Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B2318
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
ACIDENTE DE TRABALHO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Nº do Documento: SJ200810230023182
Data do Acordão: 10/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :

1. Devendo a fixação dos danos não patrimoniais ser feita de acordo com a equidade, tomando-se, desde logo, em conta, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, julga-se adequado à sua compensação, face à impressionante gravidade dos danos, melhor avaliados numa leitura atenta dos factos a seu respeito apurados, a quantia de € 180.000,00.
Não podendo funcionar as quantias usualmente atribuídas para compensar o dano vida como limite à indemnização aqui em apreço.
2. A indemnização pecuniária a título de danos não patrimoniais, actualizada, vence juros de mora a partir da data da decisão proferida.
3. As indemnizações por acidente simultaneamente de viação e de trabalho não se cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total dos prejuízos sofridos, não comportando a lei a mesma indemnização pelo mesmo dano.
4. A incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonia indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais.
5. Com o apelo devido ao necessário juízo de equidade, ponderando a esperança de vida da lesada, que à data do acidente tinha 29 anos de idade, o vencimento que auferia, de € 548,68 mensais, a IPP de 65% de que ficou a padecer, com incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual, o facto de receber de uma só vez o montante indemnizatório, que deveria ser fraccionado ao longo dos anos, esgotando-se no termo do período para que foi estimado, atribui-se-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, a quantia de € 190.000,00.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, S.A, CC, LDA e DD pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de € 632.464,00, acrescida de juros.

Alegando, para tanto, e em suma:

No dia 4/7/2001, pelas 19H15, nas demais condições de lugar e modo melhor descritas na p. i., ocorreu um acidente de viação, por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel de matrícula 01-02-AI, o réu DD, pertencente à ré CC, Lda, na sequência do qual advieram para a A. danos, que também melhor discrimina, no montante peticionado.
A responsabilidade civil dos danos causados pelo veículo estava transferida para a ré seguradora, nos termos da respectiva apólice.

Citados os réus, apenas a seguradora veio contestar, impugnando o montante dos danos.

Foi chamada a COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE como interveniente principal, por ter indemnizado já a A., dado que o acidente foi também de trabalho.

Deduzindo no seu articulado pedido de condenação da ré BB no pagamento da quantia de € 49.137,76, acrescida da que se vier a liquidar em execução de sentença, bem como de juros a contar da data da notificação do pedido.
Tendo tal pedido sido, posteriormente, ampliado.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 501 a 555 consta.

Foi proferida a sentença, na qual, na parcial procedência da acção, foi a ré BB condenada a pagar:

a) à autora:

· a quantia de € 362.416,00 a que se deduzirá a totalidade do valor que lhe for pago pela ré por força da decisão proferida no procedimento cautelar;
· juros de mora sobre essa quantia, às taxas legais aplicáveis, desde a citação até integral pagamento;
· a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença, a título de danos futuros, até ao limite de € 100.000.

b) à interveniente Tranquilidade:

· a quantia de € 73.167,77;
· juros de mora, às taxas legais aplicáveis, desde a notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.
· Outras quantias que venha a pagar à A., em consequência do acidente, cuja liquidação se relega para liquidação de sentença.

Inconformadas, vieram a ré BB e a autora AA interpor recurso de apelação, sendo o desta, subordinado.

Por acórdão da Relação de Guimarães e na sequência da parcial procedência da apelação da ré BB, foi esta condenada:

a) a pagar à A.:

· a título de danos patrimoniais, a quantia de € 139.447,52 [ 175.100,00 – 35.652,28 (12.544$00 + 23.068,28)], a que se deduzirá a totalidade do valor que lhe for pago pela ré por força da decisão proferida no procedimento cautelar, sendo devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento;
· a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 75.000, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data do acórdão até integral pagamento;
· a título de danos futuros, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, até ao limite máximo de € 100.000.

b) a reembolsar a interveniente TRANQUILIDADE:

· a quantia de € 23.068,28 acrescida de juros de mora, às taxas legais aplicáveis, desde a notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.
· Os montantes das pensões que vier pagar à A., no cumprimento do contrato de seguro por acidente de trabalho e serão abatidas no montante da indemnização ora fixada à autora, a título de danos patrimoniais futuros.

Tendo sido julgada improcedente a apelação da autora.

Ainda irresignadas, vieram, a AUTORA e a TRANQUILIDADE pedir revista.

Formulando aquela, na sua alegação, as seguintes conclusões:

- É irrelevante para o cálculo do montante indemnizatório por danos não patrimoniais do lesado por prática de facto ilícito, o que a jurisprudência em cada momento possa apontar como justa indemnização para violação do direito à vida.
2ª - Os próprios Senhores Julgadores agora recorridos tal aceitam, pois decidiram, contraditoriamente ao que antes afirmaram, fixar o montante indemnizatório parcelar em € 75.000,00 a título de danos não patrimoniais, quando apontam os montantes de cinquenta a sessenta mil euros como os valores adoptados pela jurisprudência para indemnizar a violação do direito à vida.
3ª - Nem tão pouco a jurisprudência portuguesa, que desde há muito reconhece que tal tipo de indemnizações não podem nem devem ser miserabilistas, aponta no sentido da decisão recorrida.
4ª - Para tanto bastará ler o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro do corrente ano, lavrado no processo 088388, onde numa situação donde resultaram consequências bem menos graves do que as sofridas pela aqui Recorrente, fixou tal indemnização parcelar em € 125.000,00.
5ª - Na verdade, confrontando a factualidade apurada em cada um dos casos, logo se percebe que o montante de € 200.000,00 fixado a tal título a favor da Autora é o que equitativamente mais se harmoniza com os danos não patrimoniais sofridos por ela.
6ª - Atendendo até ao facto de o lesado naquele caso julgado, se ter mantido inconsciente e depois semiconsciente, enquanto a Autora dos presentes autos tudo suportou com total consciência do que a cada momento estava a acontecer.
7ª - E foi isso que fortemente sensibilizou o Meritíssimo Juiz em Primeira Instancia, pois directamente tomou conhecimento de toda a tragédia da Autora.
Autentico purgatório que durou mais de dois anos.
8ª - Aquela quantia de € 200.000,00, não só não indemniza os sofrimentos físicos e morais da Autora, nem são tão pouco, grande compensação para os mesmos. Por tal preço, nenhum voluntário admitiria suportá-los.
9ª- Mas também o Acórdão recorrido viola expressamente o disposto no artigo 805° do Código Civil, nomeadamente o seu nº3, quando ordena que os juros de mora devidos à Autora sejam contabilizados tão só a partir da data da sentença.
10ª- Com efeito, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de 24 de Janeiro de 2002, é inaplicável ao caso sub judice uma vez que este deixou de ser fonte de direito, como em anterior legislação o era, pela via dos Assentos que nele eram lavrados.
11ª- Daí que, a interpretação a dar ao Acórdão de fixação de jurisprudência, tenha de ser harmónica com a legislação vigente, não a ofendendo.
12ª- No caso em análise só seria aplicável se o Senhor Juiz em Primeira Instância tivesse declarado que o montante que arbitrou a tal título, tinha sido objecto de actualização à data da sentença.
13ª- O que não aconteceu.
14ª- Donde resulta que à presente indemnização é aplicável o nº 3 do artigo 805º do Código Civil que ordena que a mora persiste desde a citação para os termos da acção.
15ª- Também no que concerne ao deferimento do pedido de alteração do decidido sobre eventual acumulação de indemnizações por acidente de viação e acidente laboral, o Acórdão ora recorrido também viola a legislação processual vigente.
16ª- Porque, o Tribunal de Recurso em princípio, tem de aceitar a matéria de facto dada como provada em Primeira Instância e só essa pode ser fundamento da decisão a proferir.
17ª- Acontece que no caso dos autos, tão-somente as respostas aos quesitos 134, 136 e 137 se referem a quantias susceptíveis de serem deduzidas no montante da indemnização cível por danos patrimoniais futuros.
18ª-No entanto, para além de tais verbas o Acórdão Recorrido legitimaria a dedução de maiores valores, num total de € 23.068,28.
19ª-Pelo que a procedência, mesmo que parcial, das conclusões 68 a 88 da Ré Apelante, não tem base jurídico - processual que a apoie, pelo que deve ser revogada.
20ª-Quanto à incapacidade permanente futura, tem ela também de ser arbitrada em montante determinado por um critério de equidade.
21ª-Mas subordinado aos factos provados em julgamento, nomeadamente e principalmente à incapacidade permanente que à Autora foi atribuída, ou seja, 65%.
22ª-Sendo que tal incapacidade é total para o exercício da profissão habitual da Autora.
23ª- O que significa que a sua capacidade residual de 35%, só algum interesse terá se a Autora apesar da sua limitação funcional, tiver possibilidade de ser reconvertida noutra qualquer actividade lucrativa.
24ª- De contrário, a incapacidade permanente parcial de 65%, traduzir-se-á numa incapacidade absoluta para o trabalho economicamente rentável.
25ª- Ou seja, a capacidade residual de 35% da lesada, em termos económicos, traduz-se numa total incapacidade de angariar meios de subsistência.
26ª- Ora dos autos não constam quaisquer factos provados de onde os Exmos Julgadores possam concluir que a Autora / Recorrente é reconvertivel em actividade, onde o seu residual de 35% de capacidade, lhe possa proporcionar qualquer rendimento.
27ª- Facto que, só podendo favorecer a Ré, a ela competisse prová-lo, o que nem tão pouco tentou.
28ª- Daí que justificadamente, a titulo de indemnização de danos patrimoniais pela incapacidade permanente de que a Autora é portadora, deva ser-lhe arbitrada a indemnização parcelar de € 291.364,21,
29ª- Em vista do seu vencimento mensal de € 548,67 à data do sinistro e à sua expectativa de vida até aos 78 anos de idade,
30ª- Também a Autora necessitará do auxílio de terceira pessoa até ao fim da sua vida útil ou seja, por mais cerca de 50 anos.
31ª- Acrescidos da desvalorização normal da moeda e do aumento do preço de quem lhe preste serviços.
32ª-Razão pela qual a tal titulo, a indemnização parcelar deva ser aumentada para € 110.000,OO.
33ª-Sem que esse aumenta se traduza em condenação para além do pedido global formulado.
34ª- Tendo o acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 483º e seguintes e 805º ambos do Código Civil Português e 712º do Código de Processo Civil.

Formulando a interveniente, por seu turno, as seguintes conclusões:

- O presente recurso visa apenas sobre o excesso de pronúncia do douto acórdão recorrido.
2ª - Na acção ordinária que correu termos no Tribunal Judicial de Guimarães, a recorrente era interveniente activa, pois deduzira pedido de reembolso contra a demandada BB.
3ª - Desde o início da intervenção da recorrente que a demandada BB aceitou as quantias por si reclamadas.
4ª - A matéria alegada pela recorrente, nomeadamente quanto às despesas cujo reembolso pedia foram "ab initio" para os factos assentes. Não foram sequer objecto de discussão.
5ª - Sempre a BB aceitou pagar as quantias reclamadas pela recorrente.
6ª - Foi proferida sentença na qual a demandada BB foi condenada a pagar à recorrente a quantia de 73.167,77, acrescida de juros, bem como outras quantias que viessem a ser pagas à demandante em consequência do acidente.
7ª - Foi este o pedido formulado pela recorrente, nunca posto em causa ou impugnado pela demandada.
8ª - E tanto assim é que, apesar de ter recorrido da douta sentença, nunca a demandada BB atacou a parte referente à recorrente.
9ª - O mesmo é dizer que a demandada BB, em sede de recurso, não suscitou a pronúncia da Relação de Guimarães quanto à condenação do pagamento à recorrente.
10ª- A demandada BB apenas pôs em causa as indemnizações a pagar à demandante, quer a título patrimonial, quer a título não patrimonial.
11ª- Conformou-se com a condenação de que tinha sido alvo em relação à recorrente.
12ª- Porém, o Douto Acórdão agora em recurso, apesar da questão não ter sido suscitada, baixou a quantia indemnizatória a pagar à recorrente para 23.068,28 €.
13ª- O Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma questão que não lhe foi posta.
. 14ª- Se é verdade que a demandada BB alegou que as indemnizações pelo acidente de viação e pelo acidente de trabalho não são cumuláveis, não é menos verdade que apenas pretendia, como aliás resulta evidente, que as quantias em que foi condenada a pagar à recorrente a título de pensões fossem descontadas na indemnização pelo dano patrimonial a atribuir à demandante.
15ª- Era esse, obviamente, o objectivo da demandada BB.
16ª- Tal excesso de pronúncia constitui uma nulidade processual do Douto Acórdão em recurso.
17ª- Pelo que terá aquele que ser declarado nulo na parte decisória respeitante à recorrente, devendo ser mantido, na íntegra, o conteúdo da condenação contida na Douta Sentença da 1a Instância.
18ª- Acresce que, a recorrente, requerida a sua intervenção, pediu o reembolso do responsável civil das quantias que despendeu e que continuará a despender com o presente sinistro.
19ª- A douta sentença recorrida violou, entre outros, a alínea d) do nº 1 do art° 668º do CPC, assim como o art. 31º da Lei 100/97.

Contra-alegou a recorrida BB.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


Vem dado como PROVADO:

1. No dia 4 de Junho de 2001, pelas 19 horas e 15 minutos, na Estrada Municipal de Atães, do concelho de Guimarães, ocorreu um acidente de viação, ocorrência da qual tomou conta a GNR do Posto de S. Torcato, que então elaborou o documento cuja cópia está junta como doc. nº 1, que aqui se dá por integralmente transcrito.

2. Neste acidente foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula O .-.-..-.. conduzido pela ora Autora, sua proprietária, se bem que o titular inscrito no livrete seja seu marido, EE e o veículo de matrícula ........... propriedade da sociedade "CC, Lda.", com sede no Lugar da ............, S. Romão, em Fafe.

3. E que na altura era conduzido por DD, empregado da dita CC Lda. que efectuava tal condução às ordens, com conhecimento, autorização, por conta e no interesse dessa sociedade que era quem detinha a direcção efectiva do veiculo.

4. A estrada no local onde ocorreu o acidente tem uma largura de 5,10 m., configurando uma recta com boa visibilidade, que permite visualizar o trânsito que se processe em ambos os sentidos numa extensão superior a 150 m.

5. À data do acidente o pavimento era asfaltado e encontrava-se seco e em bom estado de conservação.

6. Nos termos e condições supra descritas circulava o veículo conduzido pela Autora pela dita Estrada Municipal no sentido Guimarães - Atães.

7. Pela hemifaixa direita, considerando o seu sentido de marcha e com os seus rodados do lado direito a cerca de 50 cm da berma direita.

8. A uma velocidade moderada não excedendo os 40 Km/h.

9. No cumprimento de todas as regras estradais, com a respectiva condutora atenta à via, ao trânsito e à condução que efectuava e com cinto de segurança colocado.

10. Em sentido oposto ao seu, ou seja, Atães - Guimarães circulava o veículo ligeiro de mercadorias com matrícula ............. seguro na ré pela apólice nº ................. do ramo automóvel.

11. Cujo condutor seguia totalmente alheado ao trânsito que então se processava.

12. Ao deparar com dois veículos parados à sua frente, no mesmo sentido que o seu e que pretendiam mudar de direcção à sua esquerda para uma rua que ali e naquela estrada municipal entronca e aguardavam que o transito que circulava no sentido Guimarães - Atães lhes permitisse realizarem tal manobra.

13. Resolveu o condutor do veículo seguro na ré iniciar uma manobra de ultrapassagem aos referidos veículos, sem se certificar se podia ou não fazê-lo, designadamente se com essa manobra poderia causar perigo ou embaraço ao restante tráfego que naquela hora e por aquela via processava.

14. Com efeito, o condutor do veículo segurado da Ré invadiu subitamente a faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, faixa esta por onde circulava o veículo da Autora.

15. Que ao deparar-se com a súbita invasão e obstrução da sua faixa de rodagem guinou o seu veículo para a sua berma direita a fim de evitar a colisão eminente, uma vez que na esquerda se encontravam os veículos ultrapassados.

16. Não conseguindo porém os seus intentos, devido aos escassos metros - não mais de 2/3m - que se encontrava do veículo seguro na Ré, pela forma súbita com que este sem qualquer sinalização, efectuou a dita manobra de ultrapassagem.

17. Por sua vez o condutor do veículo seguro na Ré ao deparar com o veículo da A. à sua frente, guinou também o veículo que conduzia para a dita berma direita, para ele esquerda.

18. O embate entre os dois veículos foi assim frontal e violento, tendo o mesmo ocorrido na berma direita da estrada atento o sentido de marcha do veículo conduzido pela A.

19. Como consequência directa do acidente supra descrito, sofreu a A. graves ferimentos de entre os quais se destaca fractura do fémur esquerdo, traumatismo do pé esquerdo, fractura do tornozelo direito, fractura da bacia, fractura de várias costelas, esmagamento do cúbito, esfacelamento da face, incluindo a pálpebra esquerda. Foi tratada cirurgicamente à fractura do fémur esquerdo. Como complicação fez uma infecção pós-operatória. Trombose Venosa profunda do membro inferior esquerdo. Foi reoperada várias vezes como consequência da infecção conforme se assinala nos documentos juntos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

20. Tendo sido transportada, logo após o acidente de ambulância, para o Hospital de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães.

21. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo serviço de urgência.

22. Sendo-lhe aí efectuados exames radiológicos e TACS às regiões do corpo fracturadas e efectuada limpeza cirúrgica as feridas sofridas.

23. De seguida foi levada para o bloco operatório, onde lhe foram efectuadas análises clínicas e ministrada anestesia geral.

24. E submetida a uma delicada, demorada e dolorosa intervenção cirúrgica.

25. Consubstanciada no encavilhamento do fémur esquerdo com vareta de Kucher e ainda a lavagem e desbridamento do joelho direito e correcção das partes moles.

26. Após a realização da intervenção cirúrgica a que foi submetida, a A. foi transferida para a Unidade Politraumatizados do Hospital Nossa Sr.ª da Oliveira, em Guimarães.

27. Onde se manteve internada até ao dia 16/06/01, ou seja, ao longo de 13 dias.

28. Durante este período manteve-se retida no leito.

29. Sendo também no leito que tomava todas as refeições, que lhe eram servidas por terceira pessoa.

30. Todos os dias era lavada no leito por duas enfermeiras e as necessidades fisiológicas eram efectuadas na cama numa arrastadeira, sendo também necessário o auxilio de duas enfermeiras para a segurarem.

31. A 16/06/01 e por insistência da própria A. que é mãe de duas crianças, que à época do acidente tinham respectivamente o mais velho 6 anos e o mais novo 4 meses, o seu médico assistente aceitou conceder-lhe alta hospitalar com a condição de que esta fosse assistida por profissional 24 horas por dia.

32. Regressou então à sua residência mantendo-se aí doente e completamente retida no leito necessitando dos cuidados que lhe foram prestados por uma profissional de saúde com habilitações específicas para a prestação de cuidados e higiene pessoal em apoio domiciliário a acamados e incapacitados.

33. Profissional, esta, que lhe servia as refeições na cama, que a lavava também na cama, lhe colocava a arrastadeira para esta efectuar as suas necessidades fisiológicas, administrando-lhe também toda a medicação tanto oral como injectável, assim como tratamento das feridas esfaceladas e mudança de fraldas.

34. Tendo-se a A. mantido totalmente retida no seu leito por um período de cerca de 30 dias.

35. Durante este período a A. deslocava-se duas vezes por semana à Esumédica ­Prestação de Cuidados Médicos, para consulta com o médico que a assistia, Dr. FF, sendo transportada de maca em ambulância.

36. Em 20/06/01 foi informada pelo Director de Serviço Clínico da referida Esumédica, Dr. Fleming, que o seu estado de saúde se tinha agravado existindo um encurtamento do fémur esquerdo em cerca de 6cm, necessitando de ser submetida a nova intervenção cirúrgica.

37. Assim, em 10/07/01 foi internada no Hospital dos Clérigos, no Porto, onde mais uma vez lhe foi administrada anestesia geral e submetida a complicada intervenção cirúrgica.

38. Durante a cirurgia foi-lhe retirada a vareta do fémur esquerdo, tendo-lhe sido efectuado um enxerto no referido fémur com osso retirado do ilíaco lado esquerdo da A.

39. Tendo-lhe, ainda, sido fixada no referido membro inferior esquerdo uma placa metálica com auxílio de 9 parafusos.

40. Esta intervenção foi de tal forma dolorosa e complicada que a A. despertou da anestesia durante a cirurgia.

41. Em 13/07/01 foi-lhe dada alta hospitalar tendo a A. regressado à sua residência, aí ficando novamente acamada e entregue aos cuidados de terceira pessoa.

42. Cerca de 7 dias após ter regressado do supra citado hospital, a A. começou a padecer de dores intensas no membro inferior esquerdo e a ter febres altas superiores a 40° graus.

43. Entretanto a cicatriz resultante da cirurgia acima referida abriu, dela saindo um liquido com cheiro nauseabundo, tendo a A. necessitado de colocar fraldas sobre a cicatriz para absolver tal liquido.

44. O médico que a assistia na Esumédica, Dr. FF, informou-a então que uma bactéria muito resistente (estaphilocus áureo) se tinha instalado no fémur esquerdo.

45. Mas que e, devido ao estado frágil de saúde em que se encontrava a A., não era possível recorrer de imediato a uma nova cirurgia, tendo-lhe receitado antibióticos, nomeadamente CIPROXINA e BACTRIM FORTE.

46. No entanto e apesar de medicada, o estado de saúde da A., continuou a agravar-se.

47. No dia 12/11/2001, a A. numa das deslocações à consulta médica na Esumédica, o médico assistente, Dr. FF, perante o estado de saúde da mesma achou por bem esta ser vista por um cirurgião vascular.

48. Nesse mesmo dia, a A. foi examinada pelo Dr. Mergulhão Mendonça, cirurgião vascular, que ordenou o seu imediato internamento de urgência no Hospital Geral de Sto António.

49. A Autora foi transportada directamente do consultório do referido cirurgião para o Hospital Geral de Sto António na cidade do Porto.

50. Aí, foi submetida a novos exames e a análises clínicas, à perna esquerda e ao abdómen, tendo-lhe sido diagnosticado uma trombose venosa profunda no membro inferior esquerdo.

51. Em resultado das referidas análises clínicas foi examinada pela equipa médica de ginecologia do Hospital Geral de Sto António, que informaram a A. que estava grávida, mas que devido ao seu estado de saúde, aos tratamentos, exames clínicos e medicamentos que lhe teriam de ministrar, tal gravidez tinha que ser interrompida.

52. No dia seguinte, 13/11/01, foi-lhe efectuada uma intervenção cirúrgica de curetagem uterina - abortamento incompleto.

53. Mantendo-se a A. aí internada e submetida a tratamentos médicos anticoagulantes através de héparinas.

54. Foi-lhe dada alta hospitalar no dia 20/11/01, regressando a A. à sua residência, onde permaneceu acamada com a perna esquerda ao alto durante um período de cerca de 45 dias, passando posteriormente a A. a utilizar a cadeira de rodas. Durante este período continuou a necessitar do apoio da terceira pessoa referida em 32. e 33.

55. Quando o seu estado de saúde se estabilizou, no dia 09/04/2002 a A. foi internada, por determinação do médico assistente, Dr. FF, no Hospital da Arrábida em Vila Nova de Gaia, para nova intervenção cirúrgica no membro inferior esquerdo (fémur fracturado).

56. Nesta intervenção foi-lhe retirada todo o material ortopédico, efectuada raspagem do osso do fémur esquerdo e foi-lhe colocado uma "sanfonagem" (sistema de drenos - sistema de lavagem interna que consiste em manter sacos de soro com antibiótico ligado a um sistema de tubagem que lavava o fémur em toda a sua extensão, existindo ainda dois drenos que deixavam sair o liquido resultante da lavagem).

57. Sucede no entanto, que a cirurgia e o sistema de sanfonagem não resultaram.

58. Tendo-se agravado a infecção instalada no membro interior esquerdo da A.

59. Ao ser-lhe retirada do referido membro o sistema de sanfonagem, o fémur esquerdo fracturou novamente, estando a A. consciente quando tal sucedeu.

60. As dores então sofridas pela A. foram de uma intensidade brutal, ficando a sua coxa esquerda dobrada a meio.

61. Ainda internada, a A. foi então informada pelo médico assistente, Dr. FF, que corria o risco de amputar o membro inferior esquerdo, devido à infecção aí instalada, e que a única opção clínica restante era de proceder à aplicação naquele membro de um sistema de fixação externa chamado de "Ortofix".

62. Foi submetida a nova intervenção cirúrgica para aplicação do dito aparelho de "Ortofix" no fémur esquerdo, sendo este composto por um sistema de 6 cravos (parafusos com cerca de 25cm), 3 deles colocados junto à anca e outros 3 parafusos colocados um pouco mais abaixo.

63. Os referidos parafusos atravessavam o fémur esquerdo da A. de um lado a outro e eram fixados entre si do lado exterior da coxa por um ferro com cerca de 2 kg que agia como estabilizador até que o fémur recuperasse.

64. Ainda durante este internamento a A. foi submetida a duas intervenções cirúrgicas por semana com anestesia geral, às terças-feiras e sextas-feiras (no total de 7 intervenções cirúrgicas).

65. Durante o período de cerca de um mês a coxa esquerda da A. permaneceu com a ferida da cicatriz aberta, de forma a que e, devido às duas intervenções cirúrgicas semanais, a pele não fosse submetida a pontos ou a agrafos, para evitar o dilaceramento da mesma.

66. Dentro da referida coxa esquerda da A. foram, também, introduzidos e junto ao osso, gaze iodoformada para manter os tecidos vivos.

67. Manteve-se a A. durante um período de cerca de um mês com a cicatriz da coxa esquerda aberta e deitada no leito de barriga para cima.

68. Durante este período de internamento (09/04/02 a 16/05/02) a A. foi submetida conforme já referido a sete intervenções cirúrgicas todas elas efectuadas com anestesia geral, foi submetida a varias transfusões sanguíneas durante as intervenções cirúrgicas e a seis transfusões fora do bloco operatório.

69. Devido ao facto de ter que estar sempre deitada de barriga para baixo durante o período de internamento, abriram-se feridas no corpo designadamente nas costas e nádegas.

70. As dores eram intensas, a A. durante este período não acreditava que sobreviveria a tanto sofrimento e dor.

71. Temeu pela vida, e no dia em que ia ser submetida à última intervenção cirúrgica pediu ao seu marido que quando a fosse visitar lhe levasse também a sua mãe para se poder despedir dela.

72. No entanto a intervenção cirúrgica resultou e no dia 16/05/02 foi-lhe concedida alta hospitalar.

73. A A. regressou a casa mantendo no entanto aplicado no seu membro inferior esquerdo o aparelho de "Ortofix", aparelho este que a A. manteve aplicado durante um período de 7 meses e quinze dias.

74. Durante esse período de 7 meses e quinze dias a A. sofreu com a repulsa que causava aos seus filhos por via da dita aparelho aplicada na coxa.

75. Em 12/11/02 a A. foi novamente internada no Hospital da Arrábida onde foi submetida a nova intervenção cirúrgica com anestesia geral para lhe ser retirado no membro inferior esquerdo o referido aparelho "Ortofix".

76. Foi-lhe dada alta hospitalar em 13/11/02 tendo a A. iniciado a fisioterapia ao dito membro, fisioterapia esta que se prolongou por cerca de 90 dias.

77. Foi um período extremamente doloroso para a A. pois teve que reaprender a andar.

78. Tendo-lhe sido concedida a alta clínica da Esumédica em 15/06/03.

79. No momento do acidente e nos instantes que o procederam a A. sofreu um enorme susto.

80. E dada a violência que caracterizou o embate e carácter imprevisto do mesmo a A. receou pela vida.

81. A A. ficou com a face esfacelada e em risco de perder a pálpebra esquerda.

82. Sofreu dores muito intensas em todas as partes do corpo atingidas.

83. Dores estas que de resto ainda hoje afectam a A. sempre que caminha, não podendo manter-se de pé por períodos superiores a 30 minutos.

84. Sofre ainda de dores intensas sempre que faz esforço com os membros inferiores e com a região da anca.

85. E invariavelmente nas mudanças de tempo.

86. A A. sofreu os efeitos maléficos das anestesias gerais às quais foi obrigada a submeter-se.

87. Sofreu os perigos inerentes às transfusões de sangue que lhe foram efectuadas.

88. Sofreu clausura hospitalar e os incómodos relativos aos períodos de acamamento no Hospital da N.a Sr.a da Oliveira em Guimarães, no Hospital Geral de St. António, no Porto, no Hospital dos Clérigos, no Porto, no Hospital da Arrábida, em Vila Nova de Gaia e ainda também durante o período em que se manteve acamada na sua residência.

89. Sofreu assim a privação da sua liberdade pessoal, correspondente aos períodos de tempo de acamamento que se prolongaram por cerca de 2 anos.

90. Durante esses períodos nomeadamente, naqueles em que se manteve em internamente hospitalar viu-se privada da companhia dos seus filhos e mais familiares.

91. À data do acidente o seu filho mais novo contava apenas com 4 meses de idade.

92. À data do acidente a A. era uma mulher muito jovem e contava apenas com 29 anos de idade.

93. Era uma mulher saudável, , e não padecia de qualquer doença ou defeito físico.

94. As sequelas que refere causam-lhe um profundo desgosto.

95. Os ferimentos sofridos com o acidente e as sequelas delas resultantes determinaram-lhe um período de doença com ITA desde 04/06/01 até 15/06/03.

96. O acidente em causa provocou na A. enormes dores e um forte abalo moral e psíquico.

97. Como já anteriormente referido a A. sofreu medo e angústia tendo temido pela vida, teve incómodos com o transporte em ambulância, com os tratamentos e intervenções cirúrgicas e fisioterapia, que teve necessidade de fazer, tendo padecido ainda de dores intensas durante todo o período de ITA.

98. Também como já referido viu-se a A. privada da sua liberdade pessoal durante os períodos de internamento e acamamento e incapacitada de acorrer ás necessidades de seus filhos ainda muito crianças.

99. No que diz respeito às dores sofridas pela A., quer durante os períodos de intervenções cirúrgicas e consequentes tratamentos médicos, quer durante os períodos de recuperação, que foram consequência do acidente, numa escala de O a 7 graus estas situam-se pelo menos no grau 5.

100. No que diz respeito ao dano estético e funcional, na mesma escala de O a 7 graus ele situa-se pelo menos no grau 3.

101. Assim, vê-se agora privada de praticar qualquer desporto, nomeadamente efectuar caminhadas, andar de bicicleta praticar ginástica, actividades estas que a A. praticava com regularidade antes do presente acidente.

102. Tudo isto lhe causa um grande desgosto e um enorme prejuízo estético e funcional.

103. As cicatrizes são bem visíveis e inibem a A. de frequentar a praia porque se tornam ainda mais visíveis e ostensivas

104. A A. sofreu também a dor imensurável de mãe, de lhe terem retirado o bebé que trazia no ventre, consequência do estado grave de saúde em que a A. se encontrava.

105. Sendo uma mulher jovem (29 anos), este facto desgosta-a profundamente pois viu-se privada de um dom que a natureza lhe concedeu.

106. À data do acidente a A. exercia as funções de encarregada de loja do Centro de Cópias de Guimarães, com sede no GuimarãeShoping, piso O, loja 309, auferindo a quantia mensal de Esc. 110.000$00 (€ 548,68).


107. Era forte, ágil, dinâmica, robusta e desempenhava facilmente todas as tarefas inerentes à sua profissão de encarregada de loja.

108. O seu agregado familiar é constituído pelo marido e por dois filhos com apenas 8 e 2 anos de idade.

109. Frequentando o mais velho a escola EB 1 de Guimarães e ATL Arco-íris e mais novo o infantário Arco-íris, ambos situados em Guimarães.

110. Ainda em virtude do acidente despendeu a A. a quantia de € 100,00 em honorários médicos.

111. E corre o risco de, em virtude das sequelas resultantes dos ferimentos sofridos no referido acidente, fazer embolias pulmonares e cerebrais.

112. Como sequelas permanentes resultantes dos ferimentos sofridos no acidente em causa a A. apresenta:
- Fractura viciosamente consolidada do fémur esquerdo;
- Encurtamento do membro inferior esquerdo de 4cm;
- Cicatrizes exteriores dispersas;
- Lesões venosas, sequelas de trombose venosa;
- Grande dificuldade em caminhar;
- Impossibilidade de se agachar na posição de cócoras e ajoelhar;
- Grande dificuldade da realização de todas as actividades normais da via diária;
- Claudicação acentuada da marcha;
- Risco de fazer episódios de embolias pulmonares e cerebrais;

113. Em consequência do acidente de que foi vitima a A. ficou com muitas cicatrizes espalhadas por todo o corpo, nomeadamente, na face, na pálpebra esquerda, no membro inferior esquerdo, no joelho direito e ilíaco esquerdo.

114. Como sequela dos ferimentos sofridos a A. ficou com um encurtamento de 4 cm na perna esquerda e claudica ao andar.

115. Ora esta sempre foi uma mulher amante dos desportos, sendo de referir que a mesma já tinha sido Militar da Força Aérea.

116. Além disso, as cicatrizes que tem espalhadas pelo corpo além de estarem sempre a lembrar do fatídico dia, fazem-na sentir profundamente deprimida.

117. A A. sofre um grande desgosto por se ver deformada.

118.O aborto realizado marcou-a intensamente, sendo certo que os médicos de ginecologia do Hospital de St. ° António não lhe permitiram uma escolha, uma vez que esta, não era clinicamente possível.

119. Este aborto foi consequência directa dos ferimentos sofridos no acidente e tratamentos médicos que a A. se viu obrigada a submeter.

120. A profissão do Autora exigia-lhe a permanência de 8 horas diárias de pé.

121. Dos ferimentos sofridos e sequelas deles resultantes adveio à autora uma I.P.P. de 65%, com incapacidade total para o exercício da profissão habitual.

122. Antes do acidente que deu origem aos presentes autos era a A. que para além de trabalhar no centro de cópias, preparava todas as refeições e as servia ao seu marido e filhos.

123. Que lavava e arrumava a loiça.

124. Que lavava e passava a ferro para todos os elementos que constituem o seu agregado familiar.

125. Que limpava e arrumava a casa da residência do casal.

126. E de um modo geral desempenhava todas as restantes tarefas domésticas relativas ao seu lar.

127. Em consequência das sequelas resultantes dos ferimentos sofridos no acidente não pode já, nem poderá no futuro, exercer qualquer actividade que exija permanecer de pé por período superior a 30 minutos, e desempenhar qualquer tarefa que implique o dispêndio de força física e do movimento de agachar e ajoelhar.

128. Necessita pois de uma terceira pessoa que a auxilie nas tarefas domésticas, nomeadamente naquelas em que a A. tem mais dificuldades em executar e a título exemplificativo: passar a ferro, varrer, aspirar, lavar a casa de banho, tirar a roupa da máquina.

129. A A. tem necessidade de manter terceira pessoa que a auxilie nas tarefas domésticas até ao final da sua vida.

130. Com isto irá despender quantia não concretamente apurada.

131. Despesa esta que resulta única e exclusiva e directamente da perda da sua capacidade para executar o serviço doméstico, consequência dos ferimentos e das sequelas deles resultantes e que tiveram como consequência directa o presente acidente.

132. Embora a autora já tenha tido alta clínica, ainda vai ser submetida a novas intervenções cirúrgicas, sendo certo que uma delas se realizou no ano de 2006.

133. Vai ter necessidade de frequentar sessões de fisioterapia.

134. Como adiantamento da indemnização devida final a aqui Ré BB já entregou à Autora a quantia de € 12.5846.

135. A Companhia Seguros Tranquilidade fez despesas em salários, hospitais, médicos, transportes, hospedagem e outros, tudo no total de € 47.075,97.

136. Com base na IPP, atribuída pelos serviços clínicos da ora interveniente, já está esta a pagar à sinistrada, ora A., pensões provisórias, tendo pago, até ao fim do corrente mês de Fevereiro de 2004, pensões no total de € 2.061,79.

137. Por sentença já transitada em julgado, conforme certidão junta, a interveniente foi condenada a pagar uma pensão anual e vitalícia de 5.220,53 euros, um subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de 3.516,05 e despesas de transporte.

138. Desde Fevereiro de 2004 (data de entrada da petição inicial) até à presente data (12/07/2006), a interveniente despendeu:
- Subsídio de elevada incapacidade - 3.516,05 €
- Despesas de deslocação - 105,99 €
- Hospitalares -125,00 €
- Pensões - 14.880,14 €
- Honorários mod.6 - 632,60 €
- Honorários entidades colectivas - 269,006
Tudo no total de 19 528,78 €.

139. Desde 01/10/2006 até 31/03/2007, a interveniente despendeu:
-Despesas de deslocação - 68,15 €
-Hospitalares -126,756
-Pensões-2.610,306
-Honorários mod.6 -19,50 €
-Honorários entidades colectivas - 1 .676,536.
Tudo no total de 4.501, 23 €.

140. Ascendem, assim, as despesas suportadas pela interveniente até este momento a € 73.167,77.


São as conclusões da alegação dos recorrentes, como é sabido, que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que urge apreciar e decidir.
*

I – Da revista da autora:

São as seguintes as questões que por esta recorrente nos são suscitadas:
1ª – A da incorrecta fixação da quantia de € 75.000 a título de danos não patrimoniais, sendo mais equitativa a de € 200.000 antes fixada pela 1ª instância;
2ª – A da incorrecta contabilização dos juros de mora a contar da data da sentença, quando o deverá ser a contar da citação;
3ª – A da incorrecta dedução da quantia de € 23.068,28, por via da acumulação de indemnizações por acidente de viação e acidente laboral;
4ª – A da incorrecta fixação da indemnização a título de danos patrimoniais futuros, que deve ser antes arbitrada em € 291.364,21;
5ª – A da incorrecta determinação da quantia destinada a compensar a despesa a suportar com o auxílio de terceira pessoa, que deverá ser aumentada para € 110.000.

Vejamos.

Começando-se pela primeira questão: a da quantia a fixar a título de danos não patrimoniais.

Tendo em conta o quadro de “sofrimento tão intenso e prolongado” da autora, entendeu o senhor Juiz de 1ª instância fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 200.000.

Aí se ponderando que “as dores que sofreu são quase inimagináveis (atente-se no despertar a meio de uma cirurgia, na quebra do fémur em pleno tratamento, no esmagamento dos ossos no próprio acidente, nas inúmeras cirurgias, nos tratamentos de limpeza cirúrgica em salas de operações, nos sanfonamentos, nos períodos de infecção incontrolada)”
No quantum doloris situado no grau 5 em 7.
No dano estético, atentando-se nas “terríveis” fotografias juntas aos autos, na juventude da autora e nas consequências para a sua vida quotidiana e mesmo íntima.
No desgosto que terá sofrido pela provação do contacto com os filhos, nomeadamente do mais pequenino, então com 4 meses de idade, no sofrimento de um aborto não desejado, na profunda pena pela limitação física e pela deformação, na imobilização no hospital e em casa por banda de uma senhora jovem e muito activa.

A Relação, ora recorrida, considerando indiscutível o incomensurável sofrimento da autora decorrente, quer das lesões padecidas, quer do respectivo tratamento, as sequelas delas advenientes, a profunda dor, desgosto, abalo psicológico, prejuízo estético e funcional, bem como o aborto sofrido e a sua juventude, entendeu mais equitativo o valor de € 75.000 para compensação dos danos em apreço, considerando que as indemnizações pelo direito à vida, bem supremo, oscilam entre os € 50.000 e os € 60.000.

Que dizer?

Dando-se como reproduzidos os ferimentos, dores, tratamentos e demais consequências que para a infeliz A. resultaram do acidente dos autos, dúvidas não restarão terem os mesmos de se considerar gravíssimos.
Bem podendo destacar-se:
As fracturas sofridas no momento do acidente, com esmagamento de ossos, esfacelamento da face, incluindo pálpebra esquerda, alem de outras, delicada, demorada e dolorosa intervenção cirúrgica efectuada no dia do sinistro, com retenção no leito durante 30 dias;
Agravamento do estado de saúde, encurtamento do fémur esquerdo em cerca de 6 cms e submissão a nova cirurgia com enxerto do dito osso. Sendo a mesma tão dolorosa e complicada que a A. despertou no decurso da mesma;
Novo acamamento, com fortes dores e febres elevadas, superiores a 40ª;
Novo internamento hospitalar de urgência face ao agravamento do estado de saúde da autora;
Surgimento de trombose venosa profunda no membro inferior esquerdo.
Necessidade de interrupção da gravidez, devido ao seu estado de saúde, consequência do acidente, com intervenção cirúrgica de curetagem uterina e consequente grande desgosto por isso sofrido;
Nova intervenção cirúrgica para ser retirado material ortopédico, com raspagem de osso e colocação de sanfonagem, sem êxito;
Nova fractura do fémur quando era retirado o sistema de sanfonagem, com a A. consciente, com dores de “intensidade brutal”, ficando a coxa esquerda dobrada a meio;
Nova intervenção cirúrgica, para tentar obviar a previsível amputação do membro, com aplicação de complexo aparelho para tentativa de recuperarão do fémur;
Mais sete intervenções cirúrgicas, efectuadas duas vezes por semana;
Manutenção da cicatriz da coxa aberta, com a autora deitada no leito de barriga para cima, durante cerca de 1 mês, com dores fortíssimas;
Manutenção do complexo aparelho no membro inferior esquerdo durante sete meses e quinze dias com o acrescido sofrimento da autora com a repulsa que o mesmo causava a seus filhos, então com cerca de 6 anos e de 1 ano, respectivamente;
Fisioterapia por 90 dias, para reaprendizagem de marcha, com muitas dores;
Intensas dores que ainda sofre;
Submissão a diversas transfusões de sangue;
Períodos de acamamento durante cerca de dois anos, com períodos de privação de contacto com os filhos, tendo o mais novo, à data do acidente, 4 meses;
Dores sofridas no grau 5, na escala de 0 a 7;
Dano estético situado no grau 3, na mesma escala;
Inibição da prática de desportos, que a A., à data com 29 anos e saudável, praticava e de idas à praia, face às visíveis cicatrizes espalhadas por todo o corpo, nomeadamente na face, na pálpebra esquerda, no membro inferior esquerdo, joelho direito e ilíaco esquerdo;
Encurtamento da perna esquerda em 4 cms, com claudicação ao andar;
Fractura viciosamemnte consolidada do fémur esquerdo;
Lesões venosas e grande dificuldade em caminhar;
Risco de embolias cerebrais e pulmonares;
Impossibilidade de permanecer de pé por tempo superior a 30 m. e de desempenhar actividades que impliquem dispêndio de força física ou a posição de agachar ou de ajoelhar.

Ora, dúvidas não restarão que os requeridos danos não patrimoniais são graves, muito graves, e, como tais, indubitavelmente merecedores da tutela do direito – art. 496º, nº 1 do citado CC.

Devendo o montante da indemnização – e sendo certo que tais danos, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização – ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc – art. 496º, nº 3 do mesmo diploma legal.

Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equita­tiva - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossí­vel a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização (Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, p. 491 e seg.).

Salientando, a propósito, o Prof. A. Varela:
"O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, n° 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer á culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão.
Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório " - Das Obrigações em Geral, 1, p. 607 e segs.

Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. "- Ac. do STJ de 10/2/98, CJ S. T. 1, p. 65.

Devendo tal compensação ser proporcionada á gravidade do dano, nela se tomando em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. 1, p. 501.

Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.

Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser mise­rabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo - neste mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/6/2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134.

Não podendo funcionar as quantias usualmente atribuídas para a compensação do dano vida - sendo a morte, em termos meramente abstractos, a consequência da maior lesão que a integridade física pode sofrer - como limite à indemnização a ter aqui em apreço, pois podem outros danos de natureza não patrimonial assumir, em concreto, proporções mais elevadas, se considerarmos, desde logo, aqueles que perdurem no tempo e que, por vezes, farão desejar a morte em vez da vida.
Nenhuma norma havendo, aliás, no nosso ordenamento jurídico que impeça que se atribua indemnização superior à que se atribuiria ao dano morte.

Trata-se, então, de encontrar a justa reparação para o dano não patrimonial também sofrido pela A.
Havendo que levar em conta todos os factos a respeito atrás melhor explanados, sendo a autora, antes, uma jovem saudável e alegre, hoje confinada a uma vivência dolorosa, amarga, dependente, enfim, plena de limitações. Não se olvidando a interrupção da gravidez a que teve de ser submetida, devido ao seu estado de saúde (por causa do acidente), dos tratamentos, exames e medicamentos que lhe foram ministrados. Com o inerente grande desgosto sofrido.

Não podendo por todo este quadro, melhor avaliado numa leitura atenta dos factos a ter em conta a seu respeito, que impressionará qualquer um, ocorrido sem qualquer culpa da autora, mulher bem saudável, ainda no apogeu da vida, deixar de se lhe atribuir, para compensação dos danos em apreço, a quantia actualizada de € 180.000.

Sendo certo que, por acórdão deste mesmo Colectivo de Juízes, proferido no passado dia 23 de Setembro (Pº 1857/08), se atribuiu uma indemnização de € 150.000 pelo mesmo tipo de danos a uma senhora que, com 52 anos à data do acidente, sofreu também inúmeras e gravíssimas lesões, com grandes e inerentes sofrimentos, inúmeras intervenções cirúrgicas, períodos de internamento hospitalar e de acamamento.


Passemos à segunda questão: a dos juros de mora.

Decidiu-se no acórdão recorrido que os juros de mora pela compensação fixada a título de danos não patrimoniais seriam contados a partir da data da prolação da sentença.
Tendo-se nele entendido, como justa e equitativa, em relação à compensação de tais danos, “atendendo ao tempo decorrido e reportando-nos à presente data” – a do dito acórdão – a quantia de € 75.000.
Louvando-se para tal entendimento na doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, nº 4/2002.

E bem se andou, contrariamente ao que sustenta a recorrente.

Pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui - concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado.

De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (Santos Bernardino), “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”

Tendo que se afastar, nos casos em que há actualização, a aplicação do nº 3 do art. 805º do CC.

Tendo que se acatar também aqui – não havendo novas razões para tal pôr em crise – a doutrina do acórdão uniformizador atrás citado.

Pelo que a indemnização pecuniária a título de tais danos não patrimoniais, actualizada, vence juros de mora a partir da data deste acórdão.


A terceira questão: – A da incorrecta dedução da quantia de € 23.068,28, por via da acumulação de indemnizações por acidente de viação e acidente laboral.

Entendeu o Tribunal recorrido, a este respeito, que “ … em obediência ao princípio da complementaridade das indemnizações por acidente, ao mesmo tempo de trabalho e de viação, consagrado no nosso sistema jurídico (cfr. art. 18º do DL 522/85, de 31/12 e arts 10º e 31º da Lei nº 100/97, de 13/9) há que deduzir tão só à indemnização cível por danos patrimoniais futuros (€ 100.000) os montantes pagos à A. sinistrada nos autos de acidente de trabalho a título de subsídio de elevada incapacidade (€ 3.516,05) e de pensões (2.061,79 + 14.880,14 + 2.610,30), no total de € 23.068,28.
Significa isto que do montante indemnizatório de € 100.000, fixado à autora a título de danos patrimoniais futuros, há que deduzir, também, a referida quantia de € 23.068,28, a qual será objecto de reembolso à interveniente, Companhia de Seguros ........., por conta do pagamento por esta efectuado à A., sendo certo que, para alem do dito montante de € 23.068,28 subsistirá a indemnização emergente de acidente de trabalho”.

Sustenta a recorrente que, no caso dos autos, tão só as respostas dadas aos quesitos 134º (€ 12.584,60), 136º (€ 2.061,79) e 137º (€ 3.516,05) se referem a quantias susceptíveis de serem deduzidas no montante da indemnização cível por danos patrimoniais futuros.

Mas, dizemos agora nós, também no ponto 138 da factualidade apurada consta ter a interveniente despendido a quantia de € 14.880,14 no pagamento de pensões, aludindo o ponto 139 seguinte ainda ao pagamento de € 2.610,306 na liquidação de pensões.

Tendo, assim, a interveniente comprovadamente despendido no pagamento de pensões a aludida quantia de € 23.068,28 (2.061,79 + 3.516,05 + 14.880,14 + 2.610,30).

E, assim, sabendo-se que as indemnizações por acidente simultaneamente de viação e de trabalho não se cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido, não comportando a lei a dupla indemnização pelo mesmo dano, bem deduzida está a aludida quantia de € 23.068,28 aos danos futuros que venham a ser fixados.


Agora, a quarta questão: a da incorrecta fixação da indemnização a título de danos patrimoniais futuros, que deve ser antes arbitrada em € 291.364,21.

O Tribunal recorrido, a este respeito, manteve o decidido em 1ª instância, que fixou tais danos em € 100.000.
Desde logo, porque ficar com uma incapacidade de 65% para o exercício da profissão habitual não é o mesmo que ficar com uma incapacidade total e absoluta para todo e qualquer trabalho.

Pretendendo, por seu turno, a recorrente que os mesmos sejam antes valorizados em € 291.364,21, sendo certo que a expectativa da sua vida irá até aos 78 anos, não se repercutindo na sua capacidade de ganho a capacidade residual de 35% a não ser que a A. consiga reconverter noutra actividade profissional aquela que desempenhava à data do sinistro, já que provado ficou que “não poderá exercer qualquer actividade que exija permanecer de pé por períodos superiores a 30 minutos e desempenhar qualquer tarefa que implique o dispêndio de força física e do movimento de agachar e de ajoelhar”.

Vejamos:

Tem-se distinguido modernamente, na esteira da que também julgamos mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana – dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.
E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou um determinado período de incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, alem disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho – Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, p. 271 e ss.

Constituindo entendimento corrente deste Tribunal, que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade parcial permanente (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art. 564º, nº 2 do CC.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.

Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado – entre muitos outros, só anotando jurisprudência mais recente, Acs do STJ de 18/12/07 (Santos Bernardino), Pº 07B3715, de 17/1/08 (Pereira da Silva), Pº 07B4538, de 17/6/08 (Nuno Cameira), Pº 08A1266 e de 10/7/08 (Salvador da Costa), Pº 082B111, bem como Cons. Sousa Diniz, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ, Ano IX, T.1, p. 6 e ss.

Sendo certo que, sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – art. 566º, nºs 1 e 2 do CC.

Ora, não sendo tarefa fácil a fixação da indemnização por danos futuros, sem possibilidade de recurso a critérios abstractos e mecânicos ou matemáticos, mas atendendo antes ao tempero da equidade (art. 566º, nº 3 do CC), tem a nossa jurisprudência vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar para alcançar tal necessário desiderato, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo de danos que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio que, embora jamais se possa excluir destes juízos, se pretende minimizar o mais possível.
Tendo vindo a assentar-se, tal como de forma generalizada se explicitou no citado Ac. deste STJ, de 17/6/08, nas seguintes ideias que presidirão à quantificação da indemnização em apreço e que aqui e agora se reproduzem:
a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida, terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres os 80 anos.

Funcionando sempre, como já dito, a equidade como elemento de correcção do resultado que se venha a atingir.

Ora, à data do acidente a autora tinha 29 anos de idade.
Exercia, então, as funções de encarregada de loja do Centro de Cópias de Guimarães, auferindo a quantia mensal de € 548,68, exercendo com facilidade todas as tarefas inerentes à sua profissão.
Em consequência dos ferimentos sofridos por via do acidente, ficou a padecer de uma IPP de 65%, com incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual.
Em consequência das sequelas do acidente, não pode, nem poderá no futuro, exercer qualquer actividade que exija permanecer de pé por período superior a 30 m., bem como desempenhar qualquer tarefa que implique o dispêndio de força física e do movimento de agachar e de ajoelhar.

A autora, para o exercício da sua profissão habitual, ficou com incapacidade total.
Não significando, como bem diz a Relação – embora se reconheçam naturais e efectivas dificuldades de exercer outra actividade com aproveitamento da capacidade para o trabalho residual (35%) – que a não possa exercer, competindo-lhe provar que tal não poderia mais vir a suceder. O que não aconteceu

E, assim, tudo isto se ponderando, mais a esperança de vida da lesada, o facto de receber por uma só vez o montante indemnizatório, que deveria ser fraccionado ao longo dos anos, devendo o mesmo, como já dito, ficar esgotado no termo do período para que foi estimado – pelo que, para evitar o seu enriquecimento indevido se abaterá a percentagem de 25% (1/4), na esteira da jurisprudência francesa – e os previsíveis aumentos anuais do seu vencimento, pelo menos durante a sua vida activa, com o apelo devido ao necessário juízo de equidade, se fixa aqui a indemnização a arbitrar aos danos ora em apreço em € 190.000.


Finalmente, a quinta questão: a da incorrecta determinação da quantia destinada a compensar a despesa a suportar com o auxílio de terceira pessoa, que deverá ser aumentada para € 110.000.

Para suportar a necessidade de manutenção de uma terceira pessoa que auxilie a autora até ao fim da sua vida, atribuíram as instâncias à autora a quantia de € 75.000.

Tendo a 1ª instância fundamentado a atribuição de tal verba, segundo a equidade – afastada que estará a possibilidade de liquidação em execução - nas seguintes razões:
A ponderação do número de anos em que a autora necessitará de tal apoio – cerca de 50;
O custo médio horário de uma empregada doméstica – cerca de € 5;
O numero previsível de horas necessárias para ocorrer às necessidades que a autora, por si, não poderá satisfazer;
A obtenção de um capital que, teoricamente, proporcione rendimento bastante para suportar as inerentes despesas

Acrescentando-se aqui, dever-se o mesmo esgotar ao longo dos anos no pagamento da finalidade para que foi criado, de molde a não gerar um enriquecimento indevido por banda da autora.

Requer a autora, para tal finalidade, a indemnização de € 110.000.
Alegando a necessidade de ajuda por mais de 50 anos, a desvalorização da moeda e o inevitável aumento dos salários.

Ora, provado ficou que antes do acidente era a autora que, para alem da sua actividade profissional, cuidava de toda a lide doméstica, necessitando agora do auxílio de uma terceira pessoa, nomeadamente no desempenho das tarefas que tem mais dificuldade, face às sequelas e limitações de que ficou a padecer, em executar: passar a ferro, varrer, aspirar, lavar a casa de banho, tirar a roupa da máquina. O que irá acontecer até ao fim da sua vida.

E, assim, tendo em conta a previsível esperança de vida até aos 80 anos de idade – e com outros números a tal título não se devendo avançar – afigura-se perfeitamente equilibrada a quantia de € 75.000 fixada nas instâncias (havendo que se sopesar que este capital, recebido e ao dispor da autora de uma só vez, gerará rendimentos que deverão, naturalmente, ser também consumidos – como o capital, em si - na estrita finalidade de tal indemnização).
Que, assim, se manterá.

II – Da revista da recorrente Tranquilidade:


A única questão que a mesma suscita é a do excesso de pronúncia do acórdão recorrido já que o montante por ela pedido a título de reembolso, no valor de € 73.167,77, acrescido de juros, bem como outras quantias que viessem a ser pagas à demandante em consequência do acedente, jamais foi questionado nos autos, sempre a ré BB tendo aceitado pagar tais quantias.

A 1ª instância decidiu, com efeito, ter a interveniente ......... direito ao reembolso da quantia de € 73.167,77, mais outras que venha a pagar à autora em consequência do acidente.
Condenando, em consequência, a ré BB a pagar a tal interveniente seguradora aquelas quantias.

Não tendo esta parte da decisão de 1ª instância sido alvo de recurso de apelação.
Tendo a ré condenada se conformada com tal decisão.

Ora, a sentença (acórdão) é nula, alem do mais, quando o juiz aprecie questão de que não podia tomar conhecimento – art. 668º, nº 1, al. d) do CPC.

Sendo certo que, nos termos do disposto no art. 684º, nº 2, 3 e 4 do mesmo diploma legal, se a parte da sentença contiver decisões distintas, é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, podendo ainda o mesmo, nas conclusões da sua alegação, restringir expressa ou tacitamente o objecto do recurso, não podendo os efeitos do julgado, na parte não recorrida, ser prejudicados pela decisão do recurso.

Transitando, assim, a decisão sobre essa parte não recorrida.

Ficando, em princípio, tal parte da decisão transitada em julgado, a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele – art. 671º, nº 1 do citado CPC.

Não devendo, assim, ser tal matéria objecto de nova decisão.

Tendo, pois, os senhores Juízes desembargadores conhecido de questão que não deveriam apreciar.

Sendo nula tal parte da sua decisão, ficando, assim, a propósito, a vigorar a proferida na 1ª instância.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça:

1) Quanto à revista da autora:
Concedendo-se parcialmente a mesma, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que, a título de indemnização por danos futuros atribuiu à autora a quantia de € 100.000, fixando-se aqui a mesma em € 190.000 (cento e noventa mil euros), bem como naquela em que condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 75.000 a título de danos não patrimoniais, fixando-se antes tal indemnização em € 180.000 (cento e oitenta mil euros). Mantendo-se quanto ao mais o quanto à autora decidido.
Custas por autora e ré, na proporção dos respectivos decaimentos, levando-se em conta o apoio judiciário de que aquela beneficia.
2) Quanto à revista da interveniente Tranquilidade:
Concedendo-se a sua revista, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que se condenou a ré a pagar à mesma a quantia de € 23.068,28, subsistindo antes a tal respeito o pagamento de € 73.167,77 determinado na 1ª instância.
Custas pela ré.

Lisboa, 23 de Outubro de 2008

Serra Baptista (Relator)
Duarte Soares
Santos Bernardino