4TBPNF do extinto 1.0 Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel, actualmente Secção Central Criminal da Comarca do Porto Este), o que sempre valeria para os termos da exigida apresentação da petição de Habeas Corpus à autoridade à ordem da qual aquele se mantém preso, o certo é que é face à decisão de revogação de liberdade condicional, proferida em 24out2001, transitada em julgado, que a questão se mostra colocada, ainda que sob a égide de Habeas Corpus Preventivo [situação que não podemos sindicar a este nível, ainda que conhecedores da mais recente jurisprudência do STJ ([1])], emitir-se-á de imediato a informação a que se refere o art. 223.° do CPP


***

a)           AA foi condenado no âmbito do PCC 63/93 do Círculo de Penafiel, posteriormente NUIPC PCC 12195.4TBPNF do extinto 1.0 Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel, actualmente Secção Central Criminal da Comarca do Porto Este, pela autoria de crimes de consumo de estupefacientes, tráfico de estupefacientes e de falsificação de documento, viu ser-lhe aplicada uma pena composta de 6A4M de prisão e de 45D de multa (certidão de fis. 2/21 do apenso a).

b)           Na execução dessa pena de prisão teve 1/2 computado para 6jul1997 e termo para 6set2000.

c)           Viu ser-lhe, em 19dez1997, concedida Liberdade Condicional, tendo sido fixada como termo da mesma a data de

6se12000 (certidão de fls. 55156 do apenso a).

d)           Essa Liberdade Condicional iniciou-se nesse mesmo dia 19dez1997(certidão de fls. 65/54v do apenso a).

e)           Logo em 20abr1998 (sem qualquer solicitação nos autos, sem qualquer comunicação ao então IRS) o libertado condicional se ausentou de Portugal, existindo informação — a18out1998 — que se encontraria recluso em Espanha (certidão de fls.

76/79 do apenso a).

[assim se fazendo constar, desde já a desconformidade do alegado no ponto III da petição de Habeas Corpus]

f)            Por decisão de 24out2001 foi revogado a Liberdade Condicional concedida (certidão de fls. 81/83 do apenso b).

g)           Não se logrou a notificação do libertado condicional, com revogação.

h)           Em 30abr2002 a Policia Judiciária informa que o libertado condicional, com revogação estará recluso, preventivo, no Reino de Espanha (certidão de fls. 128/129 do apenso b).

i)            Existe informação de que o libertado condicional, com revogação terá sido condenado pela Justiça do Reino de Espanha numa pena de 10A de prisão, cujo termo operada em 28jun2011 (certidão de fls. 123 do apenso a)

j)            Através de Carta Rogatória dirigida às autoridades Judiciais do Reino de Espanha logrou-se a notificação da decisão de Revogação de Liberdade Condicional em 25jun2002 (certidão de fls. 162 do apenso b).

(assim se fazendo constar, desde já a desconformidade do alegado no ponto Vi da petição de Habeas Corpus)

O libertado condicional, com revogação foi detido em 4fev2013 para cumprimento do remanescente de pena em resultado de RLC (certidão de fls. 369 do apenso b).

l)            O cômputo de RLC determina a execução de 2A8M18D daquela pena inicial de 6A4M de prisão, com termo para 22out2015, despacho este notificado ao então IM do recluso e ao próprio recluso (certidão de fls. 376 do apenso b) 137/138; 140., 169/169v do apenso a).

(assim se fazendo constar, desde lá a desconformidade do alegado no ponto XVII da petição de Habeas Corpus)

m)         Em 8abr2013 foi proferido despacho a fixar renovação de instância para apreciação de LC pelos 213 de pena, fixando-se essa data para 10set2013, despacho este notificado ao então IM do recluso e ao próprio recluso (certidão de fls. 177; 179: 183 do apenso).

n)           Remetidos os autos ao então 2.a Juízo do TEP-Porto, face ao EP de afectação — EP de Santa Cruz do Bispo — foi proferido despacho liminar em 28mai2013 (certidão de fls. 189 do apenso a).

o)           Junta FB e Relatório por parte dos Serviços Prisionais da DGRSP, resulta do mesmo expressa referência de que o recluso se afirmava recluso durante 8A no Reino de Espanha em cumprimento de pena pelo mesmo tipo de crime que o trazia à presente reclusão, pelo que foi proferido despacho a ordenar que se aguardasse (fIs 177 (o mesmo é dizer o determinado no despacho de 8abr2013) (certidão de fls. 189 a 196 e 199 do apenso a).

p)           Junto Relatório por parte dos Serviços de Reinserção Social da DGRSP, resulta do mesmo expressa referência de que o recluso se afirmava recluso durante 8A no Reino de Espanha em cumprimento de pena pelo mesmo tipo de crime que o trazia à presente reclusão e que obtida LC nesses autos residiu em Espanha (Vigo), dedicando-se à venda de peixe (certidão de Os. 203207 do apenso a).

q)           Junto CRC do recluso do mesmo não consta a condenação que o mesmo afirma ter sido executada (não se sabendo se é a reportada no Reino de Espanha (cfr. supra q) e h) veio o recluso juntar, através do seu IM, um documento provindo dos Serviços Prisionais do Reino de Espanha, pelo que foi proferido despacho a ordenar ao recluso que esclarecesse à ordem de que autos esteve detido em cumprimento de pena no Reino de Espanha, em que EP e entre que datas, o que este informou (no quanto lhe afirmava possível, esclarecendo contudo que, afinal, eram duas penas — uma de 5A e outra de 10A, pelo que foi tramitada a intervenção do Ponto de Contacto em Matéria Penal /Eurojust com vista ao esclarecimento da questão — essencial à determinação dos factos essenciais à apreciação oportuna de LC (certidão de fls. 211/215; 218/223 do apenso a).

r)            Junta informação — face à incompletude da mesma — foi ordenada a directa solicitação aos Juzgados do Reino de Espanha referidos (certidão de fls. 230/233 do apenso a).

s)            Perante requerimento do então IM do recluso, foi o mesmo esclarecido da impossibilidade de marcação de CT para apreciação de LC, porquanto se cumpria instrução processual (certidão de fls. 234/239 do apenso a).

t)            Em 23mai2014 é proferido despacho de controlo de PUR (face a necessidade de esclarecimento solicitado pelo EP quanto à aplicação de 5/6, despacho este que ainda assim foi notificado ao então IM do recluso, bem como a este (certidão de Os. 240/241 do apenso a).

(assim se fazendo constar, desde lá a desconformidade do alegado no ponto XVI da petição de Habeas Corpus)

u)           Deste despacho recorreu o recluso (certidão de fls. 242/264 do apenso a).

v)           Recurso este não admitido (certidão de fls. 265/269 do apenso a).
{assim se fazendo constar, desde lá a desconformidade do alegado no ponto XVII da petição de
Habeas Corpus).

w)          Em 20ago2014 deu entrada nos autos informação da justiça o Reino de Espanha, por reporte parcial ao referido em q), aguardando os autos o demais (certidão de fls. 270/280 do apenso a).


***

Em conclusão:

A)           Executa-se RLC por período de 2A8M18D duma original pena de 6A4M de prisão;

B)           Nesta pena de 6A4M — nas considerações do art. 479.°, n.° 2 do CPP — os 2/3 operaram em 10set2013 (sendo que a RLC se iniciou em 4fev2013) e o termo opera em 22out2015;

C)           Por força da aplicação da conjugação da regra do art. 61.°, n.° 3 do CP com o art. 63.°, n.° 4 do CP, no caso de RLC não opera a viabilidade de aplicação de LC em sede de 5/6 da pena de 6A4M (neste sentido o despacho de 23mai2014 e a jurisprudência no mesmo citada, bem como a jurisprudência citada no despacho de 4ju12014, que se repete em nota[2]);

D) Em lado algum dos autos se referiu que não existe apreciação de LC por 2/3;

E) Os autos não possuem ainda instrução finalizada (art. 174º, n.° 1 do CEP), sendo que sem essa conclusão não se pode determinar convocação de CT para apreciação de LC;

É o quanto entendo que me cumpre informar (explanado e justificando posição face ao supra referido) para os termos do art. 223.° do CPP.»

3. O arguido foi condenado na pena de prisão de 6 (seis) anos, por acórdão do Tribunal Judicial de Penafiel (cf. fls. 48), estando preso ininterruptamente desde 06.05.1994 (cf. fls. 50); segundo a liquidação da pena, a metade do seu cumprimento ocorreria a 06.07.1997 (cf. fls 57) e o seu termo a 06.09.2000 (cf. fls 50).

A 19.12.1997, foi colocado em liberdade condicional “pelo tempo de prisão que lhe falta cumprir, ou seja, até 6/9/2000, mediante a imposição dos seguintes deveres e regras de conduta: a)  residir em Termas de S. Vicente, Pinheiro, Penafiel; b) Aceitar a tutela da equipa do IRS de Penafiel, localizada no Edifício do Tribunal Judicial, à qual se apresentará no prazo de 10 dias após libertação e, futuramente, quando e onde ali lhe for determinado; c) Não acompanhar pessoas ligadas ao tráfico ou ao consumo de estupefacientes, nem frequentar locais conotados com  a prática de tais atividades; d) Dedicar-se a trabalho assíduo e honesto e ter bom comportamento” (cf. sentença, fls 54). O arguido, agora preso, foi depois detido em Espanha em meados do mês de Março, segundo informação dada pela mãe ao Instituto de Reinserção Social, a 20.04.1998 (cf. fls. 61).

A liberdade condicional foi revogada “por infracção dos deveres e regras de conduta fixados” por decisão de 14.10.2011 (cf. fls 67 e ss). Segundo esta decisão, o arguido esteve em Espanha detido até março de 2000, e “após ter sido libertado na sequência do cumprimento parcial daquela pena de 5 anos e até 25/09/2000, não mais o arguido se apresentou junto do I.R.S.” (cf. fls. 68). Todavia, ainda em 30.04.2002 se encontrava preso em Madrid (cf. informação da Policia Judiciária a fls. 71).

Foi mais tarde detido para cumprimento do remanescente da pena de prisão, de 2 anos, 8 meses e 18 dias, a 04.02.2013 (cf. fls. 79), tendo neste dia entrado no Estabelecimento Prisional do Porto. O termo da pena ocorrerá a 22.10.2015 (cf. fls. 83 e 84).

Por despacho de 08.04.2013 do Tribunal de Execução de Penas do Porto, entendeu-se que “a instância renova-se em 10.09.2013, data em que serão alcançados os dois terços da pena” (fls. 89).

Segundo informação da delegação espanhola no Eurojust, o requerente terá estado preso em Espanha desde 25.10.2008 até 28.06.2011, tendo sido detido em 03.03.1998 (cf. 126 e 127).

A 23.05.2014, o Tribunal de Execução de Penas do Porto considerou que não havia lugar à libertação do requerente aos 5/6 da pena em que foi condenado, por não se aplicar o art. 61.º, nº 4, do Código Penal, dado que o requerente está em cumprimento de pena após revogação da liberdade condicional (cf. fls. 137). E, deste despacho, o preso interpôs o preso recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que não foi admitido pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto ­ (cf. fls. 164 e ss.) dado que o despacho anteriormente proferido decorreu de um incidente suscitado pelo preso — em que requereu expressamente a concessão da liberdade condicional (fls. 130 e ss) — e não de uma decisão, proferido ao abrigo do art. 179.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em que se tenha decidido pela concessão ou não de liberdade condicional.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP.

Há agora que tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.

II Fundamentação

1. Nos termos do art. 31.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa,  o interessado pode requerer, perante o tribunal competente,  a providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (cf. Gomes Canotilho, /Vital Moreira,  Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508).

Exigem-se cumulativamente dois requisitos: 1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e, 2) detenção ou prisão ilegal (cf. neste sentido, ibidem, anotação ao art. 31.º/ II, p. 508).

Nos termos do art. 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), a ilegalidade da prisão deve ser proveniente de aquela prisão

“a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.  

Isto é, a providência de habeas corpus terá que ser interposta cumprindo estas exigências muito estritas e só verificados um (ou mais) destes pressupostos pode a prisão ser declarada ilegal.

Cabe a este tribunal averiguar se existe uma ilegalidade clara na manutenção da prisão, dado que esta providência deve ser utilizada para “reagir a situações de excepcional gravidade”  (Cláudia Santos, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 2997, na RPCC, 2000, p. 309, itálico da autora).

2. De tudo o compulsado nos presentes autos, importa destacar a informação relevante:

- AA foi condenado numa pena única de prisão de 6 anos e 4 meses e 45 dias de multa, pela autoria de crimes de consumo de estupefacientes, tráfico de estupefacientes e de falsificação de documentos;

- esteve preso desde 06.05.1994, e ao meio da pena foi-lhe concedida liberdade condicional com cumprimento de deveres e regras de conduta,  tendo sido libertado a 19.12.1997;

- todavia, ausentou-se de Portugal, facto de que se tem conhecimento a 20.04.1998, ou seja,

- não se sabendo exatamente em que momento deixou de residir em Portugal e, portanto, sem se saber o dia exato em que deixa de cumprir um dos deveres que lhe tinha sido imposto (residir em Termas de S. Vicente, Pinheiro, Penafiel), deverá considerar-se que a partir de 20.04.1998 o arguido se encontra a infringir grosseiramente o dever que lhe foi imposto, pelo que apenas durante 4 meses prossegue o cumprimento da pena em regime de liberdade condicional;

- a concessão da liberdade condicional é revogada a 24.10.2001, todavia apenas a 04.02.2013 entra no Estabelecimento Prisional do Porto para cumprimento do remanescente da pena (2 anos, 8 meses e 18 dias).

A pergunta que se coloca é a de saber se após a revogação da liberdade condicional, por incumprimento dos deveres impostos, a nova concessão de liberdade condicional ocorre aos 5/6 da pena em que inicialmente foi condenado, ou se, pelo contrário, o remanescente constitui uma “outra” pena devendo a possibilidade de concessão da liberdade condicional ser avaliada ao ½, 2/3 e, eventualmente 5/6 (se o remanescente ultrapassar os 6 anos), do cumprimento do remanescente da pena. Da resposta a esta pergunta resultará a conclusão quanto a dever (ou não) ser o requerente libertado condicional e, consequentemente, quanto a saber se se encontra (ou não) preso ilegalmente.

A liberdade condicional constitui “uma modificação substancial da forma de execução da reacção  detentiva”[3], pelo que a “liberdade condicional assume, não um carácter gracioso, mas a natureza de um incidente da execução da prisão dirigido à ressocialização dos condenados”[4], o que impõe que também o período de liberdade condicional seja computado na pena a cumprir. A liberdade condicional, enquanto «última fase de execução da pena»[5], visa promover a “ressocialização social dos delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração através da sua libertação antecipada — uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas — e, deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre[6]. São, pois, exigências de prevenção especial positiva que legitimam o instituto, e só alcançadas quando o condenado der o seu consentimento.

No que respeita à concessão de liberdade condicional (dita “obrigatória”, pois não são exigidos os requisitos de concessão previstos no art. 61.º, n.ºs 2 e 3, do CP, apenas se exigindo o consentimento do condenado, de acordo com o art. 61.º, n.º 1, do CP) aos 5/6 do cumprimento de uma pena de prisão superior a 6 anos, também são exigências de prevenção especial de socialização que estão na sua base — “É um facto criminologicamente comprovado, com efeito, que penas longas de prisão, por mais positivo que possa ter sido o efeito ressocializador da sua execução, provocam compreensivelmente no condenado uma profunda desadaptação à comunidade em que vai reingressar e, deste modo, dificuldades acrescidas na sua reinserção social”[7]. Pretende-se com esta liberdade condicional “obrigatória” diminuir a incidência destes aspectos negativos e permitir que o condenado tenha uma fase de transição entre a prisão e a liberdade total, “liberdade livre” de quaisquer constrangimentos, deveres ou regras de conduta.

Ora, quando o condenado é colocado em liberdade condicional, mas infringe grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe tenham sido impostas, será aquela revogada, por força do disposto no art. 64.º e 56.º, do CP. O que terá como consequência a “execução da pena de prisão ainda não cumprida” (art. 64.º, n.º 2, do CP), sendo certo que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” (art 64.º, n.º 3, do CP, itálico nosso). Da letra da lei retiramos a conclusão de que a concessão da liberdade condicional pode ser concedida, tratando-se de uma nova liberdade condicional, que apenas ocorrerá se os pressupostos do art. 61.º, do CP, estiverem cumpridos. Ou seja, todos os pressupostos previstos naquele artigo: consentimento do condenado (n.º 1), concessão ao ½ da pena, depois de cumpridos pelo menos 6 meses de prisão, e desde que verificados os pressupostos das als. a) e b) do nº 2, concessão aos 2/3 da pena se cumpridos os pressupostos da al. a), do n.º 2 e no mínimo de 6 meses de prisão (n.º 3), e concessão aos 5/6 se a pena a cumprir foi superior a 6 anos de prisão. Porém, e volta a acentuar-se, após a revogação é concedida nova liberdade condicional a partir da pena que agora tem que ser cumprida, entendendo-se que esta conceção “está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá de efectuar”[8].

E justifica-se um novo juízo dado que aquele que anteriormente presidiu à concessão da liberdade condicional — o de que o condenado “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” e “a libertação se revel[ou] compatível com a defesa da ordem e da paz social”, ou o de que o condenado “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” — ficou sem efeito dado que, com a revogação, o condenado mostrou que não conduziu a vida de modo socialmente responsável. Ou seja, ainda que a pena em que inicialmente tenha sido condenado seja uma pena de prisão superior a 6 anos de prisão, ainda assim se após a concessão de liberdade condicional esta é revogada, para que seja novamente colocado em liberdade ter-se-á mais uma vez que verificar se os pressupostos estão ou não preenchidos. Até porque, mesmo no caso em que o condenado seja colocado em liberdade condicional aos 5/6, ao abrigo do disposto no art. 61.º, n.º 4, do CP, e se depois esta for revogada, nova avaliação ter-se-á que se fazer ao ½ do remanescente da pena, aos 2/3, e  em revisão anual da instância (por força do art. 180.º, do Código de Execução de Penas e medidas privativas da liberdade). Não se diga que também neste caso, em que foi, por exemplo, colocado pela primeira vez em liberdade condicional apenas aos 5/6 da pena de prisão superior a 6 anos, que uma vez revogada, logo quando retorne à prisão se terá que colocar novamente o condenado em liberdade condicional, porque já passaram os 5/6 da pena em que inicialmente foi condenado.

Assim sendo, conclui-se que uma vez revogada a liberdade condicional ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 1, do CP, o delinquente terá que cumprir nova pena correspondente ao remanescente da pena em que inicialmente foi condenado, e nova liberdade condicional poderá (ou não) ser concedida consoante estejam verificados os pressupostos do art. 61.º, do CP, ou seja, os pressupostos exigidos em todo aquele dispositivo.

Nos presentes autos, o requerente já beneficiou de liberdade condicional em relação à pena inicialmente fixada; não aproveitou a oportunidade e violou os deveres de conduta que lhe tinham sido impostos. Ao iniciar o cumprimento do remanescente, relativamente a este, uma nova liberdade condicional terá que ser avaliada; e só com base neste remanescente. Na verdade, relativamente à pena inicialmente fixada já beneficiou daquela, sendo agora outra a pena que permite nova concessão de liberdade condicional.

Resta dizer que, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2006 (DR, 1.ª série, 9.janeiro.2006) o problema que foi colocado é distinto. Foi então fixada a seguinte jurisprudência: “Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61.º [atual artigo 61.º, n.º 4] e 3 do artigo 62.º [atual artigo 63.º, n.º 3] do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional” (já na altura o disposto no atual art. 64.º, n.º 2 e 3, do CP, tinha a redação que tem neste momento). Ora, o acórdão de fixação de jurisprudência resolveu o problema de concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, de acordo com o disposto no, então, art. 62.º [atual art. 63.º], do CP — ou seja, nos casos de cumprimento sucessivo de penas.  É certo que se refere não só à “soma das penas sucessivas”, mas também a “pena de prisão superior a 6 anos” — todavia, remete-nos, expressamente, para o disposto no, então, art. 62.º, n.º 3, do CP [atual art. 63.º, n.º 3, do CP), apenas relativo à concessão de liberdade condicional em caso de cumprimento sucessivo de penas.

Já, então, quando não se tratasse de uma cumprimento sucessivo de penas valia o disposto, tal como referido, no art. 61.º, n.º 5 [atual art. 61.º, n.º 4) — ou seja, não estava nunca em causa, naquele acórdão, a situação de revogação da liberdade condicional e nova concessão daquela, na altura regulamentada no art. 64.º, n.º 3, do CP (atual art. 64.º, n.º 3, do CP). E é este o caso dos presentes autos, em que o requerente cumpre agora pena após revogação da liberdade condicional anteriormente concedida.

E também é diferente (a situação abrangida pelo acórdão n.º 3/2006) dado que o problema que se colocava referia-se à possibilidade (ou não) de concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, quando durante o cumprimento de pena (superior a 6 anos) o condenado não tenha estado ininterruptamente no estabelecimento prisional por lhe ter sido concedida uma saída precária prolongada, e desta não tenha regressado no momento que tinha sido determinado. Diferente, pois, da situação dos presentes autos, em que houve revogação da liberdade condicional, ou seja, não se trata agora de um caso em que o condenado não regressa à prisão como devia, mas de um caso em que foi colocado em liberdade e não cumpriu os deveres que lhe foram impostos. Situações diferentes logo evidenciado pelo facto de serem diferentes as autoridades que concedem uma ou outra, assim como diferentes as consequências do seu não cumprimento — num caso, eventualmente, reações disciplinares, no outro, eventualmente, decisão judicial de regresso à prisão.

3. AA regressou, a 04.02.2013, ao estabelecimento prisional, para cumprimento do remanescente da pena de 6 anos e 4 meses, isto é, 2 anos, 8 meses e 18 dias, em que tinha sido condenado, porque lhe foi revogada a liberdade condicional, a 14.10.2011.

Assim sendo, o requerente encontra-se a cumprir a pena que ainda não tinha sido cumprida (de acordo com o disposto no art. 64.º, n.º 2, do CP) e, nos termos do art. 64.º, n.º 3, do CP, poderá beneficiar de nova liberdade condicional, uma vez verificados os requisitos do art. 61.º, do CP.

Não estamos já, tendo em conta que o remanescente é de 2 anos, 8 meses e 18 dias, perante uma pena de longa duração, em que se justifique uma necessidade acrescida de libertação “obrigatória” antes do cumprimento da pena. Aquela necessidade de readaptação à vida em sociedade após uma longa reclusão, ou a necessidade de facilitar o regresso à vida livre após um longo período afastado, não existe.

Assim sendo, o primeiro momento em que o arguido poderia ter sido colocado em liberdade condicional, poderia ter sido após o cumprimento de ½ da pena, isto é, 1 ano, 4 meses, e 9 dias. Sabendo que recomeçou o cumprimento da pena em 04.02.2013, ao 1/2 da pena deveria ter sido avaliada a possibilidade de concessão (ou não) da liberdade condicional.

Porém, a 08.04.2013, por despacho do Tribunal de Execução das Penas do Porto (1.º Juízo) entendeu-se que “a instância renova-se em 10.09.2013 data em que serão alcançados os dois terços da pena” (fls. 89).

Não se trata do momento correto dado que nesta data ainda o condenado não tinha cumprido o ½ da pena remanescente.

Porém, o processo foi iniciado e ainda hoje nada foi decidido, pois foram realizadas várias diligências no sentido de apurar o tempo e o período exato em que o condenado teria estado preso no Reino de Espanha. Por isto, e porque no despacho de fls. 89 se considerou que a concessão de liberdade condicional seria avaliada contando o tempo desde o início do cumprimento da totalidade da pena, o requerente requer a concessão da liberdade condicional aos 5/6 (fls. 130 e ss), tendo visto negada esta sua pretensão (fls. 137) e a interposição de recurso desta decisão (cf. fls. 164 e ss).

Se é certo que o processo para a concessão de liberdade condicional é oficioso (cf. arts. 173.º e ss, do Código de Execução das Penas) e da decisão final deste processo é que cabe recurso (cf. art. 179.º, do mesmo Código), e esse processo foi iniciado, como vimos, certo é também que, depois da revogação da liberdade condicional e depois de iniciado o cumprimento do remanescente, nova liberdade condicional poderá (ou não) ser concedida, sempre tendo em atenção a pena que agora tem que cumprir e os pressupostos exigidos por todo o art. 61.º, do CP.

Assim sendo, após a nova reclusão a 04.02.2013, e após 1 ano, 4 meses e 9 dias, deveria ter sido avaliada a possibilidade ou não de concessão da liberdade condicional (ou seja, a 13.06.2014), e não tendo sido concedida, haverá renovação anual da instância (13.06.2015), nos termos do art. 180.º, do Código de Execução de Penas, ou, se os 2/3 da pena que falta cumprir ocorrerem antes (os 2/3 ocorrem ao fim de 1 ano, 9 meses e 22 dias, ou seja, a 26.11.2014), nesta altura deverá novamente ser avaliada a concessão de liberdade condicional. Caso não se verifiquem os pressupostos constantes do art. 61.º, n.º 3, do CP, o condenado terá que cumprir a pena até ao fim (22.10.2015), dado que o remanescente —  2 anos, 8 meses e 18 dias — não é superior a 6 anos, pelo que não há liberdade condicional “obrigatória” neste caso.

Pelo que o requerente ainda se encontra em cumprimento de pena. Porém, entende-se que quando tiver atingido os 2/3 do remanescente da pena deverá ser iniciado o processo para concessão (ou não) de liberdade condicional. 

Assim sendo, o condenado AA ainda se encontra em cumprimento de pena, pelo que não está preso ilegalmente. A prisão foi ordenada com base em sentença transitada em julgado e por entidade competente, motivada por facto que a lei permite (a prática de um crime após julgamento), e dentro do tempo que lhe foi determinada a privação da liberdade, não estando, pois, em prisão ilegal, até ao termo da prisão em que foi condenado ou, caso se verifiquem os pressupostos de liberdade condicional no momento em que a lei impõe a necessidade da sua ponderação, até ao momento em que seja possível conceder-lhe a liberdade condicional.

III Decisão

            Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, após audiência, em indeferir a providência de habeas corpus,  requerida pelo preso AA, por falta de fundamento (art. 223.º, n.º 4, al. a) do CPP).

Taxa de Justiça: 3 UC, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de outubro de 2014

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz

Rodrigues da Costa

Santos Carvalho (Presidente)

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[1] Cfr. o recente Ac. do STJ de 7nov2012, proferido pelo Sr. Juiz Conselheiro Maia Costa, no âmbito do NUIPC 1996/97.1TOLSB-H.S1, onde se pode ler, em sumário, ler que:1V - A viabilidade do habeas corpus pressupõe também a actualidade da privação da liberdade e da [legalidade, já que não serve de mecanismo declarativo da ilegalidade de uma ultrapassada situação de privação da liberdade, nem 03M0 meio preventivo de uma futura detenção ou prisão ilegal, nem tão pouso para apreciar uma ilegalidade verificada em fase anterior do processo, mas que já não persiste quando o pedido é julgado.
[2] Habeas corpus
Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
Secções Criminais
Janeiro — Dezembro de 2010
Assessoria Criminal
1- O legislador, após as alterações ao CP, introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09, manteve a distinção do antecedente entre liberdade facultativa e obrigatória; aquela
ao meio da pena, mostrando-se, além do mais, satisfeitas as exigências de prevenção geral e especial, ou seja, desde que o condenado dê mostras de conduta
socialmente responsável e não ponha em causa a defesa da ordem e paz social; aos 2/3 desde que ajustada às razões de prevenção especial, ou seja, àquela condução de vida, posto que o não seja às razões de prevenção geral; aos 5/6, como princípio-regra, obrigatória — al. 61°, n.ºs, 2, als, a) e b), 3 e 4, do CP —, porém sempre dependente do consentimento do recluso.
II - Norma inovadora é a que se contém no art. 62.° do CP, em que se prevê a antecipação em 1 ano, no máximo, quanto á colocação em liberdade condicional, ficando o condenado sujeito ao cumprimento de obrigações especiais, que acrescem a outras impostas.
III - Introduz-se ao paradigma descrito, o regime especial do art. 63.°, n.°3, do CP, outorgando a liberdade condicional aos 5/6 da pena para os condenados a cumprir penas sucessivas se excederem 6 anos de prisão.
IV - No n.° 4 do mesmo art. 63.° do CP proíbe-se a concessão da liberdade condicional aos 516 da soma das penas no caso em que 'a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicionar, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, lento por razões de prevenção geral como especial.
V - A previdência de habeas corpus tem natureza residual, excepcional e de via reduzida, restringindo-se o seu âmbito à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação e só dos fundamentos taxativamente enunciados no art. 222.°, n.°2, do CPP. Reserva-se-lhe a Ideologia de reacção contra a prisão ilegal, ordenada ou mantida de forma grosseira, abusiva, por ostensivo erro de declaração enunciativa dos seus pressupostos.
VI - No caso, o arguido cumpre uma pena de 6 anos, 5 meses e 22 dias de prisão, resultante da revogação da liberdade condicional, pelo que está afastada a hipótese
de lhe dever ser concedida a liberdade condicional aos 516 da pena conjunta, estando o termo da pena previsto para 13-11-2011,0 que leva a concluir, sem mais, que
lhe faltam razões para fundar a providência de habeas corpos com base em excesso de prisão.
04-02-2010
Proc. n.° 2329/00.9TXLSB-A.S1 - 3.' Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Pereira Madeira
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Habeas Corpus
Cumprimento de pena
Liberdade condicional
Revogação
Pena de prisão
I - A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, sem prejuízo de relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida poder ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.0 do CP.
II -No caso em que ao arguido já tinha sido concedida a liberdade condicional, que depois foi revogada por incumprimento dos deveres impostos naquela decisão, a lei não impõe a libertação obrigatória e imediata daquele aos 5/6 da pena.
III - Como resulta inequívoco do art. 64.°, n.° 3, do CP, a pena de prisão remanescente e resultante da revogação da ['herdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos gerais do art. 61.° do CP.
IV - É claro que a lei autonomiza o remanescente da pena de prisão em relação à pena global, tratando-o de forma especifica em termos de liberdade condicional. O que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação, não releva para aquele efeito.
V - Por outro lado, embora remeta o regime da pena remanescente para o regime geral, estabelece logo uma restrição. E que, ao dispor que a prisão remanescente pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos gerais do art. 61.° do CP, a lei está a afastar, de forma clara, o regime automático do n°4 desse artigo, remetendo apenas para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos n.ºs 2 e 3 deste preceito.
VI - O que, aliás, se compreende pois a revogação da Uberdade condicional resultou de urna violação, pelo condenado, das obrigações que lhe tinham sido impostas. Essa revogação significa que falhou por completo a aposta que o tribunal linha feito na capacidade do condenado em viver liberdade de acordo com o direito.
VII - No caso, como o requerente não tem direito à liberdade condicional automática, prevista no n.° 4 do art. 61.° do CP, é de indeferir, por infundado, o pedido de habeas corpus.
03-08-2010
Proc. n.°3670110,8TXPRT-C.S1 - 3.' Secção
Fernando Fróis (relator)
Pires da Graça
Vasques Dinis
[3] Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 365
[4] Idem, p. 399.
[5] Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, § 831.
[6] Idem, (itálico do autor).
[7] Ibidem, § 855.
[8] Ibidem, § 867 (itálico nosso).