Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B726
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MORTE
MENOR
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
ALIMENTOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ20080508007262
Data do Acordão: 05/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1. A autora, filha do falecido em acidente de viação, apenas goza do direito de pedir indemnização por perda de rendimentos futuros derivados da morte do lesado, decorrentes da privação de alimentos que aquele, não fora a ocorrência do evento, por certo lhe viria a prestar (art. 495º, nº 3 do CC);
2. Sendo essencial para o apuramento de tal dano o recurso à equidade, sem prejuízo de, para procurar atingir a justiça do caso concreto, nos socorrermos de operações matemáticas que, tal como vem sendo utilizado pela jurisprudência comummente aceite, quanto à indemnização a pagar pela frustração do ganho, permitam representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no final do período em que a sua beneficiária auferiria, a título de alimentos, dos proventos do falecido;
3. Entende-se como adequada à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais próprios da autora, ocasionados pela morte do pai sinistrado no acidente de viação, ocorrida poucos meses antes do seu nascimento, a atribuição da quantia de € 20.000.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


AA, por si e em representação de sua filha menor BB, veio intentar acção, com processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS CC, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 275.000, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegando, para tanto, e em suma:
No dia 16/10/98, nas demais circunstâncias de tempo, lugar e modo que melhor descreve na sua p.i., ocorreu um acidente de viação por embate entre os veículos de matrículas ..-..-.. e ..-..-.., respectivamente conduzidos por DD e EE.
O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do CB e dele resultou a morte do condutor do IT, alem de outros danos que melhor especificam no seu articulado, todos se estimando no montante peticionado.
A A. AA era namorada e noiva do falecido EE e a A. BB é sua filha.
O DD havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o seu veículo para a Ré.

A Ré contestou a acção, defendendo-se, no que ora importa, por excepção, arguindo a ilegitimidade da A. AA e por impugnação, aceitando ter-se o acidente verificado por culpas concorrentes do seu segurado e do condutor do IT.
Sempre sendo exagerados – alguns deles não existem sequer – os danos peticionados.

Foi proferido o despacho saneador, tendo, no mesmo, e alem do mais, sido julgada a A. AA parte ilegítima, para, por si própria, pedir o ressarcimento dos danos morais sofridos pela vítima, da perda do direito à vida, dos danos morais próprios e da perda de capacidade de ganho da vítima, de tais danos, nessa parte, absolvendo a ré.
Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 308 a 309 consta.

Foi proferida a sentença, na qual foi a acção julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar à A. BB, por danos patrimoniais, a quantia de € 64.138,84, acrescida de juros vencidos desde 15/6/2005 e vincendos até integral pagamento e a quantia de € 30.000, por danos morais, acrescida de juros vincendos desde a sentença e até integral pagamento.

Inconformadas, vieram, A. e Ré interpor recursos de apelação, os quais foram julgados parcialmente procedentes, tendo a Ré sido condenada a pagar à A. BB, por danos patrimoniais, a quantia de € 35.000, acrescida de juros de mora desde 15/6/2005 até integral pagamento e a quantia de € 35.000 (7.000 + 28.000), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a decisão até efectivo pagamento.

De novo irresignada, veio a A. pedir revista para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - Quando apelou para o TR Coimbra a ora recorrente declarou, expressamente, concordar e aceitar os critérios, juízos, jurisprudência, doutrina e operações de determinação de cálculo dos "quantum" indemnizatórios, quer para o dano patrimonial, quer para o dano não patrimonial.
2ª - Assim, nesta instância, e também de forma expressa, mantém essa concordância que, reitera, em toda a sua argumentação e fundamentos jurídicos e que, com a vénia devida, continua a subscrever inteiramente e que, por razões de pura economia e honestidade intelectual, humildemente se limita a dar como reproduzidas nesta concreta sede recursiva (até por simples e honesto reconhecimento de que melhor não escreveria e nada mais ou conhecimento acrescentaria).
3ª - A recorrente interpôs recurso para o TR Coimbra apenas para a fixação da matéria de facto que, a ser alterada como propunha, implicava obrigatória alteração da repartição de culpas e, consequentemente, novo cálculo dos montantes indemnizatórios à luz dessa nova atribuição de percentagem de culpas.
4ª - O TR Coimbra, na procedência dessa alteração da matéria de facto e, face a tal alteração, fixou em 70% a quota de culpa do condutor do pesado e em 30% a quota de culpa da vítima, pai da autora, recorrente.
5ª - A ré, por sua vez, recorreu do critério de determinação desses "quantum" e do montante concretamente atribuído a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.
6ª - O recurso desta ré foi parcialmente procedente tendo-se fixado o valor concreto de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais e de igual quantia a título de dano patrimonial, pelas razões que aí constam. Salvo o devido respeito, não se pode concordar com a decisão assim proferida.
7ª - Quanto ao dano patrimonial, o TR Coimbra considerou que os filhos não têm ("não tem cabimento") direito a receber o total dos rendimentos deixados de auferir até ao termo da vida profissional dos pais (vítimas).
8ª - Continuando a ressalvar o muito respeito, estamos em crer, no nosso mais profundo sentir jurídico, que é a douta sentença do Tribunal da Comarca de Anadia que faz justiça nesse aspecto (e já desde a apelação para o TR Coimbra, como ficou dito), quer à boa doutrina, quer à boa e jurisprudência, aplicáveis ao caso.
9ª - Na verdade, a vítima só velo a falecer depois de ter sofrido a lesão que a vitimou, integrando na sua esfera jurídica o direito a ser indemnizada por danos futuros, indemnização (direito) essa que após a sua morte se transmite para a autora (in casu, única sucessora).
10ª- Assim, e retomando os mesmos critérios, juízos, doutrina e jurisprudência aplicados e sufragados na douta decisão do Tribunal da Comarca de Anadia, aplicando o critério de repartição de culpas determinado pelo TR Coimbra de 70% de culpa para o condutor do veículo pesado e pelas mesmas razões, tendo como acertado o montante global de € 128.277,68 a título de danos patrimoniais,
11ª- Deverá a ré companhia de seguros ser agora condenada a pagar à autora a quantia de € 89.794,49 (oitenta e nove mil e setecentos e noventa e quatro euros e quarenta e nove cêntimos) a titulo de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de 4% de juros ao ano, contados desde a data de 15/06/2005, data da citação para a presente acção que assim e desta forma vão expressamente peticionados.
12ª- Entendeu ainda o TR Coimbra que o montante atribuído à autora a título de dano moral, pela morte do seu pai, deveria ainda ser reduzido (como efectivamente foi) uma vez que o sofrimento, in casu, não reveste especial gravidade: não sendo nascida no momento da morte do pai, não irá sentir a dor da perda e da falta de carinho, afecto e atenção do pai semelhante ao de uma criança que tenha convivido com o seu pai. Face a tal constatação, reduziu para € 7.000,00 o montante indemnizatório a atribuído a tal título.
13ª- Salvo o devido respeito, este juízo "arrepia" a sensibilidade jurídica mais empedernida e, pela absoluta discricionariedade, constitui uma injustiça gritante que urge ser reposta. Na verdade
14ª- Não será maior o desgosto de uma criança que sabe que nunca vai poder conhecer o seu pai, que nunca vai poder trocar experiências com os seus amigos e colegas sobre o tempo passado com o seu pai, de nunca poder vir a lembrar-se da figura do seu pai, c de nunca poder vir a saber o que significa o carinho, afecto e atenção de um pai....? – Continuando a ressalvar o devido respeito, estamos em crer que sim, não assistindo qualquer propriedade, jurídica ou outra, aos considerandos que são efectuados na decisão recorrida quanto a tal conspecto.
15ª- Assim, e continuando a sufragar o entendimento exposto na decisão do TC de Anadia, entende a autora que, considerando o montante máximo de € 20.000,00 aí fixado e o critério da culpa fixado pelo TR Coimbra, sempre deverá ser atribuído à autora, a titulo de dano moral, pelo desgosto com a morte do seu pai, a quantia de € 14.000,00 (catorze mil euros).
16ª- Quanto ao dano morte, pelas mesmas razões, considerando os mesmos princípios, doutrina e jurisprudência plasmada na decisão do TC Anadia e considerando a nova atribuição de culpas efectuada pelo TR Coimbra, deverá manter-se o montante de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) a liquidar a este título - que, na verdade, não está sob recurso, uma vez que ambas as partes se conformaram com ele e a que aqui vai efectuada referência apenas por razões de estruturação de alegação. Finalmente,
17ª- No que tange a juros, deverão estes ser contados à taxa de 4 % ao ano desde a citação para os que vierem a ser determinados a título patrimonial e desde o trânsito em julgado da decisão a proferir sobre o mérito da presente revista para aqueles que vierem a ser determinados em sede de dano não patrimonial.
18ª- Desta forma, por estas razões e por outras com que V. Exas. se dignarão suprir a presente alegação, por violação das supra referidas normas – arts 483°, 483°, n°.l, 405º, 406º, 494º, 496º, 562º a 564º, 566º e 805º, nº 3 do Código Civil - o douto acórdão recorrido deverá ser revogado c substituído por decisão a proferir por V. Exas., Mmos. e Venerandos Juízes Conselheiros,
19ª- Que condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 89.794,49 a título de dano patrimonial, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, vencidos desde a data da citação (15/06/2005) e vincendos até integral pagamento e a quantia de € 42.000,00 a título de dano não patrimonial, acrescidos de juros à taxa de 4% ao ano desde o transito da decisão a proferir sobre o mérito do presente recurso e ainda nos vincendos até integra] e efectivo pagamento julgamento da matéria que deduziu em sede de embargos; faça inteira e costumada justiça.

Contra-alegou a ré, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


Vem dado como PROVADO do tribunal recorrido:

No dia 16/10/1998, pelas 17h45, na E. nº l ao Km 223,1 ocorreu um acidente de viação entre o veículo 47-38-CB (pesado), que no momento era conduzido por DD e o veículo 19-70-IT (motociclo) que no momento era conduzido por EE – alínea A) dos factos assentes.

O pesado encontrava-se à saída do parque da firma «Madeicentro» situado no lugar do .........., do lado direito da....., atento o sentido de marcha norte-sul – al. B).

O pesado pretendia entrar na E 1 para seguir marcha no sentido sul – norte –al. C).

O troço da E 1 onde se mede o km 223.1 situa-se fora de qualquer localidade – al. D).

A velocidade máxima aí permitida é de 90 km/h – al. E).

Limite de velocidade que se encontra sinalizado nas duas hemi-faixas de rodagem da EN 1 – al. F).

Sinalização essa que se processa por sinais verticais, bem visíveis para todos os condutores – al. G).

O embate entre os veículos mencionados em A) provocou a queda do condutor do motociclo, o qual veio a falecer em virtude do acidente – al. H).

O falecido nascera em 24/7/1976, em Vagos, e era filho de FF e de GG – al. I).

Mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ............. o condutor do pesado havia transferido a sua eventual responsabilidade civil por danos causados a terceiro pelo pesado para a companhia de seguros Oceânica que foi adquirida e fundida na companhia de seguros ré – al. J).

Nas circunstâncias de tempo e de lugar mencionadas em B), o motociclo circulava pela E 1, no sentido norte -sul, pela metade direita da faixa de rodagem, a cerca de 1 m. da berma direita da estrada (resposta ao quesito 1º).

Quando o condutor do pesado executava já a manobra de entrar na EN 1, para seguir para norte, o motociclo embateu de frente na sua parte lateral esquerda frontal (na parte da frente da porta do lado do condutor do pesado) (resposta ao quesito 3°).

O embate ocorreu a cerca de 1 m da berma direita da estrada, considerando o sentido norte-sul (resposta ao quesito 4º).

O motociclo ficou totalmente destruído (resposta ao quesito 5°).

O pesado ficou, entre o mais, com o lado esquerdo da cabine totalmente destruído e torcido (resposta ao quesito 6°).

O pesado cortou o sentido de marcha do motociclo (resposta ao quesito 11º).

O embate ocorreu dentro da metade da faixa de rodagem destinada ao trânsito com o sentido norte-sul (resposta o quesito 12°).

O embate provocou lesões crâneo-encefálicas e torácicas mortais no condutor do motociclo (resposta ao quesito 13°).

O condutor do motociclo foi transportado pelos BBV Anadia para o Hospital de Anadia onde já chegou cadáver (resposta ao quesito 14°).

Antes do embate o motociclo circulava a uma velocidade de 120 km/h (resposta ao quesito 15°).

Tendo feito uma ultrapassagem a uma viatura pertença de HH (resposta ao quesito 16°).

Na altura do acidente estava bom tempo, a via no local do acidente tem bom piso, que se encontrava seco (resposta ao quesito 17°).

A via no local desenvolve-se, para ambos os lados, numa linha recta de cerca de não menos de 300 metros com uma muito ligeira inclinação (resposta ao quesito 18°).

A EN 1, no local do acidente, tem 7,20 m de largura, sendo dividida em duas metades por um traço longitudinal descontínuo e tem bermas de largura não inferior a 1 m. (respostas aos quesitos 19º a 21º)

À data do acidente, o condutor do motociclo trabalhava por conta de outrem, auferindo uma média mensal de 66.412$71 x 14 meses ao ano, incluindo já a remuneração das horas extraordinárias que fazia (respostas aos quesitos 22° e 23°).

O condutor do motociclo era pessoa alegre, activa e saudável (resposta ao quesito 24°).

Gozava de grande estima social, sendo acarinhado por amigos, conhecidos, colegas de trabalho e superiores (resposta ao quesito 25°).

Estava sempre pronto a prestar ajuda financeira à sua família (resposta ao quesito 26°).

Era um filho dedicado e namorava com a AA (resposta ao quesito 27°).

A AA é de modesta condição económica (resposta ao quesito 28º).

Podendo, ainda, dar-se como assente que a autora BB nasceu em 1999 e é filha do falecido EE.
Como é bem sabido, as conclusões da alegação dos recorrentes delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelo recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.


Como resulta do art. 684º, nº 3 do CPC, pode o recorrente, nas conclusões da sua alegação, restringir expressa ou tacitamente o objecto inicial do recurso.

E, com efeito, diz o recorrente não pretender mais discutir a concorrência de culpas entre os condutores dos veículos intervenientes no acidente, nem a fixação da respectiva repartição das mesmas, tal como resultou do acórdão ora recorrido.

Apenas querendo pôr em causa e á decisão deste STJ o quantum indemnizatório pela Relação atribuído à A. BB, a título de danos patrimoniais – perda de rendimentos futuros – e não patrimoniais (desgosto da autora pela morte do pai), já que quanto ao dano morte, também com o seu decretado ressarcimento se conformou.
Aceitando também a decisão proferida em matéria de custas.

Pugnando a ora recorrente, em relação a tais indemnizações, para que sejam retomados os “critérios, juízos, doutrina e jurisprudência” utilizados na 1ª instância.

Vejamos, pois.

Começando-se pela análise e decisão dos danos patrimoniais, respeitantes à perda de rendimentos futuros do falecido sinistrado, pai da autora:

Na sua p. i., e a propósito, veio a autora alegar que tendo resultado do embate o esmagamento do condutor do motociclo PT, com lesões crâneo-encefálicas que foram causa adequada da sua morte, dai lhe advieram, alem de outros danos, “um manifesto e imediato prejuízo próprio relativo à pessoa da AA, por não mais poder contar para o futuro com a ajuda financeira do falecido EE para o seu sustento bem como para o da menor BB” (art. 77º), computando o “dano futuro relativo à perda de capacidade de ganho do finado”em € 150.000 (art. 81º).

O senhor Juiz de 1ª instância, por tais invocados danos e estribando-se em jurisprudência deste Supremo, de 23/10/2003 e de 18/12/2003, atribuiu à BB a indemnização de € 64.138,84 (metade de e 128.277,68).
Atribuindo tal indemnização, não ao abrigo do preceituado no art. 495º, nº 3 do CC (sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa), ou seja, no direito de alimentos da menor, mas sim no direito a indemnização pela perda dos rendimentos de trabalho do seu falecido pai.

O Tribunal da Relação de Coimbra, e perfilhando a posição adoptada pela ré recorrente, reduziu a respectiva indemnização para a quantia de € 35.000, por a mesma dever ficar limitada à previsível independência dos filhos com o início da sua vida profissional.
Dizendo, expressamente, a tal respeito:
“Nesse contexto – o da autora poder sempre contar, com toda a probabilidade, beneficiar no futuro e até perfazer 20, 22 anos, da parte dos rendimentos do pai que eventualmente poderia vir a atribuir-lhe se fosse vivo – considerando o cálculo dos danos patrimoniais futuros efectuado na sentença, entendemos ajustado à luz da equidade e considerando que a autora iria ainda receber ao longo de cerca de 13 anos (nasceu em 1999) parte do rendimento de seu pai, não fora o decesso deste, reduzir o montante apurado pelo tribunal, computando tais danos patrimoniais em e 50.000. Ponderando a alteração da proporção de culpas estabelecida (30%), fixam-se os mesmos em € 35.000”.
Atribuindo tal indemnização com base no citado art. 495º, nº 3, na sequência de entendimento jurisprudencial que não concretiza, mas que parece perfilhar.

Ora, face á matéria de facto que vem apurada, sabemos apenas que o infeliz condutor do motociclo, pai da A. BB, veio a falecer em virtude do acidente, tendo-lhe o embate provocado “lesões crâneo-encefálicas e torácicas mortais” (al. H) dos factos assentes e resposta dada ao quesito 13º).
Desconhecendo-se se as aludidas lesões mortais causaram o dito desenlace de imediato, ou se, e sendo certo que a vítima chegou ao Hospital para onde foi transportada após o acidente já cadáver (resposta ao quesito 14º), mediou algum lapso de tempo entre o nefasto evento e o óbito.
Pelo que, havendo a autora de alegar e provar, como facto integrador do seu arrogado direito, que a vítima faleceu em momento posterior à lesão, para assim se poder eventualmente sustentar a possibilidade do nascimento do direito á indemnização no seu património, com a consequente possibilidade da respectiva transmissão aos seus herdeiros, e não o tendo feito, deve tal dúvida contra ela ser resolvida, nos termos do disposto no art. 516º do CPC.

Não se podendo, pois, dar como assente que a morte da vítima não foi instantânea.

Ora, não se questiona ser o titular do direito violado quem tem direito á indemnização, não se radicando esta, em princípio, em terceiros, mesmo que reflexamente prejudicados pela conduta do lesante – art. 483º, nº 1, A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 615, A. Costa, Direito das Obrigações, p. 399, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. I, p. 378 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. II, p. 293.

Pelo que, em caso de morte do lesado – pelo menos no caso desta concomitante com o evento – e sabido que com a mesma cessa a personalidade do de cujos (art. 68º, nº 1, embora se possa admitir, em casos específicos que ora não relevam, um certo prolongamento da personalidade depois da morte [Rodrigues Bastos, ob. cit., vol. I, p. 111]) e assim, também em princípio, a sua capacidade de adquirir direitos, entendeu o legislador civil intervir para assim dissipar dúvidas que a tal respeito legitimamente se pudessem colocar.
Pois, ou o direito à indemnização por banda de terceiros se poderia verificar por via do fenómeno sucessório ou, então, em virtude da atribuição aos mesmos de um direito próprio.

Tendo sido longa a polémica doutrinal – cfr., a propósito, explanação efectuada na fundamentação do acórdão deste STJ de 7/10/2003, in www.dgsi.pt (Pº 03A2692) e Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, p. 297 - que a respeito se gerou na elaboração do actual Código Civil, defendendo Vaz Serra a tese sucessória e A. Varela a do direito próprio de terceiros, acabou por vingar, ao que se julga, a posição por este perfilhada – cfr., ainda, Ac. do STJ de 29/1/2008, in www.dgsi.pt (Pº 07B4397).

Sempre sendo, porem, de entender que só excepcionalmente é que o falado direito de indemnização cabe a terceiros, assim sucedendo nos casos previstos nos arts 495º (danos patrimoniais) e 496º (danos não patrimoniais) – cfr. autores e obras atrás citadas, a propósito de tal direito não se radicar nestes, em princípio.

Explicando-nos, a propósito e com a sua proverbial clareza, A. Varela, in ob. e vol. cit, p. 617:
“É aos danos assim causados a terceiros (aqueles que só reflexa ou indirectamente os hajam prejudicado), sem violação de nenhuma relação negocial ou para-negocial e sem infracção de nenhum dever geral de abstenção ou omissão … e que não encontram, realmente, por razões óbvias, cobertura directa, nem na responsabilidade aquiliana, nem na responsabilidade contratual.
Excepcionalmente, porem, a indemnização pode competir também ou caber apenas a terceiros. Assim sucede nos casos versados no art. 495º (…)
……………………………………………………………………………………..
Se a vítima falece no próprio momento da agressão ou da lesão, o instituto da sucessão não chegaria para assegurar o direito à indemnização por parte dos seus herdeiros, pois dificilmente se poderia sustentar a tese do nascimento desse direito no seu património. E, todavia, não seria justo que, em tais circunstâncias, os sucessores ou familiares do lesado não tivessem direito a nenhuma indemnização, e o tivessem quando a vítima houvesse sobrevivido alguns escassos segundos ao momento da lesão.”

Dizendo um pouco mais adiante:
“Há na concessão deste direito de indemnização (do direito aos danos patrimoniais consagrado no art. 495º) uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante.
Com efeito, a obrigação alimentar, quer a fundada na lei, quer (…) constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática do facto ilícito.”

Sendo manifestamente razões de certeza e segurança que levaram o legislador a restringir a indemnização, em tais casos excepcionalmente previstos na lei, às pessoas nela enumeradas e pela ordem das respectivas precedências – A. Costa, ob. cit., p. 401.

Cabendo, pois, à autora BB direito de indemnização por perda de rendimentos futuros derivada da morte do lesado, mas apenas – e considerando a hipótese sobre a qual nos debruçamos – decorrentes da privação de alimentos que aquele, por certo lhe viria a prestar, não fora a ocorrência do nefasto evento – art. 495º, nº3, primeira parte.
Bem andando, assim, nesta parte, a Relação ao restringir tais danos à obrigação alimentar da vítima (arts 1878º, 1879º, 1880º e 1885º) e que ela, com base nos rendimentos que viria a auferir previsivelmente à autora viria a proporcionar.

Não lhe cabendo, com o respeito devido por contrária opinião (o mencionado acórdão deste STJ, de 18/12/03, em que também se estriba a decisão da 1ª instância, aflora a hipótese da morte ter ocorrido posteriormente à lesão, que não é aquela que aqui ficou demonstrada) face ao atrás sucintamente exposto, em termos gerais, direito a indemnização por perda de rendimentos futuros (cfr. arts 483º, 562º, 563º e 564º, nº 3).

Mas – e avancemos agora – será aqui de manter a indemnização a respeito atribuída pelo acórdão recorrido?

Bem, já vimos que a menor BB, nascida em 1999, e assim já após a morte de seu pai, que ocorreu em 16/10/98, tem direito a indemnização pelo facto de poder exigir alimentos ao lesado (citado art. 495º, nº 3).
Bem podendo a própria necessidade de alimentos ser futura. Apenas tendo que ser previsível. Não devendo o lesante suportar condenação em prestação posterior, seja no montante, seja na duração, àquela que provavelmente o lesado suportaria se fosse vivo – A. Varela, ob. e vol. cit., p. 619.
Pois, com efeito, sendo os alimentos essenciais para a sobrevivência do seu titular, quer a existência, desde logo, de um crédito de alimentos, quer a possibilidade do seu surgimento futuro, que vem a ser frustrada pela conduta do lesante, constitui um prejuízo que prejudica a atribuição de tal indemnização.
Sendo suficiente para a sua atribuição a simples previsibilidade futura de que iriam ser exigidos alimentos ao lesado (art. 564º, nº 2) – Menezes Leitão, ob. e vol. cit., p. 379 e Ribeiro Faria, Obrigações, vol. I, p. 527, nota 3.

Sendo essencial para o apuramento de tal dano, correspondente aos réditos futuros de cuja fonte a A. se viu privada, o recurso à equidade – art. 566º e Ac. do STJ de 12/10/06, in www.dgsi.pt (Pº 06B2520).

Havendo que conseguir a sua quantificação imediata, mau grado a dificuldade do seu cálculo, valorizando no essencial os juízos de equidade, sem prejuízo de, para tal conseguir e procurar atingir a justiça do caso concreto, nos socorrermos de operações matemáticas que, tal com vem sendo utilizado pela jurisprudência comummente aceite, quanto à indemnização a pagar por frustração de ganhos futuros, permitam representar um capital produtor de um rendimento que se extinga - para que não haja locupletamento do seu beneficiário, in casu da autora menor – no final do período em que esta auferiria, a título de alimentos, dos proventos do falecido.

Devendo ponderar-se aqui factores, e já que se trata de rendimentos futuros, como os proventos económicos da vítima à data da sua morte, a natureza do trabalho que realizava (apenas se sabendo que trabalhava por conta de outrem), o dispêndio devido com as suas necessidades próprias (nada se sabendo a propósito, a não ser que, por certo, de acordo com os seus baixos rendimentos, deveria ser modesto o seu nível de vida), a natural evolução do seu salário (sem se anteverem significativas mudanças em relação ao salário mínimo nacional) e as taxas de juro do mercado financeiro – Ac. do STJ de 18/12/03 (Pº 03B4120), in www.dgsi.pt.

Ora, a infeliz vítima auferia, à data do sinistro causador da morte (16/10/98), a quantia mensal de € 66.412$71 X 14, ou seja, 929.777$94 (€ 4.637.71) anuais, trabalhando por conta de outrem, desconhecendo-se, embora, em que actividade.
Sendo o salário mínimo então vigente, para o regime geral o de 56.700$00.
Era, pois, modesta a retribuição pelo pai da autora auferida, havendo que pensar, na falta de outros elementos, que parcos seriam hoje os seus correspondentes rendimentos se vivo fosse (estando o rendimento mínimo actualmente fixado em € 426 (85.405$00), não atingindo, por certo, durante o tempo em que a autora previsivelmente beneficiaria de alimentos – e vamos pensar que tal poderia ocorrer, na melhor das hipótese até aos seus 25 anos, já que vamos supor, e numa perspectiva benévola, mas previsível, que a mesma prosseguiria os seus estudos até completar a sua formação académica superior, estando até então dependente da ajuda de seus pais - de proventos muito superiores aos mínimos fixados por lei.

Aceitando-se, assim, e considerando já a proporção de culpa para o seu falecido pai estabelecida, como equilibrada e até generosa (face às circunstâncias em que nos podemos louvar e à previsibilidade da prestação de alimentos ao longo de 13 anos em vez dos 25 que aqui consideramos, pois que a autora nasceu pouco tempo após a morte de seu pai, necessitando, por certo, desde então, de alimentos) a quantia de € 35.000 que a título da indemnização em causa foi arbitrada à A. pelo acórdão recorrido.

Vejamos, em seguida, o que dizer quanto aos danos não patrimoniais pela autora BB sofridos com a morte de seu pai.

Tendo a Relação - ao invés da 1ª instância que os arbitrou em € 20.000, cabendo à ré pagar € 10.000 - fixado tais danos em € 10.000, cabendo a ré pagar à autora, por força da atribuição da medida das respectivas responsabilidade (30% para o falecido e 70% para o condutor na ré segurado), a quantia de € 7.000.
Sopesando tal Tribunal que, tendo a morte do pai da autora ocorrido antes do nascimento desta, não pode na mesma ter provocado um sentido de perda, de dor, de desgosto, semelhante àquele que existirá numa criança que tenha convivido com o pai, que tenha com ele estabelecido laços afectivos e venha a aperceber-se que nunca mais o verá.
Considerando, ainda, tal Tribunal não revestir “especial gravidade o sofrimento sofrido pela autora com o falecimento do pai”.

Pugnando a recorrente pela sua fixação – já tido em conta o grau de culpa do falecido – em € 14.000.

Ora, dúvidas não restarão que os requeridos danos não patrimoniais são graves e, como tais, merecedores da tutela do direito – art. 496º, nº 1.
Sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar caso a caso, de acordo coma realidade fáctica apurada.
Devendo, de qualquer modo, tal gravidade medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado – A. Varela, ob. e vol. cit., p. 600.

Devendo o montante da indemnização – e sendo certo que tais danos, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização – ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc – art. 496º, nº 3.

Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equita­tiva - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossí­vel a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização (Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, p. 491 e seg.).

Salientando, a propósito, o Prof. A. Varela:
"O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, n° 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer á culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão.
Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório " - Das Obrigações em Geral, 1, p. 607 e segs.

Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. "- Ac. do STJ de 10/2/98, CJ S. T. 1, p. 65.

Devendo tal compensação ser proporcionada á gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. 1, p. 501.

Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.

Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser mise­rabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo neste mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/6/2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134.

Trata-se agora de encontrar a justa reparação para o dano não patrimonial também sofrido pela A. BB, à data do sinistro ainda não nascida.
O que não significará, por certo, e segundo padrões que comummente se deverão aceitar para uma personalidade normalmente estruturada, que não sinta grande desgosto pela perda de seu pai que, sem nunca conhecer, lhe acarretará todo o penar inerente à tão precoce orfandade.
Serão desgostos bem diferentes, estamos certos, o sofrido pela perda do progenitor que bem se conhecia, que se estimava e em quem se via, em princípio, um inestimável e inesquecível apoio ou aquele outro trazido pela ausência do progenitor, que nunca se chegou a conhecer, com as inerentes angústias que advirão de tal irreversível vazio que também, com certeza, perdurará pela vida fora.

Assim, tendo em conta tudo o atrás dito, entende-se, como mais ajustada à compensação dos danos em apreço a quantia de € 20.000, cabendo à autora, por via da repartição de culpas, a peticionada quantia de € 14.000.
Pelo que, e concluindo:

1. A autora, filha do falecido em acidente de viação, apenas goza do direito de pedir indemnização por perda de rendimentos futuros derivados da morte do lesado, decorrentes da privação de alimentos que aquele, não fora a ocorrência do evento, por certo lhe viria a prestar (art. 495º, nº 3 do CC);
2. Sendo essencial para o apuramento de tal dano o recurso à equidade, sem prejuízo de, para procurar atingir a justiça do caso concreto, nos socorrermos de operações matemáticas que, tal como vem sendo utilizado pela jurisprudência comummente aceite, quanto à indemnização a pagar pela frustração do ganho, permitam representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no final do período em que a sua beneficiária auferiria, a título de alimentos, dos proventos do falecido;
3. Entende-se como adequada à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais próprios da autora, ocasionados pela morte do pai sinistrado no acidente de viação, ocorrida poucos meses antes do seu nascimento, a atribuição da quantia de € 20.000.


Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se conceder parcial provimento ao recurso, quanto à atribuição dos danos não patrimoniais próprios da autora BB, fixando-se antes estes em € 14.000 (catorze mil euros), assim ficando a ré condenada a pagar à mesma, a título de danos não patrimoniais totais a quantia de € 42.000 (quarenta e dois mil euros) = 14.000 + 28.000.
Quanto ao mais, se mantendo o decidido.
Custas por autora e ré, na proporção dos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que aquela beneficia.


Supremo Tribunal de Justiça, 08 de Maio de 2008

Serra Baptista (Relator)

Duarte Soares
Santos Bernardino